• Conselho Nacional do Ministério Público

  • Flávio Pansieri

  • Última publicação, Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 2, Abril de 2022

O Conselho Nacional do Ministério Público é uma instituição cuja finalidade é aprimorar a atuação do Ministério Público no Brasil. Criado efetivamente em 2004 e instalado em 2005, o enfoque de sua atuação tem se concentrado na fiscalização administrativa, financeira e disciplinar de seus membros, dando azo à sua missão do Conselho, qual seja, “fortalecer e aprimorar o Ministério Público brasileiro, assegurando sua autonomia e unidade, para uma atuação responsável e socialmente efetiva”.

Nesta medida, a estrutura metodológica empregada neste artigo permitirá a descrição analítica completa do Conselho Nacional do Ministério Público, ao abordar seu histórico, natureza jurídica, composição, competências, dentre outros elementos. 


1. Histórico do Conselho Nacional do Ministério Público


O Conselho Nacional do Ministério Público teve seu embrião inserido no ordenamento jurídico pátrio com o advento da Emenda Constitucional 45, pois diferentemente da Magistratura o Ministério Público nunca teve um órgão de Controle/Correição Nacional. A referida emenda foi editada como forma de garantir a coletividade a participação no controle da gestão financeira e planejamento das atividades do Ministério Público, apesar da existência de previsão expressa no art. 4º. Parágrafo 2 da Lei 8625/93 de que esta fiscalização financeira e orçamentária do Ministério público deveria ser exercida pelo Poder Legislativo. 

Mesmo com forte pressão contrária da carreira do Ministério Público, em 31 de dezembro de 2004 foi aprovada a Emenda Constitucional 45 e instalado o CNMP em junho de 2005. Criado como órgão do Ministério Público brasileiro com função de planejamento e correcional, formado por 14 membros, sendo 8 oriundos do Ministério Público e 6 externos. Nesta medida o Conselho se converteu em um órgão de composição híbrida e democrática, que tem por objetivo precípuo a proposição de medidas para o aperfeiçoamento e cumprimento da missão institucional Ministério Público no Brasil, além de sua função correcional. 

A tese de que o Conselho poderia interferir na independência dos membros do Ministério Público não prosperou, em especial por sua composição híbrida não ter comprometido a independência interna ou externa da instituição, porquanto não interfere no campo de discricionariedade de atuação de seus membros, nem dispõe de atribuição, de competência, para interferir no desempenho da função típica dos membros do Ministério Público. 


2. Natureza jurídica do Conselho Nacional do Ministério Público


O Conselho Nacional do Ministério Público é órgão de natureza constitucional-administrativa, é órgão de controle administrativo, financeiro e disciplinar do Ministério Público. Sua natureza administrativa decorre do rol de atribuições do art. 130-A, parágrafo 2º. da Constituição da República, no qual não se vislumbra qualquer função legislativa, haja vista o quadro constitucional normativo ao qual está submetido e que não permite leitura diversa. Assim é vedada a atuação do CNMP por intermédio de medidas administrativas/normativas revestidas de abstração e generalidade que pretendam regulamentar matérias inovando o ordenamento jurídico.1  

Da mesma forma ao Conselho é vedada a atuação como uma corte de cassação ou revisão das posições adotadas pelos membros do Ministério Público, em qualquer medida judicial, haja vista ser esta condição material para o exercício imparcial e independente dos membros do Ministério Público. 

Aliado a sua natureza constitucional, está seu status político dada a sua composição plural, formada por membros do Ministério Público da União, garantida a representação de cada uma das carreiras do Ministério Público, de Magistrados, Advogados e Cidadãos. Ainda quanto a sua natureza é necessário ressaltar seu âmbito de atuação nacional, conferindo ao conselho unidade nacional, apesar de suas subdivisões em diversas carreiras e ainda em atuações especializadas dentro das unidades federativas. Seu âmbito nacional impõe vedação aos Estados para instituir órgão de controle do Ministério Público com composição de membros externos, posição consolidada perante o Supremo Tribunal Federal2 no que toca ao CNJ e que se aplica analogicamente ao CNMP. 


