Sempre se disse que os serviços públicos se submetem a um regime próprio, a um conjunto de normas que imponham deveres e atribuam direitos, distinguindo-os de todos os outros institutos, inclusive aquelas atividades desempenhadas pelo Estado. 

Às “leis naturais de serviços públicos”, arroladas por Louis Rolland já nos anos 30 – a dependência governamental mais ou menos efetiva do serviço, a igualdade dos particulares perante todos os serviços públicos, a continuidade de seu funcionamento e a adaptação ou modificação em todo momento de sua organização e de seu funcionamento pela autoridade,1 – a legislação e a doutrina têm acrescentado outros regularidade, generalidade, obrigatoriedade de prestação, neutralidade, cortesia, gratuidade, legalidade, isonomia, eficiência, transparência, segurança, qualidade, modicidade nas tarifas, pontualidade, responsabilidade, conforto, participação do usuário. 

Os autores divergem quanto ao nome, número, conteúdo, ou valor jurídico dos princípios inerentes ao regime jurídico dos serviços públicos. Muitas vezes, porém, a dissonância radica-se em que fundem ou desdobram os mesmos preceitos. 

Verifica-se, porém, em face da diversificação de serviços públicos de alguma forma afetos ao Estado, em função da crescente complexidade da sociedade, que não existe uma totalidade normativa que se aplique a todos eles.2 O que existe são pontos comuns entre os diferentes serviços públicos, princípios fundamentais que se aplicariam independentemente de seu modo de exercício, que lhes conferem prerrogativas especiais em relação aos particulares. Isto não impede que os serviços sejam regidos por outras regras e princípios específicos, de acordo com as peculiaridades da atividade exercida, de forma a possibilitar o atendimento dos seus objetivos. Tais princípios estão consagrados no direito positivo de cada sociedade sob várias formulações normativas e visam assegurar a qualidade do serviço e oferecer garantias aos usuários. Relacionam-se estes princípios com os fins do Estado e com os princípios constitucionais garantidores da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III, CF/88), igualdade (art. 5º, caput), bem como, com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, arrolados no art. 3º CF/88.

Entre nós, por exigência constitucional (art. 175, parágrafo único, inciso IV), os serviços públicos deverão ser prestados, não importando a forma (direta ou indireta) dessa prestação, de modo adequado. 

A Constituição Brasileira determina que a lei, ao dispor sobre a prestação desses serviços, imponha a seus prestadores a "obrigação" (o "dever", rigorosamente) de manter serviço adequado. 

O conceito de serviço adequado é genérico e indeterminado, mas foi detalhado na Lei Federal 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, como sendo "o que satisfaz as condições de: regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas” (art. 6º, § 1º). Se esse diploma legal estabelece as qualificações para caracterizar o serviço público, a ele aplicáveis enquanto objeto de concessão ou permissão, tais índices de exigência também devem prevalecer na prestação de serviços efetuada diretamente pelo poder público.3 

Consoante a Lei paulista 7.835/1992, que inclusive foi anterior à lei federal, "serviço adequado é o que atende ao interesse público e corresponde às exigências da qualidade, continuidade, regularidade, modicidade, cortesia e segurança (art. 17, caput).

A Constituição paulista, em seu art. 122, caput, preceitua que “os serviços públicos, de natureza industrial ou domiciliar, serão prestados aos usuários por métodos que visem à melhor qualidade e maior eficiência e à modicidade das tarifas”.

A Lei Orgânica do Município de São Paulo afirma que "é função do Município prestar um serviço eficiente e eficaz, com servidores justamente remunerados e profissionalmente valorizados" (art. 89). Esta Lei ainda garante, ao usuário, "serviço público compatível com sua dignidade humana, prestado com eficiência, regularidade, pontualidade, uniformidade, conforto e segurança sem distinção de qualquer espécie" (parágrafo único do art. 123). 

Por sua vez, com base em mandamento constitucional expresso (art. 5º, XXXII, 170, V), e, antes mesmo da edição da legislação disciplinadora das concessões e permissões de serviços públicos, foi promulgado o Código Brasileiro do Consumidor (Lei Federal 8.078/1990 e alterações posteriores), que incluiu as pessoas jurídicas públicas no conceito de fornecedor e arrolou princípios a serem observados na prestação de serviços públicos. Assim é que o art. 6º, X, garante ao consumidor, como direito básico, “a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral”. E o art. 22, caput, estabelece, ainda, que "os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos", dispondo, no parágrafo único, que, em caso de descumprimento, total ou parcial, de suas obrigações, os fornecedores de serviços públicos serão compelidos a cumpri-las e a reparar os danos causados.

Existem ainda diversas leis que regulam serviços específicos onde há expressa menção à proteção do consumidor, aos objetivos visados e aos princípios que devem ser respeitados na prestação das respectivas atividades.

Da simples referência aos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, evidencia-se que o nosso direito positivo enumera diferentes princípios. Muitos deles, porém, carecem de autonomia e independência, pois são corolários de outros. Ademais, alguns princípios tradicionais foram afetados e outros aplicam-se, ainda que em extensão diferente, às atividades econômicas.

Tais princípios, ao estabelecerem deveres à Administração Pública, delineiam os contornos dos direitos dos usuários dos serviços públicos. 


1. Direitos do usuário


Como concreção dos princípios informadores do serviço público, vários direitos são reconhecidos aos usuários como fundamento para a exigibilidade de sua prestação.  Em muitos ordenamentos foram editadas as Cartas de Serviços (França, em 1992 e Itália, em 1994, e as Cartas dos Cidadãos (p. ex. Inglaterra), mencionando-se inclusive indicadores de qualidade e avaliação da satisfação dos usuários de serviços públicos, prestados, ou não, por entes governamentais. Segundo Pia Marconi, 

“A política da Carta de Serviço é elemento inovador de uma ampla estratégia de racionalização e modernização da Administração, contendo três elementos de inovação: a) a prestação de serviços deve ocorrer em função dos usuários; b) prevê a fixação de padrões e o confronto entre objetivos e resultados; c) confere voz ao usuário; este vem dotado de instrumentos que lhes permitem participar da definição das características dos serviços oferecidos e controlar se os encargos do prestador são respeitados”.4 

 Segundo a mesma autora, a Carta de Serviço prevê os seguintes princípios: igualdade, eficácia e eficiência, direito de escolha entre diversos prestadores, participação do usuário.5 Para Nicinski “(...) as cartas de direitos dos usuários vêm reorientadas sob uma ótica consumerista, sem que se equipare o usuário ao consumidor”.6 

No âmbito da União Europeia, em 1999, o Conselho Europeu considerou oportuno consagrar numa Carta os direitos fundamentais em vigor no âmbito da União Europeia, de forma a conferir-lhes uma maior visibilidade.

A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia foi formalmente adotada em Nice, em 07.12.2000, pelo Parlamento Europeu, pelo Conselho e pela Comissão, porém, desde logo, não foi convertida em um instrumento normativo de efeitos vinculantes com caráter geral. “A Carta, a princípio, nem foi incorporada aos Tratados, nem foi dotada de força jurídica por qualquer outra modalidade. Ficou como um mero documento, rico em presença e conteúdo, mas carente de força”.7 Foi em 01.12.2009, com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa,8 que a mesma, nos termos do art. 6, n. 1, primeiro parágrafo  do Tratado da União Europeia, tornou-se juridicamente vinculativa para a União Europeia, passando a ter o mesmo valor jurídico que os Tratados (Tratado da União Europeia e o Tratado sobre o Funcionamento da UE). 

Destaque-se que dentre as Declarações Relativas a Disposições dos Tratados, parte integrante do Tratado de Lisboa, a Declaração de nº 1 sobre a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, se refere diretamente à Carta reafirmando que a mesma “tem caráter juridicamente vinculante”. Registre-se que seu texto atual e consolidado foi recentemente publicado no Jornal Oficial da União Europeia, C 202, de 7 de junho de 2016. Explicita Lorenzo Martín-Retortillo Baquer: 

“Em virtude da expressa remissão que faz o art. 6.1 do Tratado da União Europeia, a Carta se incorpora ao ordenamento jurídico comunitário – ou, ao acervo comunitário, caso se queira utilizar a expressão consagrada –, com o mesmo valor que os Tratados, quer dizer, como norma de hierarquia superior que, por fim, deverá ser tida em conta e respeitada pelos ‘atos jurídicos da União’, contemplados nos arts. 288 e seguintes do Tratado de Funcionamento da União Europeia.”9

E acrescenta:

“Do ponto de vista de sua natureza jurídica, é uma figura atípica. Não se encaixa, obviamente, em nenhum dos ‘atos jurídicos’ regulados nos citados arts. 288 e seguintes do TFUE, como são os regulamentos, as diretivas etc. Em verdade, tampouco é um ‘tratado’, dado que o atual sistema constitucional da União se refere, com pretensão de esgotar a lista, a dois únicos Tratados, ambos de igual valor, o TUE e o TFUE (assim o expressam inequivocamente o art. 1º, número 3, daquele, e o 1.1 deste último, redigidos ambos em termos quase coincidentes). De fato, o ‘instrumento’ Carta, sendo algo diferente, tem vocação de se aproximar dos tratados. Recorde-se que o Projeto de Tratado estabelecendo uma Constituição para a Europa a incluía em seu seio, sem maiores distinções, como Parte II. Em Lisboa, abandonou-se tal critério – não se incluiu, fica como uma peça separada –, mas a Carta foi expressamente modificada pelo Tratado de Lisboa como se destacou, tanto de forma direta em seu texto, como de maneira indireta através dos Protocolos. Entendo por isso que sua entidade jurídica é ‘equivalente’ à dos Tratados, o que quer dizer que sua consistência ou sua alteração, quando proceda, terá de seguir o mesmo curso que os Tratados”.10 

Outro aspecto contido na Carta é o compromisso de garantir o “acesso aos serviços de interesse econômico geral”, nos termos em que estatui o seu art. 36.11 

No Brasil, prescreveu o Texto Constitucional de 1988 que a disciplina legal dos serviços públicos disporá sobre a fixação dos direitos dos usuários (art. 175, parágrafo único, II).

