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Cumprimento da sentença - disposições gerais
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Olavo de Oliveira Neto
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Tomo Processo Civil, Edição 3, Novembro de 2024
A prestação da tutela executiva no Brasil passou por várias e distintas fases, nas quais o nosso sistema oscilou entre a existência de apenas uma via executiva ou a pluralidade delas. Na vigência do Regulamento 737, de 25 de novembro de 1850, por exemplo, a execução exigia a existência de um título judicial, consistente numa carta de sentença extraída do processo de conhecimento.1
Já para o recebimento de valores certificados por títulos de crédito fazia-se necessária a propositura da denominada ação de assinação de dez dias ou de um procedimento sumário de execução,2 mas ambas as vias não caracterizavam atividade executiva ‘pura’, ostentando uma natureza híbrida, já que nos seus procedimentos se intercalavam fases que apresentavam a natureza de conhecimento com fases que apresentavam natureza executiva.
Após o período do pluralismo legislativo (1890-1934), durante o qual os estados detinham a competência para legislar sobre o direito processual civil, entrou em vigor o CPC de 1939, prevendo a existência de duas vias executivas:3 (a) a ação executória de sentenças, destinada a efetivar o conteúdo deste tipo de provimento judicial e que não era permeável a atividade de conhecimento, devendo eventual defesa acontecer mediante ação incidente, nos moldes dos atuais embargos à execução;4 e, (b) a ação executiva, destinada a excutir títulos extrajudiciais e outras hipóteses indicadas pela lei, que em verdade caracterizavam uma forma de execução híbrida, já que seu procedimento apresentava uma miscigenação entre a atividade executiva e a atividade de conhecimento.
O CPC de 1973, optando pelo entendimento de que deveria existir autonomia estrutural entre a atividade de conhecimento e a atividade executiva, houve por bem unificar as formas de executar numa só via processual, independente da natureza do título executivo. Passamos, então, a ter apenas um ‘processo de execução’, fundado em título judicial ou em título extrajudicial, variando apenas a amplitude do meio de defesa posto à disposição do executado. Nos embargos à execução da sentença a matéria que podia ser alegada era bem mais restrita do que a que podia ser objeto de alegação nos embargos à execução de título extrajudicial, já que neste também era possível aduzir tudo àquilo que poderia ser alegado num processo de conhecimento, com pequenas limitações decorrentes de leis especiais, dentre as quais se destacavam as relacionadas aos títulos cambiais.
Esta opção ficou clara no item 21 da exposição de motivos do CPC de 1973, na qual Alfredo Buzaid fez constar que:
“Dentre as inovações constantes do Livro II, duas merecem especial relevo: a primeira respeitante à unidade do processo de execução; a segunda, à criação do instituto da insolvência civil. O Direito luso-brasileiro conhece dois meios de realizar a função executiva: a) pela “parata executio”; b) pela ação executiva. Esta se funda em título extrajudicial; aquela, em sentença condenatória. Mas, como observa Liebman, diferentes foram os resultados da evolução histórica nos países do continente europeu. O Direito costumeiro francês reafirmou energicamente a equivalência das sentenças e dos instrumentos públicos (lettres obligatoires faites par devant notaire ou passées sous Seel Royal); e reconheceu a ambos a exécution parée. Este princípio foi acolhido pelas Ordenações reais e, depois, pelo Code de Procédure Civile napoleônico, de 1806, do qual passou para a maior parte das legislações modernas. Adotaram, nos nossos dias, o sistema unificado os Códigos de Processo Civil da Itália (artigo 474), da Alemanha (§§704 e 794), de Portugal (artigo 46) e a Lei de Execução da Áustria (§19). O projeto segue esta orientação porque, na verdade, a ação executiva nada mais é do que uma espécie da execução geral; e assim parece aconselhável reunir os títulos executivos judiciais e extrajudiciais. Sob o aspecto prático são evidentes as vantagens que resultam dessa unificação, pois o projeto suprime a ação executiva e o executivo fiscal como ações autônomas.”.5
Essa forma unificada de executar, que acabou por ter poucos – mas precisos – opositores,6 perdurou até a entrada em vigor da Lei 11.232/2005, que criou o cumprimento de sentença, e da Lei 11.382/2006, que alterou o procedimento da execução de título extrajudicial, legislação conhecida como aquela que promoveu a que ‘reforma do processo de execução’, mecânica repetida pelo atual código de processo civil.
Após este longo caminho, pontilhado por erros e por acertos, para a execução de quantia o nosso sistema apresenta dois gêneros distintos, cada qual com várias espécies de procedimentos, que variam conforme se trate de título executivo judicial ou de título executivo extrajudicial. Para a satisfação da obrigação objeto de um título judicial temos a via do ‘cumprimento da sentença’ e para a satisfação da obrigação objeto de um título extrajudicial temos a via da ‘execução autônoma’ ou, como se costuma falar, do processo de execução.
O regramento geral desta via executiva denominada cumprimento de sentença, previsto e regulamentado pelos art. 513 até 519 do CPC, é que será abordado a seguir.
1. Natureza jurídica
O processo civil brasileiro, seguindo perfil delineado pelo Direito Romano e até a reforma do processo de execução, nos anos de 2005 e 2006, adotou a ideia alardeada pelo denominado ‘binômio declaração-execução’, estabelecendo uma rígida separação entre a atividade de conhecimento e a atividade executiva. A não ser que a lei apresentasse autorização de forma expressa, que costumava ser encontrada nos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa, não se praticavam atos processuais executivos no processo de conhecimento e não se praticavam atos processuais de conhecimento no processo de execução.7
Com o passar do tempo e o aumento da demora na prestação da tutela jurisdicional, entretanto, percebeu-se que havia a necessidade de eliminar essa separação rígida entre a atividade desenvolvida no processo de conhecimento e a atividade desenvolvida no processo de execução, mecânica que daria ensejo a maior agilidade da atividade de julgar e de executar. Afinal, realizando-as ao mesmo tempo, e não sequencialmente, certamente o lapso necessário à satisfação da pretensão levada a juízo seria reduzido.
