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Desapropriação de bens imóveis
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Luiz Sérgio Fernandes de Souza
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Última publicação, Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 2, Abril de 2022
Trata-se de uma das causas de perda da propriedade (arts. 1.228, § 3º, e 1.275, V, ambos do Código Civil), com a especial característica de se fundar ela na preponderância do interesse público sobre o particular, atuação do Estado que, por interferir com direitos e garantias constitucionais (art. 5°, XXII e XXIV, da CF), ganha particular relevo, transcendendo os limites do Direito Civil e do Direito Administrativo. Distingue-se, como veremos, da requisição e da servidão administrativa.1
1. Conceito, objeto e modalidades de desapropriação
Desapropriação é a transferência compulsória da propriedade para o poder público com fundamento em utilidade pública, necessidade pública ou interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro (art. 5º, XXIV, da CF), exceção feita ao pagamento em “títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal”, para a hipótese de área urbana não edificada, subutilizada ou não utilizada (art. 182, § 4º, III, da CF), e ao pagamento em “títulos da dívida agrária”, no caso de expropriação por interesse social para fins de reforma agrária (art. 184 da Constituição Federal).
Todos os bens e direitos patrimoniais, em regra, prestam-se à desapropriação. No que tange aos imóveis – de que cuida especificamente o presente verbete – pode ela abranger, ainda, a área contígua necessária à realização da obra, bem como zonas que, em decorrência da intervenção do poder público, irão se valorizar. Assim, desapropria-se para depois vender e recuperar o investimento. É a chamada desapropriação por zona, prevista no art. 4º do Decreto-Lei 3.365/1941.
Bens da administração direta podem ser desapropriados por entidade federativa hierarquicamente superior, desde que tais atos sejam precedidos de autorização legislativa da pessoa jurídica expropriante (art. 2º, § 2º, do DL 3.365/1941). De outra forma, bens da administração indireta podem ser desapropriados por entidade integrante de pessoa federativa hierarquicamente inferior (e, com igual ou maior razão, pela própria entidade federativa hierarquicamente inferior), desde que não vinculados a prestação do serviço público, caso em que será necessária autorização da entidade instituidora daquela cujos bens se pretende desapropriar.
Além da desapropriação nos moldes já especificados, a Constituição Federal prevê a expropriação imediata de glebas onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas, destinando-as ao assentamento de colonos com vista ao cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, e isto sem direito a indenização (art. 243 da CF). Importante frisar que, a despeito de se tratar de desapropriação inscrita nos quadrantes da Política Criminal, há de respeitar os princípios constitucionais da inafastabilidade da jurisdição e do devido processo legal, com garantia do contraditório e da ampla defesa.
Se, de um lado, para quem analisa a relação jurídica com acento na figura do expropriado, a desapropriação apresenta-se como causa de perda da propriedade, de outro, para quem vê a relação jurídica olhando para a pessoa do expropriante, a desapropriação é forma de aquisição da propriedade, mais que isto, aquisição originária, não vinculada a título anterior. Disto decorre que, com a desapropriação, o bem se acha livre de quaisquer ônus anteriores, insuscetível de reivindicação, ficando eventuais credores sub-rogados no preço (art. 31 do DL 3.365/1941).
Do que acima se disse resulta também que, se o poder público pagar a quem não é o legítimo proprietário, nem por isto se invalida a desapropriação feita, porquanto dela mesma emana, por autoridade própria, o ato constitutivo da propriedade, cabendo ao prejudicado utilizar-se das vias ordinárias para fazer valer os direitos de que se julga portador. Diga-se o mesmo da pretensão de terceiros titulares de direitos obrigacionais relacionados ao imóvel desapropriado, que poderá ser satisfeita por meio de ação competente (art. 26 do DL 3.365/1941).
O instituto constitucional da desapropriação admite diversas classificações, pautadas em diferentes critérios. Às classificações, que recorrem às definições por gênero e diferença, conhecidas desde a antiguidade, não importa tanto o atributo da correção ou incorreção, mas a utilidade. Desta perspectiva, propomos considerar a distinção, quanto à política de Estado relativa à propriedade (a), entre desapropriação ordinária (a.a) e desapropriação extraordinária (a.b); quanto à existência ou não de acordo entre o poder público e o particular (b), entre desapropriação amigável (b.a) e desapropriação litigiosa (b.b), preferindo-se esta expressão ao termo desapropriação judicial, pois nesta também poderá existir acordo, como em todo e qualquer processo; quanto aos fundamentos de legitimidade da expropriação (c), entre desapropriação direta (c.a) e desapropriação indireta (c.b), em que pese a impropriedade desta última denominação, como trataremos de demonstrar mais adiante.
Pois bem, do ponto de vista da política de Estado relativa à propriedade, classifica-se a desapropriação em ordinária e extraordinária. Na primeira modalidade, fundada na regra do art. 5º, XXIV, da CF, a indenização, prévia e justa, devida pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou por outras pessoas a quem a lei reconhecer o direito de desapropriar, é feita em dinheiro. A segunda modalidade, objeto da norma do art. 184 da CF, incidente apenas sobre imóveis rurais que não atendam à função social da propriedade, foi instituída com o propósito de fomentar a reforma agrária, competindo sua consecução exclusivamente à União e seus delegados, mediante prévia e justa indenização, que se faz, todavia, com a outorga de títulos da dívida agrária. Também é extraordinária a desapropriação prevista na norma do art. 182, § 4º, III, da CF, cujo alvo é a propriedade sem adequada utilização, consideradas as regras do Plano Diretor do Município.
A desapropriação em geral é composta de uma fase de natureza declaratória, em que se indica o bem a ser expropriado, especificando-se a necessidade pública, a utilidade pública ou o interesse social, conforme o caso, e de uma fase executória, na qual estão contempladas a estimativa da justa indenização e a transferência do bem expropriado para o domínio do expropriante. Esta fase executória pode assumir tanto um caráter administrativo, quando há composição das partes, relativa ao preço, quanto judicial, hipótese em que, inexistente a autocomposição do litígio, a administração pública bate às portas do Judiciário, ao qual incumbirá definir a justa indenização.
No concernente à existência ou não de acordo entre o poder público e o particular, é possível afirmar que tanto a desapropriação ordinária quanto a extraordinária podem se dar administrativamente, de forma amigável, realizando-se mediante escritura pública (documento que servirá como título translativo da propriedade, após registro no cartório de imóveis). A indenização, nestes casos, pode ser posterior à transferência do domínio, não havendo necessidade de o pagamento ser feito em dinheiro, tudo dependendo do que ajustarem as partes. Há quem sustente que, nesta modalidade, não atuaria o modo originário de aquisição da posse, razão por que estaria ela reservada às hipóteses em que inexiste controvérsia quanto ao título, impondo-se, ademais, o comparecimento de eventual terceiro, titular de direito real de garantia, no ato de lavratura da escritura.
Não por outra razão, o poder público muitas vezes prefere, mesmo obtida a concordância do particular em sede administrativa, submeter o acordo à homologação do juízo, promovendo a competente ação de desapropriação. Em outros casos, ocorre de as partes, no curso do processo, entrarem em acordo, o que se reduz a termo, a fim de que o juiz possa homologar o ajuste. O pronunciamento judicial, a que está condicionada a validade do ato dentro e fora do processo (coisa julgada material), nos termos do art. 22 do DL 3.365/1941, depende, a nosso ver, da assistência de advogado (art. 133 da CF, 1º e 4º, caput, estes da LF 8.906/94), servindo a respectiva sentença como título translativo da propriedade do bem expropriado, registro que somente será feito se o expropriante tiver pagado a indenização acordada.
Diga-se que se o poder público vier a constatar, mais tarde, vícios ou defeitos na coisa adquirida, não poderá se valer da ação redibitória, o mesmo se podendo afirmar no tocante a posterior constatação de diferença na metragem, que não dará lugar à chamada actio quanti minoris, com a qual se busca a diminuição do preço.
Por último, quanto aos fundamentos de legitimidade da expropriação, pode a desapropriação ser classificada como direta e indireta. A primeira modalidade está fundada no ato pelo qual o poder público declara a intenção de adquirir determinado imóvel, submetendo-o ao poder de império da administração pública. Há, pois, todo um procedimento, previsto especificamente em lei, que se inicia com a fase declaratória (edição do decreto que declara o bem de utilidade pública, necessidade pública ou interesse social), prosseguindo com a fase executória (liquidação do valor e pagamento).
O decreto de desapropriação tem validade de cinco anos, para os casos de utilidade e necessidade pública (art. 10 do DL 3.365/1941), e de dois anos, no caso de interesse social (art. 3º do LF 4.132/62). Ocorrendo a caducidade, somente após um ano pode o bem ser objeto de nova declaração expropriatória (art. 10 do DL 3.365/1941). Durante a fase declaratória, ao proprietário é dado usar, gozar e dispor do bem, a despeito da existência do decreto de desapropriação (em vigor e em vigência).
De outra parte, a desapropriação chamada indireta nada mais é que um esbulho administrativo, diante do qual, com a afetação do imóvel ao interesse público, ao proprietário nada mais resta senão postular a indenização em juízo. A bem da verdade, o esbulho administrativo não é mais que um ato de força que gera o direito de instalar-se, podendo o administrador público, a nosso ver, diante de eventual descompasso entre o interesse público primário e o interesse público secundário, caracterizada que estiver a prática de ato de improbidade administrativa, ser chamado à responsabilidade, dentre outras coisas, para indenizar a administração pública em ação regressiva.
Tratando-se de um ato de força, ou de uma situação que se legitima na base do fato consumado, não se há de falar em uma fase declaratória, tampouco em uma fase executória. Diante do apossamento administrativo, ao proprietário esbulhado – e também ao simples possuidor –, à vista da prática de ilícito civil, caberá ingressar com a ação competente, pleiteando a reparação das perdas decorrentes da invasão perpetrada pelo poder público.