E a Lei Federal 8.987/1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, ao enunciá-los, no art. 7º, teve o cuidado de salientar que o elenco apontado não prejudica aquele constante no Código do Consumidor, com os indispensáveis meios processuais de defesa. 

Os direitos mesclados atecnicamente com os deveres (ou obrigações, na dicção legal do art. 7º da Lei  8.987/1995) dos usuários são, basicamente, os de receber serviço adequado (inc. I); de informar-se e ser informado das condições a ele relativas (inc. II); de participar de sua administração, tanto pela fiscalização quanto pelo opinamento sobre a sua prestação (incs. IV e V); de escolher o serviço dentre o de distintos prestadores, quando for o caso (inc. III com a redação dada pela Lei 9.648/1998). Posteriormente foi contemplado o direito do usuário de escolher, dentro do mês de vencimento, os dias de vencimento de seus débitos, no mínimo entre seis datas opcionais ofertadas pelas concessionárias de serviços públicos, de direito público e privado, nos Estados e no Distrito Federal, nos termos do art. 7º A, da Lei 8.987/1995, acrescentado pela Lei 9.791/1999 (DOU de 25.03.1999).

O rol estipulado no art. 7º não é exaustivo, pois outros direitos-poderes decorrem de dispositivos esparsos ou também poderão ser reconhecidos, à luz dos princípios que disciplinam essa área, do regulamento específico do serviço público ou das particularidades do caso concreto. Assim o usuário tem direito à modicidade das tarifas, previsto nos arts. 6º, § 1º e 11, bem como à indenização pelos prejuízos sofridos, valendo o princípio consagrador da teoria do risco não-integral previsto na Lei Suprema, art. 37, § 6º e nas leis infraconstitucionais 8.987/1995, art. 25 e 8.078/1990, art. 22, parágrafo único.

No Estado de São Paulo foi editada a Lei 10.294/1999, relativa à proteção e defesa do usuário do serviço público, aplicando-se aos serviços públicos prestados por particular, mediante concessão, autorização ou qualquer outra forma de delegação, e prestados pela Administração direta e indireta. Estabelece, em seu art. 3º, como direitos dos usuários a informação (inc. I); a qualidade na prestação do serviço (inc. II); e o controle adequado do serviço público (inc. III). Referido diploma legal não prevê qualquer aplicação do CDC, disciplinando de modo integral a relação entre os usuários e o titular ou o prestador do serviço público. A lei foi regulamentada pelo Decreto 44.074/1999, relativo às ouvidorias.

No âmbito do Município de São Paulo foi editada a Lei 14.029/2005, que disciplina direitos e garantias dos usuários dos serviços públicos municipais. A lei, em síntese, regula os direitos à informação, à qualidade e ao controle adequado do serviço, prevendo instrumentos para a efetivação de cada um desses direitos e agrega um capítulo sobre o processo administrativo. A nova lei apresenta como novidade a instituição de uma série de direitos procedimentais que devem ser compreendidos como um verdadeiro mini estatuto do processo administrativo geral da municipalidade. Assim, disposições como as dos arts. 11 (princípios de processo administrativo) e seu parágrafo único (proporcionalidade e motivação dos atos administrativos), 13 (prazos) e os demais, que regulam a instauração, a instrução e a decisão dos processos devem ser considerados naquilo que não oponham norma legal específica no âmbito municipal, como regras procedimentais impositivas para toda a Administração direta e indireta e os delegados (concessionários e permissionários) da municipalidade. Em consonância a esse diploma legal, a  institui boas práticas e padrões de qualidade no atendimento ao usuário de serviços públicos na cidade de São Paulo e dá outras providências

Existe ainda a legislação pontual para cada espécie de serviço público, que arrola vários direitos dos usuários. 


2. O usuário do serviço público como cliente ou consumidor


No contexto da Reforma do Estado e da Administração Pública há uma valorização da figura do cidadão usuário do serviço público. Nas palavras de Jacques Chevallier “a reforma do Estado modifica a ordem das prioridades”, à medida que busca “recolocar o usuário no centro da administração” ou ainda “situar o cidadão no coração do serviço público”. Aponta ele os vários novos perfis do usuário que implicam “representações diferentes do administrado e desembocam em diferentes perspectivas de reformas: o usuário protagonista, dotado de um poder de intervenção no andamento dos serviços (de onde decorre o tema da participação); o usuário parceiro, capaz de se colocar como um interlocutor de serviços (daí o tema da transparência); o usuário cliente, cujas aspirações devem ser satisfeitas pelos serviços públicos (donde o tema da qualidade)”.12 

A reforma administrativa busca uma nova figura do administrado, sobre a qual possa se apoiar, em oposição ao cidadão-consumidor satisfeito, materialista, desideologizado e despolitizado: o usuário-participativo; o usuário-parceiro; e o usuário-cliente, do que resulta a relevância dos temas da participação, da transparência  e da qualidade dos serviços.

Entre as estratégias predominantes para reformar a Administração Pública encontra-se, como princípio básico, o enfoque no cidadão, esclarecendo-se que, muitas vezes, na execução de grandes políticas, a Administração se perde, voltando-se mais para interesses internos (corporativismo, burocratismo) do que para seu cliente, que é o cidadão. Neste sentido é importante valorizar o cidadão como principal consumidor dos serviços públicos, adotando pesquisas de satisfação de usuários como parâmetros para avaliação de desempenho no setor público, que também pode levar a uma maior participação no processo decisório, a uma democracia cada vez mais direta e menos representativa.

No início da década de 90, David Osborne e Ted Gaebler, especialistas da Ciência da Administração aplicada à área pública, em seu livro Reinventando o Governo, enfatizam a necessidade de torná-lo mais eficiente, voltado para seus clientes (no sentido de cidadãos, usuários dos serviços públicos), atendendo às necessidades do cliente e não da burocracia.13 Preconizam um “governo empreendedor: gerando receitas ao invés de despesas”.14 

Na expressão do então Ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, a Reforma Gerencial está baseada na ideia de transferir maior autonomia e maior responsabilidade aos administradores públicos, e garantir o caráter democrático da Administração Pública, tornando-a voltada para o atendimento do cidadão-usuário ou cidadão-cliente, ao invés de autorreferida. Esclarece que usa as duas expressões como sinônimas, sendo, porém, possível, fazer a distinção: “o cidadão-usuário não paga, enquanto o cidadão-cliente paga pelos serviços recebidos. A distinção pode ser útil para distinguir os casos em que os serviços do Estado são cobrados por envolverem direito universal (ensino básico, por exemplo) daqueles que não o são. É uma tolice se supor que o cidadão deva ser sempre usuário, jamais pagando por serviços prestados pelo Estado”.15 

A doutrina se divide quanto à possibilidade de se aplicar ao usuário o mesmo tratamento jurídico assegurado ao cliente ou consumidor.

Maria Paula Dallari Bucci considera criticável a ideia do cidadão como cliente da Administração, podendo gerar grandes distorções, na medida em que colabora para enfraquecer o sentimento da Administração como coisa pública, gerida pelos integrantes da coletividade e para a realização dos seus interesses. Não existe entre o Estado e o cidadão consumidor de serviços a mesma contraposição de interesses que há entre o fornecedor privado e seu cliente, pois, o primeiro é o titular dos interesses protegidos e servidos pelo Estado, estando mais próximo da figura do sócio do empreendimento privado que do cliente.16 

Egon Bockmann Moreira também destaca que o cliente se encontra em posição jurídica diversa da do cidadão; já que este é titular dos bens e poder públicos, outorgados a seus representantes para exercício evolutivo dos serviços criados em seu benefício, o que não acontece nas atividades privadas, pois as empresas são titulares dos bens e serviços e o cliente usufrui dos benefícios na medida em que possa arcar com seus custos.17 

Segundo Antônio Carlos Cintra do Amaral não se poder aplicar ao usuário o mesmo tratamento jurídico assegurado ao consumidor. Diferentemente da situação típica de consumo, a relação contratual entre concessionária e usuário, mediante a qual uma parte se obriga a prestar um serviço, recebendo em pagamento um preço público (tarifa), tem como pressuposto uma outra, entre a concessionária e o poder concedente. Embasado na doutrina civilista italiana e nos ensinamentos de Orlando Gomes que apontam a existência de dois contratos coligados, um, principal, o outro, acessório, afirma que, por força do contrato principal – o de concessão – a concessionária se obriga a prestar aos usuários, “serviço adequado”, definido no art. 6º, § 1º da Lei Federal 8.987/1995. Na hipótese de descumprimento do contrato de concessão, a concessionária está sujeita, conforme o caso: a) à aplicação de penalidades regulamentares e contratuais, inclusive multas; b) à intervenção na prestação de serviços; c) à extinção da concessão (caducidade). Em nenhum dispositivo da Lei de Concessões (Lei 8.987/1995) está prevista a aplicação da penalidade de redução da tarifa. Essa redução pode verificar-se, mas na hipótese de revisão, efetuada para reequilibrar a equação econômica do contrato, porventura rompida em favor da concessionária. 

