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O crime de descaminho e a extinção da punibilidade pelo perdimento da mercadoria apreendida
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Oswaldo Henrique Duek Marques
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Tomo Direito Econômico, Edição 1, Março de 2024
O presente artigo analisa a natureza jurídica da incriminação relacionada ao descaminho (art. 334, caput, do CP), para definir a necessidade (ou não) de aplicação das normas gerais pertinentes aos crimes contra a ordem tributária, notadamente daquelas relacionadas aos efeitos penais do pagamento do tributo (extinção da punibilidade) e do perdimento das mercadorias (reparação do dano).1
Para tanto, iniciamos nosso estudo com a apreciação da natureza jurídica do descaminho, a partir do seu elemento histórico e das suas identidades com os demais crimes tributários, aptas a justificar a necessidade de tratamento igualitário.
Ao final, apresentamos nossas principais conclusões, com a expectativa de que este artigo possa despertar críticas salutares e profícuas reflexões sobre os temas abordados.
1. Da natureza jurídica do crime de descaminho e suas consequências jurídicas2
1.1. Elemento histórico
No Código Criminal de 1830, o descaminho e o contrabando figuravam no mesmo tipo penal, como crimes contra o Tesouro Público e a Propriedade Pública (Título VI), sob a rubrica Contrabando (Capítulo III), com a seguinte redação: “Art. 177. Importar, ou exportar gêneros, ou mercadorias proibidas; ou não pagar os direitos dos que são permitidos, na sua importação, ou exportação. Penas – perda de mercadorias ou gêneros e de multa igual à metade do valor deles”. Essa incriminação não deixava dúvidas a respeito de ser o Erário o bem jurídico protegido no descaminho.
Corroborando a natureza tributária do descaminho no Código Criminal de 1830, bem como a necessidade de apuração prévia do imposto devido para a instauração da ação penal, temos o seguinte Julgado do período imperial:
“Sup. Trib – Acc de 4 de dezembro de 1864, na Ver. N. 1818 – Vistos, etc. concedem a revisão pedida, pela nulidade e injustiça notória da sentença à fl., que condenou o recorrente nas penas do art. 177 do Cód. Crim. pelo crime de contrabando: porquanto, sendo denúncia fundada na falta de pagamento do imposto provincial sobre escravos exportados para fora da província, e tendo a tesouraria das rendas provinciais ordenado ao seu agente, como se vê à fl., que suspendesse qualquer procedimento contra o recorrente, por estar afecta à mesma tesouraria a questão sobre exigibilidade do imposto no caso em questão, não podia mesmo o agente figurar mais no processo como parte legítima, enquanto não fosse resolvida pela tesouraria essa questão prejudicial, de cuja decisão dependia a procedência e verificação do contrabando denunciado.”3 (grifamos)
O Código Penal de 1890, por sua vez, em seu Título VII, ao incluir o descaminho entre os Crimes Contra a Fazenda Pública, manteve claramente sua natureza tributária, nos seguintes termos:
“Art. 265. Importar ou exportar gêneros ou mercadorias proibidas; evitar, no todo ou em parte, o pagamento dos direitos e impostos estabelecidos sobre a entrada, saída e consumo de mercadorias, e por qualquer modo iludir ou defraudar esse pagamento. Pena: prisão celular por um a quatro anos, além das fiscais”. Idêntica redação foi adotada na Consolidação das Leis Penais, de 1932.
Ao comentar o art. 265 do Código Penal de 1890, Augusto Olympio Viveiros de Castro já criticava a inserção, no mesmo tipo penal, do contrabando e do descaminho, explicitando, com clareza, a natureza tributária do descaminho:
“Tal definição, porém, além de não ser etymologicamente exacta, tem o grave defeito de submetter á mesma penalidade, factos que não são in- teiramente identicos, nem revelam nos seus auctores o mesmo gráu de temilibidade. Com effeito, quem importa ou exporta mercadorias proibidas, atentta, em via de regra, contra a hygiene, a ordem e a segurança publica; ao passo que, quem evita, no todo ou em parte, o pagamento dos direitos e por qualquer modo illude ou defrauda esse pagamento, attenta contra as rendas publicas, contra os meios de subsistencia da Nação.”4
Conforme conclui o jurista, citando Pereira e Souza, o descaminho “só tem por fim o fraudar os direitos impostos pelo Soberano sobre mercadorias, cujo commercio e consummo são permitidos a todos os indivíduos (...)”.5 Em artigo posterior, como Ministro do Supremo Tribunal Federal, Augusto Olympio Viveiros de Castro tornou a criticar o Código Penal de 1890, por não considerar a fraude aduaneira mera contravenção aduaneira, regulada pela legislação respectiva.6
Não obstante os Códigos de 1830 e de 1890 – assim como a Consolidação das Leis Penais – deixassem clara a natureza tributária do crime de descaminho, o Código Penal de 1940, de forma equivocada, inseriu essa infração penal entre os crimes contra a Administração Pública, em seu art. 334: “Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria. Pena – reclusão de (1) um a 4 (quatro) anos”.
Com a rubrica Contrabando ou Descaminho, esse dispositivo poderia sugerir uma aproximação entre tais crimes, muito embora, na prática e na doutrina, a distinção entre eles seja claramente definida. De fato, o contrabando, diferentemente do descaminho, não possui natureza estritamente tributária, porquanto aquele trata de importação ou exportação de mercadoria proibida, “enquanto o descaminho é toda fraude empregada para iludir, total ou parcialmente, o pagamento de impostos pela importação, exportação e consumo”, como ressalta Nelson Hungria.7
Para Magalhães Noronha,
“a disjuntiva ou empregada, tanto no nomen juris como na oração do art. 334, estabelece sinonímia entre as duas expressões (contrabando e descaminho). Tal circunstância, entretanto, não tem nem pode ter a força de mudar o que está na natureza dos fatos, como se verá: a ação física do contrabando é uma; a do descaminho é outra. Ainda: aquela atenta, em regra, contra a higiene, a moral, a segurança pública; esta, contra o erário público.”8
Posteriormente, a Lei 13.008, de 2014, acertadamente separou, em tipos penais distintos, o descaminho e o contrabando. Com a nova rubrica de descaminho, o art. 334, caput, do Código Penal passou a ter a seguinte redação: “Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, saída ou pelo consumo de mercadoria”, mantida a pena de um a quatro anos de reclusão. Já o contrabando passou a constar no art. 334-A do Código Penal, com pena aumentada para dois a cinco anos de reclusão. No entanto, essa legislação não corrigiu o equívoco de manter o descaminho entre os crimes contra a Administração Pública.
Ao tratar das modificações operadas pela Lei 13.008, de 2014, Regina Cirino Alves Ferreira pondera:
“Em que pese o acerto no desmembramento dos tipos penais de contra- bando e descaminho, perdeu o legislador a oportunidade de fazer correção quanto à alocação do crime de descaminho, o qual, por se tratar de um claro tipo sobre sonegação fiscal, tendo em vista a ofensa a ‘bem jurídico supraindividual voltado à atividade de arrecadação e gestão de gastos públicos’, deveria integrar os denominados crimes contra a ordem tributária previstos em legislação especial.”9
Com o objetivo de reparar esse equívoco, o Anteprojeto do Código Penal de 2012 (PL 236), em tramitação no Senado Federal, conservou o contrabando entre os Crimes Contra a Administração Pública (Título X), com pena semelhante à atual, em seu art. 289. Já o descaminho passou a figurar, corretamente, no Capítulo I, entre os Crimes Contra a Ordem Tributária e a Previdência Social, do Título XII, Dos Crimes Contra a Ordem Econômico- Financeira, nos seguintes termos: “Art. 350. Introduzir mercadoria no País, ou promover sua saída, sem o pagamento dos tributos e contribuições devidos: Pena – prisão, de um a três anos”. Segundo o § 4º desse art., “aplica-se ao descaminho toda a disciplina de extinção de punibilidade, de tipicidade e de insignificância referente aos crimes contra a ordem tributária”.