Para implementar esta mecânica, conhecida como ‘sincretismo processual’ ou como ‘processo civil sincrético’, o sistema processual passou a substituir as autorizações legais pontuais e expressas por ‘regras matrizes’, que permitiam ao magistrado conceder uma medida executiva no bojo de um processo de conhecimento – e vice-versa -, desde que presentes os requisitos gerais estabelecidos pela lei.
Em outros termos, a possibilidade da prática de atos executivos no processo de conhecimento deixou de acontecer ope legis e passou a acontecer ope iudicis. O que antes só era possível com autorização expressa da lei, passou a ser possível mediante autorização judicial, sendo o magistrado responsável por conferir se estavam efetivamente presentes os requisitos gerais exigidos para o deferimento da medida pleiteada. Isso se viu claramente na alteração dos art. 273 e do art. 461, ambos do CPC de 1973, promovidas pela Lei 8.952/1994.8
Fiel ao sistema sincrético e ciente da necessidade de uma atividade executiva mais célere e mais efetiva, a reforma que se promoveu no processo de execução transformou o que antes eram pelo menos dois processos sequenciais – o processo de conhecimento para a formação do título judicial e o processo de execução para obter a sua satisfação – em um procedimento único e bifásico.
Entretanto, embora eliminada a existência de dois feitos, com duas petições iniciais, duas citações e outras eventuais duplicidades, pode-se identificar neste procedimento único duas fases distintas, cuja linha demarcatória encontra-se na formação do título. Antes disso temos a concentração de atos processuais típicos de uma tutela de conhecimento, assim caracterizados porque não modificam do mundo de fato, mas apenas conduzem à solução de uma controvérsia; e, depois disso, temos a concentração de atos processuais típicos de uma tutela executiva, já que modificam ou preparam a modificação do mundo de fato. Daí a conclusão de que a concentração de atos semelhantes nas subsequentes fases deste procedimento bifásico indica que temos uma primeira fase que ostenta a natureza de fase de conhecimento e uma segunda fase que ostenta a natureza de fase executiva, como reconhece implicitamente o art. 513, caput, do CPC, ao indicar que o cumprimento de sentença deverá observar as regras referentes ao processo de execução.
Realmente, no cumprimento de sentença, ao contrário da execução do título judicial do passado, o exequente não dá início a uma nova relação processual, mas requer a passagem da fase de conhecimento para a fase executiva. Trata-se de um procedimento bifásico e, exatamente por isso, como a relação jurídica processual já se constituiu na fase de conhecimento, não há necessidade de inicia-la mediante o protocolo de uma petição inicial, com a posterior citação do responsável executivo.
Diferente do que se dá com os procedimentos de fase única e com os incidentes processuais, com os quais já estamos acostumados em razão da sua longeva e constante utilização, as fases processuais sempre foram mais raras porque vinculadas a processos bifásicos, como os procedimentos de exigir contas (quando há resistência) ou de divisão de terras particulares.
Por isso há certa perplexidade quando se constata que ela é um híbrido entre os procedimentos de fase única e os incidentes processuais, mesclando características dessas duas vias, como o início por mero requerimento (característica de incidente) e a possibilidade de término por sentença (característica de um procedimento amplo); ou, a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, exigida quando se trata de procedimento amplo, mas normalmente vedada nos incidentes processuais.
De todo o exposto não há como deixar de concluir que o cumprimento de sentença é este híbrido denominado fase processual, ostentando a natureza jurídica de uma fase executiva, na medida em que nele se concentra a prática de atos que modificam ou que preparam a modificação do mundo empírico.
2. Espécies
Visando manter a coerência com a ideia da existência de mais de uma via executiva, mas sem se olvidar de que uma delas integra um procedimento bifásico, que se inicia com uma fase de conhecimento, nosso código alocou as regras referentes ao cumprimento de sentença no Livro I, da Parte Especial, sob a denominação “Do processo de conhecimento e do cumprimento da sentença”, ao invés de encartá-lo no Livro II, da Parte Especial, que trata do processo de execução. Com isso nossa legislação inicia o tratamento da matéria deixando claro, sem a possibilidade de dúvidas fundadas, que o cumprimento da sentença é uma via que apresenta natureza executiva, mas que não é um procedimento executivo autônomo, como a execução dos títulos extrajudiciais.
A disciplina do tema é feita do art. 513 até o art. 538, do CPC, iniciando-se com uma parte geral (art. 513 até art. 519) que trata de aspectos que são comuns a todas as espécies de cumprimento de sentença, como a necessidade da iniciativa do exequente e a maneira pela qual o executado toma ciência do início desta fase executiva. Em seguida são apresentadas seis espécies de cumprimento da sentença, que são: (a) o cumprimento de sentença provisório de pagar quantia certa (art. 520 a 522), (b) o cumprimento de sentença definitivo de pagar quantia certa (art. 523 a 527), (c) o cumprimento de sentença de pagar obrigação alimentar (art. 528 a 533), (d) o cumprimento de sentença contra a fazenda pública (art. 534 e 535), e, (e) o cumprimento de sentença de obrigação de fazer, não fazer (art. 536 e 537) e de entregar coisa (art. 538).
Nos itens que desenvolveremos a seguir serão tratados os aspectos disciplinados nesta parte geral, que exatamente por isso se aplicam a todas as espécies de cumprimento da sentença, ficando o estudo das espécies, com as suas respectivas peculiaridades, para os capítulos seguintes.
3. Aspectos compartilhados dos diversos procedimentos
3.1. Respeito ao princípio dispositivo – Iniciativa do exequente
Conforme já tivemos a oportunidade de afirmar:
“não é nova a oposição existente entre o sistema inquisitório, no qual o juiz tem poderes ativos na instauração e na condução do processo, e o sistema dispositivo, onde o magistrado atua como mero expectador da atividade das partes, sem ter poder de iniciativa quanto à limitação do objeto do processo e a produção das provas. Variando a época e o local, ambos já foram adotados de maneira bastante preponderante sobre o outro, o que ainda acontece ao sabor da ideologia que permeia cada sociedade.”.9
No Direito Intermediário, por exemplo, conforme nos dá notícia Moacyr Amaral Santos,10 reconheceu a doutrina que antes de executar havia a necessidade de declarar ‘a certeza do direito pleiteado’, mas que uma vez obtida esta certeza através de uma sentença condenatória não havia a necessidade da propositura de uma ação de execução, já que tal atividade cabia ao magistrado em razão do seu dever de ofício. Daí a denominação de execução por officio iudicis, na qual cabia o magistrado realizar “(...) todas as atividades que o juiz devia exercer naturalmente, em virtude do seu ofício (...)”,11 até os limites necessários à satisfação da prestação objeto da sentença.
