A prova, em sua acepção de base, indica algo que possa servir ao convencimento de outrem. Objeto da prova é o fato que se pretende provar, constante na alegação da parte, ao passo que o conteúdo corresponde ao que se conseguiu provar, ou seja, ao fato demonstrado no suporte físico documental. Para que se tenha algo por provado, há de estabelecer-se relação implicacional entre o conteúdo da prova e seu objeto, consistente no fato alegado. Tudo isso, por certo, com o ânimo de convencer o destinatário, na qualidade de julgador, para que se constitua o fato jurídico em sentido estrito, desencadeando o correspondente liame obrigacional.
No direito, a figura da prova assume especial importância tendo em vista que, para que o processo de positivação se realize, necessário se faz enquadramento do fato à previsão normativa abstrata (subsunção), possibilitando a implicação entre antecedente e consequente, operações lógicas que caracterizam o fenômeno da incidência normativa. Desse modo, a linguagem das provas, prescrita pelo direito, não apenas diz que um evento ocorreu, mas atua na própria constituição do fato jurídico.
A atividade probatória das partes tende à demonstração da veracidade dos fatos por elas alegados, mediante convencimento do julgador. Apresenta a prova, portanto, função persuasiva, dirigindo-se a formar a convicção do destinatário. Sua finalidade, porém, é a constituição ou desconstituição do fato jurídico em sentido estrito, motivo pelo qual, para provar algo, não basta simplesmente juntar um documento qualquer, sendo preciso estabelecer relação de implicação entre esse documento e o fato que se pretende provar.
O direito à produção probatória decorre da liberdade que tem a parte de argumentar e demonstrar a veracidade de suas alegações, objetivando convencer o julgador. Visto por outro ângulo, o direito à prova implica a existência de ônus, segundo o qual determinado sujeito do processo tem a incumbência de comprovar os fatos por ele alegados, sob pena de, não o fazendo, ver frustrada a pretendida aplicação do direito material.



1.    Função da prova no direito


Como os acontecimentos físicos exaurem-se no tempo e no espaço, estes são de impossível acesso, sendo necessário, ao homem, utilizar enunciados linguísticos para constituir os fatos com que pretenda entrar em contato. Um evento não prova nada. Somos nós quem, valendo-nos de relatos e de sua interpretação, provamos. Daí porque os eventos não integram o universo jurídico. Os eventos não ingressam nos autos processuais. O que integra o processo são sempre fatos: enunciados que declaram ter ocorrido uma alteração no plano físico-social, constituindo a facticidade jurídica. Francesco Carnelutti,1 embora sem empregar essa terminologia, também vislumbra a prova como suporte necessário à constituição do fato jurídico:
“Isso significa que o confessor declara não para que o juiz conheça o fato declarado e aplique a norma tão somente se o fato é certo, senão para que determine o fato tal como foi declarado e aplique a norma prescindindo da verdade” [...] Provar, de fato, não quer dizer demonstrar a verdade dos fatos discutidos, e sim determinar ou fixar formalmente os mesmos fatos mediante procedimentos determinados”.
Não é qualquer linguagem, porém, habilitada a produzir efeitos jurídicos ao relatar os acontecimentos do mundo social. Há necessidade de emprego da linguagem prescrita pelo ordenamento, pois a constituição dos fatos jurídicos, na lição de Paulo de Barros Carvalho,2 “é modo de usar-se a linguagem jurídico-prescritiva. Nós usamos a linguagem do direito para constituir os fatos jurídicos, modificá-los ou desconstituí-los – o que significa dizer trabalhar, ou operar, na faixa de criação da realidade jurídica”. A linguagem escolhida pelo direito vai não apenas dizer que um evento ocorreu, mas atuar na própria construção do fato jurídico (fato que ingressou no ordenamento jurídico mediante o processo seletivo de filtragem desse subsistema).
Provado o fato, tem-se o reconhecimento de sua veracidade. Apenas se, questionado ou não, o enunciado pautar-se nas provas em direito admitidas, o fato é juridicamente verdadeiro. O mero relato do fato no antecedente de norma individual e concreta não se mostra suficiente, portanto, para dar seguimento ao regular processo de positivação do direito tributário: é imprescindível que esteja pautado na linguagem das provas.