Segundo Nabor Bulhões, um dos integrantes da Comissão de Juristas para elaboração do referido Anteprojeto,
“o descaminho sai do rol dos crimes contra a Administração e passa a integrar o capítulo dos crimes contra a ordem tributária. Em verdade, sempre foi esta a natureza deste crime. Não por acaso, ele fala em ‘iludir’ o pagamento de tributos devidos pela entrada ou saída de mercadorias. Seu posicionamento junto aos crimes contra a administração pública escondia sua essência. Indicava o prestígio e a regularidade da gestão da coisa pública, e não o interesse arrecadador do Estado, como o bem jurídico tutelado. A Comissão de Reforma Penal deu, ao descaminho, natureza compatível com a proteção que pretende oferecer. De superlativa importância é que, ao assim proceder, a proposta menciona diretamente que o descaminho é elegível a medidas despenalizadoras e de proteção ao contribuinte, notadamente, da extinção da punibilidade pelo pagamento dos valores contestados, se feita antes do recebimento da denúncia. Isto evita inconstitucional desequiparação de benefícios a crimes de mesma índole.”10
Como podemos concluir, essa perspectiva histórica do descaminho se reveste de significativa importância, pois, desde o Código Criminal de 1830, até a tramitação atual do Anteprojeto de Código Penal de 2012, é clara a orientação adotada no ordenamento jurídico brasileiro, no sentido de considerar o descaminho como infração contra o erário (arrecadação tributária).
A importância desse enfoque histórico para a atual interpretação do crime de descaminho, definido no tipo penal do art. 334 do Código Penal, está em perfeita consonância com o magistério de Carlos Maximiliano:
“É dupla a utilidade do elemento histórico. Disposições antigas, restabeleci- das, consolidadas ou simplesmente aproveitadas em novo texto, conservam a exegese do original. Pouco importa que se não reproduzam as palavras: basta que fique a essência, o conteúdo, substancialmente se haja mantido o pensamento primitivo. Por outro lado, pelo espírito das alterações e reformas sofridas por um preceito em sua trajetória histórica, chega-se ao conhecimento do papel que ele é chamado a exercer na atualidade (...) Eis porque, acerca de todos os ramos das ciências sociais, no passado se encontram ensinamentos para compreender o presente e prever o futuro.”11
Dessa ótica, o enfoque histórico do descaminho, desde o Código Criminal do Império (1830), ajuda-nos a compreender a sua natureza jurídica estritamente tributária, pois, como conclui Vicente Ráo: “conhecer desde as fases originárias até as atuais, as necessidades que provocaram a elaboração de uma norma, é conhecer a própria norma em seu conteúdo, em sua finalidade; é conhecê-la melhor, por se poder apurar, através das soluções anteriores, o alcance total das soluções vigentes.”12
1.2. O descaminho e sua identidade com os demais crimes contra a ordem tributária (tipos penais gerais dos arts. 1º e 2º da Lei 8.137/1990)
1.2.1. Identidade quanto à objetividade jurídica
Embora o descaminho possa ofender, secundariamente ou genericamente, a Administração Pública – como os crimes contra a ordem tributária previstos na Lei 8.137/1990 –, em razão do interesse geral do Estado na arrecadação tributária, comprometida pela conduta do sujeito ativo de burlar o Fisco, observamos que a sua objetividade jurídica primária ou essencial é, sem dúvida, a arrecadação tributária (especificamente em operações de importação e exportação de mercadorias), conforme consideraram as legislações anteriores ao Código Penal de 1940 e o novo Anteprojeto do Código Penal.
Se, por um lado, todo crime contra a ordem tributária (mesmo os previstos em leis extravagantes, posteriores ao Código Penal de 1940) ofende a Administração Pública, em seu interesse de arrecadação de tributos, por outro, existem inúmeros crimes contra a Administração Pública que não possuem qualquer reflexo na ordem tributária (v.g., o peculato, as corrupções ativa e passiva).
No caso do descaminho, prevalece a sua natureza tributária, embora previsto entre os crimes contra a Administração Pública.
Conforme adverte Aristides Junqueira Alvarenga, para quem a ordem tributária “é essencial à Administração Pública”, “toda vez que um do povo descumpre seu dever legal de contribuir, mediante recolhimento de tributos devidos, estará ofendendo a Administração Pública, que se torna incapaz de efetivar o bem comum, dada a omissão contributiva individual.13 Considerado esse raciocínio, todo crime contra a ordem tributária (como os previstos na Lei 8.137/1990) ofende, ainda que indiretamente ou de forma oblíqua, a Administração Pública.
A doutrina apresenta entendimento acerca da natureza eminentemente tributária do crime de descaminho. Além de Magalhães Noronha14 e de Aristides Junqueira, anteriormente citados, diversos autores consideram a natureza essencialmente tributária do crime de descaminho.
Na ótica de Cezar Roberto Bitencourt, “o descaminho é, fundamentalmente, um ilícito de natureza fiscal, lesando somente o erário público – particularmente a aduana nacional –, constituindo, numa linguagem não técnica, ‘um contrabando contra o Fisco’”.15
Na mesma linha de raciocínio, assim conclui José Paulo Baltazar Junior:
“De notar que descaminho, embora arrolado no CP entre os crimes contra a Administração Pública, atenta contra a ordem tributária, na medida em que configura uma ilusão do direito ou imposto devido por entrada, saída ou consumo de mercadoria, configurando uma infração penal tributária aduaneira. Em verdade, então, o descaminho é o mais antigo dos crimes contra a ordem tributária.”16
Segundo Márcia Dometila Lima de Carvalho, “(...) enquanto o descaminho, fraude ao pagamento de tributos aduaneiros, é, grosso modo, crime de sonegação fiscal, ilícito de natureza tributária, pois atenta imediatamente contra o erário público, o contrabando propriamente dito, a exportação ou importação de mercadoria proibida não se enquadra entre os delitos de natureza tributária (...). Em resumo, o preceito contido nas normas tipificadoras dos delitos fiscais acha-se assentado sobre uma relação fisco-contribuinte, tutelando interesses do erário público e propondo-se, com as sanções respectivas, a impedir a violação de obrigações concernentes ao pagamento dos tributos”.17 Como acrescenta a autora, “no tocante ao objeto jurídico, a norma concernente ao descaminho envolve primordialmente interesses do Fisco (...)”.18
René Ariel Dotti e Gustavo Britta Scandelari, por sua vez, ressaltam que,
“se há divergência quanto à exata delimitação do bem jurídico tutelado, isto é, se chega a abarcar o interesse moral da Administração, o controle da entrada e saída de mercadorias, ou a própria Administração em sentido largo, resta claro que, essencial e especialmente, o tipo do art. 334 do CP visa à higidez do erário, desencorajando, notadamente, a sonegação de carga tributária incidente nas operações de importação e exportação de bens, conforme descrito na parte final do art. 334, caput.”19
É relevante destacar que, à época da elaboração do Código Penal de 1940, não havia preocupação quanto a tipificar condutas contra a ordem tributária (para além do descaminho), o que só ocorreu a partir da vigência da Lei 4.729, de 1965, que previu os crimes de sonegação fiscal. A Lei 8.137/1990, que prevê os tipos penais gerais contra a ordem tributária (arts. 1º e 2º), objeto do nosso estudo comparativo, surgiu apenas em 1990.
Cabe ainda observar que a Constituição de 1937, sob a qual foi elaborado o atual Código Penal, não contemplou qualquer título ou capítulo relacionado com a Ordem Tributária. A Constituição de 1946, por sua vez, também não fez referência a ela, e somente com a Emenda Constitucional 18, de 1º de dezembro de 1965, foi criado o “Sistema Tributário Nacional”, que dispôs em seu art. 1º: “O sistema tributário nacional compõe-se de impostos, taxas e contribuições de melhoria, e é regido pelo disposto nesta Emenda, em leis complementares, em resoluções do Senado Federal, e, nos limites das respectivas competências, em leis federal, estadual e municipal”. O Código Tributário Nacional foi criado, por meio da Lei 5.172/1966, no âmbito dessa Emenda Constitucional.