A princípio, a ocorrência de esbulho dá ao proprietário a possibilidade de valer-se dos interditos possessórios. Mas, como já se adiantou, atuando o poder público, uma vez consumado o esbulho, com a afetação do bem ao domínio público, impossível se mostra a reintegração ou a reivindicação, restando ao particular espoliado haver a indenização correspondente. Ressarcido que for o proprietário, a incorporação do bem ao patrimônio público somente se dará com o registro da sentença transitada em julgado no registro de imóveis.
Diga-se que a MP 2.183-56, de 24.08.2001, ao incluir o parágrafo único no art. 10 do DL 3.365/1941, fixou prazo de cinco anos para a propositura da ação de desapropriação indireta. Ocorre que referida Medida Provisória foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn 2.260/DF), na qual, por força da concessão de medida liminar, viu-se reconhecida, até final julgamento, orientação no sentido de que o prazo prescricional, no caso, é de quinze anos, o mesmo da usucapião extraordinária (art. 1.238 do C.Civ.), consoante orientação da Súmula 119 do STJ que, no entanto, faz referência ao prazo previsto no Código Civil de 1916 (vinte anos). Caso o interessado não ingresse com a ação, impropriamente denominada desapropriação indireta, para fazer valer o que entende de direito, poderá o poder público mover a usucapião no intuito de adquirir a propriedade, legitimando, assim, o apossamento.
A requisição de bens, que conta com previsão constitucional (art. 5º, XXV), faz-se, a princípio, sem indenização e independentemente de prévio controle jurisdicional. Presta-se, no caso de imóveis, ao uso temporário, em caso de iminente perigo público, observando-se, contudo, que muitas vezes, a pretexto de ocupação temporária, necessária à contenção de um talude que ameaça ruir, por exemplo, situado no perímetro do imóvel desapropriado, o poder público pratica verdadeiro esbulho, utilizando a área como prolongamento do canteiro de obras. A própria Constituição, nestes casos, prevê o direito à indenização, na norma já mencionada.
Como já foi dado perceber, o DL 3.365/1941, editado com força de lei e praticamente recepcionado, com sucessivas alterações ao longo dos anos, pelas Constituições que se seguiram, é a chamada Lei Geral das Desapropriações. Nele acham-se regulados os casos de desapropriação por necessidade pública e por utilidade pública, objeto da norma do art. 1.228, § 3º, do C.Civ, os quais o Decreto-Lei reúne, no art. 5º, sob a denominação única e mais abrangente de utilidade pública. Já a desapropriação por interesse social acha-se disciplinada na LF 4.132/62, diploma legal editado em cumprimento à regra do art. 147 da Constituição Federal de 1946, consagradora do princípio da função social da propriedade, hoje contemplado na norma do art. 5º, XXIII, da Constituição. A mais recente alteração do DL 3.365/1941 adveio da Medida Provisória 700, de 08.12.15,2 cujo prazo de vigência, entretanto, foi encerrado no dia 17/05/16, nos termos do Ato Declaratório do Presidente da Mesa do Congresso Nacional 23, de 19.05.16.
2. Legitimidade para promover e competência para julgar a desapropriação
Não só os entes federativos aos quais se refere o art. 2º do DL 3.365/1941 podem desapropriar, mas também as autarquias, as fundações, as sociedades de economia mista, as empresas públicas e as concessionárias de serviço público, desde que autorizadas expressamente por lei ou contrato (art. 3º do DL 3.365/1941). Igualmente, podem desapropriar os consórcios públicos (art. 2º, § 1º, II, da LF 11.107/2005), pois cabe à lei definir quem figura na relação de direito material e, por via de consequência, quem, investido de poder pelo Estado, tem legitimidade para despojar outrem da propriedade de uma coisa. O imóvel, em qualquer das hipóteses, ingressará para o domínio público.
Veja-se, pois, que, por meio da lei ou de um ato administrativo naquela amparado, é possível atribuir a outro sujeito a tarefa de promover as medidas de execução do decreto de desapropriação, incluindo a correspondente ação de desapropriação; indelegável apenas, por ser apanágio do poder de império do Estado, é a competência para produzir o decreto expropriatório, prerrogativa do Chefe do Executivo (art. 6º do DL 3.365/1941) e do Legislativo (art. 8º do DL 3.365/1941).
Diante do que se disse, admite-se, segundo orientação majoritária na corte paulista, desapropriações feitas sob o regime da Lei de Parcerias Público-Privadas (LF 11.079/2004), hipótese em que o bem desapropriado com recursos do poder público reverterá imediatamente ao seu patrimônio.
No tocante à chamada desapropriação indireta (nome que costumeiramente se dá à ação de reparação por esbulho administrativo), já se adiantou que não só o proprietário, mas também o possuidor, poderá vir a juízo deduzindo a pretensão de ser indenizado, havendo apenas de se observar que, via de regra, uma coisa é o valor da propriedade, e outra, o valor da posse. Diga-se, ainda a propósito do tema, que a legitimidade passiva, no caso da desapropriação direta, recai sobre o proprietário e o compromissário comprador (mesmo que o instrumento de compromisso não esteja registrado), não podendo figurar naquela posição o locatário do imóvel, por exemplo. No concernente à desapropriação indireta, réu será aquele a quem se atribui o esbulho.
A ação de desapropriação, em regra, deverá ser proposta no foro da situação do bem (art. 47 do CPC), competindo à Justiça Federal o conhecimento da causa nas hipóteses em que a União, autarquia federal ou empresa pública federal forem autoras, hipótese em que a competência será deslocada para a Justiça Federal (art. 109, I, da CF). E, ao que entendemos, trata-se aqui de observar o foro da Capital do Estado em que tiver domicílio o réu, nos termos do que dispõe o art. 11 do DL 3.365/1941, e não mais o local de situação do bem, ou o lugar do domicílio do réu, pois, à vista da norma do art. 109, § 3º, da CF e à falta de legislação específica, não se cogita de atuação delegada da Justiça Estadual (art. 15, e incisos, da LF 5.010/66).
Acrescente-se ainda, a propósito do tema da competência, que não mais subsiste a proibição de julgamento por juiz não vitalício (art. 12 do DL 3.365/1941), diante de expressa previsão na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (art. 22, § 2º, da LC 35/1979), que, segundo o STF, ao qual compete precipuamente a guarda da Constituição Federal, foi recepcionada pela Constituição de 1988 (STF, ADIn 1.985, Pleno, rel. Min. Eros Grau, julgado em 03.03.2005, DJ 13.05.2005).
3. Procedimento judicial da desapropriação
O processo e o rito da desapropriação por utilidade e necessidade pública, tanto quanto por interesse social, de que trata a LF 4.132/1962, estão definidos na Lei Geral das Desapropriações (DL 3.365/1941), em regras – grande parte delas recepcionada pelo texto constitucional – que também se aplicam à instituição de servidão (art. 40), cabendo chamar a atenção para a existência de certos limites ao controle jurisdicional.
De fato, segundo a norma do art. 9º do referido Decreto-Lei, não cabe ao Judiciário decidir se se verificam ou não os casos de utilidade pública, entendimento que também se aplica às hipóteses de interesse social (cujo processo se acha regulado, no que toca exclusivamente à reforma agrária, em atenção à regra do art. 184, § 3º, da CF, na LC 76/1993), devendo a defesa limitar-se, nos termos do art. 20, aos vícios do processo judicial e à impugnação do preço (aqui incluído, como se tratará mais adiante, o tema relativo ao chamado direito de extensão). Claro está, à vista da chamada teoria dos motivos determinantes, que eventual excesso ou desvio de poder poderá ser levado a conhecimento do juízo, não nos autos da desapropriação, mas sim em ação própria, como também se verá mais à frente.
Todo e qualquer prejuízo decorrente da desapropriação deve ser indenizado (art. 37, § 6º, da CF). Por conseguinte, o proprietário cujo bem for prejudicado extraordinariamente, em sua destinação econômica, pela desapropriação de áreas contíguas, poderá reclamar a reparação de perdas e danos do expropriante (art. 37 do DL 3.365/1941), mas sempre por ação própria, o mesmo se passando na hipótese em que o agente da autoridade, ao ingressar no prédio objeto do ato de desapropriação por utilidade pública, agindo com abuso, venha a causar prejuízo ao administrado (art. 7º do DL 3.365/1941).
Após a citação, o processo de desapropriação seguirá sob o rito ordinário (art. 19 do DL 3.365/1941). Saneado o feito, abre-se a oportunidade para a realização de perícia e eventual audiência de instrução. Ao fim, seguirão os debates e o julgamento. De particular relevo são as questões atinentes à imissão na posse, à contestação e à prova técnica, a justificar especial destaque nos tópicos que seguem.
3.1. A imissão provisória na posse do imóvel
A imissão provisória na posse, como prevista na norma do art. 15, caput, §§ 2º e 3º, do DL 3.365/1941, é a transferência da posse do bem em favor do expropriante, já no início da lide, condicionada à alegação de urgência (que não poderá ser renovada), objeto de requerimento que terá de ser feito no prazo de 120 dias a contar dela, transferência esta que o juiz concederá mediante depósito de importância a ser fixada segundo critério previsto em lei. O mandado de imissão provisória será objeto de registro, conforme dispõe a norma do art. 15, § 4º, do DL 3.365/1941, ato notarial também previsto na regra do art. 167, I, 36, da LF 6.015/1973.
O instituto se apoia na ideia de que, feito o depósito total do valor a princípio estabelecido pelo juiz, nasce para o poder público o direito de imitir-se provisoriamente na posse do bem expropriado, não como decorrência da propriedade – que se constituirá em favor do expropriante, reconhecido que for o domínio na oportunidade da sentença, com o registro da carta de adjudicação –, mas diante do interesse em que a administração pública rapidamente se instale no imóvel, razão por que esta imissão pode se dar independentemente de citação, já que vigora a supremacia do interesse público. Bem por isto, alguns dizem que se trata de verdadeira imissão antecipada na posse, no que têm razão.