3. Composição do Conselho Nacional do Ministério Público


O Conselho Nacional do Ministério Público é composto por 14 ministros, com mandatos de dois anos permitida uma recondução, salvo no caso do Presidente que é eleito e toma posse como decorrência das funções exercidas na Procuradoria Geral da República. Neste ponto é relevante frisar que a experiência do Conselho nestes primeiros anos de existência revela a necessidade de se repensar a alternância dos conselheiros ao mesmo tempo, pois tal fato traz a ausência de sua própria memória e ainda uma baixa previsibilidade de suas decisões. 

Ressalte-se que mesmo sem previsão constitucional, a Lei 11.372/2006 disciplinou que os indicados ao Conselho deveriam ter mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade e no mínimo dez anos de carreira no Ministério Público, restando ainda à exigência de aprovação dos nomes dos membros do Conselho pela maioria absoluta do Senado Federal, critério este que também ocorre com os membros do Conselho Nacional de Justiça. A composição CNMP possui característica extremamente democrática, pois de um lado permite tanto uma pluralidade de atores na composição do Conselho como também forma plural as origens das indicações. 

Participam do Conselho oito membros do Ministério Público, dois da Magistratura, dois advogados, dois cidadãos e ainda oficiando perante o Conselho o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Nesta composição se garantiu ainda a diversidade de instâncias, com a presidência exercida pelo Procurador Geral da República e como membros: quatro do Ministério Público da União a partir de listas tríplices elaboradas pelos respectivos Colégios de Procuradores do Ministério Público Federal, do Ministério Público do Trabalho e do Ministério Público Militar, e pelo Colégio de Procuradores e Promotores de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; três membros do Ministério Público dos Estados indicados pelos respectivos Procuradores-Gerais de Justiça, a partir de lista tríplice elaborada pelos integrantes da Carreira de cada instituição, que por decisão dos Procuradores-Gerais de Justiça dos Estados, em reunião conjunta especialmente convocada e realizada para esse fim, formarão lista com os 3 (três) nomes indicados para as vagas destinadas a membros do Ministério Público dos Estados, dois juízes, sendo um indicado pelo Supremo Tribunal Federal  e outro pelo Superior Tribunal de Justiça. A advocacia, como instituição indispensável à administração da Justiça, à garantia do Estado Democrático e representação da Sociedade Civil, indica dois nomes via votação direita do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Por fim, dois cidadãos de notório saber jurídico indicados respectivamente um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal. 

Note-se ainda a participação do Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil na composição do Conselho, com direito a voz, mas sem direito a voto, possui natureza de política democrática, todavia a ausência deste nas sessões não gerará quaisquer nulidades nos julgamentos proferidos pelo Conselho.3 Como se nota, salvo a nomeação do Presidente do Conselho que ocorre por decorrência de suas funções exercidas perante a Procuradoria Geral da República, todos os demais membros serão nomeados pelo Presidente da República após sabatina e aprovação dos nomes pela maioria absoluta do Senado Federal. Ressalte-se a diferença da disciplina constitucional neste tema entre o CNJ e o CNMP, pois lá constitucionalmente cabe ao Presidente da República a nomeação dos membros, já no CNMP não existe qualquer menção sobre a participação do Chefe do Executivo. Todavia o regimento interno do CNMP disciplinou a necessidade de nomeação dos Conselheiros pelo Presidente da República. 

Com papel de destaque no Conselho está a Corregedoria Nacional do Ministério Público, que tem seu Corregedor escolhido entre os membros do Ministério Público que o integram o Conselho, vedada sua recondução, competindo-lhe, além das atribuições que lhe forem conferidas pela Lei, as seguintes: I. receber reclamações e denúncias, de qualquer interessado, relativas aos membros do Ministério Público e dos seus serviços auxiliares; II. exercer funções executivas do Conselho, de inspeção e correição geral; III. requisitar e designar membros do Ministério Público, delegando-lhes atribuições, e requisitar servidores de órgãos do Ministério Público.


3.1. Prerrogativas e impedimentos dos Conselheiros


Os Conselheiros membros do Ministério Público e magistrados estão sujeitos às regras de impedimentos, suspeições e incompatibilidades que regem as respectivas carreiras. Os demais Conselheiros observarão, no particular, as regras que regem a carreira do Ministério Público, salvo quanto à vedação do exercício da advocacia, que será regulada, que quanto aos membros oriundos da advocacia estarão sujeitos aos impedimentos e incompatibilidades, dispostos pela Lei 8.906/1994, observado o disposto no art. 8º do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB e o que dispuser o seu Conselho Federal. Nesta linha se observe o tratamento diferenciado conferido pelo regimento interno do CNMP ao advogado que não estará impedido de exercer a advocacia durante o período de mandato, salvo perante o próprio Conselho.