Esse contexto evolutivo do arcabouço normativo (constitucional e legal) permite compreender a origem da pulverização das incriminações destinadas à tutela da arrecadação tributária, cuja sede varia de acordo com a espécie tributária envolvida: para tributos devidos pela entrada e pela saída de mercadoria, incide o crime de descaminho (art. 334 do CP); para as contribuições sociais para a seguridade social, incidem os denominados crimes previdenciários (arts. 168-A e 337-A, ambos do CP, criados pela Lei 9.983/00); e, para os demais tributos, incidem os crimes definidos nos arts. 1º e 2º da Lei 8.137/1990 (tipos penais gerais ou residuais).
Com efeito, a partir dos anos 1960, surgiu uma política criminal de elaboração de leis extravagantes e de ausência de codificação, o que propiciou a separação equivocada entre o crime de descaminho e os demais crimes contra a ordem tributária previstos na Lei 8.137/1990, cuja correção é agora almejada pelo novo Anteprojeto do Código Penal de 2012, anteriormente comentado.
A circunstância de, no crime de descaminho, o imposto devido decorrer especificamente de operações de importação e exportação de mercadorias não seria fator idôneo para justificar eventual tratamento penal diferenciado dos demais crimes contra a ordem tributária (arts. 168-A e 337-A, ambos do CP, e arts. 1º e 2º da Lei 8.137/1990), diante da identidade de bem jurídico tutelado: a arrecadação tributária.
A propósito, como adverte Paulo Henrique Aranda Fuller,
“o Direito Penal Tributário não constitui ciência jurídica autônoma, mas apenas uma porção do Direito Penal, didaticamente apartada para facilitar o estudo dos crimes contra a ordem tributária, assim considerados aqueles que promovem a tutela penal do bem jurídico arrecadação tributária.
Por isso – complementa o autor –, embora empregada na Lei nº. 8.137/1990 (arts. 1º. a 3º.), a denominação crimes contra a ordem tributária abrange outras condutas tipificadas no Código Penal, que igualmente tutelam a arrecadação tributária, como os crimes de apropriação indébita previdenciária (art. 168-A), sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A) e descaminho.”20
A esse respeito, decidiu o Supremo Tribunal Federal, em Voto do Ministro Luiz Fux (1ª. Turma, HC 85.942-SP, j. 24.05.2011), ser “nítida a natureza tributária do crime de descaminho, mercê de tutelar o erário público e a atividade arrecadadora do Estado”.
1.2.2. Identidade quanto à estrutura típica (geral) das normas penais incriminadoras
O cotejo entre o tipo penal do crime de descaminho (art. 334, caput, do CP) e o dos demais crimes contra a ordem tributária (arts. 1º e 2º da Lei 8.137/1990) evidencia a identidade de estrutura típica entre tais normas penais incriminadoras – a par da identidade de objetividade jurídica anteriormente analisada.
De fato, consoante o art. 334, caput, do Código Penal, considera-se descaminho a conduta de “iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria”. A pena é de reclusão de um a quatro anos.
O art. 1º da Lei 8.137/1990, por sua vez, dispõe:
“Art. 1º. Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;
IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;
V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.”
Como podemos verificar, no descaminho ocorre ilusão quanto ao paga- mento do imposto devido pelo fato gerador “entrada” ou “saída” de mercadoria (art. 334, caput, do CP), enquanto nos demais crimes contra a ordem tributária verificam-se as seguintes condutas-meio para supressão ou redução de tributo: omissão de informação, declaração falsa às autoridades fazendárias; fraude à fiscalização tributária; falsificação ou alteração de documento relativo à operação tributável; elaboração, distribuição, fornecimento ou utilização de documento que saiba ou deva saber falso ou inexato (arts. 1º e 2º da Lei 8.137/1990).
Segundo o Dicionário Michaelis, iludir – ação física do descaminho – significa, entre outras coisas: enganar, lograr, dissimular, baldar, frustrar, buscar subterfúgios para não executar. Essas condutas se assemelham às condutas- meio contidas nos incisos dos arts. 1º e 2º da Lei 8.137/1990, mediante as quais o agente visa a suprimir ou a reduzir tributos.
Assim como nos crimes definidos na legislação extravagante, no crime de descaminho (art. 334, caput, do CP) o agente tem o escopo de iludir, no todo ou em parte, o pagamento de imposto devido pela operação de importação ou exportação, ou seja, a mesma finalidade de suprimir ou reduzir os tributos pertinentes – objetivo igualmente colimado nos tipos penais gerais dos arts. 1º e 2º da Lei 8.137/1990.
Portanto, como conclui Roque Antonio Carrazza, para a prática da conduta típica e antijurídica do descaminho (art. 334 do CP), o agente “terá, obrigatória e necessariamente, de realizar alguma ou algumas das condutas tipificadas no art. 1º, I a IV, da Lei 8.137/1990”.21
Em outras palavras: o crime de descaminho (art. 334, caput, do CP) apresenta a mesma estrutura típica dos demais crimes contra a ordem tributária (arts. 1º e 2º da Lei 8.137/1990), por força do (i) emprego de condutas-meio fraudulentas (ilusão, no descaminho; falsidades material e ideológica nos tipos penais gerais da legislação extravagante) e da (ii) identidade de finalidade do sujeito ativo (suprimir ou reduzir tributo).
Algumas diferenças, contudo, podem ser apontadas entre o descaminho (art. 334, caput, do CP) e os demais crimes contra a ordem tributária (arts. 1º e 2º da Lei 8.137/1990), embora tais aspectos não comprometam a identidade da estrutura típica (geral) das referidas normas penais incriminadoras.
Em primeiro lugar, enquanto no descaminho a ilusão é direcionada ao pagamento do imposto devido (aspecto que acentua sua natureza estritamente tributária), nos crimes da Lei 8.137/1990 há previsão de falsidade ideológica empregada contra as autoridades fazendárias (art. 1º, inciso I) e de fraude contra a fiscalização tributária (art. 1º, inciso II).
Em segundo lugar, nos crimes previstos na Lei 8.137/1990, o agente, com sua conduta, visa a suprimir ou a reduzir qualquer tributo – incluído o imposto –, enquanto o descaminho se refere exclusivamente ao imposto devido – uma das espécies tributárias.22
Em terceiro lugar, no descaminho, o substantivo imposto vem acompanhado do adjetivo devido – não contido na Lei 8.137/1990. O devido denota a necessidade de apuração prévia do quantum a ser pago, ou seja, do quantum já apurado.
Finalmente, enquanto no descaminho o imposto deriva exclusivamente de importação ou exportação (art. 334, caput, do CP), nos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei 8.137/1990, por sua vez, os tributos decorrem de fatos geradores distintos; no entanto, essa diferença não prejudica a identidade da estrutura típica entre eles, porquanto o objetivo, em ambas as situações, é suprimir ou reduzir tributo, gerando idêntico prejuízo ao Erário.
Portanto, tais diferenças não comprometem a identidade da estrutura típica entre o descaminho (art. 334, caput, do CP) e os demais crimes contra a ordem tributária (arts. 1º e 2º da Lei 8.137/1990) e a consequente necessidade de tratamento igualitário entre eles. Ao contrário: ao descaminho (reclusão de um a quatro anos), porque considerado pelo legislador como crime de gravidade abstrata inferior aos previstos no art. 1º da Lei 8.137/1990 (reclusão de dois a cinco anos e multa), impõe-se um tratamento ao menos igualitário – senão mais benéfico – em relação aos demais crimes contra a ordem tributária.
2. Da relação de especialidade do tipo penal incriminador do descaminho (art. 334, caput, do CP)
Diante das identidades de objetividade jurídica (arrecadação tributária) e de estrutura típica (ilusão ou meio fraudulento para suprimir ou reduzir tributos) apuradas entre o descaminho (art. 334, caput, do CP) e os demais crimes contra a ordem tributária (arts. 1º e 2º da Lei 8.137/1990), parece-nos haver uma relação de especialidade entre as aludidas normas penais incriminadoras, em que o tipo penal do art. 334, caput, do Código Penal (lex specialis) opera a exclusão da aplicação dos tipos penais dos arts. 1º e 2º da Lei 8.137/1990 (lex generalis).