O tratamento dado aos usuários de serviços públicos, pela Constituição e pela lei, é diverso daquele dispensado ao consumidor, e são referidos em dispositivos diferentes, significando que a defesa do usuário é juridicamente diversa da defesa do consumidor: a concessão, no art. 175, da CF, e na Lei 8.987/1995, com alterações posteriores; a defesa do consumidor, nos arts. 5º, inciso XXXII, e 170, inciso V, já regulada pela Lei 8.078/1990. 

A titularidade do serviço e, portanto, a responsabilidade última por sua prestação, continua sendo do poder concedente. Perante o consumidor, diversamente, o Poder Público atua simplesmente como “protetor” da parte considerada hipossuficiente. Se se admitisse a redução da tarifa em decorrência da má qualidade do serviço público, como previsto no Código de Defesa do Consumidor, isso significaria a concordância do Poder Público com a prestação dum “serviço inadequado”, o que inviabilizaria a fundamentação jurídico-institucional e política da concessão de serviço público. No caso, caberia acionar a entidade reguladora para aplicação das sanções cabíveis à concessionária, e diligenciar no sentido de que sejam cumpridas as obrigações contratuais assumidas, entre as quais se inclui a de prestar serviço adequado.18 

Entende-se que, do ponto de vista etimológico, o vocábulo que melhor define o beneficiário de um serviço público é a expressão “usuário”, tendo em conta que em todos os casos trata-se de quem, de um lado goza de uma atividade que, por uma parte lhe é devida, como integrante do corpo social que o Estado constituiu como instrumento de proteção e fortalecimento dos valores fundamentais da pessoa humana e, por outro lado, goza do serviço pelo título legítimo de ser parte do corpo social a partir da titularidade pública.19 

Aliás, e não por acaso, o art. 27 da EC 19/1998 (DOU de 05 de junho de 1998), prescreveu para o Congresso Nacional prazo de 120 (cento e vinte) dias de sua promulgação para elaboração de uma lei de defesa do usuário de serviços públicos, o que ainda não ocorreu, apesar do prazo já haver expirado há muitos anos. Tal dispositivo “reconhece, então, a inviabilidade de aplicação automática e indiferenciada do Código de defesa do Consumidor ao âmbito dos serviços públicos”.20  

O Min. Dias Toffoli deferiu medida cautelar na ADI por omissão 24/DF para reconhecer estado de mora do Congresso Nacional, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)  com intuito de que sejam adotadas as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional disposto pelo art. 27 da EC 19/1998.21  


3. Os serviços públicos no Código de Defesa do Consumidor


3.1. Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos serviços públicos


A promulgação do Código de Defesa do Consumidor representou uma relevante contribuição jurídica para a alteração do padrão de relacionamento entre fornecedores e compradores, prestadores de serviços e clientes. Pode ser considerado um texto de elevada efetividade, criando um eficiente encadeamento de direitos e garantias, com poderosos instrumentos processuais.

Os serviços públicos estão contemplados no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990 e respectivas alterações). Referido diploma legal definiu consumidor como “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” (art. 2º, caput), equiparando a consumidor “a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas regras de consumo”, qualquer pessoa que tenha sido vítima de defeito do produto ou serviço ou exposta às práticas comerciais ou contratuais (arts. 2º, parágrafo único, 17 e 29) e fornecedor como “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços” (art. 3º, caput).

O art. 4º, com a redação dada pela Lei 9.008/1995, contém inovações que incluem a atuação da Administração Pública no tratamento dos direitos do consumidor, prevendo-se uma Política Nacional de Relações de Consumo tendo por “objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo...” Entre os princípios a serem atendidos por essa política, assentou-se a necessidade de uma “ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor: a) por iniciativa direta; b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas; c) pela presença do Estado no mercado de consumo; d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho” (inc. II do art. 4º ), e apontou-se a "racionalização e melhoria dos serviços públicos" como um dos objetivos a ser perseguido pela Administração Pública (inc. VII do art. 4º).22 

O art. 6º, X, assegurou, como direito básico do consumidor “a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral”.

E como decorrência de todos esses preceitos cuidou da responsabilidade nos serviços públicos, prescrevendo, no art. 22, caput, que “os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”, impondo, no parágrafo único que, em caso de descumprimento de suas obrigações, os fornecedores de serviços públicos serão compelidos a cumpri-las e a reparar os danos que tiverem causado.

A Lei 8.987, como já assinalado, em seu art. 7º, reconhece a extensão do regime do Código de Defesa do Consumidor à prestação dos serviços públicos. Neste passo caminhou bem o legislador, mostrando-se relevante esse preceito, pois como assinala Odete Medauar, “no Brasil, deve-se aceitar a soma dos direitos dos usuários e do consumidor, numa condição que se pode denominar usuário-consumidor para fins de reforço dos direitos dos usuários. É o que efetua o art. 7º da Lei de Concessões, ao arrolar direitos dos usuários, sem prejuízo do Código de Defesa do Consumidor”.23  

Do mesmo modo a legislação sobre agências reguladoras e a que regula pontualmente serviços específicos têm incluído normas que fazem menção à defesa do consumidor e em várias delas há ressalva explícita quanto à aplicação das normas de proteção ao consumidor. É o caso da  Lei das Telecomunicações (Lei 9.472/1997, art. 5º); da Energia Elétrica (Lei 9.427/1996, arts. 4º; § 3º; 17, com a redação dada. pela  Lei nº 10.438/2002); da Lei que dispõe sobre a política energética nacional (Lei 9.478, de 06.08.1997, arts. 1º, III; 8º, I (com a redação dada pela Lei 11.097/2005); 18 e 19 (ambos com a redação dada pela Lei 12.490/2011).

Impõe-se, assim, verificar em que medida, extensão e profundidade os serviços públicos encontram-se sob a incidência do Código de Defesa do Consumidor. Para tanto, deve-se analisar quais as espécies de serviços públicos que se subsumem à lei consumerista e quais normas desse diploma legal se aplicam a esses serviços.


3.2.As espécies de serviços públicos abrangidos pelo Código de Defesa do Consumidor


Diferentes posicionamentos despontaram na doutrina pátria sobre esse tema. Há os que assumem uma interpretação extensiva (todos os serviços públicos estão sujeitos ao CDC); os que advogam uma posição extensiva mitigada (a prestação do serviço deve ser remunerada – art. 3º, § 2º,24  seja por taxa ou tarifa) e os que defendem uma interpretação restritiva (somente os serviços remunerados por tarifa ou preço público estão sujeitos ao CDC: os serviços custeados por tributos não estão sob a incidência do CDC).

Luiz Antônio Rizzatto Nunes sustenta que estão compreendidos na ampla regulação da lei consumerista os serviços públicos, sem ressalvas. Acrescenta que, “se se levar em consideração que as duas exceções para não-abrangência do CDC no que respeita aos serviços (sem efetiva remuneração e custo; os de caráter trabalhista), ter-se-á de concluir que praticamente todos os serviços públicos estão protegidos pela Lei 8.078/1990”.25 

Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin entende que “qualquer serviço público – seja público stricto sensu ou de utilidade pública, seja uti universi ou uti singuli – deve ser prestado de forma adequada, eficiente e segura. Em outras palavras: os serviços públicos simplesmente não podem portar vícios de qualidade (insegurança ou inadequação) ou de quantidade. Essa a norma geral. Obrigação complementar é a da continuidade. Só que não exigível com tanta generalidade. Diz a lei que só os serviços essenciais devem ser prestados continuamente. Vê-se que é um dever jurídico não imposto ao fornecedor privado (art. 20)”.26 

Defende o Autor nesse texto uma interpretação extensiva do art. 22 do CDC, assume uma posição maximalista, ao dizer que o dispositivo se aplica a todo e qualquer serviço público indistintamente.27 Registra que a Administração Pública, como fornecedor que é (art. 3º), em termos de responsabilidade civil, iguala-se aos agentes econômicos privados, sempre que se estiver diante de vícios de qualidade por insegurança (produtos e serviços), vícios de quantidade (produtos e serviços) e vícios de qualidade por inadequação (produtos apenas). Só quanto aos vícios de qualidade por inadequação dos serviços é que o Poder Público recebe do Código de Defesa do Consumidor tratamento diferenciado (art. 22).28 No mesmo sentido é o entendimento esposado por Zelmo Denari,29 James Marins30  e outros.

Marcos Juruena Villela Souto observa que não há serviços públicos gratuitos, sendo os mesmos custeados por impostos, em geral taxas e tarifas e ainda por meios alternativos, acessórios ou complementares e que, ao equiparar o usuário ao consumidor, o Código não exigiu remuneração específica do serviço.31 

Regina Helena Costa, partindo da definição legal de serviço, constante do art. 3º, § 2º do CDC, conclui que o usuário-consumidor de serviço público, cuja prestação é remunerada mediante taxa, goza da proteção contemplada no Código de Defesa do Consumidor, ao passo que os serviços públicos gerais estão excluídos do regime jurídico das relações de consumo.32 Registre-se que Regina Helena Costa, na esteira dos ensinamentos de Geraldo Ataliba, adota o entendimento segundo o qual a Lei Maior (art. 145, II) estabeleceu a taxa como uma única forma de remuneração pela prestação de serviço público, sendo a tarifa uma autêntica distorção, na medida em que, mediante a sua instituição, pretende-se submeter a remuneração pela prestação de um serviço público a regras próprias do direito privado, procedimento não autorizado pela Constituição da República.33 

Cláudia Lima Marques afirma que, “pela definição de serviços do art. 3º do CDC, somente àqueles serviços pagos, isto é, como afirma o § 2º, ‘mediante remuneração’, serão aplicadas as normas do CDC. Em uma interpretação literal da norma, os serviços públicos uti universi, isto é, aqueles prestados a todos os cidadãos, com os recursos arrecadados em impostos, ficariam excluídos da obrigação de adequação e eficiência previsto pelo CDC”34 e, que os serviços públicos gratuitos não se inserem como relações de consumo.35 Aponta, ainda, que não visualiza “base ou motivo legal para diferenciar entre diversos tipos de taxas e outros serviços prestados uti singuli”, considerando todos incluídos no âmbito de aplicação do CDC.36  