Se o expropriado puder demonstrar, de modo objetivo e indiscutível, que a alegação de urgência é inverídica, o juiz deverá negar a imissão provisória na posse, pois se trata de requisito legal. No que concerne ao depósito, a jurisprudência paulista tem se inclinado no sentido de reconhecer que os critérios estabelecidos na regra do art. 15, § 1º, do DL 3.365/1941 há muito não atendem à insuperável exigência de justa e prévia indenização, aspecto em que, entendemos, o Decreto-lei não teria sido recepcionado pela nova ordem constitucional, considerada a norma dos arts. 1º, III, 3º, I, 4º, II, e 193, todos da Constituição Federal. Mas não se desconhece orientação do STJ em sentido contrário (Recurso Especial 1.234.606/MG, 2ª Turma, rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 26.04.2011; AgRg no Agravo 1.371.208/MG, 2ª Turma, rel. Min. Humberto Martins, julgado em 22.03.2011; Recurso Especial 1.185.073/SP, 2ª Turma, rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 21.10.2010; Recurso Especial 1.139.701/SP, 1ª Turma, rel. Min. Luiz Fux, julgado em 02.03.2010).
Especificamente para a desapropriação de imóveis residenciais urbanos habitados pelo proprietário ou compromissário comprador, editou-se o DL 1.075/1970, que, à vista de um certo clima de agitação social, decorrente do desalojamento de milhares de famílias, resultado de desapropriação em massa então promovida pela Municipalidade de São Paulo, estabeleceu a avaliação prévia, com possibilidade de impugnação, como condição para que, realizado o depósito da quantia assim estabelecida, a imissão provisória na posse fosse autorizada.
Mas a inovação não resolveu o grave problema social, que tanto preocupava o establishment, porquanto à imissão provisória na posse do imóvel bastava complementação que atingisse a metade da quantia arbitrada com base em laudo preliminar, situação de injustiça a que se somavam as dificuldades no recebimento dos precatórios relativos ao pagamento do restante da indenização. Com o advento da Constituição Federal de 1988, dita cidadã, o Judiciário buscou tornar efetivo o direito à justa e prévia indenização. Destarte, dentro do contexto de incerteza quanto à quitação de precatórios, surgiu orientação no sentido de que o depósito necessário à imissão provisória deveria ser precedido de avaliação provisória, a ser feita por perito nomeado pelo juízo, exigindo-se do expropriante o depósito integral do valor assim definido, orientação esta que se aplica não só aos imóveis de que trata o DL 1.075/1970, mas a toda e qualquer desapropriação ordinária.
Esta tem sido a interpretação, prestigiada pela corte paulista, nas Varas da Fazenda Pública da Comarca de São Paulo, na base da qual se busca garantir ao expropriado, na medida do possível, prévia e justa indenização, firme no entendimento de que, embora a perda do direito de posse não se faça acompanhar da perda da propriedade, que somente virá com o julgamento da causa, certo é que, uma vez desalojado do imóvel, de nada valerá ao particular, em termos práticos, invocar a sua condição de proprietário. Daí porque falacioso o argumento da inexistência do dever de indenizar, de forma justa e prévia, a perda da posse.3
Aliás, a demonstrar a força do argumento ora desenvolvido está o fato de que a LF 6.766/1979, que cuida do parcelamento do solo urbano, faculta aos entes federados e às entidades delegadas a outorga dos direitos decorrentes da imissão provisória na posse por instrumento particular, com força de escritura pública, no caso de parcelamentos populares, o que afasta a aplicação da norma do art. 108 do Código Civil, como de resto já havia feito o Estatuto da Cidade, no art. 48, I.
Como se cuidará de ver mais adiante, a imissão provisória na posse constitui o termo inicial de incidência dos juros compensatórios, que visam exatamente a compensar o expropriado pela perda antecipada da posse (lucros cessantes). Nos termos do art. 33, § 2º, do DL 3.365/1941, deferida a imissão, e cumpridas as exigências do art. 34 (comprovação do domínio e da quitação de débitos fiscais incidentes sobre o bem expropriado, além da publicação de editais para conhecimento de terceiros), autoriza-se o levantamento de 80% do depósito realizado como condição para a imissão provisória na posse.
Importante ressaltar, a propósito do que acima se disse, que, conquanto caiba ao expropriante, em regra (e não ao expropriado), a antecipação dos valores a serem desembolsados para o pagamento das despesas, isto não se aplica aos gastos decorrentes da publicação dos editais a que se refere o art. 34 do DL 3.365/1941, nem a outros que se fizerem necessários para o levantamento de parte do valor depositado.
3.2. A contestação
Conforme dispõe a regra do art. 20 do DL 3.365/1941, a contestação (e não “resposta”, da qual a contestação é espécie, importando aqui a distinção diante dos limites impostos à defesa do demandado) somente poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço. Necessária, contudo, a ressalva quanto ao chamado direito de extensão (art. 12 do Decreto 4.956/1903).
De fato, quando a parte remanescente do bem expropriado se tornar inútil ou de difícil utilização, é assegurado ao particular o direito de extensão da desapropriação às frações do imóvel que se encontrarem naquelas condições, o que, consoante pacífica orientação doutrinária e jurisprudencial, poderá ser objeto da contestação. Reconhecido que for o direito invocado pelo contestante, a desapropriação incidirá não apenas sobre a área necessária à satisfação do interesse perseguido pela administração pública, compreendendo também as partes que se tornaram inúteis ou de difícil utilização.
Por fim, como já adiantamos, há ainda a possibilidade de se discutir a prática de excesso ou desvio de poder, mas não no processo de desapropriação. O debate, de outra forma, só terá curso se o expropriado se revelar disposto a perseguir o reconhecimento do direito de retrocessão, que ocorre sempre que aos bens desapropriados não for dado o fim previsto no ato expropriatório, ou seja, quando à coisa não se der, total ou parcialmente, a destinação que serviu como causa da desapropriação.
Naquelas circunstâncias, alguns defendem, invocando a Lei 1.021/1903 (art. 2º, § 4º) e respectivo Regulamento (Decreto 4.956/1903), que o proprietário expropriado terá direito à devolução do bem, mediante a entrega ao poder público do que lhe foi pago a título de indenização. Corrente majoritária, de outra parte, fundando-se na regra do art. 1.150 do Código Civil de 1916 e na norma do art. 35 do DL 3.365/1941, defende a tese de que assiste ao desapropriado apenas direito de preferência (de natureza pessoal, portanto), o qual, se não for observado, dará espaço a indenização. Esta é a solução conforme à regra do art. 519 do Código Civil vigente, que deve prevalecer, segundo entendemos.4
Não são incomuns, sobretudo na Cidade de São Paulo, aquelas ocorrências, desapropriando o poder público, em nome de um suposto interesse público primário, o que se revelava desde sempre desnecessário à implantação do melhoramento ou à construção. Finda a obra, o espaço inservível é relegado ao mais completo abandono, prestando-se ao desenvolvimento do comércio irregular, a habitações informais e, em alguns casos, ao tráfico de drogas. E claro está que, diante desse cenário, nem mesmo o antigo dono do imóvel terá interesse em reavê-lo. Infelizmente, raríssimas são as ações de regresso contra o mau administrador de que se tem notícia, tanto quanto as ações de responsabilidade por ato de improbidade administrativa.
3.3. A prova técnica e o laudo pericial
O desenvolvimento do trabalho pericial, na ação de desapropriação, é tema importante, à vista do relevo que a Constituição Federal dá à justeza da indenização. Ademais, necessário consignar que o só fato de o processo correr à revelia não dispensa a prova pericial, já que a regra do art. 23 do DL 3.365/1941 exige concordância expressa com o preço oferecido, descabendo falar, portanto, em uma suposta anuência tácita à oferta, decorrente da ausência de contestação.
No conceito de justa indenização estão abrangidas as benfeitorias feitas posteriormente ao ato expropriatório, quando necessárias, e as úteis, desde que autorizadas (art. 26, § 1º, do DL 3.365/1941).
Há orientação jurisprudencial no sentido de que o ato expropriatório define o estado do bem, vale dizer, suas condições, acessões e benfeitorias (Súmula 23 do STF). Entende Hely Lopes Meirelles, contudo – no que se volta expressamente contra a interpretação da Suprema Corte –, que o marco para a indenização de benfeitorias é o início do processo de desapropriação, de modo que qualquer obra feita antes, mesmo após o decreto expropriatório, deve ser indenizada, já que ao proprietário é dado usar, gozar e dispor da propriedade até o momento em que a coisa se torna litigiosa.5
Para os autores que discordam daquele ponto de vista, o particular, após o decreto de desapropriação, não pode ser impedido de construir no imóvel, revelando-se ilegal, desta perspectiva, o indeferimento do pedido de concessão de alvará. O poder público, todavia, não estará obrigado a indenizar a construção, exceção feita à realização de benfeitorias necessárias e, no caso das úteis, contanto que tenham sido autorizadas pela administração pública.6
O imóvel objeto da desapropriação pode ser avaliado pelo custo de reprodução (a), o que se põe no campo da teoria dos custos da produção (relação física entre o produto, os fatores de produção e o preço dos insumos de produção), um dos temas da Microeconomia, ou pelo preço de mercado (b), questão que envolve complexas relações entre demanda (procura) e oferta, também pertencentes à área da Microeconomia. A Engenharia Civil, entretanto, desenvolve seus próprios métodos, pautados nas diretrizes estabelecidas no art. 27 do DL 3.365/1941, servindo os conceitos de Economia apenas à concepção dos modelos construídos no ambiente teórico, de sorte que a perícia parte de fórmulas previamente concebidas, tratando apenas de aplicá-las, a partir da prospecção do mercado imobiliário da região, ao caso concreto.7
É necessário que os atores processuais tenham perfeito entendimento daquelas fórmulas, não em condições de deduzi-las, fazendo cálculos – muitas vezes complexos –, mas para que possam discuti-las de maneira crítica, aptos a identificar paralogismos, sofismas e impropriedades. Não raras vezes, poderão surgir disputas acadêmicas (com repercussão prática) entre o laudo e o parecer do assistente técnico, havendo o magistrado, que não é perito no assunto, de valer-se de esclarecimentos do auxiliar do juízo a fim de melhor formar sua convicção acerca do método mais adequado à avaliação justa (conceito este de ordem legal), considerado o caso concreto. E isto se impõe também porque o juiz haverá de justificar sua opção.