2.     Acepções do vocábulo "prova"


“Prova” é vocábulo polissêmico, possuindo diversos significados possíveis. No sentido comum, as várias acepções do vocábulo prova têm um ponto nuclear, compartilhado por todas elas: o termo é empregado para denotar algo que possa servir ao convencimento de outrem. Prova, segundo Moacyr Amaral Santos,3 é o meio utilizado para persuadir o espírito acerca de uma verdade.
Relativamente ao âmbito jurídico, a plurivocidade de sentidos mantém-se. Em estudo sobre o tema,4 identificamos as seguintes possibilidades significativas: 1. procedimento, entendido como a sequência de atos mediante os quais se opera o relato probatório; 2. rito da enunciação, legalmente previsto, ou procedimento organizacional da prova; 3. resultado do procedimento probatório, ou seja, seu produto; 4. conjunto de regras que regulam a admissão, produção e valoração dos elementos trazidos aos autos, determinando o transcurso probatório; 5. enunciação; 6. enunciação enunciada; 7. enunciado linguístico; 8. suporte físico; 9. conteúdo do suporte físico; 10. proposição; 11. veículo introdutor; 12. norma em sentido amplo; 13. norma em sentido estrito; 14. mensagem; 15. signo; 16. indício; 17. pista; 18. vestígio; 19. marca; 20. sinal; 21. ato de fala; 22. atitude pragmática; 23. relação de implicação entre enunciados linguísticos; 24. elemento constitutivo do fato jurídico; 25. fato; 26. fato de provar; 27. fato provado; 28. fato que causa convencimento do julgador acerca da verdade de outro fato; 29. fato da convicção provocada na consciência do julgador; 30. meio de controle das proposições que os litigantes formulam em juízo; 31. soma dos meios produtores de certeza; 32. fundamentação; 33. justificação da crença na verdade de um fato; 34. certeza; 35. verdade; 36. evidência; 37. certificação de que ocorreu elemento constitutivo do fato jurídico; 38. prova direta; 39. prova indireta; 40. presunção; 41. sobreprova; 42. metaprova; 43. reforço de prova; 44. enunciado de segundo nível; 45. contraprova; 46. protoprova; 47. análise; 48. argumento retoricamente produzido; 49. experiência sensorial, decorrente da utilização de um dos cinco sentidos – audição, tato, olfato, paladar e visão; 50. testemunho; 51. competição; 52. concurso; 53. processo seletivo; 54. prova de conhecimento; 55. providência preliminar; 56. exibição; 57. certificação autenticadora; 58. certificação constituidora; 59. documento.
Eis uma amostra das feições que o vocábulo prova pode assumir, sendo desaconselhável pretender atribuir-lhe um único sentido. A polissemia do termo examinado é intrínseca a ele, não sendo possível afirmar que tenha um significado exato.
Uma das razões em virtude da qual persiste a plurissignificação diz respeito ao momento em que a prova é considerada. Não obstante seja comum visualizá-la como algo finalizado, entendendo-a como a demonstração da verdade de um fato, o conceito de prova varia segundo o instante em que se a considere, podendo referir-se a aspectos relacionados à sua fonte, aos enunciados probatórios ou à sua valoração. Com base na dinâmica da prova, alguns autores, como Prieto Castro,5 procuram construir definição que abranja toda sua complexidade, compreendendo a prova como a atividade que desenvolvem as partes para levar o julgador à convicção da verdade de uma afirmação, fixando os correspondentes efeitos no processo, bem como os objetos de que as partes se servem para provar o recebimento destes por quem irá apreciá-los e o resultado dessa avaliação.
Sobre o assunto, examinando a diversidade de acepções do vocábulo prova em direito processual, registra Antonio Dellepiane6 ser o termo usado, ordinariamente, no sentido de elementos produzidos pelas partes ou recolhidos pelo julgador, a fim de estabelecer no processo a existência de certos fatos. Isso não exclui, contudo, seu emprego como ação de provar, quer dizer, ato de fornecer os elementos de juízo ou produzir os meios indispensáveis para determinar a exatidão dos fatos alegados. Além disso, referido vocábulo serve para designar, também, o fenômeno psicológico, o estado de espírito produzido no julgador por aqueles elementos de juízo, ou seja, a convicção, a certeza acerca da existência dos fatos sobre os quais recairá seu pronunciamento. É neste último sentido, esclarece o autor, que se costuma dizer existir ou não prova dos fatos alegados:
“Nesta última hipótese, isto é, na de não existência de prova, não se entenderá como significando a não existência de elementos de juízo acumulados no processo [meios de prova, primeira acepção], nem tampouco que os não hajam produzido os litigantes [segunda acepção], senão que esses elementos são insuficientes para determinarem a convicção ou, o que é equivalente, que não existe no magistrado o estado de consciência chamado certeza, em razão de haverem sido insuficientes para criá-los os elementos de juízo acumulados”.7
Tudo isso se deve ao fato de que a prova padece da ambiguidade processo/produto, podendo significar tanto a enunciação como o enunciado resultante [dilema]. E, mais que isso, a palavra prova é plurissignificante, susceptível de ser empregada para aludir (i) ao fato que se pretende reconstruir; (ii) à atividade probatória; (iii) ao meio de prova; (iv) ao procedimento organizacional; (v) ao resultado do procedimento; ou (vi) ao efeito do procedimento probatório na convicção do destinatário. Essa polissemia decorre, principalmente, das diferenças quanto ao alcance do termo, aos diversos momentos em que a prova é considerada, à estrutura aberta da linguagem e aos aspectos relativos à sua pertinência. Por esse motivo, sempre que falamos em prova devemos estabelecer a fase de sua dinâmica a que nós estamos referindo.