Também nessa linha posicionam-se Ronaldo Porto Macedo Júnior,37 Leonardo Roscoe Bessa38 e Adriano Perácio de Paula. Leciona este último que ocasional gratuidade na prestação de qualquer desses serviços exclui a aplicação das regras codificadas para o consumidor, ainda que não o descaracterize como serviço público comercial e industrial.39 

Adalberto Pasqualotto, diante da relação obtida entre remuneração e profissionalidade do fornecedor conclui – buscando subsídios na classificação dos serviços públicos de Hely Lopes Meirelles e na repartição constitucional de competências – que os serviços públicos próprios, prestados uti universi diretamente pelo Estado, mantidos pelos tributos gerais, não são abrangidos no CDC, eis que lhes falta, sob a ótica daquele diploma legal, o requisito da remuneração específica. Daí que somente a prestação de serviços públicos impróprios uti singuli prestados direta ou indiretamente pelo Estado, ou, ainda, por meio de concessão, autorização ou permissão, estão sob a tutela do CDC, porque remunerados pelo pagamento específico de taxas ou tarifas.40

José Geraldo Brito Filomeno assevera que não se deve confundir contribuinte com consumidor observando que 

“(...) efetivamente, fala o § 2º do art. 3º do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor em 'serviço' como sendo 'qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista'. Importante salientar-se, desde logo, que aí não se inserem os 'tributos', em geral, ou 'taxas' e 'contribuições de melhoria', especialmente, que se inserem no âmbito das relações de natureza tributária. Não se há de confundir, por outro lado, referidos tributos com as 'tarifas', estas sim, inseridas no contexto dos “serviços” ou, mais particularmente, “preço público”, pelos 'serviços' prestados diretamente pelo poder público, ou então mediante sua concessão ou permissão pela iniciativa privada. O que se pretende dizer é que o 'contribuinte' não se confunde com 'consumidor', já que no primeiro caso o que subsiste é uma relação de Direito Tributário, inserida a prestação de serviços públicos, genérica e universalmente considerada, na atividade precípua do estado, ou seja, a persecução do bem comum.”41 

 Nessa trilha também se manifestam Elaine Cardoso de Matos Novaes42 e Rafael Carvalho Rezende Oliveira.43 Em várias ocasiões o STJ posicionou-se no sentido de que a legislação de consumo somente é aplicável aos serviços públicos impróprios (uti singuli), remunerados mediante preço público ou tarifa (água, energia elétrica, telefonia, dentre outros)44 e que “quando o serviço público é prestado diretamente pelo Estado e custeado por meio de receitas tributárias não se caracteriza uma relação de consumo nem se aplicam as regras do Código de Defesa do Consumidor”.45  

O ponto de acordo que há entre José Geraldo Brito Filomeno, Elaine Cardoso de Matos Novaes, Regina Helena Costa, Adriano Perácio de Paula, Cláudia Lima Marques, Adalberto Pasqualotto, Ronaldo Porto Macedo e Leonardo Roscoe Bessa é que o Código não incide sobre os serviços prestados uti universi. Portanto, os serviços custeados através da arrecadação de impostos, por exemplo, não estariam sob o seu campo de abrangência, por inexistir nesta hipótese remuneração específica. Porém, a interpretação de Brito Filomeno, Elaine Cardoso de Matos Novaes e Rafael Carvalho Rezende Oliveira é mais restritiva ao entender que no Código não se inserem os serviços remunerados pelos tributos em geral (impostos, taxas e contribuições de melhoria), que se incluem no âmbito das relações de natureza tributária).

Partindo-se da definição legal de serviço constante do art. 3º, § 2º do CDC, têm-se, como consequência, que é a exigência de remuneração individualizada pela prestação de determinado serviço público que vai determinar a incidência da proteção jurídica regulada e estabelecida pelo CDC. Pode-se também inferir que o serviço público prestado gratuitamente não se enquadra no âmbito de incidência do CDC, assim como os serviços públicos uti universi.46 Outrossim, não se consegue visualizar base legal para excluir do seu âmbito de incidência os serviços prestados uti singuli, quer remunerados por taxa ou por tarifa.47 Como acentua Leonardo Roscoe Bessa 

“(...) a melhor posição sobre as espécies de serviços públicos que estão sob a disciplina do CDC deve levar em consideração dois aspectos: a remuneração específica do serviço e  a noção de mercado de consumo (...). A tese defendida pela doutrina no sentido de que a cobrança de taxa – espécie tributária – afastaria a incidência do CDC conduz a perplexidades. O pagamento do serviço relativo ao fornecimento de água ora é considerado preço público, ora é considerado taxa pela jurisprudência. Tais incertezas não devem afetar a certeza de ser um serviço oferecido profissionalmente (com habitualidade), divisível, mensurável, com remuneração específica, fatores que realmente devem ser considerados para exame da aplicação do CDC”.48 


3.3. A disciplina dos serviços no Código de Defesa do Consumidor


Outra questão que se coloca é saber se os serviços públicos estariam sob a incidência do Código de Defesa do Consumidor apenas no que está contido no art. 22 ou se esse diploma legal incidiria sobre esses serviços em todos os demais dispositivos, como os de responsabilidade, os de publicidade, os referentes ao dever de informação, à adequação, à inversão do ônus da prova, enfim, todas as demais situações trazidas pelo Código.

Adalberto Pasqualotto afirma que “basicamente, a disciplina dos serviços públicos no Código de Defesa do Consumidor encontra-se no art. 22. Os outros dispositivos acima mencionados (art. 4º, VII e 6º, X) cuidam, respectivamente, de diretriz administrativa (norma programática) e de um direito geral do consumidor frente à administração pública”.49

José Geraldo Brito Filomeno consigna que o Poder Público, enquanto produtor de bens ou prestador de serviços, remunerado por tarifas ou preços públicos, fica submetido, em todos os sentidos e aspectos, às normas estatuídas no Código do Consumidor, sendo aliás, categórico o seu art. 22.50 

Os usuários de serviços públicos devem ser protegidos contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de serviços considerados perigosos e nocivos, que colocarem em perigo a sua vida, saúde e segurança. Devem receber informações claras sobre os serviços, principalmente quanto ao preço, qualidade e risco que possam apresentar; têm proteção contra a publicidade enganosa e abusiva; tem também direito a uma efetiva reparação dos prejuízos e danos morais sofridos.

Deve-se observar que os órgãos públicos possuem tratamento privilegiado, não se submetendo às mesmas sanções previstas no art. 20 para os fornecedores de serviços, pois, o parágrafo único do art. 22 refere-se apenas ao cumprimento do dever de prestar serviços de boa qualidade, envolvendo somente a reexecução dos serviços públicos defeituosos, o que exclui as alternativas da restituição da quantia paga e do abatimento do preço.

Por outro lado, tratando-se de reparação dos danos, responsabiliza as entidades públicas na forma prevista no Código, ou seja, independentemente da existência de culpa, conforme preceitua o art. 14 do CDC.

Portanto, a partir do advento do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade do Estado pelo funcionamento dos serviços públicos não decorre da falta mas do fato do serviço público, ficando claro que o legislador pátrio acolheu, ineludivelmente, a teoria do risco administrativo.51 

Estabelece o art. 22 que, em caso de descumprimento das obrigações nele previstas, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos decorrentes do descumprimento, além do que o art. 84, faculta que, desde que sejam relevantes os fundamentos do pedido e haja justificado receio de ineficácia do provimento final, seja concedida liminarmente a tutela pleiteada, ou após justificação prévia (a exemplo do que ocorre com as ações possessórias).

O Código de Defesa do Consumidor trouxe uma série de relevantes instrumentos para a tutela dos usuários e consumidores, dentre os quais podem ser destacados: a possibilidade de inversão do ônus da prova a possibilidade ou aperfeiçoamento do sistema de tutela dos interesses difusos e coletivos; a possibilidade da intervenção e da legitimação direta dos PROCONs estaduais, que têm grande capilaridade em todos os municípios brasileiros; a intervenção ostensiva, e cada vez mais ampliada, do próprio Ministério Público, na defesa dos consumidores usuários; a possibilidade de, quando proposta uma ação coletiva em favor dos interesses do consumidor usuário, serem generalizados os efeitos positivos para toda a coletividade e não apenas para aqueles que participam diretamente da relação jurídica, como autores ou como legitimados expressos; a possibilidade da incorporação dos padrões do Código de Defesa do Consumidor, acerca do que é o serviço ou o produto adequado; os direitos fundamentais do consumidor como, por exemplo, os relativos à informação; os instrumentos processuais, como a desconsideração da personalidade jurídica, no caso da propositura de ações judiciais; uma definição bastante ampla do que são práticas abusivas e do que são contratos abusivos; a possibilidade de uma série de condutas serem objeto de sanções, no âmbito do mercado de consumo, por parte das autoridades de defesa do consumidor, sem prejuízo do poder sancionatório direto das Agências Reguladoras.

Na opinião de Marçal Justen Filho, o acolhimento do Direito do Consumidor no âmbito do serviço público gera inafastável perplexidade, pois a proteção ao consumidor foi desenvolvida, em termos específicos, no âmbito do sistema do common law, que desconhece o instituto do serviço público. Pontua que “o regime de direito público, que se traduz em competências estatais anômalas, é indispensável para assegurar a continuidade, a generalidade, a adequação do serviço público”.52  

Assinala, ainda, que “nenhum problema surgirá nas hipóteses de disciplina uniforme e coincidente entre o Direito Administrativo e o Direito do Consumidor. Quando se configurar a regulamentação divergente, deverá promover-se a compatibilização dos regimes jurídicos, segundo o princípio da proporcionalidade. (...)