Dito isto, passaremos a breve análise dos métodos mais correntes, sem a pretensão de aprofundamento, pois o tema pertence ao campo da Engenharia Civil, já adiantando que o valor da indenização deve ser contemporâneo à realização da perícia (art. 26 do DL 3.365/1941), e não ao momento no qual foi expedido o decreto de desapropriação, ou àquele em que se deu a imissão provisória na posse. Este é o entendimento jurisprudencial acerca da matéria, em que pese a possibilidade de haver distorções quando muito tempo se passa entre o ajuizamento da ação e a entrega do laudo judicial, tema de que se tratará mais adiante.
O método de avaliação mais usual, no que toca ao terreno, é o comparativo dos preços de venda, destinado a imóveis loteados, que leva em conta a área, a profundidade e a testada, consistindo ele na pesquisa de preços de imóveis da mesma localização, zona, uso e setor fiscal indicado na chamada Planta Genérica de Valores da Prefeitura. Já as edificações feitas no terreno serão calculadas na base da comparação direta de preços do mercado, quando for possível (existência de imóveis geminados, por exemplo, todos com o mesmo padrão construtivo), ou na base do custo de reprodução, ao qual se acha agregado o valor da “vantagem da coisa feita”, havendo de se ponderar o obsoletismo (caráter do que é usado, antigo) e o estado de conservação, basicamente.
Em termos bem genéricos, pode-se dizer que o valor do terreno é dado pela seguinte fórmula: “VT= S x q x (a/r)”, onde “S” é a área do terreno; “q” é o valor unitário; “a” é a frente e “r”, a frente padrão. A relação entre “frente e frente padrão” vê-se representada por um índice, de forma que se a frente do imóvel avaliando estiver aquém do padrão, o resultado, representado por uma fração decimal, é indicativo de decréscimo (0,25, por exemplo).
Há outros fatores de desvalorização, a exemplo de profundidade inferior ao padrão dos demais terrenos situados na região, topografia acidentada, proximidade de córrego e até proximidade de favelas (o que se mostra alvo de acendradas polêmicas). Há também fatores de valorização, a exemplo do chamado “fator esquina” (critério questionável, pois imóveis nessa condição se revelam mais vulneráveis, sobre eles incidindo, ademais, tributação maior). Destarte, a fórmula proposta assumiria a seguinte expressão: “VT = Vun x A x Cf x Cp x Ft x Fc x Cec” (onde VT significa valor do terreno; Vun, valor unitário homogeneizado; A, área do terreno; Cf, coeficiente de frente; Cp, coeficiente de profundidade; Ft, fator de topografia; Fc, fator de consistência do terreno; Cec, coeficiente de esquina composto).
Para conhecer o valor unitário do metro quadrado paradigma, que integra a equação acima enunciada, cuida-se de desenvolver, como já se disse, uma pesquisa de preços de imóveis com a mesma localização, zona, uso e setor fiscal. Este o primeiro passo. Em seguida, aos preços assim encontrados aplica-se a redução de 10%, com o que se busca contemplar a elasticidade própria do mercado, denominada “fator oferta”. Dividindo-se o somatório pelo número de elementos pesquisados, obtém-se a média aritmética. Em uma quarta etapa, depois de desconsiderar os elementos que se encontrarem 30% acima ou abaixo dessa média, calcula-se uma outra, a que se dá o nome de média saneada, obtendo-se, assim, o valor do metro quadrado do terreno, também conhecido como unitário.
Para a apuração da eventual depreciação do remanescente, de que trata a norma do art. 27 do DL 3.365/1941, recomendável se mostra que o laudo contemple o valor da indenização com a inclusão do remanescente, e o valor da indenização sem a incorporação do remanescente inaproveitável, hipótese em que deverá consignar as verbas necessárias a sua readaptação (reconstituição de fachadas, passeios públicos, ligações de serviços públicos, etc.). Sem isso não será possível o exercício do direito de extensão, por parte do expropriado, tampouco a decisão do juiz a respeito.
Costuma-se aplicar, para apuração de eventual depreciação do remanescente, um método que leva em conta o valor da área total do imóvel antes da desapropriação e, depois dela, o valor da área que restou, chamada remanescente da desapropriação (a princípio, não indenizável, porquanto a fração restante não figura no decreto de desapropriação). Constatando-se a ocorrência de desvalorização, a indenização devida pela desapropriação também contemplará o remanescente. É o chamado método long and short.
Segundo a regra do art. 27 do DL 3.365/1941, a desapropriação também poderá implicar valorização do remanescente. Então, não se tratará, é claro, de reivindicar direito de extensão (art. 12 do Decreto 4.956/1903). De outra parte, não se revela adequado reduzir o valor da indenização relativa à área desapropriada para compensar o ganho com a valorização do remanescente. Este valor haverá de ser objeto de contribuição de melhoria, segundo entendimento da doutrina. Destarte, o perito deverá apurar o valor de mercado do imóvel no momento da avaliação, como se tivesse de ser alienado na sua integralidade, incluídos todos os fatores de valorização da atualidade.8
Há de se apurar também o valor das benfeitorias. Em termos bem genéricos, trata-se de aplicar a fórmula “VB= S x q x FOC”, onde “S” é a área útil; “q” o valor unitário e FOC o Fator de depreciação pelo Obsoletismo (idade) e Conservação. O valor unitário e os cálculos para apuração do FOC partem de tabelas organizadas tanto nos meios acadêmicos quanto nos institutos que congregam peritos em Engenharia Civil, chamando-se a atenção, também, para os estudos desenvolvidos por comissões de peritos constituídas na base de portaria conjunta dos Juízes das Varas da Fazenda Pública (neste sentido, pioneira a iniciativa dos Juízes das antigas Varas dos Feitos da Fazenda Municipal, que encontrou sequência notável com a criação do Centro de Apoio aos Juízes da Fazenda Pública da Capital, modelo no qual se inspiraram outros Estados da Federação e também a Justiça Federal). Somados o valor do terreno e o valor das benfeitorias, não se há de falar, a princípio, em acréscimo decorrente da chamada “vantagem da coisa feita”, como já registramos linhas trás.
As benfeitorias consistem, muitas vezes, não propriamente em edificações, mas em plantações, o que envolve a apuração dos danos emergentes e dos lucros cessantes, os primeiros relativos à perda da plantação em si mesma, e os lucros cessantes, ao cálculo dos prejuízos decorrentes da perda da colheita. Há de se considerar, por exemplo, em se tratando de cultura de cana de açúcar, os diversos ciclos e estágios daquele tipo de plantação, bem como a qualidade da cana de açúcar, para mensurar o investimento realizado e o lucro perdido. Isto tudo é objeto de fórmulas desenvolvidas na base de informações acerca do preço dos insumos e produtos, geralmente publicadas por institutos ligados à Secretaria da Agricultura e a universidades.
Ao discutir os critérios de avaliação do terreno, falamos, até aqui, do método comparativo. É hora de tratar do método involutivo, voltado a glebas loteáveis, com ausência de paradigmas (inexistência de oferta de outras glebas brutas), que se desenvolve mediante projeção de um loteamento imaginário, com quadras e lotes-padrão, sem deixar de ter em conta, de um lado, as perdas decorrentes das áreas non aedificandi, dos espaços reservados a áreas verdes, à implantação de equipamentos públicos, sistemas de circulação, etc. – tudo como previsto na LF 6.766/1979 (art. 4°, I a III), aplicável aos loteamentos urbanos –, e de outro, a perspectiva de lucro a ser realizado com a venda dos lotes.
A aplicação do método involutivo leva em consideração, também, dentro da concepção de um loteamento imaginário, os custos decorrentes da implantação do loteamento, o que inclui pagamento de tributos, contratação de mão de obra, terraplenagem, colocação de guias, sarjetas, tubulação, caixas de inspeção, pavimentação e iluminação, além dos gastos com propaganda e divulgação do suposto empreendimento. Há fórmulas matemáticas, no campo da perícia de Engenharia, que contemplam todos estes aspectos.
É necessário que o magistrado esteja atento à distinção entre loteamento imaginário, hipótese factível, verossímil, possível, e loteamento imaginoso, vale dizer, fantasioso, fruto da ideação fértil daquele que se vale de simples pretexto para valorizar a área desapropriada, nela vislumbrando uma vocação comercial que efetivamente não tem. É preciso analisar as condições geofísicas do local em que se situa o bem, as probabilidades de êxito, considerada a realidade do mercado, de um possível loteamento, cujos lotes fronteiriços a uma avenida ou rodovia, por exemplo, terão valor maior que aqueles situados na parte interna do loteamento.
Embora sejam distintos os conceitos de desapropriação e de servidão administrativa, esta definida como “ônus real de uso imposto pela Administração à propriedade particular para assegurar a realização e conservação de obras e serviços públicos ou de utilidade pública, mediante indenização dos prejuízos efetivamente suportados pelo proprietário”, certo é que se aplicam à servidão, de que trata a norma do art. 40 do DL 3.365/1941, no que couber, as regras procedimentais da desapropriação.
Há um estudo clássico, de Phillipe Westin, no campo da Engenharia, relativo ao cálculo dos danos decorrentes da instituição de servidão de passagem para instalação de linhas de transmissão de energia elétrica, de rede de água, esgoto, de gasodutos e oleodutos, serviços públicos cujo desenvolvimento, embora não dependa da expropriação do imóvel particular, traz uma série de restrições e riscos ao proprietário, para não falar nos incômodos.
De fato, a servidão administrativa implica restrições à edificação, à pastagem e a culturas de pequeno, médio e grande porte, conforme o caso. Impõe ao proprietário, ademais, o dever de suportar a passagem de técnicos e serviçais para vistoria e conservação das instalações implantadas na área serviente, incômodo que também há de ser levado na devida conta no momento de indenizar. Existem, ademais, riscos decorrentes da servidão (vazamentos, incêndio, explosão).