Diante desta alternância de preponderância entre o princípio dispositivo e o princípio inquisitório, durante os trabalhos de elaboração do atual código houve quem dissesse que a atividade executiva, como complemento necessário à satisfação da tutela condenatória, deveria ser deflagrada ex officio pelo juiz, independentemente de requerimento formulado pelo exequente. Este pedido de realização de atividade executiva, em verdade, estaria implícito no pedido de condenação, formulado na petição inicial.
Esta posição – para nosso alívio – não vingou, sendo necessário requerimento do exequente para que tenha início a atividade executiva,12 que por alterar o mundo de fato tem como contrapartida a responsabilidade objetiva do exequente, responsável perante o executado por eventuais prejuízos causados quando tal atividade for considerada indevida.
A opção por exigir a iniciativa do exequente para dar início ao cumprimento da sentença, consagrando o princípio dispositivo também na atividade executiva, encontra-se no art. 513, § 1º, do CPC, cuja má redação dada ao preceito pode induzir a erro o intérprete, no sentido de se exigir o requerimento apenas nos casos de cumprimento de pagar quantia, o que não condiz com a realidade.
Ora, quando a redação do parágrafo se refere ao cumprimento de sentença que “(...) reconhece o dever de pagar quantia, provisório ou definitivo (...)”, em princípio parece que para as demais espécies não se exige a iniciativa do exequente, o que não é verdadeiro. Também as outras formas de cumprimento de sentença não podem ter seu início determinado de ofício pelo magistrado, que sempre depende da iniciativa da parte. O que varia são apenas os requisitos da via que será empregada para quebrar a inércia do Poder Judiciário, impedido de atuar sem pedido expresso quanto ao início da prática dos atos executivos.
Em regra, essa iniciativa dar-se-á através de um mero requerimento, porque não se trata de novo exercício de direito de ação, como acontecia no passado com a execução de sentença, mas apenas de um pedido para que tenha início a fase executiva, razão pela qual não há necessidade de atendimento aos requisitos da petição inicial, previstos no art. 319, do CPC.
Isso não significa, entretanto, que o requerimento formulado para cada espécie de cumprimento de sentença não tenha requisitos específicos, como no caso do cumprimento provisório ou definitivo de sentença que condena ao pagamento de quantia certa, que deverá estar acompanhado de demonstrativo discriminado e atualizado do crédito (art. 524, do CPC).
Ademais, por exceção, quando os títulos judiciais não se formaram no juízo cível (art. 515, VI, VII, VIII, IX e § 1º, do CPC), mas nele devem ser executados, ainda não existe uma relação jurídica processual e nem o encerramento da fase de conhecimento anterior, sendo necessária uma petição inicial para constituí-la e dar início a atividade executiva.
3.2. Início mediante requerimento e suas exceções
Para início do cumprimento de sentença, repita-se, em regra há necessidade de que o exequente apresente um requerimento, cujos requisitos variam conforme varia a natureza da obrigação não adimplida; e, por exceção, nos casos previstos pelo art. 515, VI, VII, VIII e IX, do CPC, que o exequente apresente uma petição inicial, obedecendo aos requisitos do art. 319 e dos art. 798 e 799, todos do CPC.
Começando pelos casos excepcionais, consistentes no cumprimento de sentença cujos títulos judiciais não se formaram em feito que tramitou perante um juízo cível, mas num juízo criminal, num juízo arbitral ou no estrangeiro [sentença penal condenatória (VI), sentença arbitral (VII), sentença estrangeira (VIII) ou decisão interlocutória estrangeira (IX)], a ausência de uma fase inicial de conhecimento implica na necessidade de instaurar um processo de natureza cível, o que acontece apenas quando protocolada uma petição inicial (art. 312, do CPC).
Como toda petição inicial, à exceção da petição inicial simplificada que pleiteia tutela antecipada antecedente,13 também esta peça deve preencher os requisitos constantes do art. 319, do CPC, bem como os requisitos específicos das petições iniciais que dão início a um procedimento executivo autônomo, previstas nos art. 798 e 799, do CPC.
Uma vez protocolada, distribuída e registrada, deverá o magistrado realizar o juízo de admissibilidade da exordial, determinando a citação do executado, conforme prevê o art. 515, § 1º, do CPC. Não será realizada audiência de tentativa de conciliação e mediação (art. 334 do CPC), uma vez que o preceito determina que a finalidade do ato – além de constituir a relação jurídica processual, por óbvio - será comunicar ao executado que ele deverá cumprir o que foi determinado na sentença ou participar da liquidação do título, seguindo o procedimento, daí em diante, o rito de uma ou da outra via processual.
No que toca à regra geral, a fase executiva tem início com o protocolo de um requerimento, que não precisa necessariamente preencher todos os requisitos do art. 319, do CPC, embora alguns deles também sejam essenciais para o regular andamento do procedimento. Dentre eles o mais relevante é a formulação de um pedido, sem o qual não estaria sendo atendido ao princípio dispositivo. Afinal, de nada adiante a iniciativa da parte quando não se sabe a que ela se refere.
O pedido formulado, assim como se dá no processo de conhecimento e nos procedimentos executivos autônomos, deve ser certo e determinado. Se na tutela de conhecimento o pedido é o ‘projeto da sentença’ que se pretende obter, pois delimita o que pode ser conhecido e decidido pelo magistrado (regra da congruência); na tutela executiva o pedido define os limites objetivos da execução forçada, cumprindo o que dispõe o principio da satisfatividade, no sentido de que atividade executiva se restringe ao principal e aos seus acessórios (art. 831, do CPC). Também há necessidade de que o exequente atribua valor à causa, seja porque este não corresponde ao valor atribuído à fase de conhecimento (julgador acolhe o pedido de dano material e rejeita o pedido de dano moral), seja porque há necessidade de recolher novas custas ou algum tipo de taxa, se assim o exigir o regimento de custas do respectivo tribunal.