Isso significa reconhecer a preponderância do regime de Direito Administrativo sobre o Direito do Consumidor. A disciplina do Direito do Consumidor apenas se aplicará na omissão do Direito Administrativo e na medida em que não haja incompatibilidade com os princípios fundamentais norteadores do serviço público. Em termos práticos, essa solução pode gerar algumas dificuldades. O que é certo é a impossibilidade de aplicação pura e simples, de modo automático, do Código de Defesa do Consumidor no âmbito dos serviços públicos”.53 

Por sua vez, César A. Guimarães Pereira, em trabalho dedicado ao estudo dos usuários de serviço público também aponta as diferenças entre os regimes jurídicos aplicáveis ao consumidor e ao usuário de serviços públicos: 

“(a) o usuário, ao contrário do consumidor, não é necessariamente o destinatário final do serviço público; (b) o usuário, ao contrário do consumidor, não está necessariamente envolvido em uma prestação onerosa do serviço público; (c) o usuário, ao contrário do consumidor, detém direitos relativos à organização e à gestão do serviço público, delas podendo participar de modo ativo, independentemente até da efetiva fruição do serviço; (d) a vulnerabilidade, que integra o conceito jurídico de consumidor, não é uma característica essencial do usuário; (e) a vulnerabilidade, especialmente a técnica, está frequentemente (ou praticamente sempre) presente nas relações de serviço público e deve ser levada em conta na aplicação as normas de direito público, conduzindo ao reconhecimento do dever do prestador de, sendo o principal detentor das informações pertinentes, comprovar a regularidade de sua conduta em certos casos; (f) a relação de serviço público, por envolver o desempenho de função administrativa, é protegida pelo regime jurídico de direito público, que assegura deveres-poderes ao Poder Público e, se houver, ao delegatário da prestação do serviço (embora os poderes de autoridade estejam reservados ao Poder Público, atribuindo-se ao prestador privado apenas prerrogativas limitadas e compatíveis com a sua natureza); (g) o usuário não é um agente da economia de mercado porquanto o serviço público está, por definição, fora do mercado da economia privada (art. 173 da Constituição); o usuário está ligado a uma atividade econômica apenas em sentido amplo, uma vez que o serviço público submete-se ao regramento especial do art. 175 da Constituição; (h) o CDC contém disciplina específica para o serviço público em geral (arts. 22 e 59, § 1º), cuja aplicação independe da parte remanescente do CDC e não pressupõe nem acarreta a caracterização de uma relação de consumo; (i) o modo de pensar consagrado no CDC  é fundamental para a evolução nas relações administrativas atinentes ao serviço público, proporcionando novas perspectivas de interpretação e aplicação do regime de direito público em face da similaridade das situações de consumidores e usuários; (j) a legítima aplicação do CDC nos espaços de liberdade deixados pela regulação pública, especialmente nos serviços públicos prestados em regime competitivo (p. ex., alguns serviços de telecomunicações, transportes e operações portuárias), não transforma usuário em consumidor, pois mesmo nestes campos prevalece a disciplina de direito público em caso de conflito – o que reafirma a distinção original entre essas figuras”.54  

No seu entender, “a disciplina própria do consumidor, contida no CDC, somente é aplicável aos usuários de serviço público (a) nos espaços de liberdade deixados pela regulamentação do serviço público e b) provisoriamente, enquanto não editadas as leis pertinentes ao serviço público em questão (pelo ente político que titulariza o serviço ou, no caso do art.22, XXVII,  da Constituição, pela União).55 

Para os autores acima mencionados – César Augusto Guimarães Pereira e Marçal Justen Filho – os conceitos de consumidor e usuário partiriam de matrizes constitucionais distintas. O consumidor é um agente da economia de mercado (art. 170, V da Constituição Federal), enquanto o usuário é o destinatário de uma prestação que, por definição, está fora do mercado (art. 175 da Constituição Federal). O consumidor tem uma posição jurídica caracterizada pela titularidade de direitos subjetivos. Já o usuário titulariza direitos subjetivos funcionalizados. O usuário tem direitos em relação à criação e organização do serviço completamente incompatíveis com a posição jurídica de um consumidor.56 

Alexandre Santos de Aragão, ao mesmo tempo em que reconhece a impossibilidade de exclusão da aplicação do CDC aos serviços públicos, inclusive pela vigência de dispositivos legais nesse sentido, destaca que essa aplicação não pode ser absoluta, mas sim feita com muita cautela, “sob pena de desnaturar a atividade como serviço público, privilegiando os interesses de consumidores individualmente considerados, e postergando os seus objetivos maiores de solidariedade social”. Ressalta, também que, se a equiparação entre usuários e consumidores não pode ser tida como incorreta, deve necessariamente ser encarada com cautela “já que muitos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor não poderão ser aplicados por não serem compatíveis com o regime de direito público dos serviços públicos”.57 

Floriano de Azevedo Marques Neto entende que “os usuários de serviços de interesse geral (como de resto os utentes de serviços públicos tradicionais) são consumidores e, por conseguinte, a estes serviços se aplica plenamente o Código de Defesa do Consumidor”. Ressalta, porém, que tal aplicação “deve ser feita com modulações, determinadas pela particularidade do serviço público ante os demais serviços que conformam relações de consumo entre particulares”. Ou seja, não reconhece a adequação da aplicação de normas consumeristas em atividades de serviço público destinadas à satisfação de finalidades públicas, na medida em que tal procedimento pode impedir a realização de políticas públicas consubstanciadoras dessas mesmas finalidades. Nesse sentido, ressalta a irrazoabilidade do questionamento da tarifa social, ou mesmo, da cobrança da tarifa de saneamento básico com base no conceito de “venda casada” dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário. Portanto, mister uma análise casuística “para delimitar adequadamente a densidade e o fundamento da regulação”, isto é, “o regime jurídico aplicável na prestação dos serviços públicos”.58 

Para Egon Bockmann Moreira o CDC “continuará sendo aplicado apenas às relações de consumo, inclusive àquelas oriundas de contratos de concessão e permissão de serviço público”, sendo “errôneo interpretar o projeto do concessionário apenas sob o ponto de vista do direito do consumidor”, ficando tal aplicação vinculada à análise da casuística.59 

Observa, ainda, que nem todos os serviços concedidos são prestados em mercados de consumo e, “mesmo naqueles contratos de prestação que possam configurar relação de consumo haverá situações e relações que não se submeterão ao regime consumerista”. A isso acresça-se que “há usuários que não são consumidores devido às suas características subjetivas”, caracterizando-se essa relação através da correlação entre os conceitos de consumidor e fornecedor, ressaltando-se que “somente existe um fornecedor quando, no caso concreto, ele estiver conectado a um consumidor, que é necessariamente o polo mais vulnerável”.60 

Por fim, a remissão ao art. 51, incisos X e XIII da Lei 8.078/1990, reforça sua tese da impossibilidade da sua plena e incondicional aplicação, na medida em que tais dispositivos preveem a proibição da variação unilateral de preço e a modificação unilateral do contrato, respectivamente, cláusulas essas inerentes à própria natureza jurídica das concessões”.61 

Apesar das distinções mencionadas, grande tem sido a aplicação jurisprudencial da disciplina jurídica do consumidor ao usuário. Um dos muitos casos em que se alude ao CDC como aplicável para a solução de conflitos atinentes à prestação de serviços públicos é retratado nas relações entre os usuários e as concessionárias dos serviços rodoviários.62


4. Mecanismos de proteção ao usuário


De nada adiantaria enunciar os direitos do usuário à obtenção do serviço se o interessado não dispusesse do instrumental administrativo e jurisdicional para os fazer valer, quando relegados. Para tanto, pode utilizar de seu direito de petição, quer na via administrativa, quer na judicial. Em caso de ocorrerem danos ao patrimônio público, ao meio ambiente, ao consumidor (como usuário do serviço público), poderá representar ao Ministério Público ou a outra das entidades legitimadas para propositura de ação civil pública, nos termos da Lei 7.347/1985 e alterações posteriores.

Esclarece Hely Lopes Meirelles que “a via adequada para o usuário exigir o serviço que lhe for negado pelo Poder Público ou por seus delegados, sob qualquer modalidade, é a cominatória, com base no art. 287 do CPC/73 – CPC/2015, art. 139, IV c/c arts 497/500 e 536, § 1º e 537. O essencial é que a prestação objetivada se consubstancie num direito de fruição individual do serviço pelo autor, ainda que extensivo a toda uma categoria de beneficiários”. Os serviços de interesse geral e de utilização coletiva uti universi (tais como iluminação pública, pavimentação), não são suscetíveis de serem exigidos por via cominatória.63-64 

Além da via cominatória, o Código de Defesa do Consumidor prevê, em título próprio, outros instrumentos para a tutela dos interesses individuais, coletivos ou difusos em juízo, tratando, inclusive, da legitimação ordinária e extraordinária para a propositura da ação (arts. 81-104).