Como leciona o penalista português Eduardo Henriques da Silva Correia, “com o preenchimento do Tatbestand especial realiza-se também, necessariamente, o do geral, pois, pela própria definição de especialidade, aquele contém todos os elementos constitutivos deste último”.23
Conforme explica Paulo Henrique Aranda Fuller, pelo critério da especialidade, o crime de descaminho afasta a incidência dos tipos penais da Lei 8.137/1990, por apresentarem um âmbito de aplicação residual, ou seja, para tributos não devidos pela entrada ou saída de mercadoria do território nacional.24
Ainda sobre o princípio da especialidade, Roque Antonio Carrazza conclui de forma lapidar:
“é ponto pacífico entre os doutrinadores que a norma especial possui todos os elementos contidos na geral, e mais alguns. Ora, podemos observar nitidamente que os comportamentos delituosos descritos no art. 334, segunda parte, do Código Penal, abrangem, implicitamente, as condutas apontadas, no art. 1º., I a IV, da Lei nº. 8.137/1990, como um plus: a internação de mercadorias estrangeiras ou internacionalizadas ou a exportação de tais bens, sem o cumprimento das disposições constantes na legislação tributária. A solução, no caso, passa pela aplicação exclusiva da norma especial (...). Atentemos, ainda, para a circunstância do art. 1º., I a IV, da Lei nº. 8.137/1990 ser genérico, já que se aplica a todos os tributos, aí compreendidas as contribuições sociais, enquanto que o art. 334, segunda parte, do Código Penal, é específico, porque se destina a salvaguardar apenas os tributos que incidem sobre o comércio exterior (nomeadamente o imposto sobre a importação, o imposto sobre a exportação, o IPI e o ICMS).”25
No mesmo sentido, Francisco de Assis Toledo assinala: “O descaminho é, em nossa legislação, uma espécie do gênero fraude fiscal (...) a burla ao pagamento, no todo ou em parte, dos encargos fiscais caracteriza o crime em tese”.26
Desse modo, a relação de especialidade existente entre o tipo penal do descaminho (art. 334, caput, do CP) e os tipos penais gerais dos crimes contra a ordem tributária (arts. 1º e 2º da Lei 8.137/1990) nos mostra a estreita proximidade entre eles, reforçando a ideia da necessidade de tratamento penal igualitário das aludidas normas penais incriminadoras.
Não é outra a precisa conclusão de Adriana Pazini de Barros:
“(...) o tipo do art. 334 do CP é espécie de crime tributário, no qual se verificam todas as características do referido gênero, o que leva à conclusão de que é obrigatório reconhecer, como condição para a sua configuração, a presença de todos os requisitos previstos para a conformação do delito de sonegação (...) não há razão para se dispensar tratamento diferente ao crime de descaminho, vez que, como já explicitado anteriormente, trata este também de delito fiscal, que possui em sua descrição típica a elementar relacionada à supressão ou diminuição de tributo.”27
3. A natureza tributária do crime de descaminho (art. 334, caput, do CP) e a consequente necessidade de tratamento igualitário com os demais crimes contra a ordem tributária (arts. 1º e 2º da Lei 8.137/1990)
Pelo estudo desenvolvido, constatamos as identidades de objetividade jurídica (arrecadação tributária) e de estrutura típica (ilusão ou meio fraudulento para suprimir ou reduzir tributos), a ensejar uma relação de especialidade entre o descaminho (art. 334, caput, do CP) e os demais crimes contra a ordem tributária (arts. 1º e 2º da Lei 8.137/1990), fatores que justificam – e impõem – um tratamento igualitário entre eles, fundamentado nos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade.
Como adverte Teresa Correa Aguado, alguns autores denominam o Direito Punitivo de “Direito Penal Constitucional”, diante dos princípios com relevância penal consagrados na Constituição, como os da liberdade, da igualdade, do pluralismo e da justiça, e também os princípios gerais de racionalidade, de proporcionalidade e de promoção da liberdade e da igualdade.28
Na mesma linha de raciocínio, Silva Sánchez, ao mencionar as garantias constitucionais que devem nortear o Direito Penal, explica que a proporcionalidade, a humanidade e a igualdade expressam direitos do cidadão que vão encontrar reflexão axiológica no marco da Constituição.29
Dessa ótica, a aplicação do Direito Penal garantidor, com vistas à prevenção geral positiva, deve limitar-se à necessidade de proteger não só os bens jurídicos essenciais à vida coletiva, mas também os princípios respaldados pela Constituição, dentre eles os da igualdade e da proporcionalidade.30
De acordo com Luís Roberto Barroso, o princípio da proporcionalidade se alicerça na ideia do devido processo legal substantivo e na realização de justiça. Conforme acrescenta, com propriedade:
“Trata-se de um valioso instrumento de proteção dos direitos fundamentais e do interesse público, por permitir o controle da discricionariedade dos poderes públicos e por funcionar como medida com que uma norma deve ser interpretada no caso concreto para melhor realização do fim constitucional nela embutido ou decorrente do sistema.”31
Para o autor, esse princípio permite ao juiz graduar o peso da norma em determinada situação fática concreta, de modo a evitar a produção de resultado indesejado pelo sistema, realizando, assim, a justiça.32
O princípio da proporcionalidade guarda íntima relação com o de igualdade na formulação do direito, no sentido de que só são permitidas diferenças de tratamento jurídico em face de distinções substanciais. Sobre o assunto, ressalta Suzana de Toledo Barros: “quando não haja uma razão qualificada como suficiente para a distinção, está ordenada a igualdade de tratamento”.33
Segundo a autora, “uma desigualdade que nada tem a ver com o fim que a norma pretende conseguir é desarrazoada, e é com base em um argumento lógico que se pode identificar a sua inadequação intrínseca”.34 Por esse motivo, o tratamento jurídico diverso só será legítimo se amparado em distinções objetivamente verificadas, que considerem a proporcionalidade arrimada nos princípios constitucionais.35
No âmbito penal, o significado do princípio da proporcionalidade em sentido estrito relaciona-se não só à pena justa e adequada à gravidade de cada caso concreto, como também à necessidade de tratamento igualitário aos delitos equivalentes contidos na legislação penal, devendo ocorrer a racionalidade e a íntima harmonia com o sistema jurídico-penal. A esse respeito, a lição de Mariângela Gama de Magalhães Gomes, segundo a qual a resposta penal “constitui uma referência para se verificar a observância da regra arquitetônica que deve guiar o legislador na construção de uma ‘constelação de delitos’ ”.36
Sobre a importância do princípio constitucional da igualdade (art. 5º, caput, da CF) na proporcionalidade penal, assim conclui a penalista: “Segundo este postulado, o legislador ordinário está proibido de efetuar discriminações arbitrárias, de modo que a situações iguais deve corresponder um tratamento igual, ao passo que a situações diferentes cabe um tratamento diferenciado”.37
Portanto, eventual diferenciação de tratamento em situações semelhantes, como aquela verificada entre os crimes de descaminho (art. 334, caput, do CP) e os demais crimes contra a ordem tributária (arts. 1º e 2º da Lei 8.137/1990), além de violar os princípios de igualdade e de proporcionalidade, que devem nortear a aplicação do Direito Penal, afeta a própria dimensão técnica do princípio da legalidade, por comprometer a segurança jurídica.38
Com efeito, justamente por força da necessidade de tratamento penal igualitário, os Tribunais Superiores aplicam ao crime de descaminho (art. 334, caput, do CP) os critérios especiais de aferição da insignificância em sede de crimes contra a ordem tributária, contidos na Portaria 75, de 22 de março de 2012, do Ministério da Fazenda (com a redação alterada pela Portaria MF nº 130/2012), que dispensa o ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional,39 cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
Nesse sentido:
“II – A jurisprudência desta Suprema Corte é pacífica no sentido de que o princípio da insignificância poderá ser aplicado ao delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei nº. 10.522/02, com as atualizações instituídas pelas Portarias ns. 75/2012 e 130/2012, ambas do Ministério da Fazenda, ressalvados os casos de reincidência ou comprovada habitualidade delitiva, que impedirão a aplicação desse princípio, em razão do elevado grau de reprovabilidade da conduta do agente. (...)” (STF, 2ª Turma, HC 161.848 AgR-segundo, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 05.11.2019, DJe-250 18.11.2019)
“HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. DESCAMINHO. VALOR INFERIOR AO ESTIPULADO PELO ART. 20 DA LEI Nº. 10.522/02. PORTARIAS NS. 75 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE.