Por sua vez, ostentando esta fase natureza executiva, torna-se necessário o preenchimento dos requisitos constantes dos art. 798 e 799, do CPC, cuja ausência pode dar ensejo a vício que pode levar à nulidade da execução forçada ou ao não aproveitamento de algum ato processual. A falta de intimação do credor hipotecário (art. 799, I, do CPC), por exemplo, causará a ineficácia da alienação do bem hipotecado tanto no cumprimento da sentença quanto na execução de título extrajudicial, conforme dispõe o art. 804, caput, do CPC.
3.3. Inércia do exequente e prescrição intercorrente
O art. 475-J, § 5º, acrescentado no CPC de 1973 quando da reforma do processo de execução, por força do disposto na Lei 11.232/2005, dispunha que se o exequente não desse início a fase de cumprimento da sentença no prazo de 06 (seis) meses os autos seriam arquivados, podendo seu desarquivamento acontecer a qualquer momento. Como naquela época o processo ainda se desenvolvia na base papel e não na base eletrônica, os autos permaneciam 06 (seis) meses no cartório e depois disso, diante da inércia do exequente, eram remetidos para o arquivo. Feito isto, para aqueles que já admitiam a possibilidade da prescrição intercorrente, ainda não prevista expressamente por lei, começava a fluir o prazo prescricional da eficácia executiva da sentença.
O código atual não prevê qualquer prazo para o oferecimento do requerimento que dará início ao cumprimento da sentença, mas ao contrário do anterior prevê expressamente a existência da prescrição intercorrente no art. 924, V, disciplina seu perfil nos parágrafos do art. 921 e manda aplicar essa disciplina no cumprimento de sentença (art. 921, § 7º). Além disso, o art. 206-A, do Código Civil, também reconhece expressamente a existência da prescrição intercorrente, fixando seus prazos à semelhança dos prazos da prescrição da pretensão veiculada em processo de conhecimento.14
Diante deste arcabouço e como o nosso código é omisso quanto à ocorrência da prescrição intercorrente entre a publicação da sentença e o oferecimento do requerimento que pleiteia o início do cumprimento da sentença, cabe indagar se essa pode ser reconhecida pelo magistrado quando o exequente se mantem inerte, deixando de tomar a iniciativa de romper a inércia inicial do Poder Judiciário.
A resposta, em nosso entender, deve ser positiva. Seria um contrassenso admitir a ocorrência da prescrição intercorrente quando a fase executiva já se iniciou, mas o executado ou bens passíveis de penhora não foram encontrados (art. 921, III, do CPC), pois aqui a demora é circunstancial e não pode ser creditada ao exequente; mas não admiti-la quando há inércia do exequente em requerer o início da atividade executiva, hipótese na qual a ‘culpa’ pela demora é exclusivamente sua. Qual seria, entretanto, o termo inicial (termo ‘a quo’) e o termo final (termo ‘ad quem’) da sua ocorrência?
O termo inicial não pode ser o previsto pelo art. 921, § 4º, do CPC, uma vez que ainda não há atividade executiva cujo curso possa ser objeto de suspensão e, justamente por isso, também não há tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis. Porém, também não pode ser a publicação da sentença, já que esta pode ser objeto de recurso e o exequente não pode ser obrigado a promover o cumprimento de sentença provisório, uma vez que a lei lhe confere a opção de aguardar o trânsito em julgado para somente então, sem correr riscos, promover o cumprimento de sentença definitivo.
O termo inicial da prescrição intercorrente quando o exequente deixa de promover o cumprimento da sentença, portanto, só pode ser a data da intimação do trânsito em julgado deste pronunciamento judicial, momento a partir do qual o cumprimento da sentença passa a ser definitivo.
O termo final do prazo da prescrição intercorrente referente à eficácia executiva da sentença, que era fixo na vigência do Código Civil de 1917 (art. 177 – 20 anos) e na redação original do Código Civil (art. 205 – 10 anos), foi drasticamente reduzido com a inserção no sistema do art. 206-A e passou a ser variável, uma vez que segue os mesmos prazos de prescrição da pretensão veiculada na ação de conhecimento. Com isso, por exemplo, quando se trata de pretensão de reparação civil, o prazo da prescrição intercorrente será de 03 (três anos), na forma prevista pelo art. 206, § 3º, V, do Código Civil.
Em resumo, admite-se a ocorrência da prescrição intercorrente quando o exequente se mantem inerte e não dá início ao cumprimento da sentença, sendo seu termo a quo a intimação do trânsito em julgado da decisão e seu termo ad quem variável, pois dependerá do prazo de prescrição da pretensão veiculada na fase de conhecimento, na forma prevista no art. 206, do Código Civil.
3.4. Competência
Quem pleiteia uma tutela de conhecimento deve observar as regras que estabelecem a competência, fazendo constar na sua petição inicial qual é o juízo ao qual se destina sua causa. Para isso deve levar em conta a situação de fato do momento em que a causa é proposta, sendo irrelevantes as alterações no estado de fato e de direito ocorridas posteriormente. Trata-se da regra da perpetuação da jurisdição (perpetuatio jurisdictiones), prevista pelo art. 43 do CPC.
Como o cumprimento da sentença é uma fase executiva posterior à fase de conhecimento, seria lógico supor que a esta altura qualquer questão referente à competência do juízo já estaria resolvida e preclusa, mas não é isso que efetivamente acontece, como demonstra a análise do conteúdo do art. 516, parágrafo único, do CPC. Aplica-se irrestritamente o disposto no art. 43 do CPC, apenas aos casos de cumprimento de decisão prolatada em causa de competência originária de tribunal (inciso I), não mencionados no referido parágrafo único.
No caso de sentença penal condenatória, sentença arbitral e decisão estrangeira (inciso III), por sua vez, o momento do oferecimento da petição inicial é o oportuno para a fixação da competência do juízo cível, mas o exequente acrescenta às opções que lhe são dadas pelas regras gerais de competência as possibilidades constantes do art. 516, parágrafo único, do CPC.