O caput do art. 81 do CDC preceitua que a defesa do consumidor em juízo pode ser feita individual ou coletivamente. Para a ação individual se aplicam os princípios que regem o processo civil no geral. No entanto, o parágrafo único desse art. estatui que a defesa coletiva do consumidor em juízo pode ser exercida na tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Esses direitos são definidos pela norma, caracterizando os difusos como os transindividuais de natureza indivisível, cujos titulares sejam pessoas indeterminadas, que não estão ligadas por um vínculo jurídico, mas sim por uma situação fática; os coletivos como os transindividuais de natureza indivisível, de que sejam titulares grupos, categorias ou classes que estão ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; e os individuais homogêneos como aqueles de origem comum.65 Para esta última hipótese, o Código criou a primeira class action brasileira (art. 91 e ss.), já que o direito por ela objetivado é individual e não difuso ou coletivo, que já eram protegíveis judicialmente por meio da ação civil pública da Lei 7.347/1985.66 

Possuem a legitimidade ativa para promover ação civil pública, nos termos do art. 5º da Lei 7.347/1985, com a redação dada pelas Leis 11.448/2007 e 13.004/2014, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados, Distrito Federal e Municípios, as autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista, assim como as associações, que, concomitantemente estejam constituídas há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil e que incluam, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico

No que tange ao combate às interrupções ilegais de serviços públicos, mostra-se de grande relevância a atuação do Ministério Público por meio do ajuizamento de ações civis públicas.67 

Analisando as disposições da Lei 7.347/1985 e do Código de Defesa do Consumidor, constata-se que o Ministério Público tem competência, por exemplo, para ajuizar a medida judicial ora em apreço para combater movimentos grevistas ilegais, que ponham em risco a saúde, a segurança ou a sobrevivência da população. 

Nota-se que o Ministério Público tem competência, também, para mediante o ajuizamento da ação referida requerer medida judicial impondo a continuidade de um percentual mínimo do serviço, impedindo grandes prejuízos aos usuários que dependem dos serviços prestados pelos grevistas.

Pode o interessado valer-se de qualquer via idônea, inclusive a ação popular, em caso de se verificarem os pressupostos indicados no art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição, observadas as normas da Lei 4.717/1965, alterada pelas Leis 6.014/1973 e 6.513/1977.

Ainda que restrita à anulação do ato impugnado e indenização, a ação popular se presta à proteção jurisdicional dos direitos difusos. Com efeito a Lei Maior permite que o cidadão ingresse em juízo com o pedido de anulação de ato lesivo ao patrimônio público ou ao meio ambiente, bem como da respectiva indenização para que as coisas voltem ao estado anterior.

Cabe ainda mandado de segurança quando seu direito se revestir de liquidez e certeza contra o poder concedente e contra o concessionário, este último por tratar-se de “pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”, nos termos do art. 5º, LXIX, da Carta Magna.68 

Outros tipos de ação estão também previstos na legislação processual, como a de indenização por danos causados na prestação do serviço. Sendo a empresa concessionária uma entidade que presta serviço público, a ela aplica-se a regra do art. 37, § 6º, da Constituição, que consagra, no direito brasileiro, a teoria da responsabilidade objetiva do poder público por danos causados a terceiros. 


5. Observações finais


1.  Delineado o contexto principiológico a que se encontra adstrito o prestador do serviço público, vários direitos são reconhecidos aos usuários.

2. O usuário tem direito a receber o serviço, independentemente de sua forma de prestação, nos termos estabelecidos pelos diplomas de regência da matéria, “obviamente de acordo com os princípios orientadores, mas, especialmente, em estrita obediência ao princípio da legalidade e da não violação das garantias constitucionais em seu favor”.69 

3. Prescreveu o art. 175, parágrafo único, II, da Constituição Federal que a disciplina legal dos serviços públicos disporá sobre a fixação dos direitos dos usuários. E a Lei federal 8.987/95, ao enunciá-los no art. 7º, reconhece a extensão do regime do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990 e respectivas alterações) à prestação dos serviços públicos. Da definição constante do referido Código, em seu art. 3º, § 2º, extrai-se que somente os serviços públicos prestados individualmente e remunerados por taxa ou por tarifa se subsumem à lei consumerista. Os serviços públicos uti universi e os gratuitos estão excluídos das regras codificadas para o consumidor. 

Os direitos mesclados atecnicamente com os deveres (ou obrigações, na dicção legal do art. 7º da Lei n° 8.987/1995) dos usuários são, basicamente, os de receber serviço adequado (inc. I); de informar-se e ser informado das condições a ele relativas (inc. II); de participar de sua administração, tanto pela fiscalização quanto pelo opinamento sobre a sua prestação (incs. IV e V); de escolher o serviço dentre o de distintos prestadores, quando for o caso (inc. III com a redação dada pela Lei 9.648/1998). Posteriormente foi contemplado o direito do usuário de escolher, dentro do mês de vencimento, os dias de vencimento de seus débitos, no mínimo entre seis datas opcionais ofertadas pelas concessionárias de serviços públicos, de direito público e privado, nos Estados e no Distrito Federal, nos termos do art. 7º A, da Lei 8.987/1995, acrescentado pela Lei 9.791, de 24.03.1999 (DOU de 25.03.1999).

O elenco estabelecido no art. 7º não é exaustivo, pois outros direitos-poderes decorrem de dispositivos esparsos ou também poderão ser reconhecidos, à luz dos princípios que disciplinam essa área, da legislação pontual e do regulamento específico para cada espécie de serviço público, ou das particularidades do caso concreto. Assim o usuário tem direito à modicidade das tarifas, previsto nos arts. 6º, § 1º e 11, bem como à indenização pelos prejuízos sofridos, valendo o princípio consagrador da teoria do risco não-integral previsto na Lei Suprema, art. 37, § 6º e nas leis infraconstitucionais nos 8.987/1995, art. 25 e 8.078/1990, art. 22, parágrafo único.

Trilhou o legislador o caminho certo, considerando que a luta pela eficácia social do princípio da proteção do consumidor de serviços públicos envolve o reconhecimento técnico e fático da vulnerabilidade dos usuários. E a lei de defesa do usuário de serviços públicos, a ser expedida nos termos do § 3º do art. 37 da Constituição Federal, deve firmar-se na defesa positivadora do referido princípio.

Ao entrar em vigor a lei de defesa do usuário de serviços públicos, a ser expedida nos termos do § 3º do art. 37 da Constituição Federal, o CDC deverá ser aplicado subsidiariamente, pois é norma principiológica geral das relações de consumo.

4. A prestação dos serviços públicos se reveste de grande importância, sobretudo porque impõe ao Poder Público uma exigência de atendimento das necessidades básicas da vida social, ligadas, inclusive, a direitos sociais assegurados na Constituição.

5. Entretanto, na prática, o que se observa é que os usuários continuam a ter seus direitos transgredidos impunemente pelos prestadores de serviços públicos e a deparar com óbices imensos para socorrer-se de instrumentos eficazes que, na realidade do cotidiano, possam garantir seus direitos. Assim, muito ainda deverá  ser feito para concretizar a tutela do usuário prevista na Constituição.

6. É preciso que os usuários estejam alertas e presentes no controle do desempenho dos serviços para exigir sua adequada prestação e denunciar irregularidades e abusos que ocorram. Para tanto, devem ser ampliados os instrumentos de participação, voltados à construção de um novo modelo das relações prestador x usuário, calcado na informação, transparência, colaboração, respeito e maior aproximação entre ambos. Frise-se que a participação do usuário na Administração Pública, inclusive para avaliar a qualidade dos serviços prestados, foi contemplada na própria Constituição, no § 3º, do art. 37 (com a redação dada pela EC 19/98), como um mecanismo conducente a incentivar o cumprimento do princípio da eficiência. 


Notas

1 ROLLAND, Louis. Précis de droit administratif, p. 18 apud MARTÍNEZ MARÍN, Antonio. El buen funcionamiento de los servicios públicos, p. 26.

2 A doutrina por diversas vezes tem salientado que a prestação dos serviços públicos não se reveste, necessariamente, de um único regime jurídico. (GRAU, Eros Roberto. Desistência de desapropriação de ações, p. 34). Nessa trilha: GRAU, Eros Roberto. Saque de títulos de crédito contra a administração direta, pp. 332-333; GORDILLO, Agustín. Tratado de derecho administrativo y obras selectas, p. VI-50/288; LOPES, Vera Maria de Oliveira Nusdeo. O Direito à informação e as concessões de rádio e televisão, p. 73; GUGLIELMI, Gilles J. Introduction au droit des services publics, p. 39.

3 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno, p. 386.

4 MARCONI, Pia. La carta dei servizi e la citizen charter. Revista trimestrale di diritto pubblico, 1, p. 197, apud MEDAUAR, Odete. Usuário, cliente ou consumidor. Estudos em Homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover, p. 153.

5 MARCONI, Pia. La carta dei servizi e la citizen charter. Revista trimestrale di diritto pubblico, 1, p. 197, apud MEDAUAR, Odete. Usuário, cliente ou consumidor. Estudos em Homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover, p. 153.

6 NICINSKI, Sophie. L’usager du service public industriel e comercial, p. 82, apud MEDAUAR, Odete. Usuário, cliente ou consumidor. Estudos em Homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover, p. 153.

7 BAQUER, Lorenzo Martín-Retortillo. O sistema europeu de direitos fundamentais após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa

8 O Tratado de Lisboa, assinado em Lisboa a 13.12.2007, e que entrou em vigor a 01.12.2009, é, na verdade, composto pelos dois principais Tratados da UE revistos: o Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a Comunidade Europeia (agora designado Tratado sobre o Funcionamento da UE), bem como por vários protocolos e declarações, que se encontram em anexo e dele fazem parte integrante.

9 BAQUER, Lorenzo Martín-Retortillo. O sistema europeu de direitos fundamentais após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa

10 Idem.

11 O art. 36 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, cujo título é “Acesso aos serviços de interesse econômico geral”, dispõe: “A União reconhece e respeita o acesso a serviços de interesse económico geral tal como previsto nas legislações e práticas nacionais, de acordo com os Tratados, a fim de promover a coesão social e territorial da União”.