1. A pertinência do princípio da insignificância deve ser avaliada considerando-se todos os aspectos relevantes da conduta imputada.
2. Para crimes de descaminho, considera-se, na avaliação da insignificância, o patamar previsto no art. 20 da Lei nº. 10.522/02, com a atualização das Portarias ns. 75 e 130/2012 do Ministério da Fazenda. Precedentes.
3. Descaminho envolvendo elisão de tributos federais no montante de R$19.892,68 (dezenove mil, oitocentos e noventa e dois reais e sessenta e oito centavos) enseja o reconhecimento da atipicidade material do delito pela aplicação do princípio da insignificância.
4. Ordem de habeas corpus concedida para reconhecer a atipicidade da conduta imputada ao paciente, com o restabelecimento do juízo de rejeição da denúncia exarado pelo magistrado de primeiro grau.” (STF, 1ª. Turma, HC 136.984, Relª Minª. Rosa Weber, j. 18.10.2016, DJe-049 15.03.2017)
Em relação ao tema da natureza estritamente tributária do crime de descaminho, René Ariel Dotti e Gustavo Britta Scandelari advertem que a jurisprudência é massiva ao observar somente o aspecto fiscal para reconhecer o princípio da insignificância, levando em conta apenas o quantum sonegado. Assim, segundo os autores,
“não se vislumbra razão pela qual antes do lançamento do crédito deva ser relevante a proteção de todos os bens jurídicos que o tipo proteja, mas, após a constituição irrecorrível do valor, possa importar somente este. Melhor explicando: é desarrazoado que o trancamento da ação penal por não com- provação do dano ao erário seja impossível por não ser só a ordem tributária o bem jurídico ofendido e, por outro lado, comprovado o dano, torne-se possível o trancamento quando a ofensa ao mesmo bem for pequena, mostrando-se subitamente irrelevante o ataque aos demais bens jurídicos.”40
4. Efeitos penais do pagamento do tributo (e do perdimento de bens) em crimes contra a ordem tributária
4.1. Da extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo (art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003)
O art. 9º da Lei 10.684, de 2003, dispõe:
“Art. 9º. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º. e 2º. da Lei nº. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.
(...)
§ 2º. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.”
Como consabido, o caput do art. 9º da Lei 10.684/2003, que disciplinava os efeitos penais do parcelamento do tributo, foi revogado tacitamente pela Lei 12.382, de 25 de fevereiro de 2011, que acrescentou os §§ 1º a 5º ao art. 83 da Lei 9.430, de 27 de dezembro de 1996, impondo uma limitação temporal para suspender a pretensão punitiva do Estado, a saber, que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal (§ 2º).
Contudo, em relação aos efeitos penais do pagamento do tributo, continua vigendo o disposto no § 2º do art. 9º da Lei 10.684/2003, que determina a declaração de extinção da punibilidade, independentemente do momento do pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.
Nessa hipótese (art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003), a qualquer momento da persecução penal, e mesmo após o trânsito em julgado de uma decisão penal condenatória, o pagamento integral do tributo acarreta a extinção da punibilidade.
Corroborando esse entendimento, Leandro Paulsen afirma que
“a Lei nº. 12.382/2011 só alterou a regra para o parcelamento, não para o pagamento puro e simples. Continua vigendo o art. 9º., § 2º., da Lei nº. 10.684/2003 (...) Antes ou depois do recebimento da denúncia, antes ou após a condenação, antes ou após o trânsito em julgado, enfim, a qualquer tempo, o pagamento integral tem efeito extintivo da punibilidade.”41
Em igual sentido:
“HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. (...) NÃO CONHECIMENTO DO WRIT. REQUERIMENTO INCI- DENTAL DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DO PACIENTE PELO PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO TRIBUTÁRIO CONSTI- TUÍDO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.(...)
3. O pagamento integral de débito – devidamente comprovado nos autos – empreendido pelo paciente em momento anterior ao trânsito em julgado da condenação que lhe foi imposta é causa de extinção de sua punibilidade, conforme opção político-criminal do legislador pátrio. Precedente.
4. Entendimento pessoal externado por ocasião do julgamento, em 09.05.2013, da AP 516/DF-ED pelo Tribunal Pleno, no sentido de que a Lei nº. 12.382/2011, que regrou a extinção da punibilidade dos crimes tributários nas situações de parcelamento do débito tributário, não afetou o disposto no § 2º do art. 9º da Lei 10.684/03, o qual prevê a extinção da punibilidade em razão do pagamento do débito, a qualquer tempo.
5. Ordem concedida de ofício para declarar extinta a punibilidade do pa- ciente.” (STF, HC 116.828/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF n. 724 – 14 a 18 de outubro 2013)
Embora o art. 9º, caput, da Lei 10.684/2003 contenha referência ex- pressa aos crimes definidos nos arts. 1º e 2º, ambos da Lei 8.137/1990, e nos arts. 168-A e 337-A, ambos do Código Penal, entendemos que a extinção da punibilidade decorrente do pagamento do tributo deva ser estendida ao crime de descaminho (art. 334 do CP), não obstante a omissão legislativa, em razão da natureza estritamente tributária desse crime, evidenciada pelas identidades de bem jurídico tutelado (arrecadação tributária) e de estrutura típica (relação de especialidade) verificadas com os demais crimes contra a ordem tributária (arts. 1º e 2º da Lei 8.137/1990).
Essas identidades, notadamente a objetividade jurídica do crime de descaminho (arrecadação tributária), impõem tratamento igualitário para efeito de aplicação da norma geral prevista no art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003, como adverte Paulo Henrique Aranda Fuller.42 Esse tratamento igualitário tem fundamento nos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade.
A respeito do alcance do disposto no art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003, Heloisa Estellita esclarece:
“a afirmação de que a referência se fez a ‘quase’ todos os crimes tributários fica por conta da indevida omissão do crime de descaminho (art. 334, CP), que, tal qual os mencionados, protege igualmente o mesmo bem jurídico, e, assim, deve ser objeto do mesmo ‘regime jurídico’ aplicável aos demais crimes tributários.”43
Sobre o assunto, Luciano Anderson de Souza chega a afirmar que
“o descaminho é, claramente, uma sonegação fiscal. Não apenas sua previsão entre os crimes contra a Administração Pública é absolutamente equivocada como a própria existência do tipo é inútil, em face da disciplina da Lei nº. 8.137/1990, que possui penas maiores para situações equivalentes. O art. 334, como apontado abaixo, verdadeiramente, é estapafúrdio, somente dando azo a confusões e arbitrariedades.”44
Ademais, afiguram-se improcedentes os argumentos normalmente invocados por aqueles que recusam a aplicação do art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003, ao crime de descaminho (art. 334 do CP).
Em primeiro lugar, o pretexto de o descaminho ser considerado crime formal (entendimento de que discordamos) em nada poderia influenciar a incidência dos efeitos penais do pagamento do tributo (extinção da punibilidade), tendo em vista que o art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003 expressamente contempla o crime previsto no art. 2º da Lei 8.137/1990, que sabidamente define crimes formais, cuja consumação prescinde da efetiva supressão ou redução de tributo.
Em segundo lugar, o fato de o descaminho se situar, topograficamente, entre os crimes contra a Administração Pública (art. 334 do CP) não poderia prejudicar a aplicação do art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003, pois esse dispositivo legal expressamente abarca o crime previsto no art. 337-A do Código Penal (sonegação de contribuição previdenciária), igualmente situado entre os crimes contra a Administração Pública.