Já na hipótese mais comum de cumprimento de sentença, prevista no art. 516, II, do CPC, poderá o exequente manter o feito no “juízo que decidiu a causa em primeiro grau de jurisdição”, mas o parágrafo único excepciona a regra da perpetuação da jurisdição, permitindo-lhe que também oferte seu requerimento no “juízo do atual domicílio do executado”, no “juízo do local onde se encontrem os bens sujeitos à execução” ou “no juízo do local onde deva ser executada a obrigação de fazer ou de não fazer.”.
Tal possibilidade, anteriormente prevista no art. 475-P, do CPC de 1973, visa dar maior agilidade ao procedimento executivo, permitindo que se alcance a satisfação da prestação com um menor numero de atos processuais e no menor tempo possível. Isso porque a proximidade juízo da execução ao domicílio do executado, dos bens sujeitos à execução ou do local da satisfação da prestação podem eliminar a prática de atos que deveriam ser realizados por carta precatória ou por outro meio de cooperação judicial, que sempre causam maior demora no tramitar do processo.
Essa nova indicação de competência, autorizada pela lei para que se altere o juízo fixado na fase de conhecimento, deve receber o mesmo tratamento da fixação de competência anterior, ou seja, deve ser encarada como se fosse o primeiro momento ao tratar da competência para conhecer e decidir uma causa.
Nesse passo, a indicação de um juízo diferente daquele perante o qual tramitou a fase de conhecimento – limitada as possibilidades indicadas pelo art. 516, parágrafo único, do CPC – assim como acontece num processo de conhecimento, não requer uma justificativa por parte de exequente,15 mas reabre para o executado a possibilidade de impugnar a indicação alegando a incompetência do novo juízo, o que fará na sua impugnação, isso por aplicação analógica do disposto no art. 917, V, do CPC. Feita a objeção deverá o juízo verificar se a alteração da competência se encaixa nas hipóteses taxativas do referido preceito e se ela atende ao princípio da solidariedade, que num dos seus aspectos determina que a execução se realize da forma menos onerosa para o executado.
Por fim, a parte final do art. 516, parágrafo único, do CPC, ao dizer “(...) caso em que a remessa dos autos do processo será solicitada ao juízo de origem”, acabou por dar ensejo a seguinte dúvida: o exequente deve requerer a remessa no juízo de origem, que remeterá o feito ao novo juízo; ou, o exequente deve requerer a remessa no novo juízo, que solicitará ao juízo de origem a remessa do feito?
Tal polêmica nos parece artificial e desnecessária, já que se trata de um formalismo exacerbado, cuja resposta correta – embora pouco científica – seria: ‘pouco importa que seja num como noutro juízo’. Afinal, hoje tal remessa se limita a dar alguns comandos no computador. Mas se se quiser uma resposta mais elegante: “(...) o exequente poderá requerer (...) [a remessa] (...) tanto no juízo onde se formou o título, como também diretamente perante o juízo onde se processará a execução, solicitando-se ao juízo de origem a remessa dos autos do processo.”.16
Porém, para aqueles que entendem que não se trata de formalismo excessivo, o exequente deverá formular o pedido de remessa dos autos no novo juízo, que por sua vez solicitará a remessa ao juízo perante o qual se processou a fase de conhecimento. Isso porque, fosse o pedido feito diretamente ao juízo de origem, o verbo adequado para a conduta do exequente seria ‘requerer’ e não ‘solicitar’, já que este verbo é o que se emprega no caso de cooperação judicial entre dois juízos diversos, o que também acontece em caso de tutela executiva (art. 69, § 2º, VII, do CPC), enquanto aquele se emprega para requerimentos formulados pelas partes.
3.5. Integração do procedimento
A convocação do executado para participar da atividade executiva se faz por duas formas: nos casos previstos pelo art. 515, VI a IX, do CPC, mediante citação (515, § 1º), pois há necessidade de integração da relação jurídica processual; e, nos demais casos, mediante intimação, na forma prevista pelo art. 513, §§ 2º a 4º, do CPC, uma vez que o executado já foi citado para integrar tal relação processual na fase de conhecimento.
Prevê a lei dois regimes distintos para que se efetive a intimação, conforme o tempo que medeia entre o trânsito em julgado da sentença e o protocolo do requerimento que dá início à fase executiva. Se o protocolo do requerimento ocorre até 01 (um) ano do trânsito em julgado, a intimação far-se-á nas formas previstas pelo art. 513, § 2º, do CPC. Caso ultrapasse este prazo, na forma prevista pelo § 4º do mesmo preceito legal.
Iniciada a fase executiva em até 01 (um) ano, a regra geral é a de que a intimação do executado se faça na forma prevista pelo inciso I, na pessoa do seu advogado e por meio do Diário da Justiça eletrônico (DJe). Se antes da entrada em vigor do CPC se discutia sobre a necessidade de intimação pessoal em todas as situações, agora tal polêmica encontra-se definitivamente debelada, estando previstas apenas quatro exceções à regra geral (incisos II a IV).
As primeiras duas exceções ocorrem quando o executado não tiver mais procurador constituído nos autos, seja porque o mandato expirou (parte contrata os serviços do profissional apenas para a fase de conhecimento) seja porque ocorreu a revogação ou a renúncia do mandato. Neste caso a intimação se fará por meio eletrônico quando o executado possuir o cadastro previsto no art. 256, § 1º, do CPC (art. 513, § 2º, III), ou se fará por carta com aviso de recebimento, quando o executado não estiver cadastrado (art. 513, § 2º, III, in fine).
A intimação também será feita por carta com aviso de recebimento quando o executado estiver representado pela Defensoria Pública (art. 513, § 2º, III, ab initio). Isso porque, como demonstra o dia a dia forense, muita das vezes o assistido da defensoria pública se desinteressa do processo e ‘desaparece’, acabando o defensor por perder o contato com ele, o que faria com que a intimação não pudesse ser atendida pelo profissional sem a efetiva participação do seu assistido.
A última exceção acontece quando o executado foi citado por edital e tornou-se revel na fase de conhecimento, hipótese na qual deverá ser intimado também por meio de edital (art. 513, § 2º, III, ab initio), sendo desnecessário encetar novas diligências destinadas a sua localização.