O Engenheiro Agrônomo Phillipe Westin, antigo Professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queirós, em Piracicaba, concebeu uma tabela, com índices de depreciação, para calcular alguns dos decréscimos decorrentes das servidões administrativas antes mencionadas. Tais índices são aplicados sobre o valor da terra, a ser apurado na base da metodologia da qual já nos ocupamos. Enfim, trata-se de calcular o valor da área para depois aplicar os índices. Para os prejuízos advindos da proibição de construir, estabeleceu 0,30; para os prejuízos resultantes da proibição de cultivo, 0,33; para os prejuízos ocasionados pelo seccionamento do imóvel, 0,10; para os prejuízos decorrentes dos incômodos resultantes da fiscalização e reparos de máquinas, utensílios e instalações, 0,05; para recompensar os perigos envolvidos na existência da servidão, 0,02.
As limitações ao cultivo também encontram lugar na tabela, mas em relação a elas atribuiu-se índice 0,00. A tabela não contemplou, de outra parte, os gastos com a recomposição do solo, objeto de estudo posterior, que deu lugar ao desenvolvimento de um método conhecido como Phillipe Westin & Liebig. Mais alguns aspectos, que integram trabalhos desenvolvidos por outros Engenheiros, deixaram de ser considerados, a exemplo da desvalorização do restante das terras, não atingido pela servidão, dos lucros cessantes, que decorrem do tempo durante o qual a área ficou interditada em razão das obras necessárias para implantar a servidão, e dos fatores psicológicos (receio do proprietário e de empregados de habitar nas proximidades da rede de alta tensão ou do gasoduto, v.g.).
Diga-se que o cálculo dos lucros cessantes envolve critérios bem específicos, diferentes daqueles utilizados para a avaliação das benfeitorias, além de complexas fórmulas de matemática financeira. Há de se considerar não só a qualidade da cultura, os diversos ciclos e estágios da plantação, com vista à estimativa do investimento e dos lucros, como também quanto os ganhos com a produção renderiam no mercado financeiro, na base de aplicações conservadoras, até o próximo cultivo, período em que o proprietário estaria impedido de trabalhar a terra, diante das obras de implantação do projeto que deu lugar à servidão. Estas fórmulas são também desenvolvidas – tal qual se passa na avaliação das benfeitorias – na base de informações acerca do preço dos insumos e produtos.
Não é necessário que o magistrado seja um financista ou um expert em assuntos daquela natureza, mas convém que esteja preparado para enfrentar temas com esse nível de refinamento, valendo-se sempre de perito da sua inteira confiança, tanto do ponto de vista da idoneidade moral quanto profissional, até mesmo para que possa saber da efetiva pertinência da aplicação dos fatores de depreciação acima mencionados, bem como da existência e extensão dos danos emergentes e dos lucros cessantes.
Importante é lembrar que não se confundem servidão administrativa e limitação administrativa, porquanto, nesta última, não está presente a ideia de um ônus real, diferentemente do que se dá na servidão (que, por isto, tem de ser inscrita no registro de imóveis), tampouco de um dever de suportar (sacrifício em nome do interesse público), configurando-se apenas um dever de não fazer. Por isto tudo, a limitação administrativa, cujo conceito se insere na clássica dicotomia entre direitos egoístas e direitos altruístas, formulada por Josserand (De l’esprit des droits et de leur relativité – Théorie dite de l’Abus des Droits), não gera direito a indenização. É o caso das faixas non aedificandi, à margem de rios e rodovias.
Há muita controvérsia entre os doutrinadores na distinção casuística entre as hipóteses de servidão e as hipóteses de limitação administrativa. É o que se passa, por exemplo, nos casos de tombamento e criação de áreas de preservação ambiental. As diferenças conceituais são marcantes, mas, no exame de uma situação específica, dúvidas poderão surgir, gerando polêmica judicial, a exemplo do que aconteceu no caso das indenizações milionárias relativas a áreas situadas na Serra do Mar, alvo da questionável tese da relativização da coisa julgada. Por isto, importante que o magistrado esteja preparado para enfrentar, na base de sólidos fundamentos, temas dessa relevância.
3.4. O fundo de empresa e sua avaliação
Todo e qualquer prejuízo resultante da desapropriação deve ser indenizado. Se o bem produzia renda, há de ser computada no preço. A “justa indenização” inclui, portanto, o valor do bem, o rendimento dele proveniente, além do lucro que deixou de ser auferido.
Entretanto, como já dissemos linhas atrás, a contestação, no processo de desapropriação, está limitada à existência de eventual vício processual e a matérias que interferem com o preço – o que inclui o chamado direito de extensão, que não se confunde com o pleito de reparação de perdas e danos resultantes da desapropriação de áreas contíguas (art. 37 do DL 3.365/1941), a ser exercido em outra ação –, de maneira que até mesmo a indenização dos prejuízos decorrentes de excesso ou desvio de poder praticado durante o ingresso nos imóveis compreendidos no decreto de desapropriação, que encontra específica previsão no DL 3.365/1941 (art. 7º), haverá de ser deduzida por via processual adequada.
E, na linha desse entendimento, pouco importa considerar se a discussão envolve direito do próprio desapropriado ou de terceiro, considerados os termos do art. 20 do DL 3.365/1941 (“A contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço; qualquer outra questão deverá ser decidida por ação direta”), mesmo porque a dilação probatória, no tocante aos desdobramentos do ato de desapropriação, por envolver excesso ou desvio de poder, demanda apuração de fatos extrínsecos ao decreto de desapropriação.
No caso da indenização do fundo de empresa – que é a universalidade de bens corpóreos e incorpóreos, integrantes do patrimônio construído por quem exerce atividade empresarial (comerciante, prestador de serviço, etc.), a exemplo do nome da empresa, marca, patentes, móveis, utensílios, o ponto, a fama, a clientela –, há quem entenda que, reunindo-se na mesma pessoa a figura do desapropriado e do dono da empresa, as perdas e danos podem ser incluídas na indenização devida ao expropriante, desde que comprovadas, motivo pelo qual recomendável se mostra, nestes casos, a produção antecipada de provas, com realização de vistoria (art. 381, I, do CPC).
De fato, se houver pedido de imissão provisória na posse, não se mostra razoável postergá-la até que se ultime a vistoria do imóvel pelo perito, pressuposto da entrega do laudo definitivo. Se isto vale para o proprietário que desenvolve atividade empresarial no imóvel desapropriado, com igual ou maior razão aplica-se ao locatário do bem, empresário prejudicado pela desapropriação. É que, neste caso, o terceiro prejudicado não poderá fazer valer seu direito no processo de desapropriação, havendo de ingressar com ação própria.
Bem por isto, recomenda-se ao locatário a produção antecipada da prova (vistoria perpetuam rei memoriam), pois não poderá, diante da sua condição, impedir o imediato cumprimento do mandado de imissão provisória na posse sob o argumento de que necessário se faz o exame das instalações que, para a exploração de sua atividade econômica, fez no imóvel. Quanto ao resto, a perícia é de natureza contábil, cabendo acrescentar que a jurisprudência tem admitido também a indenização para reparar a despedida dos trabalhadores e as despesas com a mudança.
Cabe registrar que não se justifica a pretensão de ver realizada vistoria perpetuam rei memoriam, a título de tutela provisória de urgência (arts. 294 e 297, ambos do CPC), quer por parte do locatário, dono do fundo de empresa, deduzida na suposta condição de terceiro interessado, quer por parte do proprietário do imóvel, dono do fundo de empresa, pois o pedido implicaria a introdução de fato novo no processo, e ainda, demora excessiva na tramitação, o que investe contra a regra do art. 5º, LXXVIII, da CF, conspirando, ainda, contra eventual pretensão de imissão provisória na posse do imóvel.
A perícia contábil presta-se não só a conhecer o valor do aviamento (goodwill), ou seja, de todos os materiais, equipamentos, aprestos e utensílios empregados no desenvolvimento da atividade empresarial, aos quais não se possa dar outra destinação (porque agregados ao imóvel desapropriado, dele não se podendo destacar sem avarias, ou porque feitos sob encomenda para utilização específica naquele local, não comportando aproveitamento em outro espaço), como também a projeção da sobrevida da empresa.
O Método do Fluxo de Caixa Descontado tem amplo emprego quando se trata de fazer aquela projeção, com o que se busca saber quanto o empresário deixará de ganhar, considerada a expectativa de duração do negócio, em razão da perda do fundo empresarial. Para a realização do cálculo, utiliza-se geralmente um período de projeção de cinco a dez anos, a depender do tempo de existência da empresa, com o que se chega à média de tempo estimado de vida do negócio em função do seu passado, média esta representada por índice que passa a integrar fórmula matemática composta também de outros fatores.
Importa considerar, por exemplo, no enunciado e desenvolvimento daquela fórmula, eventual queda no faturamento da empresa, considerado o período imediatamente anterior ao ato de desapropriação, dados que auxiliam na obtenção do chamado Valor Econômico Médio.
Impõe-se dizer, outrossim, que o fundo de empresa não consiste apenas nos elementos físicos (materiais, equipamentos e utensílios empregados no desenvolvimento do negócio). Há de se ter em conta fatores muitas vezes incorpóreos – sobretudo quando se perde a condição de levar adiante a empreitada empresarial – para a apuração da quantia mais provável pela qual seria feita a venda do estabelecimento, em determinada data, à vista de determinado cenário do mercado.
Muitas circunstâncias interferem no lucro que o negócio proporciona, a ser apurado na base dos registros contábeis (porque não faria sentido, em um ambiente de legalidade, considerar ingressos não reduzidos àquela expressão). E na realização do lucro importa não só a localização do imóvel em que a atividade se desenvolve como também o grau de “fidelização da clientela”, o prestígio de que desfruta o estabelecimento, o apelo da marca, etc.