Em terceiro lugar, a lacuna legislativa observada no art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003 (não alusão ao art. 334 do CP) não impede a sua aplicação ao crime de descaminho, em face da admissibilidade de integração da norma penal pela analogia in bonam partem, por meio da qual seria alcançado o adequado tratamento igualitário entre os crimes contra a ordem tributária.
Luiz Regis Prado critica
“a restrição imposta pelo legislador, em face da ofensa ao princípio da isonomia manifestado na máxima ubi aedem ratio, ibi eadem legis dispositio (onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito), de forma que é possível a admissibilidade do favor legal (extinção da punibilidade) em todos os crimes fiscais, incluindo o descaminho, ‘que cuida de fraude ocorrida na entrada e saída de mercadoria do País, com o objetivo de frustrar o pagamento de direitos alfandegários’.”45
Nessa mesma linha, Hugo de Brito Machado acrescenta: “considerando-se que no descaminho o objeto jurídico protegido é o poder de tributar, temos de concluir que se trata de um crime contra a ordem tributária”. E prossegue: “Realmente, tem-se como consequência da natureza de crime contra a ordem tributária a aplicação ao descaminho (...) do entendimento segundo o qual o pagamento do tributo, a qualquer tempo, extingue a punibilidade”.46
A respeito do crime de descaminho, Andrei Zenkner Schmidt ainda afirma:
“trata-se de modalidade específica de sonegação fiscal, que afasta a incidência da Lei nº. 8.137/1990 pela simples razão de haver norma especial a respeito do assunto (art. 334 do CPB). Consequentemente, se também o crime de descaminho tutela, de uma maneira geral, o sistema tributário nacional (Cap. I do Título VI da CRFB/88), forçoso é concluir-se no sentido da possibilidade de aplicação analógica do art. 34 da Lei nº. 9.249/95 (sucedido pelo art. 9º., § 2º., da Lei nº. 10.684/2003), como forma de restabelecer-se a unidade de ilicitudes do nosso sistema jurídico-penal.”47
Corroborando a possibilidade de aplicar o art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003 a crime nele não mencionado (rol não exaustivo), por meio de analogia in bonam partem, observamos que o Superior Tribunal de Justiça admitiu a extinção da punibilidade, por força do pagamento do tributo, para o crime definido no art. 293, § 1º inciso III, alínea b, do Código Penal, em que pese se tratar de crime contra a Fé Pública:
“PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. NULIDADE. PLEITO NÃO EXAMINADO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ARTS. 34 DA LEI Nº. 9.249/95 E 9º., § 2º, DA Lei nº. 10.684/2003. HIPÓTESES DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO DO PAGAMENTO DO TRIBUTO. CRIME DO ART. 293, § 1º., III, B, DO CP. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL EXPRESSA. SITUAÇÕES SEMELHANTES. ANALOGIA IN BONAM PARTEM. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. (...)
4. O delito previsto no art. 293, § 1º., III, b, do Código Penal – em que incorreram os pacientes, em razão da conduta de manter em depósito, no exercício de atividade comercial, garrafas de bebida alcoólica sem o selo obrigatório do IPI – está inserido no Capítulo II do Título X do Código Penal, que trata dos crimes contra a fé pública. Apesar disso, observa-se que o bem jurídico tutelado por esse crime não é a fé pública. Trata-se, na verdade, de crime praticado em detrimento apenas da ordem tributária, direcionado tão somente ao combate à sonegação.
5. Mesmo se tratando de crime exclusivamente praticado em detrimento da ordem tributária, o delito previsto no art. 293, § 1.º, III, b, do Código Penal não está previsto nas hipóteses de extinção da punibilidade, em razão do pagamento do tributo, trazidas pelos arts. 34 da Lei nº. 9.249/95 e 9º., § 2º., da Lei nº. 10.684/2003. Aliás, não poderia ser diferente, já que o crime em apreço foi incluído no Código Penal pela Lei 11.035, de 22.12.04, ou seja, em data posterior à vigência dos dispositivos anteriormente indicados.
6. Nada obstante, não é justo tratar situações semelhantes de modo distinto sem que exista motivo plausível para tanto. É que onde existir a mesma razão haverá o mesmo direito (ubi eadem ratio ibi idem jus). Assim, faz-se necessária a aplicação, ao caso em apreço, de analogia em favor do réu (in bonam partem).
7. Por um lado, quem, por suprimir ou reduzir tributo, incorre em pena prevista no art. 1º. da Lei nº. 8.137/1990, mas, a qualquer tempo, paga o tributo sonegado tem sua punibilidade extinta, por aplicação do art. 34 da Lei nº. 9.249/95 ou do art. 9º., § 2º., da Lei nº. 10.684/2003. Precedente.
8. Por outro lado, quem, por manter em depósito, no exercício de atividade comercial, garrafas de bebida alcoólica sem o selo obrigatório, responde pelo crime descrito no art. 293, § 1º., III, b, do CP, mas, em seguida, paga o tributo que deveria ter sido recolhido – como ocorreu no caso aqui analisado – também deverá ter, por interpretação analógica, sua punibilidade extinta.
9. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para declarar extinta a punibilidade dos pacientes em relação ao delito previsto no art. 293, § 1º., III, b, do Código Penal.” (STJ, 5ª. Turma, HC 414.879/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 24.05.2018, DJe 30.05.2018)
Por derradeiro, cumpre salientar que o aspecto de extrafiscalidade, presente nos impostos de importação e exportação, não pode justificar tratamento diferenciado para o crime de descaminho (art. 334 do CP), pois a função extrafiscal se encontra igualmente presente em diversos outros tributos (objetos materiais dos crimes dos arts. 1º e 2º da Lei 8.137/1990), sem que isso interfira na incidência dos efeitos penais do seu pagamento, disciplinados pelo art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003.
Ao cuidar da questão, Ludmila de Vasconcelos Leite Groch leciona que
“o crime de descaminho é essencialmente crime tributário. Não se trata de proibição da entrada ou saída de mercadorias. O que se pretende é proteger especificamente o erário, a ordem tributária. Se o autor recolher devida- mente os tributos devidos pelo fato de importar ou exportar mercadorias não há que se falar em controle. Não há limitação de quantidade, não há limitação de qualidade ou nenhuma outra formalidade aduaneira que possa ao crime de descaminho interessar. (...) Impossível, pois, procurar utilizar a função extrafiscal dos impostos de importação e exportação de mercadorias para diferenciar o bem jurídico tutelado neste caso daquele protegido pelos artigos da Lei nº. 8.137/1990.”48
Em igual sentido:
“(...) 2. DESCAMINHO. PAGAMENTO DO TRIBUTO ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. POSSIBILIDADE. CRIME MATERIAL. NATUREZA TRIBUTÁRIA.
(...).
2. Embora o crime de descaminho encontre-se, topograficamente, na parte destinada pelo legislador penal aos crimes praticados contra a Administração Pública, predomina o entendimento no sentido de que o bem jurídico imediato que a norma inserta no art. 334 do Código Penal procura proteger é o erário público - diretamente atingido pela evasão de renda resultante de operações clandestinas ou fraudulentas. Cuida-se, ademais, de crime material, tendo em vista que o próprio dispositivo penal exige a ilusão, no todo ou em parte, do pagamento do imposto devido. Assim, mostra-se possível a extinção da punibilidade pelo delito de descaminho, ante o pagamento do tributo devido, nos termos do que disciplinam os arts. 34, caput, da Lei nº. 9.249/95, 9º., § 2.º, da Lei nº. 10.684/03 e 83, § 4º, da Lei nº. 9.430/96, com redação dada pela Lei nº. 12.382/2011. Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal. (...).” (STJ, 5ª Turma, HC 265.706/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 28.05.2013, DJe 10.06.2013).
“PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. EXTIN- ÇÃO DA PUNIBILIDADE. PAGAMENTO DO TRIBUTO ANTES DO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. APLICAÇÃO DO ART. 34 DA LEI Nº. 9.249/95. UBI EADEM RATIO IBI IDEM IUS.