Se o requerimento do exequente é feito depois de um ano do trânsito em julgado, para assegurar que haverá a efetiva comunicação do início da fase executiva, a intimação deverá realizar-se na pessoa do executado por carta com aviso de recebimento, encaminhada ao endereço constante dos autos (art. 513, § 4º).
Como as partes têm o ônus de manter atualizado o endereço que comunicaram ao juízo (art. 274, parágrafo único, do CPC), em todas as hipóteses nas quais a intimação se dá por carta e também na hipótese de intimação eletrônica enviada ao endereço constante do cadastro, prevê o art. 513, § 3º, do CPC, a presunção de que a comunicação do ato se realizou, seguindo o cumprimento de sentença a sua marcha até a satisfação da prestação.
3.6. Protesto da sentença
O protesto de títulos de crédito que não são pagos na data aprazada é uma prática comum nas relações comerciais, integrando o seu cotidiano há bastante tempo. Já a possibilidade de levar uma sentença a protesto é uma prática relativamente nova, tendo sido inserida no sistema processual com a entrada em vigor do código atual.
No biênio 2012/2013, o então Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo - Des. José Renato Nalini – recebeu uma consulta formulada por um cartório de protesto da capital questionando como deveria ser cobrado o protesto de uma sentença, já que não havia previsão dos emolumentos que deveriam ser pagos por tal tipo de serviço nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça. Como resultado da resposta a previsão para o protesto de uma sentença acabou sendo autorizada na legislação do Tribunal, estabelecendo-se o valor que deveria ser recolhido.
Paulatinamente, a partir desta decisão, o protesto de uma sentença tornou-se uma prática cada vez mais corriqueira, a ponto de justificar a sua previsão e regulamentação pelo art. 517, do CPC. Afinal, conforme noticia Cassio Scarpinella Bueno: “O legislador certamente se impressionou com os números disponíveis sobre a eficiência do protesto como instrumento de cobrança de dívidas em geral. Há pesquisas a indicar que o índice de recuperação de títulos a protesto supera, ao menos na cidade de São Paulo, os 65%.”.17
No rigor da técnica, todavia, a possibilidade de protesto da sentença seria possível – como era – mesmo sem previsão expressa no código, mas sua regulamentação foi salutar ao impor alguns requisitos necessários à prática da medida, cessando com alguns abusos antes existentes, como a realização do protesto sem o trânsito em julgado da decisão judicial.
Como o protesto da sentença e agora também de uma sentença parcial (decisão interlocutória de mérito), à exceção da decisão que determina o pagamento de obrigação alimentar, é uma opção que a lei confere ao exequente, que poderá a sua vontade e conveniência encaminhar ou não a sentença a protesto, sua natureza jurídica não é de meio de execução indireta ou propriamente de atividade executiva. Isso porque “para que uma medida possa ser considerada como execução indireta há necessidade de que reúna três pressupostos: a) seja determinada por um órgão jurisdicional no exercício da sua atividade típica; b) não se confunda com a obrigação principal, e, c) não se confunda com uma penalidade imposta ao destinatário da medida.”.18
Nesse passo, não precisando o exequente de determinação judicial para levar a sentença a protesto, um dos pressupostos exigidos para que se configure uma medida coercitiva não está presente, embora esse tipo de medida se encaixe naquelas que costumam ser impropriamente denominadas medidas coercitivas extrajudiciais, já que uma medida extrajudicial não caracteriza atividade executiva, que em nosso sistema, por enquanto, ainda é monopólio da jurisdição estatal.
De qualquer forma, por sua conta e risco, tem o exequente a opção de levar uma decisão judicial a protesto desde que este pronunciamento preencha dois requisitos exigidos pelo art. 517, caput, do CPC, que são o trânsito em julgado da decisão e o transcurso do prazo para pagamento previsto no art. 523 do CPC.
Agiu bem a lei ao estabelecer tais requisitos. Isso porque a execução com base num título extrajudicial já é execução definitiva, enquanto a execução fundada em sentença impugnada mediante recurso sem efeito suspensivo é execução provisória; e, porque no caso do título extrajudicial o protesto só acontece após o vencimento, sendo necessário que o executado possa exercer seu direito de pagar o valor devido no prazo até 15 (quinze) dias, previsto no art. 523 do CPC.
Quanto ao procedimento a ser adotado, repita-se, o exequente não precisa da intervenção do magistrado para levar a decisão judicial a protesto. Basta pedir uma certidão de inteiro teor da decisão, fornecida pelo cartório ou por via eletrônica no prazo de até 03 (três) dias, na qual constem o nome e a qualificação das partes, o número do processo, o valor da dívida e a data do decurso do prazo de 15 (quinze) dias, conforme prevê o art. 517, §§ 1º e 2º, do CPC. Munido do documento basta ao exequente levá-lo até ao cartório requerer a lavratura do protesto, não havendo previsão de que está obrigado a comunicar sua efetivação ao juízo da execução.
Por fim, se da decisão transitada em julgado pende ação rescisória, poderá o executado requerer a averbação da sua propositura à margem do protesto (§ 3º), como também poderá requerer ao juiz o cancelamento do protesto, uma vez satisfeita a prestação de forma integral, devendo ser expedida a ordem de cancelamento no prazo de até 03 (três) dias (§ 4º), tudo às expensas do executado.
3.7. Incidente de pré-executividade
Embora nosso código tenha optado por não tratar num capítulo específico da via processual erroneamente conhecida pela denominação de ‘exceção de pré-executividade’, uma vez que a sua natureza jurídica é de incidente processual,19 houve por bem indicar em preceitos esparsos a possibilidade da sua utilização, como se vê no art. 518, do CPC, segundo o qual as questões referentes à validade do cumprimento da sentença e as questões nascidas depois de vencido o prazo para oferecimento de impugnação podem ser discutidas e decididas num incidente de pré-executividade.