3.     A prova como fato jurídico


Tomamos o fato como enunciado denotativo de uma situação, delimitada no tempo e no espaço. Registra Tércio Sampaio Ferraz Jr.8 que “Fato não é pois algo concreto, sensível, mas um elemento linguístico capaz de organizar uma situação existencial como realidade”. O fato refere-se sempre ao passado, a algo já sucedido, que se esvaiu no tempo e no espaço. Daí termos acesso apenas ao fato, jamais ao evento. Isso não implica, porém, completo desprezo ou negação do evento, pois, como referido, a postura ora adotada nada tem de niilista. Embora inalcançável, o evento é pressuposto para o fato, ou seja, constitui-se o fato “em nome de” relatar um evento supostamente ocorrido.
O acontecimento natural, pertencente ao mundo da experiência (evento), não integra o sistema jurídico ou sequer o social. Como já mencionado, as coisas só existem para o homem quando constituídas pela linguagem. Assim, qualquer que seja o sistema que se examine, nele ingressam apenas os enunciados compostos pela forma linguística própria daquele sistema. Relatado o sucesso (evento) em linguagem social, teremos fato social; este, vertido em linguagem jurídica, dará nascimento ao fato jurídico.
O evento está para o fato social, assim como o fato social está para o fato jurídico. Na lição de Paulo de Barros Carvalho,  a realidade social é constituída pela linguagem social, sobre a qual incide a linguagem prescritiva do direito positivo, juridicizando fatos e, desse modo, desenhando o campo da facticidade jurídica. Assim é que os fatos da chamada realidade social (fatos sociais), enquanto não constituídos mediante linguagem jurídica própria, podem ser tidos como eventos em relação ao mundo do direito.
    