12 CHEVALLIER, Jacques. A reforma do Estado e a concepção francesa de serviço público, pp. 42-43.

13 OSBORNE, David; GAEBLER, Ted. Reinventando o Governo: como o espírito empreendedor está transformando o setor público, p. 181.

14 Idem, p. 213.

15 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Reforma do Estado para a cidadania: a reforma gerencial brasileira na perspectiva internacional, pp. 111-112. 

16 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas, p.115. Registra Marçal Justen Filho que a expressão cliente “nada acrescenta ao universo jurídico, a não ser aproximar o tratamento do serviço público aos institutos de direito privado, sem que isso possa afastar a aplicação de princípios fundamentais inerentes e insuprimíveis ao regime publicístico” (Teoria geral das concessões de serviço público, p. 549).

17 MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo e princípio da eficiência. As leis de processo administrativo. Lei Federal 9.784/99 e Lei paulista 10.177/98, pp. 326-327.

18 AMARAL, Antônio Carlos Cintra do. Distinção entre usuário de serviço público e consumidor, pp. 113-118. No mesmo sentido, FERREIRA, Sergio de Andréa. Responsabilidade objetiva e subjetiva da administração pública. O dever de indenizar o cidadão enquanto consumidor de serviços públicos. Ações de indenização em face das privatizações. Boletim de direito administrativo.

19 NEIRA, César Carlos. Entes reguladores de servicios: la defensa del usuário, p. 33.

20 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo, p. 568.

21 MC em ADI por omissão 24/DF. Decisão monocrática, rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 01.07.2013, DJ 01.08.2013. Encontra-se em tramitação no Congresso (na CCJ do Senado desde 13.11.2015) o substitutivo da Câmara de nº 20, de 2015, ao Projeto de Lei do Senado 439/1999, da lavra do Senador Lúcio Alcântara (PL 6.953/2002 na Câmara dos Deputados), que determina que a aplicação desta Lei não afasta a necessidade de cumprimento do disposto na lei 8.078/1990, quando caracterizada relação de consumo (art. 1º, II, § 2º), aplicando subsidiariamente o disposto nessa lei aos serviço públicos prestados por particulares (art. 1º, II, § 3º).

22 A ideia de racionalização tem a ver com o emprego da lógica do racional (técnico), que é diferente da lógica do razoável (político). Diogo de Figueiredo Moreira Neto explicita a distinção, ao tratar do princípio da razoabilidade, exemplificando: “para se construir uma ponte, usa-se a lógica do racional; para se decidir se é necessário ou não construí-la, emprega-se a lógica do razoável. No primeiro caso, trabalha-se com causas e efeitos, e, no segundo, com razões e interesses” (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo, p. 109). Marcos Juruena Villela Souto esclarece: “Enquanto o controle do razoável envolve forte conteúdo político, sindicável apenas diante de ‘zonas de certeza (positiva ou negativa)’, mas nunca na chamada ‘zona cinzenta’, o controle da racionalidade, sendo técnico, permite uma avaliação objetiva do resultado, que, em síntese, representa o atendimento do princípio da eficiência, elevado à categoria de princípio constitucional” (SOUTO, Marcos Juruena Villela. Desestatização, privatização, concessões e terceirizações, p. 416).

23 MEDAUAR, Odete. Usuário, cliente ou consumidor? Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover, p. 153. Destaca que os principais direitos dos usuários de serviços públicos são os seguintes:

a) “Direito ao respeito dos seus direitos: dignidade da pessoa humana, segurança, liberdade individual;

b) Direito de acesso ao serviço público, como reflexo do princípio da igualdade;

c) Direito ao funcionamento normal do serviço vinculado ao princípio da continuidade e da adaptabilidade do serviço público (art. 22, do CDC);

d) Direito ao funcionamento eficiente do serviço (arts 6º e 7º da Lei das Concessões e art. 22 do CDC);

e) Direito à reparação de danos (parágrafo único do art. 22 do CDC);

f) Direito de receber informações do poder concedente e da concessionária para a defesa de interesses individuais e coletivos (art. 7º da Lei de Concessões)

g) Liberdade de escolha entre vários prestadores (art. 7º da Lei de Concessões);

Direito-dever de levar ao conhecimento do Poder Público e da concessionária as irregularidades referentes ao serviço prestado (art. 7º da Lei de Concessões).” (Idem, p. 154).

24 Art. 3º, § 2º. Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

25 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 101. Faz, ainda, o Autor um comentário sobre os aspectos de gratuidade. Não é porque algum tipo de serviço público não esteja sendo pago diretamente – ou nem sequer esteja sendo cobrado – que não está abrangido pelas regras do CDC. (...). Nenhum serviço público pode ser considerado efetivamente gratuito, já que todos são criados, mantidos e oferecidos a partir da receita da arrecadação dos tributos. Há os serviços públicos que são cobrados, mas, ainda que não o sejam, repita-se, são serviços típicos da relação de consumo que se instaura com o cidadão-consumidor.

26 BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor, pp. 110-111.

27 Para Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin: “Não é mérito do art. 22 responsabilizar civilmente a Administração Pública pelos serviços de consumo. Tal decorre da própria inclusão do Estado no elenco dos sujeitos que compõem o gênero fornecedor (art. 3º, caput). Na falta do art. 22, o Estado ainda seria responsável pelos serviços que prestasse, só que por força do art. 20. Portanto , a ratio principal da prescrição comentada é tão-só apartar o Estado do tratamento jurídico padrão fixado para outros serviços de consumo.

Mas nem por isso o preceito deixa de ter inovações. A primeira delas consiste em estabelecer uma obrigação especial de adequação, eficiência e segurança para os serviços públicos, independentemente de sua forma de prestação ou do sujeito que os forneça. Mostra que o legislador, pelo menos quanto aos serviços públicos, entendeu mais prudente repetir a regra geral imposta a todos os fornecedores (art. 4º, II, A segunda inovação importante é a determinação de que os serviços essenciais – e só eles – devem ser contínuos, isto é, não podem ser interrompidos. Cria-se para o consumidor um direito à continuidade do serviço” (Idem, p. 112).

28 Ibidem.

29 DANARI, Zelmo. Da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos, p. 214. 

30 MARINS, James. Código do Consumidor comentado, pp. 62-63 apud ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor, p. 99. 

31 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Desestatização, privatização, concessões e terceirizações, pp. 418-419. 

32 COSTA, Regina Helena Costa. A tributação e o consumidor, pp. 224-225.

33 Idem, p. 225, nota 11.

34 MARQUES, Cláudia Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais, p. 645.

35 Idem, p. 660-661.

36 Idem, p. 645, nota 1179.

37 MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. A proteção dos usuários de serviços públicos: a perspectiva do direito do consumidor, p. 245.

38 BESSA, Leonardo Roscoe. Vício do produto e do serviço, pp. 171-173.

39 PAULA, Adriano Perácio de. O Código do Consumidor e o princípio da continuidade dos serviços públicos comerciais e industriais, pp. 405 e 407-408. 

40 PASQUALOTTO, Adalberto. Os serviços públicos no Código de Defesa do Consumidor, pp. 134-135.

41 FILOMENO, José Geraldo Brito. Disposições gerais. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 49.

42 NOVAIS, Elaine Cardoso de Matos. Serviços públicos e relação de consumo: aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, p. 171. 

43 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo, p. 250. No mesmo sentido: OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Administração pública, concessão e terceiro setor, pp. 272-273.

44 V. nesse sentido, julgados do STJ: REsp 772486/RS, 1ª Turma, rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 06.12.2005, DJ 06.03.2006; REsp 647710/RJ, 3ª Turma, rel. Min. Castro Filho, julgado em 20.06.2006, DJ 30.06.2006; REsp 943850/SP, 1ª Turma, rel. Min. José Delgado, julgado em 28.08.2007, DJ 13.09.2007; REsp 742640/MG, 2ª Turma, rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 06.09.2007, DJ 26.09.2007; AgRg no AREsp 32052/RJ, 2ª Turma, rel. Min. Diva Malerbi, julgado em 10.03.2016, DJe 21.03.2016.

45 STJ, REsp 1187456/RJ, 2ª Turma, rel. Min. Castro Meira, julgaod em 16.11.2010, DJe 01.12.2010. No mesmo sentido:. AgRg no REsp 1471694/MG, 2ª Turma, rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 25.11.2014, DJe 02.12.2014.

46 STJ REsp 493181/SP, 1ª Turma, rel. Min. Denise Arruda, julgado em 15.12.2005, DJ 01.02.2016. “[..]Referido serviço (serviço de saúde prestado pelo hospital público), em face das próprias características, normalmente é prestado pelo Estado de maneira universal, o que impede a sua individualização, bem como a mensuração de remuneração específica, afastando a possibilidade da incidência das regras de competência contidas na legislação específica (Código de Defesa do Consumidor). No mesmo sentido: REsp 493181, Decisão monocrática, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 22.05.2014.

47 PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. (...) Serviço de telefonia. Demanda entre concessionária e usuário.(...) 17 (...)  Não cabendo discussão quanto à aplicabilidade do Código, as divergências doutrinárias se ferem quanto à extensão de sua aplicação e à identificação das espécies de serviços públicos que estariam sob seu âmbito de incidência. Para Dinorá Grotti ela só ocorrerá quando se trate de serviço individualizadamente remunerado, não cabendo discriminar  em função de a remuneração ser denominada taxa ou tarifa. Ao nosso ver esta é a orientação geral correta, aduzindo-se que a aplicação do Código servirá para apontar benefícios suplementares aos que resultam diretamente dos direitos de usuário, conquanto inúmeras vezes, em rigor, estejam correspondendo ou a uma reiteração ou a um detalhamento deles. Entretanto, dadas as óbvias diferenças entre usuário (relação de direito público) e consumidor (relação de direito privado) com as inerentes consequências, certamente suas disposições terão de se compatibilizar com as normas de direito público, ou quando afronte prerrogativas indeclináveis do Poder Público ou com suas eventuais repercussões sobre o prestador de serviços (concessionário ou  permissionário) (...)”.(STJ REsp 976836/RS, 1ª Seção, rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25.08.2010, DJe 05.10.2010). 