Este incidente processual, que já afirmamos servir para “trancar o andamento de execuções ilegais ou infundadas”,20 pode ser definido como uma via processual que permite ao executado, ou ao terceiro que demonstre interesse jurídico, oferecer defesa em cumprimento de sentença ou em procedimento executivo autônomo por uma simples petição, desde que possa o magistrado, mediante cognição exauriente e sem a necessidade de dilação probatória, conhecer de plano a matéria nele veiculada.
Não se olvide, todavia, que o incidente de pré-executividade não possui a mesma amplitude probatória da impugnação ao cumprimento da sentença ou dos embargos à execução, razão pela qual não deverá ser utilizado executado como substituto destas vias mais amplas, sob pena de ter prejudicada a sua defesa.
Ocorre que, embora o incidente que veicule matéria de ordem pública possa ser ofertado e deva ser conhecido a qualquer tempo (art. 278, parágrafo único, do CPC), mesmo que uma eventual nulidade seja decretada pelo magistrado, seu não oferecimento na primeira oportunidade possível pode dar ensejo à condenação do executado como litigante de má fé, já que sua conduta caracteriza manifesto caráter protelatório quanto a satisfação da prestação, tipificando o disposto no art. 80, III, IV e V, do CPC.
Por sua vez, se se trata de matéria de mérito, em que pese à existência de divergência na doutrina sobre o tema, sua não alegação em impugnação ou em embargos implica em preclusão, não podendo o executado discutir a matéria em incidente de pré-executividade. Isso porque a impugnação e os embargos, devido ao seu caráter de defesa, também estão sujeitos ao princípio da eventualidade (art. 336, do CPC) e ao ônus da impugnação específica dos fatos (art. 341, do CPC), que fazem com que a matéria não alegada nestes momentos não possa ser discutida posteriormente no mesmo feito.
Resta certo, porém, que desde que observadas as limitações acima apresentadas poderá o executado se valer do incidente de pré-executividade também no cumprimento de sentença, como uma forma complementar da sua possibilidade de defesa mediante oferecimento de impugnação.
3.8. Efetivação da tutela provisória
Um dos princípios informativos da execução civil é o princípio do título, segundo o qual toda atividade executiva deve estar fundada num título, concebido como um documento ou como um pronunciamento judicial porque recebem da lei eficácia executiva. Por isso não é viável a prática de atividade executiva sem esse “bilhete de ingresso”, que franqueia ao exequente o direito pleitear tutela executiva.21
Embora sob o aspecto histórico o título judicial, por longo período de tempo, tenha sido tomado como sinônimo de sentença, já que apenas ela fornecia a certeza prévia necessária à execução forçada, as necessidades comerciais acabaram por dar ensejo ao surgimento dos títulos executivos extrajudiciais e, mais recentemente, à atribuição expressa de eficácia executiva também aos provimentos jurisdicionais provisórios.
Em outros termos, na atualidade devem ser considerados títulos executivos judiciais também as decisões interlocutórias concedidas com base em cognição não exauriente, como é o caso da tutela antecipada (cognição sumária) e tutela cautelar (cognição superficial).22
Mas se um pronunciamento judicial é provisório, devendo necessariamente ser revisto com base em cognição exauriente, como efetivá-lo? Essa questão, que atormentou a doutrina por algum tempo, em nosso entender foi solucionada pelo código atual, que em vários dispositivos, dentre os quais o art. 519, indica a possibilidade de execução provisória dos provimentos concedidos liminarmente, com fulcro em cognição não exauriente.
Ora, se o preceito indica que se aplicam à efetivação das decisões que concedem tutela provisória as regras que regem o cumprimento de sentença, e, se todas as formas de cumprimento de sentença se deflagram necessariamente com base num título executivo; então o art. 519, do CPC, está atribuindo eficácia executiva aos provimentos que concedem tutela antecipada e tutela cautelar.
A execução destes pronunciamentos judiciais concedidos liminarmente, seja inaudita altera parte seja no curso do procedimento, será sempre realizada dentro do que a lei prevê para o cumprimento de sentença provisório, aplicando-se apenas subsidiariamente as regras do cumprimento definitivo, uma vez que as tutelas provisórias, “(...) em situação de normalidade, estão destinadas a produzir eficácia até que sobrevenha uma decisão fundada em cognição exauriente, apta a resolver de modo definitivo a pretensão levada a juízo”.23
Por fim, deve ser lembrado que as espécies de tutela executiva - por sub-rogação, coercitiva e ordenatória – têm como características a variabilidade e a cumulatividade,24 razão pela qual todas elas permitem a efetivação, ainda que provisória, do provimento executivo concedido.
Notas
1 ALMEIDA JUNIOR, João Mendes de. Direito judiciário brasileiro, p. 544. “A execução immediata é, porém, o effeito da condenação directa. Tem por fundamento a carta de sentença, na qual se devem transcrever os actos do processo, (...)”.
2 DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil, pp. 39-40. “(...) além da assinação de dez dias, que era um procedimento sumário de natureza cognitiva, previa aquele diploma, também, uma ação executiva, cujo processo se iniciaria com a citação para pagar incontinenti, sob pena de penhora (art. 310), sendo que, à falta de embargos nos seis dias após acusada esta (art. 311), seria a penhora julgada por sentença (art. 312). E essa ação executiva fundar-se-ia em títulos extrajudiciais, todos eles consubstanciados em atos do comércio (art. 308, §§ 1º - 3º). Foi esse um dos primeiros, senão o primeiro dispositivo legal a admitir a eficácia executiva a atos extrajudiciais.”.
3 LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução, pp. 54-55. “(...) deve-se, pois, distinguir nitidamente título executivo de título executório, ação executiva de ação executória. Ambas estas ações se destinam a promover a execução; o que as distingue é o grau de dependência da situação real de direito material, isto é, da efetiva existência do crédito. Na ação executiva, esta dependência é ainda muito grande: a sua procedência está condicionada à verificação - que se faz, quando necessário, no próprio processo executivo - da existência do crédito; na ação executória, a dependência é muito menor e meramente indireta, porque a eficácia executória da sentença permite consumar a execução sem necessidade de justificar sua causa; e ao devedor é dada apenas a possibilidade de extinguir com os embargos aquela eficácia.”.