4.     Morfologia da prova (análise estática)


No âmbito da linguística, o vocábulo morfologia designa o estudo da constituição das palavras e dos processos pelos quais são elas construídas, a partir de suas partes. Considerando que a prova é um enunciado linguístico, consideramos possível, utilizando linguagem de sobrenível, separar seus componentes, com vistas a estudar as peculiaridades de cada um. Esse desdobramento da prova em unidades linguísticas menores, para fins de identificar seus atributos e funções, possibilitando, desse modo, a compreensão dos elementos de linguagem necessários à produção probatória, é o que denominamos morfologia da prova.
Observada a composição do fato jurídico denominado prova, identificamos sete elementos: (i) fonte; (ii) objeto; (iii) conteúdo; (iv) forma; (v) função; (vi) finalidade; e (vii) destinatário. O objeto da prova consiste no fato que se pretende provar, representado pela alegação da parte. O conteúdo nada mais é que o fato provado, entendido como enunciado linguístico veiculado, independentemente da apreciação do julgador: é o fato jurídico em sentido amplo. A forma, modo pelo qual se exterioriza a prova, há de apresentar-se sempre escrita ou susceptível de ser vertida em linguagem escrita. Sua função é persuasiva, voltada ao convencimento do julgador, enquanto a finalidade, objetivo último da prova, direciona-se à constituição ou desconstituição do fato jurídico em sentido estrito. Tudo isso, contudo, não se opera sem um sujeito que emita os enunciados probatórios (fonte) e um destinatário a quem estes se dirijam, com o escopo de convencimento.
Convém registrar que a atividade probatória das partes tende à constituição dos fatos, mediante convencimento do julgador. Em razão dessa dualidade, bifurcam-se duas correntes acerca da função da prova: (i) corrente cognoscitiva, segundo a qual a prova é essencialmente um instrumento de conhecimento, adotada por Michele Taruffo,10 para quem a função da prova é oferecer ao julgador elementos para estabelecer se um determinado enunciado é verdadeiro ou falso, mediante conhecimento da realidade; e (ii) concepção persuasiva, entendendo servir a prova como meio de persuasão, nada tendo que ver com o conhecimento dos fatos, não se prestando para reconhecer sua verdade ou falsidade. Essa bipartição decorre da adoção da verdade por correspondência. Partindo, entretanto, da premissa de que não há ligação entre a verdade e os eventos, sendo a realidade constituída pela linguagem, essa contraposição de posicionamentos não tem sentido. Daí porque, ao entender ser persuasiva a função da prova, isso não significa desprezo pela verdade ou falsidade dos fatos: a prova objetiva convencer o destinatário sobre a verdade ou falsidade de um fato, o que se dá com o conhecimento dos elementos trazidos ao processo. Não se tem, por conseguinte, uma persuasão pura e simples, desconectada de qualquer relação com o conhecimento, pois quem fala o faz em nome de uma verdade.
Persuadir consiste em contrapor opções, tratando de criar a convicção da verdade de uma opção perante outra. Nisso consiste criar a certeza do julgador, não servindo a prova, como pontua Francesco Carnelutti,11 para conhecer os acontecimentos, mas para conseguir uma determinação formal dos fatos. A teoria das provas não se volta ao objeto em si (essência) ou à sua manifestação (fenômeno), mas ao seu relato em linguagem competente (constructivismo), ou seja, ao fato jurídico.
Ao discorrer sobre a função da prova, Francesco Carnelutti12 refere-se expressamente ao caráter inventivo do julgamento, consistente em:
“encontrar, através do presente, o futuro de um passado ou o passado de um futuro. (...) Encontrar o futuro de um passado ou o passado de um futuro é sempre um salto nas trevas. (...) o juiz está em meio a um minúsculo cerco de luzes, fora do qual tudo são trevas: atrás dele o enigma do passado e diante, o enigma do futuro. Esse minúsculo cerco é a prova. (..) A prova é o coração do problema do julgamento”.
É por meio das provas levadas aos autos que o julgador se convence acerca da ocorrência ou não dos fatos alegados pelas partes. Nas palavras de Malatesta,13 “sendo a prova o meio objetivo pelo qual o espírito humano se apodera da verdade, sua eficácia será tanto maior, quanto mais clara, mais plena e mais seguramente ela induzir no espírito a crença de estarmos de posse da verdade”. Daí sua relevância no convencimento do julgador, seu destinatário.
Por outro lado, há de ter-se em conta que a prova não pode ser considerada um fim em si mesma. É um instrumento para construir a verdade no processo: a prova é sempre prova de algo. Por isso, não obstante sua função seja persuasiva, essa tarefa de convencer o julgador objetiva atingir uma determinada finalidade, orientada à constituição ou desconstituição do fato jurídico em sentido estrito.
Provar um fato é estabelecer sua existência (ou inexistência, na hipótese de pretender-se desconstituir o fato). Nessa medida, a tarefa daquele que produz a prova jurídica é semelhante à do historiador: ambos se propõem a estabelecer fatos representativos de acontecimentos pretéritos, por meio dos rastros, vestígios ou sinais deixados por referidos eventos e utilizando-se de processos lógico-presuntivos que permitam a constituição ou desconstituição de determinado fato. Esse é o fim da prova: a fixação dos fatos no mundo jurídico.
Exige-se, portanto, o convencimento do julgador para que este, ao decidir, constitua nos autos o fato jurídico acerca do qual se convenceu. É por meio do caráter instrumental da função persuasiva da prova que esta atinge seu objetivo de fixar determinados fatos no universo do direito. Mediante a atividade probatória compõe-se a prova, entendida como fato jurídico em sentido amplo, que é o relato em linguagem competente de evento supostamente acontecido no passado, para que, mediante a decisão do julgador, constitua-se o fato jurídico em sentido estrito, desencadeando os correspondentes efeitos.