4. Competências do Conselho Nacional do Ministério Público


O Conselho tem competências definidas constitucionalmente, sendo estas ligadas ao controle administrativo e financeiro do Ministério Público, bem como a garantia do cumprimento dos deveres funcionais dos seus membros. Frise-se que tais atribuições não são exaustivas, podendo a Lei, estabelecer novas atribuições. Desta afirmativa decorre duas consequências: i) somente a própria Constituição ou a Lei podem criar novas atribuições ao Conselho; ii) é vedado ao Conselho por seu poder meramente regulamentar inovar seu rol de atribuições. 

Esta roupagem constitucional sugeri ao Conselho uma função de cúpula do Ministério Público brasileiro, haja vista, que por ele passaria toda a função e planejamento administrativo e as funções correicionais do MP. Quanto à característica de um órgão de controle administrativo e financeiro, esta não se confunde com a possibilidade de interferência administrativa e financeira da gestão das diversas carreiras do Ministério Público ou mesmo Ministério Público dos Estados, haja vista, que em momento algum a Constituição confere esta competência ao Conselho, restando a este apenas a possibilidade de análise dos atos de gestão administrativa e financeira já praticados, como um garantidor da aplicação do art. 37 da CR/88. 

Deste modo, respeitados os limites de atuação incumbe ao Conselho:

a) Zelar pela autonomia funcional e administrativa do Ministério Público, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências – neste item é de se notar a missão política institucional do Conselho, possui extrema relevância na medida em que visa defender o respeito às atribuições e a autonomia do Ministério Público em todo território nacional – especificamente quanto ao poder regulamentar do Conselho se tratará a seguir de forma pormenorizada; 

b) Zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Ministério Público da União e dos Estados, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência dos Tribunais de Contas; - neste item parece clara a missão institucional do Conselho que possui a capacidade de rever atos administrativos. Porém, sobre este tema surge ponto nevrálgico que é o limite temporal para esta atuação? Aqui é preciso dividir o tema em duas partes: i – dos atos administrativos nos quais foi comprovada a má-fé; ii – dos atos administrativos nos quais não há comprovada a má-fé. Neste ponto parece clara que a regra constitucional e legal é a prescritibilidade do poder de revisão de atos no Estado brasileiro, ressalvada as ações de ressarcimento do erário quando o ato praticado for ilícito, conforme previsão Constitucional. Considerando, a moderna teoria constitucional, e os limites impostos pela Lei 9784/99, o prazo máximo para revisão dos atos administrativos por parte do Conselho será de 5 anos, e ainda, em última análise, considerando o disposto no Código Civil, mesmo que comprovada a má-fé o prazo não poderá ser superior a 10 anos e ressalte-se que quando eivados de má-fé esta necessariamente deverá ser comprovada, jamais presumida. Assim, considerando o princípio da segurança jurídica, da boa-fé e da razoabilidade, que se consubstanciam em garantias constitucionais a favor do indivíduo, não é possível rever atos praticados pela administração a mais de 5 anos. Os postulados da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e da proteção da confiança, enquanto expressões do Estado Democrático de Direito, apresentam-se “impregnados de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas, mesmo as de direito público” (RTJ 191/922) com o objetivo de viabilizar a incidência desses mesmos princípios sobre comportamentos de quaisquer Poderes ou órgãos do Estado, para que se preservem, desse modo, situações administrativas já consolidadas no passado. A fluência de “longo período de tempo culmina por consolidar justas expectativas no espírito do administrado e, também, por incutir, nele, a confiança da plena regularidade dos atos estatais praticados, não se justificando ante a aparência de direito que legitimamente resulta de tais circunstâncias' a ruptura abrupta da situação de estabilidade em que se mantinham, até então, as relações de direito público entre o agente estatal, de um lado, e o Poder Público, de outro” (MS 28150 MC). Por fim, considerando as exigências resultantes dos princípios de proteção da confiança e da segurança jurídica (direitos dos particulares diretamente interessados, direitos de terceiros) não se vê como é que a anulação de atos inválidos possa ser uma faculdade da administração. 

c) Receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Ministério Público da União ou dos Estados, inclusive contra seus serviços auxiliares, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional da instituição, podendo avocar processos disciplinares em curso, determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa; - Neste ponto, note-se que a competência do Conselho é concorrente a dos Tribunais, porém algumas decisões do pleno do CNJ, analisadas aqui analogamente foram suspensas pelo STF, sob o fundamento de que o Conselho não pode exercer originariamente a ação correcional, devendo antes, exigir das corregedorias locais e/ou de seus órgãos administrativos uma decisão. Por esse raciocínio, decidiu-se que a competência do Conselho é subsidiária e não concorrente. Todavia, parece equivocada a decisão do Supremo que restringe a atuação disposta na Constituição, pois esta não condiciona a atuação do Conselho, limitando-a a uma modalidade revisional; as razões sistêmicas para esta lógica, justifica-se, pela simples leitura que inciso III, parágrafo 4º. do art. 103-B que prevê, também, e não somente, a possibilidade de revisão dos processos disciplinares, e ainda mais, por exemplo, no momento em que a atividade correicional do Conselho é dirigida contra a cúpula dos tribunais, pois neste caso estaria em xeque a imparcialidade destes para fazer seu auto-julgamento, o que remeteria o caso obrigatoriamente a análise do Conselho. Entendimento que também se aplica também ao CNMP. 

d) Rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de membros do Ministério Público da União ou dos Estados julgados há menos de um ano; Este item é extremamente instigante, pois como já tratado acima permite a compreensão de que a atividade correicional, também, e não somente, pode ser realizada nos casos em que os tribunais já tenham decido sobre o tema, mas o ponto central é o prazo de um ano estabelecido pelo o constituinte derivado para a revisão destes processos. O referido prazo, salvo se declarado inconstitucional, constitui garantia fundamental contra a revisão de administrativas que aproveitem aos membros do Ministério Público. Neste diapasão, surge o debate sobre o poder do CNMP de rever atos praticados/consubstanciados pela administração do Ministério Público, antes da sua criação. Diante de tal questionamento parte da doutrina tem justificado a possibilidade de revisão afirmando que como o Conselho decorre da própria Constituição, o que superaria a idéia do juiz natural (que deve existir e estar previamente definido antes da prática do ato a ser averiguado ou anulado). Contrariando a idéia dos que defendem a possibilidade de atuação temporal livre do Conselho, posiciona-se parcela da doutrina que entende que como o Conselho decorre de regra do constituinte derivado, portanto limitado as garantias estabelecidas em 1988. Assim, com fundamento na garantia fundamental do juiz natural, que visa conter o exercício da atividade estatal quanto à restrição de direitos, seja com a imposição de sanções disciplinares ou de quaisquer outras formas de limitação de exercício de direitos ou liberdades, não parece aceitável, no plano teórico, a atuação do Conselho em atos realizados antes da sua criação, haja vista o Estado Constitucional Democrático de Direito estabelecido, que por certo não pode se mover de acordo com os interesses da maioria, mas sim deve servir como regra contra-majoritária, e nesta medida deve conter a atuação daqueles que mesmo plasmados em objetivos republicanos defensáveis, pretendem suplantar as garantias constitucionais. Característica relevante é que das decisões do pleno do Conselho não cabem recursos administrativos, porém por dispositivo regimental cabe embargos de declaração quando a decisão estiver eivada de obscuridade ou contradição. Porém a ausência de recursos das decisões do plenário do Conselho não instituiu um contencioso administrativo nos moldes do velho sistema francês, cabendo ao Supremo Tribunal Federal conhecer das medidas judiciais propostas contra as decisões do Conselho. No entanto, não se pode imaginar que o Pretório Excelso seja instância recursal de todo o conteúdo das decisões daquele, cabendo ao Supremo, analisar se os atos proferidos pelo Conselho que ultrapassaram os limites constitucionais, legais ou de razoabilidade de suas atribuições (STF – MS 26209/DF, MS 26710/DF e MS 26749/DF), ressalvadas as ações populares contra o plenário do CNMP.

e) Elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias sobre a situação do Ministério Público no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar a mensagem prevista no art. 84, XI; Esta atribuição se depreende da necessidade de uma coordenação política nacional do Ministério Público, que passa pela uma gestão política e administrativa do Ministério Público em todo território nacional. Todavia esta missão de desenvolver um projeto nacional, bem como, de sugerir medidas, como já afirmado, não confere ao Conselho capacidade de interferir diretamente na gestão dos “Ministérios Públicos” seja nos seus diversos ramos no âmbito da União, ou nos Estados, ou haja vista a independência administrativa e financeira firmada na Constituição. 