4 SOUZA, Orlando de. Execuções de sentença, p. 209. Assim esclarece o autor: “Quer provocados pelo executado, quer por terceiros, inúmeros incidentes podem surgir no curso da execução de sentença. Os mais importantes dêles são os embargos. Surgem incidentalmente como meio natural de defesa do executado e, em certos casos, constituem verdadeira ação de oposição (...)”.
5 BRASIL. Exposição de motivos do Código de Processo Civil de 1973.
6 THEODORO JUNIOR, Humberto. A execução de sentença e a garantia do devido processo legal, p. 10. “(...) a ação de execução de sentença, como ação autônoma e distinta da ação de condenação, tal como um retrato moderno da vestuta e anacrônica actio iudicati, é perfeitamente eliminável, desde que se adote uma concepção unitária do processo e, conseqüentemente, da relação jurídica processual a ser estabelecida com o exercício do direito de ação e a exaurir-se apenas com a efetiva e completa pacificação da lide, que só se atinge, de fato, com os atos executórios de julgado. A inovação só renderia frutos positivos, quer em eficácia quer em celeridade da prestação jurisdicional, em nossos dias tão desprestigiada por notória morosidade e inoperância.”.
7 BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Curso de processo civil, p. 11. “O direito brasileiro, seguindo a tendência da doutrina contemporânea, acolheu a concepção que separa o fenômeno jurisdicional em processo de conhecimento e processo de execução. Este resultado a que o Direito Processual Civil chegou, é fruto de um longo e persistente trabalho doutrinário que deita raízes nas doutrinas jurídicas e filosóficas formadoras do pensamento moderno, a partir do século XVII.”.
8 BRASIL. Lei 8.952/1994. “Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I -haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II -fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. § 2º Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.”; e, “Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. § 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.”.
9 OLIVEIRA NETO, Olavo de; OLIVERA, Patrícia Elias Cozzolino. Curso de direito processual civil, p. 101.
10 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, pp. 238-239.
11 LIEBMAN, Enrico Tullio. Embargos do executado, p. 53.
12 LOPES, Maria Elizabeth de Castro. Princípio dispositivo, p. 120. “portanto, podemos concluir que o juiz não está autorizado a determinar de ofício o início do processo de execução, ou seja, para que haja execução, deve haver a provocação da parte interessada”.
13 OLIVEIRA NETO, Olavo de; OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino de. Tutela provisória, pp. 121-129.
14 BRASIL. Lei 14.195/2021. A prescrição intercorrente observará o mesmo prazo de prescrição da pretensão, observadas como causas de impedimento, de suspensão e de interrupção da prescrição previsão neste código e observado o disposto no art. 921 da Lei 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil)”.
15 Em sentido contrário ARRUDA ALVIM, Teresa, CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins, RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva, MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil, p. 516. “Impõem-se, portanto, ao exequente fundamentar seu requerimento com vistas a demonstrar a hipótese prevista para o deslocamento.”.
16 ARRUDA ALVIM, Teresa, CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins, RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva, MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil, p. 516.
17 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil, p. 503.
18 OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção, p. 238.
19 FERNANDES, Antônio Scarance. Incidente processual, pp. 147-148. “o incidente processual constitui um momento novo no processo, formado por um ou mais atos não inseridos na cadeira procedimental prevista pela lei; possibilita a decisão da questão incidental ou a apreciação da existência dos requisitos para sua admissibilidade no processo.”.
20 OLIVEIRA NETO, Olavo de. A defesa do executado e dos terceiros na execução forçada, p. 121.
21 ASSIS, Araken de. Manual da execução, p. 143. “a pretensão de executar sempre se baseará no título executivo. Célebre metáfora ao título o designou de ‘bilhete de ingresso’, ostentado pelo credor para acudir ao procedimento in executivis.”.
22 OLIVEIRA NETO, Olavo de; OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino de. Tutela provisória, pp.68-69. “(...) para conceder uma tutela de urgência antecipada deverá o juiz realizar cognição sumária, examinando com um grau médio de profundidade a causa, enquanto para conceder uma tutela de urgência cautelar deverá o juiz realizar cognição superficial, examinando a causa num grau mais leve de profundidade. A tutela antecipada, por ser satisfativa, exige um maior grau de segurança na sua concessão, o que somente é possível com a constatação de uma alta probabilidade de reconhecimento da pretensão levada a juízo. Já a tutela cautelar, que apenas presta segurança ao provimento definitivo e que nada satisfaz, exige um grau menor de probabilidade da pretensão.”.
23 Idem, p. 50.
24 OLIVEIRA NETO. O poder geral de coerção, pp. 244-246.
Referências
ALMEIDA JUNIOR, João Mendes de. Direito judiciário brazileiro. Rio de Janeiro: Typographia Baptista de Souza, 1918.
ARRUDA ALVIM, Teresa; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
ASSIS, Araken de. Manual da execução. 18. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Curso de processo civil. 2. ed. Porto Alegre: SAFE, 1993. Volume II.
BRASIL. Exposição de motivos do Código de Processo Civil de 1973. Disponível em
BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987.
FERNANDES, Antônio Scarance. Incidente processual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.
LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução. São Paulo: Saraiva, 1946.
__________________. Embargos do executado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1968.
LOPES, Maria Elizabeth de Castro. Princípio dispositivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O poder geral de coerção. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.
__________________. A defesa do executado e dos terceiros na execução forçada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
OLIVEIRA NETO, Olavo de; OLIVERA, Patrícia Elias Cozzolino. Curso de direito processual civil. 2. ed. Campo Grande: Sejur, 2023.
__________________. Tutela provisória. São João da Boa Vista: Filomática Sorocabana, 2021.
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
SOUZA, Orlando de. Execuções de sentença. 2. ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1966.
THEODORO JUNIOR, Humberto. A execução de sentença e a garantia do devido processo legal. Rio de Janeiro: AIDE, 1987.
Citação
OLIVEIRA NETO, Olavo de. Cumprimento da sentença - disposições gerais . Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Processo Civil. Cassio Scarpinella Bueno, Olavo de Oliveira Neto (coord. de tomo). 3. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2024. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/598/edicao-3/cumprimento-da-sentenca---disposicoes-gerais-
Edições
Tomo Processo Civil, Edição 3,
Novembro de 2024
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