1. Não há razão lógica para se tratar o crime de descaminho de maneira distinta daquela dispensada aos crimes tributários em geral.
2. Diante do pagamento do tributo, antes do recebimento da denúncia, de rigor o reconhecimento da extinção da punibilidade.
3. Ordem concedida.” (STJ, 6ª. Turma, HC 48.805/SP, Relª Minª Maria Thereza de Assis Moura, j. 26.06.07, DJ 19.11.07
4.2. Da extinção da punibilidade pelo perdimento da mercadoria
Ao cuidar da natureza jurídica da sanção administrativa de perdimento da mercadoria, a doutrina destaca a função compensatória ou de ressarcimento do cogitado dano ao Erário, como esclarece Rony Ferreira:
“Tendo-se como premissa que a decretação de perdimento de mercadorias e veículos em matéria aduaneira só pode ocorrer em razão de dano ao erário,49 verifica-se que tal sanção tem natureza jurídica mista. Quer dizer, ao mesmo tempo em que é sanção para o autor do ilícito, cumpre também a função de ressarcir o Estado pelo dano ao erário oriundo do mesmo ato ilícito. Sua natureza jurídica, portanto, é repressivo-compensatória.”50
Partindo da premissa de que a reparação do dano, promovida pelo pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, implica a declaração de extinção da punibilidade em crimes contra a ordem tributária (abrangido o descaminho), nos termos do disposto no art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003, infere-se que a imposição da sanção de perdimento da mercadoria (de valor muito superior ao tributo), a fortiori, deve ensejar o mesmo efeito penal, na medida em que promove o integral ressarcimento do dano ao Erário.
René Ariel Dotti afirma que
“o pagamento do tributo extingue a punibilidade do descaminho por di- versas razões, mas, principalmente, por analogia com os dispositivos que preveem essa consequência a diversos outros crimes tributários, mas, por equívoco do legislador, simplesmente não mencionam o descaminho. No mesmo sentido, vale dizer que a aplicação da pena de perdimento da mercadoria equivale ao pagamento do tributo e, consequentemente, deve acarretar a extinção da punibilidade.”51
Por isso,
“ainda que tenha ocorrido crime de descaminho, a falta de prejuízo ao erário, em razão do perdimento da mercadoria, funciona como causa extintiva da punibilidade. O raciocínio é simples: se o pagamento do tributo extingue a punibilidade e se o valor da mercadoria perdida é superior ao valor do tributo, logo, também extinguirá a punibilidade. (...) Se o juiz pode (poder-dever, bem entendido) extinguir a punibilidade pelo pagamento do tributo (menor do que o valor da mercadoria), também poderá fazê-lo ante ao perdimento da mercadoria. Some-se a isso o fato de que, com o perdimento da mercadoria, o bem jurídico protegido, que é o erário, não sofreu nenhuma lesão. (...) O Estado retém o bem e, com isto, restitui-se do valor devido e ainda mais um pouco, vez que o bem vale mais do que o tributo devido por ocasião de sua entrada ou saída do território nacional.”52
De acordo com Fábio Prieto de Souza, ao analisar o art. 23 do Decreto- Lei 1.455/1976,
“o dano ao erário foi, portanto, definido na lei; o perdimento das mercadorias, no descaminho, o compõe. Pode ser que nesta composição entrem outros prejuízos para além do não pagamento do tributo e seus acessórios – e isto não esclarece nem a lei, nem a doutrina, nem a jurisprudência. Mas o certo é que, ao decretar o perdimento, o pagamento do tributo e acessórios será, dentro da perspectiva legal, recomposto. Negar isto, sem dizer qual é o limite do dano, é presumir que o legislador tomou como parâmetro, para a recomposição causada pelo ilícito fiscal, algo fora do montante do tributo e seus acessórios, ponto de partida da própria configuração do tipo. Se isto fosse exato, não estaria o legislador buscando o ressarcimento à Fazenda, mas um capricho punitivo arbitrário, o qual não se poderia chancelar.”53
E o autor conclui:
“Compreenda-se que a consequência do perdimento é compulsória e produz efeitos instantâneos desde o momento da apreensão das mercadorias. A exigência do pagamento integral do débito, nas sonegações em geral – e isto parece ser o correto ao subscritor da presente –, é menos gravosa que o perdimento das mercadorias. O sonegador tem um prazo, dispondo do numerário, até o momento em que a cópia do procedimento fiscal chega nas mãos do Ministério Público Federal – e, para isto, não raro, correm anos (...). O agente sujeito ao perdimento, de outro lado, não usufrui qualquer prazo, pois o capital imobilizado nas mercadorias passa, com elas, à disposição do Fisco. (...) Onde está a ratio para uma interpretação, deve estar, necessariamente, para a outra, que trata de caso com consequência mais drástica. (...) Portanto, apreendidas as mercadorias e sujeitando-se estas ao perdimento, para o ressarcimento da Fazenda Pública, estará atingindo o escopo do art. 34 da Lei Federal nº. 9.249/95 (sucedido pelo art. 9º., § 2º., da Lei nº. 10.684/2003).”54
Por esses motivos, podemos concluir com Sérgio Rosenthal que, “aplicada a pena de perdimento das mercadorias em processo administrativo fiscal, estará inegavelmente reparado o dano ao erário”.55
Em mesmo sentido, Gustavo Britta Scandelari conclui:
“se o perdimento das mercadorias satisfaz a dívida do contribuinte e se a reparação do dano, ‘como pena que é’, acarreta a extinção da punibilidade quando cumprida, então a consequência do perdimento das mercadorias no delito de descaminho deve ser a extinção da sua punibilidade, instantânea e obrigatória.”56
O efeito de ressarcimento do dano ao erário (natureza compensatória), obtido por meio da sanção administrativa de perdimento da mercadoria, acaba sendo corroborado pelo comando legal de não incidência do imposto de impor- tação, contido no art. 1º, § 4º, inciso III, do Decreto-Lei 37/1966, inserido pela Lei 10.833/2003:
“Art. 1º. O Imposto sobre a Importação incide sobre mercadoria estrangeira e tem como fato gerador sua entrada no Território Nacional.
(...)
§ 4º. O imposto não incide sobre mercadoria estrangeira:
(...)
III – que tenha sido objeto de pena de perdimento, exceto na hipótese em que não seja localizada, tenha sido consumida ou revendida.”
O art. 71 do Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759, de 2009) igual- mente estabelece que o imposto de importação não incide sobre: “III – mercadoria estrangeira que tenha sido objeto da pena de perdimento, exceto na hipótese em que não seja localizada, tenha sido consumida ou revendida”.
Nessa situação, o perdimento da mercadoria causa a perda de objeto do crédito tributário. Nas palavras de Roque Antonio Carrazza, “se houver a insubsistência do fato imponível, com o perdimento dos bens, valores ou direitos do delinquente, o tributo que havia nascido desaparece, por perda do objeto”.57
A respeito das contribuições sociais para a seguridade social (PIS- Importação e Cofins-Importação), o art. 2º, inciso III, da Lei 10.865/2004, estabelece que as aludidas contribuições não incidem sobre: “III – bens estrangeiros que tenham sido objeto de pena de perdimento, exceto nas hipóteses em que não sejam localizados, tenham sido consumidos ou revendidos”.
Em relação ao IPI-Importação e ao ICMS-Importação, observa-se que não se aperfeiçoou o fato gerador pertinente (desembaraço aduaneiro), de acordo com o disposto no art. 46, inciso I, do Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966), e art. 12, inciso IX, da Lei Complementar 87/1996 (com a redação dada pela LC 114/2002), respectivamente, por força da instauração do processo administrativo fiscal para imposição da pena de perdimento.