4.1. Do poder regulamentar do Conselho Nacional do Ministério Público


Com destaque deve ser tratado o Poder Regulamentar do Conselho Nacional do Ministério Público, a que citar a posição adotada pelo Supremo Tribunal no julgamento da ADC 12-MC/DF, julgando o tema no quanto ao CNJ, na qual, a corte por maioria de votos, decidiu que o Conselho detém competência regular primariamente sobre matérias de que trata o art. 103-B, § 4º, II, da CR/88, entendendo que a competência para zelar pelo art. 37 da Constituição, e de baixar atos para sanar condutas eventualmente contrárias a legalidade, é poder/dever que traz consigo a dimensão normativa em abstrato. 

Assim, o Min Carlos Britto entendeu que as Resoluções do CNJ revestem-se dos atributos da generalidade “(os dispositivos dela constantes veiculam normas proibitivas de ações administrativas de logo padronizadas), impessoalidade (ausência de indicação nominal ou patronímica de quem quer que seja) e abstratividade (trata-se de um modelo normativo com âmbito temporal de vigência em aberto, pois claramente vocacionado para renovar de forma contínua o liame que prende suas hipóteses de incidência aos respectivos mandamentos). Deste modo decidiu o Supremo que as resoluções do Conselho possuem caráter normativo primário, “dado que derivam diretamente do § 4º do art. 103-B da Constituição e tem como finalidade debulhar os próprios conteúdos lógicos dos princípios constitucionais de centrada regência de toda a atividade administrativa do Estado, especialmente o da impessoalidade, o da eficiência, o da igualdade e o da moralidade” (ADC 12-MC). 

Todavia o argumento apresentado não se fixa na própria Constituição, pois é do próprio inciso I, do § 4º do art. 103-B da Constituição que limita a atuação do Conselho na medida que autoriza/determina a expedição de atos meramente regulamentares. Nesta linha Lenio Luiz Streck, Ingo Wolfgang Sarlet e Clèmerson Merlin Clève defendem a tese de que a matéria deve ser enfrentada independentemente do mérito das resoluções, partindo da necessária discussão acerca dos limites para a expedição de “atos regulamentares”. Para parte da doutrina que segue a mesma linha parece um equívoco admitir que os Conselhos possam, mediante a expedição de atos regulamentares (na especificidade, resoluções), substituir-se à vontade geral (Poder Legislativo). 

Ao que parece, ainda que o texto constitucional derivado, tenha delegado ao Conselho poder para romper com o princípio da reserva de lei, o que não é possível se extrair do dispositivo da Carta da República, é certo que as resoluções não gozam da mesma hierarquia de uma Lei, pela simples razão de que a Lei emana do Poder Legislativo, essência da Democracia Representativa, enquanto os atos regulamentares ficam restritos às matérias com menor amplitude normativa, que não podem inovar o ordenamento jurídico. 

A tese de que o poder regulamentar do CNMP é decorrência lógica da interpretação dos princípios da administração e que por isto não criam nenhuma regra, mas simplesmente explicitam o já disposto na Constituição, parece equivocada na medida em que a simples ausência de explicitação, em alguns casos, por si, constitui em garantia do individuo face ao poder sancionador/restritivo do Estado. Se a própria Constituição alerta que o Conselho deve aplicar as funções que a Constituição e Lei determinam, parece inimaginável que o constituinte derivado, “ao aprovar a Reforma do Judiciário, tenha transformado os Conselhos em órgãos com poder equiparado aos do legislador”. Firmada a premissa de que o poder regulamentar dos Conselhos está limitado na impossibilidade de inovar, e que as garantias, os deveres e as vedações dos membros/órgãos do Ministério Público estão devidamente explicitados no texto constitucional e nas respectivas leis específicas, nota-se que regulamentar é diferente de restringir. 