Dentre os elementos corpóreos que acabam interferindo no lucro do negócio encontra-se o contrato de locação, ou melhor, as condições em que se desenvolve. Existem julgados negando a indenização quando a locação não estiver sob a proteção da antiga “Lei de Luvas”, outros, admitindo a indenização independentemente de o contrato estar coberto pela “Lei de Luvas”, contanto que em vigor.
Há de se observar, contudo, que o Decreto 24.150/1934 (“Lei de Luvas”) foi revogado pela LF 8.245/1991 (“Lei de Locação”), diploma que estabelece, na regra do art. 51, as hipóteses nas quais a atividade empresarial se submete ao regime jurídico da renovação da locação, que, no sentido rigoroso do termo, não seria propriamente “compulsória”, haja vista a necessidade de compatibilizar os interesses do locatário empresarial com o direito de propriedade do locador, inscrito na Constituição Federal (a propósito, v. arts. 52, I e II, 72, e incisos, ambos da LF 8.245/1991).
Desnecessário dizer que a reparação do dano está condicionada à efetiva perda do fundo de empresa, pois, mostrando-se possível a adaptação dos móveis, equipamentos e utensílios em outro prédio, tanto quanto a migração da clientela, tudo sem interferência no prestígio de que desfruta o estabelecimento, não se há de cogitar da ocorrência de dano e, por conseguinte, de reparação.
3.5. O julgamento da desapropriação
Há questões práticas, relativas à instrução do feito, que são de grande importância para que se possa entender o sentido da prestação jurisdicional no processo de desapropriação. Por isto, alguns aspectos, inclusive os concernentes à perícia, serão aqui retomados desta exata perspectiva, antes de tratarmos da sentença mesma.
O rito da ação, feita a citação, é o ordinário (art. 19 do DL 3.365/1941), o que indica, em tese, a imprescindibilidade do saneamento do feito, com necessária realização de perícia e designação de audiência de instrução e julgamento (art. 24 do DL 3.365/1941), a menos que inexista prova oral a produzir, havendo o magistrado, nesta circunstância, de consultar as partes sobre a possibilidade de substituir a audiência pela apresentação de memoriais, a fim de evitar futura alegação de cerceamento do contraditório.
Importante relembrar que a revelia do expropriado não autoriza o julgamento antecipado, mostrando-se inaplicável a regra do art. 355, II, do CPC, à vista da norma do art. 23 do DL 3.365/1941. Tampouco se revela ajustada à hipótese a regra do art. 355, I, do CPC. O acordo entre as partes, contudo, pode ser homologado a qualquer tempo, enquanto não transitada em julgado a sentença, como já visto.
Importante é dizer também que, após o saneamento do feito, mantida a nomeação do perito que apresentou o laudo prévio (o que, dentro das possibilidades do caso concreto, recomenda-se), muitas vezes o expert, desconsiderando a importância da regra do art. 26 do DL 3.365/1941, limita-se a se reportar ou a praticamente reproduzir o trabalho anterior, procedendo à mera atualização de valores com a aplicação de determinado indexador econômico. É preciso cuidado com este tipo de prática.
De fato, em situações nas quais o mercado imobiliário se encontra aquecido, a mera atualização dos valores encontrados na avaliação prévia, de molde a trazê-los à data do laudo definitivo, poderá distorcer a avaliação, por não refletir a realidade do mercado naquele momento. Em períodos de crise econômica, com o mercado estabilizado ou desaquecido, a simples atualização monetária, sem pesquisa de novos elementos, também poderá gerar distorções.
Tais aspectos se revelam importantes, pois quando se tem em conta que o laudo definitivo, acolhido pelo magistrado, serve como marco para o cálculo da correção monetária do valor da oferta, a ser abatido do valor da indenização, como se verá mais adiante, não faz sentido considerar que possa o perito, como regra, no lugar de proceder a uma nova pesquisa de elementos, diante de um quadro de oscilação do mercado (como se verificou nos anos de 2006 a 2011, particularmente), simplesmente atualizar valores na base de algum índice econômico.
A mera correção monetária do valor encontrado na avaliação provisória explica-se, de certa forma, diante do fundado receio de que a utilização de novos elementos de pesquisa possa incorporar valores que já se acham sob a influência de preços decorrentes da própria desapropriação, o que é um risco, de fato. Caberá ao perito, na base da sua experiência, o desenvolvimento de fórmulas para corrigir eventuais distorções.
É necessário, ao nomear o perito, fixar prazo para a entrega do laudo (art. 465, caput, do CPC), que, se ultrapassado, poderá dar lugar à substituição do profissional (art. 468, II, do CPC), observada a norma do art. 476, entretanto. Diz o art. 23 do DL 3.365/1941 que a apresentação do laudo em cartório terá de ser feita, no mínimo, com cinco dias de antecedência em relação à audiência.
As partes terão ciência da data e local designados pelo juiz ou indicados pelo perito para ter início a produção da prova (art. 474 do CPC). Durante as diligências, elas, e o próprio juiz, poderão formular quesitos suplementares, dando-se deles ciência à parte contrária (art. 469, parágrafo único, do CPC). Na prática, os juízes costumam incumbir o próprio perito de comunicar aos assistentes técnicos a data do início dos trabalhos. De qualquer forma, o fato de inexistir assistente não retira da parte o direito de acompanhar a perícia, segundo entendemos, convindo a intimação pela imprensa da data e local assinalados a fim de prevenir nulidades.
A parte que desejar esclarecimento do perito poderá pedir que o juiz determine o comparecimento do auxiliar da justiça em audiência, formulando desde logo quesitos para resposta, dos quais será o expert intimado com pelo menos 10 dias de antecedência em relação ao ato processual designado (art. 477, § 4º, do CPC).
Estas considerações acerca da perícia são de extrema importância, pois a matéria da qual se ocupará o expert, de ordem técnica, constitui praticamente o cerne do debate judicial, já que a contestação, como dissemos, só pode versar sobre vício do processo ou impugnação do preço. Imprescindível, assim, que a perícia seja produzida nos quadrantes da lei, observadas as formalidades por ela impostas, e que o trabalho pericial se revele completo, claro e preciso, ocupando-se de todos os aspectos que possam dar ensejo a controvérsia e, igualmente, respondendo às objeções formuladas pelos assistentes técnicos das partes. Isto tudo facilitará sobremaneira o julgamento.
Embora o juiz não esteja adstrito ao laudo, é imprescindível que, ao afastar as conclusões do perito, dê os fundamentos de seu convencimento racional (art. 489, II, do CPC, c/c o art. 27 do DL 3.365/1941), não bastando dizer que o critério “x” não se aplica, ajustando-se ao caso o critério “y”. Por igual razão, sobretudo quando houver impugnação ao laudo pericial, o magistrado, ao acolher o trabalho do perito, ou do assistente, haverá de dar as razões de seu convencimento, fazendo-o de maneira precisa, sem descansar no cômodo argumento de autoridade.
A observação que ora fazemos assume ainda maior importância quando se tem em conta o dever de completude e de precisão, imposto pela regra do art. 489, § 1º, e incisos, do CPC, no que concerne à fundamentação do ato jurisdicional, o que atende o princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa.9
Diga-se mais, se divergirem o perito e o(s) assistente(s) técnico(s) em determinando ponto, e se desta divergência, na perspectiva crítica do magistrado, resultar a necessidade da elaboração de novos cálculos, não haverá de ser o juiz a fazê-los, correndo o risco de alguma impropriedade (ressalvada, é claro, retificação que resulte da ou que resulte em aplicação de operações aritméticas básicas).
Como o juiz não poderá adiantar o seu convencimento, consultando o perito acerca das repercussões da adoção de critério outro, quiçá sugerido pelo assistente técnico, convém que, surgindo controvérsia, o magistrado estabeleça, por despacho, diretrizes a serem observadas pelo perito, a fim de que o auxiliar da justiça desenvolva os cálculos necessários para contemplar as diversas soluções possíveis, sem embargo do convencimento próprio do expert (“Meu ponto de vista acerca da questão discutida é “x” – dirá o perito. “Se V. Exa. entender que o correto é “x”, os cálculos serão estes; se V. Exa. entender que o correto é “y”, os cálculos serão outros”. E assim por diante, conforme for o número de possibilidades, na análise técnica, a interferir na conclusão dos trabalhos).
Ao prescindir da fixação dessas diretrizes, o juiz, a quem incumbe a instrução do feito, estará criando dificuldades nas quais ele próprio poderá enredar-se, diante do que será levado a converter o julgamento em diligência, com todo o custo econômico disto resultante, além do custo processual, não se podendo desconsiderar, neste último aspecto, a regra do art. 5°, LXXVIII, da Constituição Federal, que interfere com a prática de nomear um chamado “perito desempatador”, onerosa sob todos os pontos de vista.
Feitas estas considerações prévias, que interferem com a fundamentação da sentença, passaremos ao exame do aspecto relativo à indenização – objeto da fundamentação mesma e da parte dispositiva –, que contempla principal e acessórios em parcelas autônomas.
O principal corresponde ao valor do bem expropriado. Acerca do tema discorremos ao tratar dos diversos métodos de avaliação. Agora, cuida-se de discutir o acessório, que corresponde à verba honorária (a); ao reembolso das custas e despesas processuais (b); aos juros moratórios e compensatórios (c), revelando-se a correção monetária como simples critério de recomposição do poder de compra da moeda, corroído pelo processo inflacionário.
Comecemos pelas despesas processuais, que integram o item b, acima discriminado, dizendo que na extensão do termo estão contempladas custas, emolumentos e todos os gastos com diligências e atos processuais, achando-se a questão regulada no art. 30 do DL 3.365/1941. Serão pagas pelo expropriante se o réu, a qualquer tempo, aceitar o preço oferecido (aliás, nesta circunstância, o acordo quanto ao preço será homologado por sentença, como já visto, cabendo esclarecer que se envolver valor muito maior que o ofertado, já não se tratará de aceitação, competindo às partes, nesta circunstância, dispor sobre os ônus da sucumbência ou ao juiz arbitrar a questão); em caso contrário, as despesas serão pagas pelo vencido, ou em proporção, na forma do CPC.