48 BESSA, Leonardo Roscoe. Vício do produto e do serviço, pp. 171-172.

49 PASQUALOTTO, Adalberto. Os serviços públicos no Código de Defesa do Consumidor, p. 135.

50 FILOMENO, José Geraldo Brito. Dos direitos básicos do consumidor. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 153.

51 DENARI, Zelmo. Da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos, p. 218.

52 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo, p. 568.

53 JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria das concessões de serviço público, p. 560.

54 PEREIRA, César A. Guimarães. Usuários de serviços públicos: usuários, consumidores e os aspectos econômicos dos serviços públicos, pp. 206-207; 436-437. Cesar Guimarães Pereira anota “que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro tem diversas decisões em que estabelece com precisão a distinção entre consumidores e usuários: CEDAE. ESGOTO SANITÁRIO. A relação entre fornecedor e consumidor não se confunde com a firmada por concessionária e usuário, dado que o concedente é o poder público, caso em que se observa a supremacia do interesse público. Deferimento da inversão do ônus da prova na sentença. Inaplicabilidade do instituto, visto não ser a relação de consumo. Violação, ademais, dos princípios do contraditório e da ampla defesa, pois a presunção não se opera ope legis, senão ope iudicis. Incidência do verbete nº 91, da Sumula deste Tribunal. Consoante as regras de distribuição do ônus probatório, incumbe às partes, respectivamente autor e réu, a prova dos fatos que alegam. Alegação de ausência de prestação do serviço de esgoto sanitário. Prova de fato aparentemente negativo. Incidência do brocardo actoris est probare. Fato constitutivo do direito do autor passível de demonstração mediante realização de prova pericial, não efetivada pelo juízo a quo. Sentença cassada de ofício. Recurso prejudicados (TJRJ, 2ª Câmara Cível, AC 2007.001.56662, Rel. Des. Carlos Eduardo da Fonseca Passos, j. 24.10.2007, v.u.). Esse aresto dizia respeito a uma hipótese de aplicação do CDC para inversão do ônus da prova. Em outras ocasiões, o TJRJ aplicou o mesmo entendimento para a solução de questões atinentes à suspensão do serviço de fornecimento de água por inadimplemento do usuário. É o caso da Apelação Cível nº 2006.001.42485, julgada em agosto de 2006. O mesmo entendimento havia sido adotado na Apelação Cível nº 2005.001.10368, julgada em agosto de 2005. As ementas são esclarecedoras sobre a orientação adotada: SERVIÇO PÚBLICO DE FORNECIMENTO DE ÁGUA. A relação entre fornecedor e consumidor não se confunde com a firmada por concessionária e usuário, dado que o concedente é o poder público, caso em que se observa a supremacia do interesse público. Vácuo legislativo em reger os direitos do usuário em relação à concessionária. Inadimplemento do Congresso Nacional com o disposto no art. 27, da Emenda Constitucional nº 19/98, que determina a edição da lei de defesa do usuário de serviços públicos. Aplicação somente analógica da legislação consumerista, que deve ser interpretada em harmonia com outros diplomas. Se há regulamento administrativo estabelecendo a forma como será regulada a relação, descabe a invocação do Código do Consumidor para obter algo que com aquele contrasta. Usuário inadimplente no pagamento de suas contas. Suspensão do fornecimento por falta de pagamento. Autotutela admitida por lei após prévio aviso comprovado nos autos. Recurso desprovido (TJRJ, 2ª Câmara Cível, AC 2006.001.42485, j. 23.8.2006, v.u.)”.

55 PEREIRA, César A. Guimarães. Administração pública e direito do consumidor. Direito administrativo e seus novos paradigmas, p. 351.

56 Idem, p. 342.

57 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos, pp. 498-500.

58 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Características do serviço público.Tratado de direito administrativo, pp. 134-135.

59 MOREIRA, Egon Bockmann. Direito das concessões de serviço público: inteligência da Lei 8.987/1995 (parte geral), pp. 305-306.

60 MOREIRA, Egon Bockmann. Direito das concessões de serviço público: inteligência da Lei 8.987/1995 (parte geral), pp. 308-309.

61 Idem, p. 310.

62 “Concessionária de rodovia. Acidente com veículo em razão de animal morto na pista. Relação de consumo. 1. As concessionárias de serviços rodoviários, nas suas relações com os usuários da estrada, estão subordinadas ao Código de Defesa do Consumidor, pela própria natureza do serviço. No caso, a concessão é, exatamente, para que seja a concessionária responsável pela manutenção da rodovia, assim, por exemplo, manter a pista sem a presença de animais mortos na estrada, zelando, portanto, para que os usuários trafeguem em tranquilidade e segurança. Entre o usuário da rodovia e a concessionária, há mesmo uma relação de consumo, com o que é de ser aplicado o art. 101, do Código de Defesa do Consumidor. 2. Recurso especial não conhecido”. (STJ, REsp 467.883/RJ, 3ª Turma, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, julgado em 17.06.2003, DJ 01.09.2003). 

“(...) 2. A jurisprudência desta Corte consolidou entendimento segundo o qual é aplicável o CDC às relações entre a concessionária de serviços rodoviários e seus usuários.

3. "A presença de animais na pista coloca em risco a segurança dos usuários da rodovia, respondendo as concessionárias pelo defeito na prestação do serviço que lhes é outorgado pelo Poder Público concedente" (REsp 687.799/RS, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 4 Turma, julgado em 15.10.2009, DJe 30.11.2009) – (STJ, AgRg no AREsp 586409/PR, 4ª Turma, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 04.08.2015, DJe 13.08.2015).

Colaciona-se, também, julgado que se refere à morte  por  atropelamento de  pessoa que tentava atravessar   a  faixa  de  pedestres ,  em  via mal   sinalizada   e   precariamente   iluminada,   existente em  rodovia explorada e administrada por concessionária de serviço público.

“(...) 2. As concessionárias de serviços rodoviários, nas suas relações com o usuário, subordinam-se aos preceitos do Código de Defesa do Consumidor e respondem objetivamente pelos defeitos na prestação do serviço. Precedentes. 3. No caso, a autora é consumidora por equiparação em relação ao defeito na prestação do serviço, nos termos do art. 17 do Código consumerista. Isso porque prevê o dispositivo que "equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento", ou seja, estende o conceito de consumidor àqueles que, mesmo não tendo sido consumidores diretos, acabam por sofrer as consequências do acidente de consumo, sendo também chamados de bystanders (...) 8. O direito de segurança do usuário está inserido no serviço público concedido, havendo presunção de que a concessionária assumiu todas as atividades e responsabilidades inerentes ao seu mister. (STJ, REsp 1268743/RJ, 4ª Turma, rel. Min. Luis Felipe Salomão,  julgado em 04.02.2014, DJe 07.04.2014).

No mesmo sentido STJ, REsp 647710/RJ, 3ª Turma, rel. Min. Castro Filho, julgado em 20.06.2006, DJ 30.06.2006; STJ, no REsp 687799/RS, 4ª Turma, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 15.10.2009, DJe 30.11.2009; STJ, AgRg no Ag 522022/RJ, 3ª Turma, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, julgado em 17.02.2004, DJ 05.04.2004 ; STJ, AgRg no Ag 1067391/SP, 4ª Turma, rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 25.05.2010, DJe 17.06.2010.

63 O STJ reconheceu a legitimidade ativa do usuário para impugnar ato do Prefeito que alterou itinerário de linha de ônibus (RT 79/207). E não havendo interesse jurídico da União a competência é estadual (STF, AI/AgR 388.982).

64 MEIRELLES, Hely Lopes; BURLE FILHO, José Emmanuel; BURLE, Carla Rosado. Direito administrativo brasileiro, p. 429.

65 Os interesses individuais homogêneos se diferenciam dos interesses acima referidos porque têm seu objeto divisível, sendo possível calcular a extensão dos danos causados a cada um dos interessados. Outra característica de tais interesses é que os danos que lhe são causados decorrem de uma mesma situação fática.

66 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal, pp. 119-120.

67 Cesar A. Guimarães Pereira destaca a importância da atuação do Ministério Público na defesa dos interesses dos usuários de serviços públicos, afirmando que as ações coletivas são mecanismos fundamentais para proteção dos interesses do usuário. (PEREIRA, Cesar A. Guimarães. Usuários de serviços públicos: usuários, consumidores e os aspectos econômicos dos serviços públicos, p. 244.).

68 Esclarece Marçal Justen Filho que “a utilização do mandado de segurança será problemática porque, usualmente, a configuração de serviço adequado envolve produção de prova incompatível com a natureza do mandamus – excetuadas hipóteses-limite, onde seja totalmente incontroversa a situação fática. No entanto, há hipóteses de obsolescência onde a controvérsia não envolverá divergência quanto aos fatos, mas acerca da modernidade da solução adotada” (JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público, p. 562).

69 RIVERA, Luis José Béjar. Uma aproximação à teoria dos serviços públicos, p. 112.


Referências

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Citação

GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Direitos dos usuários. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/74/edicao-1/direitos-dos-usuarios

Edições

Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 1, Abril de 2017

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