Por fim, “está em causa, aqui, a defesa enfática e necessária dos elementos essenciais do nosso Estado Democrático de Direito, que, por certo, não há de ser um Estado governado por atos regulamentares, decretos e resoluções.”4 Todavia nesta linha o Supremo já decidiu, ao julgar o Mandado de Segurança 26.264/DF (rel. Min. Marco Aurélio, decisão do Plenário), “que é defeso ao CNMP adentrar no campo normativo atribuído ao Ministério Público pela Constituição Federal, sob pena de incorrer em afronta à autonomia funcional e administrativa ministerial, que a ele caberia zelar”. No caso específico do julgamento, a Constituição previu reserva de lei em sentido estrito para disciplinar a formação da lista tríplice para a escolha do Procurador-Geral de Justiça. Tal circunstância torna inviável, a princípio, a edição de resolução, por parte do Conselho Nacional do Ministério Público, para estabelecer a inelegibilidade do Corregedor-Geral para fins de candidatura àquele cargo. 

De toda forma, a função normativa atribuída ao CNMP, assim como ao CNJ, restringe-se ao caráter de organização da própria classe. Dentre todas as resoluções editadas pelo Conselho do Ministério Público, destacam-se: Resolução 1 e 7, que disciplina o exercício de cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros de membros do Ministério Público e dá outras providências; Resolução 4, que regulamenta o conceito de atividade jurídica para fins de inscrição em concurso público de ingresso na carreira do Ministério Público e dá outras providências; Resolução 8, que dispõe sobre impedimentos e vedações ao exercício de advocacia por membros do Ministério Público; Resolução 14, que dispõe sobre Regras Gerais Regulamentares para o concurso de ingresso na carreira do Ministério Público brasileiro; Resolução 25, que cria o NAE, Núcleo de Ação Estratégica do Ministério Público; Resolução 36, que dispõe sobre o pedido e a utilização das interceptações telefônicas, no âmbito do Ministério Público, nos termos da Lei 9.296, de 24 de julho de 1996; Resolução 43, que institui a obrigatoriedade de realização periódica de inspeções e correições no âmbito do Ministério Público da União e dos Estados; Resolução 54, que altera o regimento para permitir a participação de membros da diretoria do Conselho Federal da OAB nas sessões do CNMP; Resolução 64, que determina a implantação das Ouvidorias no Ministério Público dos Estados, da União e no âmbito do Conselho Nacional do Ministério Público; Resolução 66, que dispõe sobre o “Portal da Transparência do Ministério Público”; Resolução 67, que dispõe sobre a uniformização das fiscalizações em unidades para cumprimento de medidas socioeducativas de internação e de semiliberdade pelos membros do Ministério Público e sobre a situação dos adolescentes que se encontrem privados de liberdade em cadeias públicas; Resolução 69, que dispõe sobre a atuação dos membros do Ministério Público como órgão interveniente nos processos judiciais em que se requer autorização para trabalho de crianças e adolescentes menores de 16 anos; Resolução 71, que dispõe sobre a atuação dos membros do Ministério Público na defesa do direito fundamental à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes em acolhimento e dá outras providências; Resolução 76, que dispõe sobre o Programa Adolescente Aprendiz no âmbito do Ministério Público da União e dos Estados; Resolução 81, que dispõe sobre a criação da Comissão Temporária de Acessibilidade, adequação das edificações e serviços do Ministério Público da União e dos Estados às normas de acessibilidade e dá outras providências; Resolução 82, que dispõe sobre as audiências públicas no âmbito do Ministério Público da União e dos Estados.


5. Da impossibilidade de atuação jurisdicional e de controle de constitucionalidade por parte do Conselho Nacional do Ministério Público


Em primeiro lugar, é preciso verificar o literal dispositivo constitucional, estampado no art. 130-A, § 2º, da Constituição, que fixa, de forma inequívoca, a competência do Conselho Nacional do Ministério Público. Eis o dispositivo, na parte que interessa à presente explanação: “Compete ao Conselho Nacional do Ministério Público o controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros, cabendo-lhe”. Constata-se, portanto que não está entre as competências do CNMP a capacidade de invalidar decisões judiciais ou declarar a inconstitucionalidade de Lei Estadual ou Federal. 