A prática, entretanto, desenvolve-se no sentido de atribuir os ônus das custas e despesas, havendo sucumbência recíproca, em desigual proporção, inteiramente à expropriante, a menos que a sucumbência do expropriado seja expressiva. Quanto a atribuir os ônus à expropriante, no caso de aceitação da oferta, trata-se uma questão de política legislativa, voltada a estimular o acordo de vontades.
Ainda no tocante às despesas, diga-se que serão adiantadas, em regra, pelo expropriante (art. 91, §§ 1º e 2º, do CPC), pois mesmo que não venha a postular a realização de perícia, no caso concreto, compete ao juiz determiná-la de ofício (art. 82, § 1º, do CPC), porque imprescindível ao deslinde da causa. Isto não se aplica, como já foi visto, às despesas com publicação de editais necessários ao levantamento do depósito prévio (art. 34 do DL 3.365/1941), tampouco às despesas feitas para obter certidões, também necessárias na hipótese.
Se o expropriante desistir da ação (o que poderá ser feito até o pagamento do justo preço, ainda que tenha havido imissão, ressalvado ao expropriado o direito de ressarcir-se de perdas e danos), pagará despesas e honorários advocatícios (art. 90, caput, do CPC), a menos que a desistência seja parcial, hipótese em que a responsabilidade será proporcional à parte de que desistir (art. 90, § 1º, do CPC).
Há certa prática de arbitrar os honorários devidos ao assistente técnico, fazendo-se isto em percentual incidente sobre a verba estabelecida em favor do perito. Entendemos que não cabe ao juiz – nem mesmo a título de evitar excessos ou a prática de abuso processual (com a apresentação de valores artificiais a título de reembolso das despesas realizadas) – ocupar-se da questão, afeta às partes, exclusivamente. Mas há quem entenda de outra forma, embora a prática não encontre expressa previsão legal.
Dito isto, passa-se ao exame da questão relativa aos honorários advocatícios, que integra o item a, acima discriminado, começando por dizer que, como são devidos por força da sucumbência, nos termos do art. 82, § 2º, do CPC, que se aplica supletivamente, caberá ao expropriado pagá-los quando a indenização fixada na sentença for inferior ao valor da oferta, porque, nesta hipótese, a resistência à pretensão terá se revelado ilegítima.
A base de cálculo dos honorários advocatícios é a diferença entre o valor da oferta e o valor da indenização fixada na sentença, resultado que, além da incidência de juros compensatórios e de juros de mora, haverá de ser corrigido monetariamente, com atualização do valor da indenização desde a data do laudo que lhe serviu de base até o pagamento (Súmula 131 do STJ). Entendemos que não se deve incluir o valor dos depósitos complementares à oferta no cálculo desta diferença, considerada a regra do art 82, § 2º, do CPC. Se o poder público teve de complementar a oferta para ver-se imitido na posse, e se a sentença, a final, prestigiou o valor então encontrado para estabelecer a indenização, houve sucumbência. O mesmo raciocínio se aplica, por certo, quando a sentença fixa o preço do imóvel em quantia ainda maior que aquela encontrada no laudo provisório que serviu de base para a imissão provisória.
A verba honorária será fixada em alíquota que varia entre 0,5% a 5%, observados os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º do art. 85 do CPC. Ao tempo do Código de Processo Civil anterior, alguns sustentavam que haveria de prevalecer a alíquota prevista no art. 20, § 3º – argumento a que hoje se ajustaria a norma do art. 85, § 2º, do CPC –, do que discordamos porque, afinal, legem habemus. E a lei especial, quanto mais porque posterior, prevalece sobre a lei geral.
Passaremos agora ao exame da questão dos juros moratórios e dos juros compensatórios, que integra o item c acima discriminado, bem como da correção monetária, simples critério de recomposição do poder de compra da moeda, aviltado pelo fenômeno inflacionário, como já lembramos.
A data do laudo é o paradigma temporal daquilo que resta a ser pago do valor da indenização. Para não haver distorções, ou seja, desconsideração ou indevida consideração do que já foi depositado pelo expropriante – encontrando-se 80% disto à disposição do expropriado para levantamento (arts. 33, § 2º, e 34, ambos do DL 3.365/1941) –, atualiza-se o valor do depósito e de eventual complementação até a data do laudo acolhido pela sentença, e o valor da indenização (que é o do laudo acolhido), desde a data do laudo até a data do efetivo pagamento. É precisamente aquilo que resta a ser pago do valor da indenização que servirá como base de cálculo para o cômputo dos juros de mora e dos juros compensatórios, descontados os 80% já depositados, se já tiver ocorrido o levantamento.
Os juros de mora são devidos pela demora no pagamento. A ser assim, somente se justificam se decorrido o prazo para que seja feito, observada a regra do art. 100, § 5º, da CF e do art. 15-B do DL 3.365/1941 (a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito), quando se está tratando da Fazenda Pública e de suas autarquias (bem por isso, prejudicada a Súm. 70 do STJ). No caso de desapropriação indireta são devidos a partir da data da ocupação do imóvel (Súm. 69 do STJ). Há quem sustente, todavia, que correm desde a citação, pois se aplicaria, na hipótese, a legislação civil.
Até o advento da LF 11.960/2009, entendia-se que os juros de mora corriam à taxa de 6% a.a. e os juros compensatórios, devidos em razão da perda antecipada da posse, segundo construção jurisprudencial que deu lugar à MP 2.183-56, de 24.08.01 (Medida que introduziu a norma do art. 15-A, § 1º, do DL 3.365/1941), à taxa de 12% a.a. (pois a MP 2.183-56, de 24.08.11, que previa juros de até 6%, encontra-se com sua eficácia suspensa em razão de liminar concedida pelo STF na ADIn 2.332-2, ação ainda não julgada). Isto tudo foi objeto da Súmula 408 do STJ:
“Nas ações de desapropriação, os juros compensatórios incidentes após a Medida Provisória nº 1.577, de 11/6/1997, devem ser fixados em 6% ao ano até 13/09/2001, e, a partir de então, em 12% ao ano, na forma da Súmula nº 618 do Supremo Tribunal Federal”.10
Também são devidos juros compensatórios de até 12% ao ano, incidentes sobre o valor da condenação, desde o esbulho, ou desde a indevida interferência na propriedade, nas ações de indenização por apossamento administrativo e nas ações de indenização fundadas em restrições decorrentes de ato do poder público, respectivamente (art. 15-A, § 3º, do DL 3.365/1941). Contudo, parte da doutrina, indiferente aos termos da Súmula 56 do STJ, discorda da extensão dos juros compensatórios à servidão administrativa, e isto sob o fundamento de que, no caso, inexistiria perda da propriedade, configurando-se apenas interferência no uso e gozo dela.11 Os juros de até 12% ao ano não se aplicam à desapropriação extraordinária (Súmula 618 do STF), na qual há um caráter sancionador.
Como veremos mais adiante, com a edição da LF 11.96020/09 e da Emenda Constitucional 62, de 11/11/2009, alterou-se em parte o regime dos juros devidos pelo poder público. Mas antes de nos ocuparmos desta questão, cabe dizer que o STJ admite a incidência dos juros moratórios sobre os compensatórios, nas ações expropriatórias, entendendo que isso não constitui anatocismo vedado em lei (Súm. 102). É preciso analisar esta interpretação, porém, à luz da norma do art. 100, § 12, da Constituição Federal (com a redação da EC 62/2009), segundo a qual a fluência dos juros compensatórios cessa com a expedição do requisitório. Diante disto, pode-se afirmar que a orientação jurisprudencial faz sentido apenas quando se está tratando de estatais e concessionárias de serviço público em geral, pois elas estão fora da regra do precatório, não se aplicando a Súmula 102 à Administração e a suas autarquias, que somente começam a pagar juros de mora depois do período de graça de que trata a regra do art. 100, § 5º, da CF.
4. Execução do julgado
Diz o art. 29 do DL 3.365/1941 que, feito o pagamento ou consignação, expedir-se-á, em favor do expropriante, mandado de imissão na posse, valendo a sentença como título hábil para a transcrição no Registro de Imóveis.
A consignação de que trata a norma é o depósito previsto no art. 33, caput, do DL 3.365/1941, havendo de se registrar que somente se aplica a regra do precatório (art. 100 da CF e 15-B do DL 3.365/1941) à Fazenda Pública e a suas autarquias (o que inclui as fundações públicas); tratando-se de sociedade de economia mista e de empresa pública, os juros moratórios vencem a partir do trânsito em julgado, pois estas pessoas jurídicas não dependem da expedição de precatório para pagar o que devem.
O legislador constituinte inseriu o art. 33 no ADCT, permitindo, assim, o pagamento dos precatórios pendentes em no máximo oito anos, aqui incluídos o remanescente de juros e a correção monetária. Trata-se de moratória concedida no exercício do poder constituinte originário. Destarte, no período assinalado pela regra de transição, não correm juros de mora nem juros compensatórios, visto que a norma do art. 33 do ADCT utiliza-se da expressão “remanescente de juros”, sem maiores especificações.
Consigne-se que, caso o pagamento das parcelas do benefício constitucional não for honrado, são devidos os juros de mora, como se moratória não houvesse, mesmo durante o chamado “período de graça” (segundo nosso entendimento), objeto da Súmula Vinculante 17 (“Durante o período previsto no parágrafo 1º do art. 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos” – hoje parágrafo quinto do art. 100 da CF, à vista da EC 62/2009) –, havendo de se ressalvar, porém, quanto a este último aspecto, que existe divergência. No concernente aos juros compensatórios, consolidam-se no valor existente ao tempo da concessão da moratória. Esta é a posição do STF, adotada no julgamento do RE 298.616-SP.
A mesma exegese aplica-se à moratória instituída por força do art. 78 do ADCT, inserido no texto constitucional em decorrência do exercício do poder constituinte derivado, objeto da EC 30/2000, que estabeleceu prazo máximo de dez anos para pagamento dos valores devidos pela Fazenda Pública e suas autarquias, com exclusão dos créditos definidos como de pequeno valor, dos créditos de natureza alimentícia e daqueles objeto da norma do art. 33 do ADCT.