5.     Dinâmica da prova


A prova, como relato linguístico que é, decorre de atos de fala, caracterizadores de seu processo de enunciação, realizado segundo as normas que disciplinam a produção probatória. Produzido o enunciado protocolar correspondente à prova, este só ingressa no ordenamento por meio de uma norma jurídica geral e concreta, que em seu antecedente traz as marcas da enunciação (enunciação-enunciada), prescrevendo, no consequente, a introdução no mundo jurídico dos enunciados que veicula. Esse instrumento utilizado para transportar os fatos ao processo, construindo fatos jurídicos, é o que denominamos meio de prova.
Isso não significa, contudo, que para provar algo basta simplesmente juntar um documento aos autos. É preciso estabelecer relação de implicação entre esse documento e o fato que se pretende provar. A prova decorre exatamente do vínculo entre o documento e o fato probando. Conquanto consistam em enunciados linguísticos, os fatos só apresentarão o caráter de provas se houver um ser humano utilizando-os para deduzir a veracidade de outro fato. É que, como pondera Dardo Scavino,14 “um fato não prova nada, simplesmente porque os fatos não falam, se obstinam em um silêncio absoluto do qual uma interpretação sempre deve resgatá-los. Somos nós quem provamos, que nos valemos da interpretação de um fato para demonstrar uma teoria”.
Para concretizar tal desiderato, produzindo enunciados probatórios, exige-se observância a uma série de regras estruturais, que se prestam à organização dos diversos elementos linguísticos, cujo relacionamento se mostra imprescindível à formação da prova. Trata-se da sintaxe interna da prova.
Entende-se por sintaxe a parte da gramática que examina as possíveis opções relativas à combinação das palavras na frase, em suas relações de concordância, de subordinação e de ordem. Consiste no componente do sistema linguístico que determina os liames de interligação entre os elementos constituintes da sentença, atribuindo-lhes uma estrutura. Efetuados tais esclarecimentos, não é difícil concluir que a prova, na qualidade de enunciado de linguagem, apresenta uma sintaxe interna e outra externa: (i) a forma como os signos se combinam para constituir o enunciado probatório corresponde à sintaxe interna; (ii) o modo pelo qual a prova se articula com outros enunciados diz respeito à sintaxe externa. Neste momento, dedicaremos nossa atenção à primeira modalidade sintática, procurando elucidar seu procedimento organizacional, conferindo especial ênfase ao sujeito incumbido de produzir enunciados probatórios no âmbito do direito tributário, em virtude de ser-lhe atribuído o chamado “ônus da prova”.