O Conselho Nacional do Ministério Público está limitado a atuar nos campos decisórios não pendentes de decisão judicial. O que entra em debate neste caso é o momento em que se deve observar a judicialização da matéria, ou seja, antes ou após o início do processo administrativo no Conselho. De pronto é necessário perceber que a judicialização da matéria não impede a atuação do CNMP, no entanto, a decisão judicial deverá prevalecer face à decisão do Conselho, de forma evidente no caso de decisões do Supremo Tribunal Federal, mas o mesmo deve ocorrer também das demais instâncias do Poder Judiciário. Esta pratica não tem sido comum ao CNMP, todavia o CNJ tem atuado com frequência além da esfera da competência constitucional, com o objetivo de “moralizar” o sistema, extrapolando seus limites de atuação, exigindo do Supremo Tribunal Federal decisões judiciais reiteradas que frisam este exorbitar da competência. Nesta linha frise-se que anulação de decisão judicial, mesmo que cautelar, por parte do Conselho, bem como, a declaração de inconstitucionalidade de Lei ou ato normativo, exorbita as atribuições do Conselho. 

A Min. Carmen Lúcia, em decisão recente, afirmou que mesmo de forma indireta não é possível a declaração de inconstitucionalidade por parte do Conselho. Assim, vícios decorrentes do ato administrativo em si podem ser objeto de análise do Conselho, mas quando o vício tiver origem no dispositivo legal que deu origem ao ato, não cabe ao Conselho promover ao controle de constitucionalidade do ato normativo para desconstituir o ato. “Tanto consistiria na substituição de competência que a Constituição confere, com exclusividade, ao Supremo Tribunal” (STF, AC 2390-MC/PB; MS 29.192-MC/DF; MS 27.744/DF). 

Já no que toca a desconstituição de decisões judiciais é relevante o precedente do Min. Cezar Peluzo que decidiu que “é evidente a inconstitucionalidade de qualquer decisão do CNJ, ou de interpretação que se dê a decisões do CNJ, que tenda a controlar, modificar ou inibir a eficácia de decisão jurisdicional. As decisões do Conselho de modo algum podem interferir no exercício da função jurisdicional, pois suas atribuições são meramente administrativas, disciplinares e financeiras, sendo defeso em quaisquer, em nenhuma hipótese, apreciar, cassar ou restringir decisão judicial” (STF, MS 28.537 – MC). 



6. Do foro competente para processar e julgar as ações contra o Conselho Nacional do Ministério Público


Por interpretação do art. 102, I, alínea “r”, o Plenário do STF fixou entendimento de que a Corte possui competência para processar e julgar somente mandado de segurança, mandado de injunção, habeas data e habeas corpus contra o CNMP (ACO 1936 AgR/DF; AO 1706 AgR/ DF; AO 1679 AgR/DF). As ações ordinárias deverão ser propostas na Justiça Federal. Do mesmo modo, por meio de uma interpretação autorestritiva do dispositivo mencionado, o STF declarou a sua incompetência originária para a revisão de decisões administrativas adotadas pelo conselho ante a inexistência de interesse de agir quando não caracterizada a necessidade do controle jurisdicional (MS 31.143 AgR/SP; MS 29.269 Agr/CE; MS 33.410 AgR/DF).


Notas

1  STF, MS 26.595/DF, Tribunal Pleno, rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 10.06.2010. 

2  Súmula STF 649.

3  Por analogia, STF, Ag. Reg. em MS 25879-9/DF, Tribunal Pleno, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 08.09.2006. 

4  STRECK, Lenio Luiz. SARLET, Ingo Wolfgang. CLÈVE, Clèmerson Merlin. Os limites constitucionais das resoluções do CNJ e do CNMP. Academia Brasileira de Direito Constitucional


Referências

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STRECK, Lenio Luiz; SARLET, Ingo Wolfgang; CLÈVE, Clèmerson Merlin. Os limites constitucionais das resoluções do CNJ e do CNMP. Academia Brasileira de Direito Constitucional. Disponível em: <http://www.abdconst.com.br/publicacoes_artigos_mostra.php?id=5>. Acesso em 07.12.2016. 

Citação

PANSIERI, Flávio. Conselho Nacional do Ministério Público. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 2. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2021. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/69/edicao-2/conselho-nacional-do-ministerio-publico

Edições

Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 1, Abril de 2017

Última publicação, Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 2, Abril de 2022

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