Quanto às disposições relativas à correção monetária e à taxa de juros de mora, trazidas pela EC 62/2009, cabe invocar o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, nas ADIns 4357 e 4425, julgadas em 14.03.2013 (o tema também é objeto da Repercussão Geral n° 810), no sentido de que a declaração de inconstitucionalidade, por arrastamento, da regra do art. 5° da LF 11.960/2009 (dispositivo que, por sua vez, havia alterado a norma do art. 1°-F da LF 9.494/1997) aplica-se somente ao critério de correção monetária (“índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança”), e não à compensação da mora (“juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança”).
No que diz respeito à modulação dos efeitos da referida declaração de inconstitucionalidade, decidiu-se que fica mantida, a título de atualização monetária, a aplicação do índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança (TR), nos termos daquela Emenda Constitucional, até 25.03.2015, após o que os créditos em precatórios deverão ser corrigidos pelo IPCA-E (Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial).
Entretanto, a nosso ver, não se poderia desconsiderar a regra do art. 60, § 4º, IV, e 5º, XXXVI, ambos da CF, aplicando as novas disposições da Emenda em desrespeito àquilo que ficou estabelecido no título judicial transitado em julgado.
E nem há de se dizer, argumentando com uma suposta impertinência do tema da coisa julgada, que se está diante de relação jurídica continuativa, pois, se no curso do tempo, o vínculo existente entre uma pessoa, constituída em determinado direito por título transitado em julgado, contrasta com direito novo (regulação diversa da relação jurídica in abstrato), nem por isso se altera o que foi decidido, porquanto a lei geral abstrata ajusta-se a situações novas, e não a um caso concreto, já examinado e julgado em definitivo.
Só o fato novo atinge as relações continuativas, e não o direito novo, fato jurígeno do qual decorrem deveres, faculdades e vedações, cujos efeitos só retroagem se não atingirem a coisa julgada (além do direito adquirido e do ato jurídico perfeito), como resulta do princípio constitucional da irretroatividade das normas.
Decerto, a coisa julgada não impede que o direito novo passe a reger diferentemente os fatos ocorridos após sua vigência. Todavia, não se pode, a pretexto da existência de novas regras concernentes a taxa de juros e a índices de atualização, alterar critérios de recomposição do valor da moeda e da remuneração do capital que se encontram estabelecidos em título transitado em julgado, mormente porque, a pensar de outra forma, estar-se-ia consentindo em que o titular de um direito, diante de taxas e índices fictícios, por exemplo, fixados com desvio legislativo manifesto, fosse constituído no ônus de bater novamente à porta do Judiciário para fazer valer seus direitos.
E tantas vezes teria de fazê-lo a parte quantas fossem as oportunidades abertas, numa espécie de “jogo sem fim”, a desmoralizar a atuação jurisdicional, pois, a cada passo, bastaria alterar, por meio de Emenda Constitucional casuística, taxa de remuneração do capital e índices de correção monetária, visando ao favorecimento da Fazenda Pública, para remeter a parte a uma espécie de esforço de Sísifo. Esta, aliás, a crítica presente na distinção entre Constituição no sentido substancial e Constituição no sentido formal.
A esta altura, alguém poderia argumentar (contra a tese da ofensa à coisa julgada) dizendo, como fez a Corte Constitucional (ainda que em outro contexto), que “a inflação, fenômeno tipicamente econômico-monetário, mostra-se insuscetível de captação apriorística (ex ante)”, de modo que se trata simplesmente de reconhecer a realidade econômica (fato novo), diante da qual não mais se justifica a subsistência da taxa de juros e do índice de correção previstos no título judicial. Ocorre – e aqui o ponto relevante – que o reconhecimento da inconstitucionalidade tem caráter constitutivo, e não meramente declaratório de uma situação de fato. Fosse diferente, não haveria nem mesmo sentido de cogitar da modulação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade.
Necessário advertir, porém, que a interpretação crítica ora desenvolvida não encontra apoio na jurisprudência do STJ, pois lá se entende que a regra dos juros, diante de sua natureza adjetiva, incide sobre os processos em andamento (STJ – Corte Especial, Emb. de Div. em REsp 1.207.197-RS, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 18.05.11).
Relembramos apenas que a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade objeto das ADINs 4357 e 4425 aplica-se só às disposições relativas à correção monetária, e não aos juros de mora (calculados de acordo com o índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança), tampouco à regra que estabelece o momento em que se dá a exclusão (no tocante à Fazenda Pública e suas autarquias, considerada a regra do art. 100, § 5º, da CF) da incidência de juros compensatórios (após o requisitório), pois estes aspectos não foram objeto das noticiadas ADIns.
Quanto à possibilidade de expedição de precatório complementar para perseguir eventuais diferenças, diga-se que se revela perfeitamente possível, mostrando-se uníssona a orientação no sentido de que, enquanto a Fazenda Pública não realizar, por inteiro, o pagamento da indenização – que, se não se fez prévia, haverá pelo menos de ser justa, como manda o texto constitucional –, subsiste a pretensão do expropriado, não havendo de se argumentar com prescrição intercorrente, nem sob o argumento de uma suposta inércia do expropriado. Nesse sentido a orientação da doutrina e dos tribunais.
Sempre sustentamos que o exercício da pretensão ao pagamento de valores resultantes da insuficiência do depósito dá-se por meio de simples intimação da Fazenda Pública, não se revelando necessária a citação, pois a forma pela qual se abre oportunidade para eventual defesa não tem relevo constitucional, bastando que se dê ao Poder Público aquela possibilidade.
A matéria, entretanto, nunca esteve isenta de polêmica, havendo duas posições a respeito, que trataremos por a e b. Entendendo que necessária se faz a nova citação (a), encontra-se o julgamento da 2ª Turma, no AgR no Agravo no Recurso Especial 23.423/SP, em que figurou como relator o Min. Herman Benjamin (julgado em 28.08.12), a ele se alinhando o julgamento da 2ª Turma, no AgR no Agravo no Recurso Especial 64.328/RS, cujo relator foi o Min. Humberto Martins (julgado em 13.12.11). No sentido da desnecessidade de nova citação (b), colhem os seguintes julgados: STJ, 5ª Turma, Recurso Especial 260.141/SC, Rel. Min. Edson Vidigal, julgado em 15.08.2000, e 5ª Turma, Recurso Especial 244.343/SC, Rel. Min. Jorge Scartezzini, julgado em 13.06.2000.
A prestigiar este último entendimento, encontram-se os arts. 534 e 535, ambos do atual Código de Processo Civil, que tratam do cumprimento do título judicial que impuser à Fazenda Pública o dever de pagar quantia certa.
Notas
1 O Autor deste Verbete contou com a colaboração de Marcelo Franzin Paulo.
2 Sobre a MP 700/2015 tivemos a oportunidade de escrever em duas ocasiões: SOUZA, Luiz Sergio Fernandes. Breves comentários às recentes alterações do DL 3.365/41. Revista Sapere Aude; SOUZA, Luiz Sergio Fernandes. MP 700/2015 alterou diversos pontos da lei de desapropriação. Consultor Jurídico.
3 Desta orientação dissente Kiyoshi Harada: “Não há dúvida, pois, que a imissão de posse provisória de imóveis não abrangidos pelo Decreto-lei 1.075/1970, far-se-á mediante simples depósito do valor venal” (Desapropriação, p. 113).
4 Sobre o prazo para ingressar com a competente ação, que alguns entendem encontrar-se regulado no art. 10, parágrafo único, do DL 3.365/1941, v. RIZZARDO Arnaldo. Direito das coisas, pp. 475-476.
5 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p. 741.
6 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, p. 909.
7 A propósito, v. ROTTMANN Eduardo. Perícias multidisciplinares. Perícias de engenharia, pp. 116-122.
8 HARADA, Kiyoshi. Desapropriação, pp. 141-143; no mesmo sentido, v. RIZZARDO Arnaldo. Direito das coisas, p. 464.
9 Para um exame crítico da disposição legal v. SOUZA, Luiz Sergio Fernandes de. Os paradoxos do Código de Processo Civil: elementos para uma análise metanormativa. Revista de processo, v. 255, pp. 41-60.
10 Súmula 618 do STF: “Na desapropriação, direta ou indireta, a taxa dos juros compensatórios é de 12% ao ano”.
11 SALLES, José Carlos de Moraes. A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência, pp. 679-680.
Referências
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 33. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2016.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 29. ed. São Paulo: Forense, 2016.
GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos: prevenção e repressão. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
HARADA, Kiyoshi. Desapropriação. 11. ed., São Paulo: Atlas, 2015.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. Atual. por Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. 42. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2016.
RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
ROTTMANN, Eduardo. Perícias multidisciplinares. Perícias de engenharia. Flávio Fernando de Figueiredo (org.). São Paulo: Pini-Ibape, 2008.
SALLES, José Carlos de Moraes. A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
SOUZA, Luiz Sergio Fernandes de. Breves comentários às recentes alterações do DL 3.365/1941. Revista Sapere Aude, v. 8. São Paulo, 2016. Disponível em <www.revistasapereaude.org>. Acesso em 20.01.2017.
__________________. MP 700/2015 alterou diversos pontos da lei de desapropriação. Consultor jurídico. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2016-jan-08/fernandes-souza-mp-700-alterou-diversos-pontos-desapropriacao>. Acesso em 20.01.2017.
__________________. Os paradoxos do Código de Processo Civil: elementos para uma análise metanormativa. Revista de processo, v. 255, ano. 41. São Paulo, 2016.
Citação
SOUZA, Luiz Sérgio Fernandes. Desapropriação de bens imóveis. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 2. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2021. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/73/edicao-2/desapropriacao-de-bens-imoveis
Edições
Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 1,
Abril de 2017
Última publicação, Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 2,
Abril de 2022
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