5.1.     O sentido do ônus da prova


O primeiro passo para definir o termo ônus consiste em diferençá-lo do vocábulo obrigação no marco do processo em geral e da prova em particular, para, com base nessas distinções, fixarmos, ainda que de modo preliminar, a ideia do que seja o ônus.
O ponto diferencial entre ônus e obrigação está nas consequências cominadas a quem não realiza um determinado ato. Tratando-se de vínculo obrigacional, havendo omissão do sujeito que figura no polo passivo, este pode ser coercitivamente obrigado pelo sujeito ativo. No ônus, diversamente, o indivíduo que não cumpre suas atribuições apenas sofre as implicações inerentes ao próprio descumprimento. Anota Francesco Carnelutti15 que:
“existe somente obrigação quando a inércia dá lugar à sanção jurídica (execução ou pena); entretanto, se a abstenção do ato faz perder somente os efeitos úteis do próprio ato, temos a figura do ônus. (...) Por isso, se a consequência da falta de um requisito dado em um ato é somente sua nulidade, há ônus e não obrigação de efetuar o ato de cujo requisito se trata”.
A esse critério distintivo acrescente-se outro, fundado no interesse: enquanto o vínculo obrigacional se impõe para a tutela de um interesse alheio, no ônus o liame volta-se à tutela de interesse próprio. Como explica Ovídio A. Baptista da Silva,16 “a parte gravada com o ônus não está obrigada a desincumbir-se do encargo, como se o adversário tivesse sobre isso um direito correspectivo, pois não faz sentido dizer que alguém tenha direito a que outrem faça prova no seu próprio interesse”.
O ônus consiste na necessidade de desenvolver certa atividade para obter um determinado resultado pretendido. Sua existência pressupõe um direito subjetivo de agir, que pode ou não ser exercido, isto é, um direito subjetivo disponível. O ônus configura uma relação meio-fim, estabelecida numa regra técnica e estruturada na forma ter-que, enquanto a obrigação funda-se no operador deôntico obrigatório.
Arruda Alvim17 distingue o ônus perfeito do ônus imperfeito. Na primeira modalidade o ônus implica uma tarefa que o titular do direito subjetivo disponível tem de exercitar caso pretenda obter efeito favorável. Em tal hipótese, o descumprimento da atividade exigida acarreta, necessariamente, consequência jurídica danosa. Quanto ao ônus imperfeito, o resultado prejudicial em razão da ausência de efetivação do ato envolvido na relação de ônus é possível, mas não necessário. Nessa segunda espécie é que se enquadra a figura do ônus da prova.
Na lição de Giuseppe Chiovenda,18 assim como não existe um dever de contestar, igualmente não há que falar em dever de provar. Por isso, denomina-se ônus da prova a relação jurídica que estabelece a atividade de carrear provas aos autos, já que, nas suas palavras, “é uma condição para se obter a vitória, não um dever jurídico”. Esse ônus, todavia, é imperfeito, no sentido de que, conquanto quem não produza a prova assuma o risco pela sua falta, tal omissão não implica, por si só, a perda do direito que se pretende ver tutelado, pois ainda que a parte não tenha se desincumbido do ônus da prova, o julgador pode dar-lhe ganho de causa em virtude de motivos outros. Eduardo Cambi19 formula exemplo no qual os fatos alegados pelo autor são impossíveis, situação em que, mesmo o réu não tendo contestado a ação, apresentando provas em contrário, o juiz pode rejeitar o pedido do autor, julgando-o improcedente. Por outro lado, esclarece o processualista, ainda que a parte tenha realizado o ato exigido em decorrência do seu ônus probatório, isso não é suficiente para que lhe seja atribuído efeito favorável, visto que, ao apreciar os fatos alegados e valorar as provas em seu conjunto, o julgador pode entender mais convincentes os argumentos e elementos probatórios trazidos por uma parte que por outra. Não basta produzir prova, desincumbindo-se do respectivo ônus para obter êxito na demanda: é preciso que a prova resultante cumpra a função em razão da qual foi realizada, sendo persuasiva o bastante para conferir convicção ao seu destinatário.

5.2.     Distribuição do ônus da prova


O direito à produção probatória decorre da liberdade que tem a parte de argumentar e demonstrar a veracidade de suas alegações, objetivando convencer o julgador. Por isso, ainda que não lhe tenha sido atribuído o ônus da prova, todos os elementos de convicção que levar aos autos serão importantes, interferindo no ato decisório. Visto por outro ângulo, o direito à prova implica a existência de ônus, segundo o qual determinado sujeito do processo tem a incumbência de comprovar os fatos por ele alegados, sob pena de, não o fazendo, ver frustrada a pretendida aplicação do direito material.
Existem, assim, preceitos que determinam a quem incumbe o ônus de provar, denominados regras de distribuição do ônus da prova. A respeito delas, três são as principais teorias elaboradas pela doutrina: (i) do fato afirmativo, em que o ônus da prova cabe a quem alega; (ii) da iniciativa, segundo a qual é sempre do autor o encargo de provar os fatos por ele afirmados; e (iii) dos fatos constitutivos, impeditivos e extintivos, nos termos dos quais àquele que demanda compete provar os fatos constitutivos do seu direito, enquanto ao demandado cabe provar fatos impeditivos ou extintivos de sua obrigação.
Além dessas três concepções, que, a nosso ver, estão intimamente relacionadas entre si, podendo ser compiladas em uma só, autores há, como Jeremías Bentham,20 que entendem que o ônus da prova deve ser imposto à parte que puder satisfazê-lo com menores inconvenientes, isto é, menor perda de tempo, menos incômodos e despesas inferiores. A dificuldade da adoção dessa sistemática é que, na realidade, não haveria, propriamente, regra norteadora da distribuição do ônus, considerando que ao julgador caberia, caso a caso, deliberar livremente sobre a que parte incumbiria constituir prova dos fatos.
Modernamente, Leo Rosenberg21 e Gian Antonio Micheli22 se encarregaram de desenvolver teorias sobre o ônus da prova, sempre considerando sua função auxiliar à atividade julgadora. Para Rosenberg, as regras inerentes ao ônus da prova ajudam o aplicador do direito a formar um juízo afirmativo ou negativo sobre a pretensão, ainda que remanesçam incertezas com respeito às circunstâncias do fato, porque referidas regras lhe indicam o modo de chegar a uma decisão em tais situações. A essência e o valor das normas sobre o encargo da prova consistem nessa instrução dada ao julgador acerca do conteúdo da decisão que deve pronunciar num caso em que não se têm elementos de convicção sobre um fato importante. No mesmo sentido, Micheli assevera que a regra do ônus da prova manifesta natureza de norma dirigida exclusivamente ao julgador para regular o exercício concreto da jurisdição. O ônus da prova adquire sua maior relevância no momento em que o julgador deve exarar sua decisão, motivo pelo qual não se apresenta como um dever jurídico, mas apenas como uma necessidade prática de provar, a fim que o julgador possa considerar determinado fato como existente.
Excluída a posição de Bentham, que, como anotamos, é demasiadamente ampla, atribuindo ao julgador a função de estabelecer, em cada caso concreto, a parte que tem o ônus da prova, as demais correntes doutrinárias relacionam-se e completam-se. Ao mesmo tempo em que estabelecem encargos às partes, as regras de distribuição do ônus da prova conferem um norte ao julgador, nas hipóteses em que as provas não sejam suficientes para convencê-lo deste ou daquele fato. As teorias do fato afirmativo, da iniciativa e dos fatos constitutivos, impeditivos e extintivos, por sua vez, não se excluem mutuamente, podendo as duas últimas ser identificadas na primeira: quem toma a iniciativa, afirma um ou mais fatos; e os fatos constitutivos, impeditivos e extintivos nada mais são que fatos afirmados.


Notas

1 CARNELUTTI, Francesco. A prova civil, pp. 61-72.

2 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método, p. 823.

3 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial, v. 1, p. 2.

4 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário, p. 89.

5 CASTRO, Pietro. Manual del derecho procesal civil, p. 285.

6 DELLEPIANE, Antonio. Nova teoria da prova, pp. 21-22.

7 Ibidem, mesma página.

8 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito, p. 253.

9 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 11.

10 TARUFFO, Michele. Algunas consideraciones sobre la relación entre prueba y verdad. Discusiones, n. 3, p. 31.

11 CARNELUTTI, Francesco. Op. cit., p. 80.

12 Ibidem, p. 16.

13 MALATESTA, Nicola Framarino. A lógica das provas em matéria criminal, p. 23.

14 SCAVINO, Dardo. La filosofía actual: pensar sin certezas, p. 39 (tradução nossa).

15 CARNELUTTI, Francesco. Op. cit., p. 255.

16 SILVA, Ovídio A. Baptista. Curso de processo civil, v. 1, p. 345.

17 ARRUDA ALVIM, José Manoel. Manual de direito processual civil, v. 2, pp. 430-431.

18 CHIOVENDA, Giusepe. Principii di diritto processuale civile, p. 48.

19 CAMBI, Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil, p. 35.

20 BENTHAM, Jeremías. Tratado de las pruebas judiciales, p. 36.

21 ROSENBERG, Leo. La carga de la prueba, p. 27.

22 MICHELI, Gian Antonio. La carga de la prueba, pp. 59 e ss.

Referências

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BENTHAM, Jeremías. Tratado de las pruebas judiciales. Trad. por Manuel Osorio Florit. Granada: Editorial Comares, 2001.

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TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2016.


Citação

TOMÉ, Fabiana Del Padre. Prova. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/91/edicao-1/prova

Edições

Tomo Teoria Geral e Filosofia do Direito, Edição 1, Abril de 2017

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