Assim, não subsistindo imposto devido, pela perda do seu objeto, em face do perdimento da mercadoria, reforça-se a pertinência da aplicação, por analogia, do disposto no art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003, com a consequente declaração de extinção da punibilidade. Como concluem René Ariel Dotti e Gustavo Britta Scandelari, “desde que a pena de perdimento substitui o crédito tributário, sua aplicação deve significar, igualmente, a extinção da pena criminal”.58
De acordo com De Plácido e Silva, o termo
“analogia, originado do grego, é expressão que significa semelhança ou paridade. Desse modo, significa a semelhança de casos, fatos ou coisas, cujos característicos se assemelham. E quando se trata de relações jurídicas, por esta semelhança ou identidade, se mostram elas, por analogia, subordinadas a um princípio ou princípios atribuídos aos casos análogos, se a lei não lhes prescreveu regra própria.”59
Como observa Carlos Maximiliano, “analogia consiste em aplicar a uma hipótese não prevista em lei a disposição relativa a um caso semelhante”.60 Conforme acrescenta o jurista,
“os fatos de igual natureza devem ser regulados de modo idêntico. Ubi eadem legis ratio, ibi eadem legis dispositio; ‘onde se depare razão igual à da lei, ali prevalece a disposição correspondente, da norma referida’; era o conceito básico da analogia em Roma. O uso da mesma justifica-se, ainda hoje, porque atribui à hipótese nova os mesmos motivos e os mesmos fins do caso contemplado pela norma existente. Descoberta a razão íntima, funda- mental, decisiva de um dispositivo, o processo analógico transporta-lhe o efeito e a sanção a hipóteses não previstas, se nelas se encontram elementos idênticos aos que condicionam a regra positiva. Há, portanto, semelhança de casos concretos e identidade de substância jurídica.”61
Não é outro o ensinamento de Maria Helena Diniz: “Realmente, a analogia não é uma técnica interpretativa e nem tampouco uma fonte do direito, mas um procedimento que serve para integrar normas, partindo de um exame comparativo entre duas situações jurídicas, aplicando à não legislada as soluções dadas para as que têm caracteres essenciais semelhantes”.62 Conforme conclui,
“a doutrina que funda a analogia na igualdade jurídica parece ser a mais satisfatória, já que o processo analógico constitui um raciocínio ‘baseado em razões relevantes de similitude’, fundando-se na identidade de razão, que é o elemento justificador da aplicabilidade da norma a casos não previstos, mas, substancialmente, semelhantes (...).”63
“Por isso – completa seu raciocínio –, toda vez que em direito se emprega a analogia, assim se faz ou para demonstrar que duas situações apresentam um motivo idêntico, ou que elas possuem o mesmo fundamento. É a ratio legis que condiciona a aplicabilidade de analogia, porque é o elemento de ligação entre a norma e o fato. Sendo ele de âmbito intelectual, possibilita aplicar aquela ‘plasticidade que modela todas as situações atingidas pela direção do pensamento e da utilidade que inspiraram o preceito.”64
Arruda Alvim, por sua vez, nos dá uma lição definitiva sobre o assunto. Para o saudoso jurista, analogia é uma técnica de estabelecer a similitude.
Quando afirmamos “que uma coisa é análoga à outra, queremos dizer que esta coisa tem semelhança com a outra”.65
Portanto, inteiramente pertinente a analogia na situação cogitada (perdimento da mercadoria), em especial, por não constituir analogia in malam partem. Ao contrário, ela incide justamente para impedir qualquer violação ao princípio do non bis in idem.
Na precisa lição de Aníbal Bruno, a analogia só não é possível se dela, “de qualquer modo, se agrava a situação do agente”.66 No mesmo sentido, Jorge de Figueiredo Dias advoga a impossibilidade do argumento de analogia, “sempre que ele funcione contra o agente e vise servir a fundamentação ou a agravação da sua responsabilidade”,67 o que não ocorre na situação considerada.
Diante de todo o exposto, entendemos que, tendo sido imposta a sanção administrativa de perdimento da mercadoria importada, com o consequente ressarcimento do dano ao erário, deve ser declarada a extinção da punibilidade do crime de descaminho, aplicando-se, por analogia, os efeitos penais do pagamento do tributo (art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003).
5. Conclusões
1. A partir do estudo da natureza jurídica do crime de descaminho, constatamos as identidades de objetividade jurídica (arrecadação tributária) e de estrutura típica (ilusão ou meio fraudulento para suprimir ou reduzir tributos), a ensejar uma relação de especialidade entre o descaminho (art. 334, caput, do CP) e os demais crimes contra a ordem tributária (arts. 1º e 2º da Lei 8.137/1990), fatores que impõem tratamento penal igualitário entre eles, funda- mentado nos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade.
2. Essa necessidade de tratamento penal isonômico impõe a aplicação, ao crime de descaminho (art. 334, caput, do CP), da norma geral contida no art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/03, que disciplina os efeitos penais do pagamento do tributo (causa de extinção da punibilidade em crimes contra a ordem tributária).
3. A esse respeito, observamos a impropriedade dos argumentos normalmente invocados por aqueles que recusam a aplicação do art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003, ao crime de descaminho (art. 334 do CP), a saber:
3.1. O pretexto de o descaminho ser considerado crime formal (entendimento de que discordamos) em nada poderia influenciar a incidência dos efeitos penais do pagamento do tributo (extinção da punibilidade), tendo em vista que o art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003, expressamente contempla o crime previsto no art. 2º da Lei 8.137/1990, que sabidamente define crimes formais, cuja consumação prescinde da efetiva supressão ou redução de tributo;
3.2. O fato de o descaminho se situar, topograficamente, entre os crimes contra a Administração Pública (art. 334 do CP) não poderia prejudicar a aplicação do art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003, pois esse dispositivo legal expressamente abarca o crime previsto no art. 337-A do Código Penal (sonegação de contribuição previdenciária), igualmente situado entre os crimes contra a Administração Pública;
3.3. A lacuna legislativa observada no art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003 (não alusão ao art. 334 do CP), não impede a sua aplicação ao crime de descaminho, em face da admissibilidade de integração da norma penal por meio de analogia in bonam partem, por meio da qual seria alcançado o adequado tratamento igualitário entre os crimes contra a ordem tributária;
3.4. A possibilidade de aplicação do art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003, a crime nele não mencionado (rol não exaustivo), por meio de analogia in bonam partem, encontra respaldo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que admite a extinção da punibilidade, por força do pagamento do tributo, para o crime definido no art. 293, § 1º, inciso III, alínea b, do Código Penal, em que pese se tratar de crime contra a Fé Pública (STJ, 5ª Turma, HC nº 414.879/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 24.05.2018, DJe 30.05.2018).
4. Assim, partindo da premissa de que a reparação do dano, promovida pelo pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, implica a declaração de extinção da punibilidade em crimes contra a ordem tributária (abrangido o descaminho), nos termos do disposto no art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003, infere-se que a imposição da sanção administrativa de perdimento da mercadoria (de valor muito superior ao tributo), a fortiori, deve ensejar o mesmo efeito penal, na medida em que ela promove o integral ressarcimento do dano ao Erário.
5. O efeito de ressarcimento do dano ao erário (natureza compensatória), obtido por meio da sanção administrativa de perdimento da mercadoria, acaba sendo corroborado pelo comando legal de não incidência do imposto de importação, contido no art. 1º, § 4º, inciso III, do Decreto-Lei 37/1966 (inserido pela Lei 10.833/2003).
6. A respeito das contribuições sociais para a seguridade social (PIS- Importação e Cofins-Importação), o art. 2º, inciso III, da Lei 10.865/2004, estabelece que as aludidas contribuições não incidem sobre: “III – bens estrangeiros que tenham sido objeto de pena de perdimento, exceto nas hipóteses em que não sejam localizados, tenham sido consumidos ou revendidos”.
7. Em relação ao IPI-Importação e ao ICMS-Importação, observa-se que não se aperfeiçoou o fato gerador pertinente (desembaraço aduaneiro), de acordo com o disposto nos arts. 46, inciso I, do Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66), e 12, inciso IX, da Lei Complementar 87/1996 (com a redação dada pela LC 114/2002), respectivamente, por força da instauração do processo administrativo fiscal para imposição da pena de perdimento.
8. Portanto, não subsistindo imposto devido (requisito do tipo penal do art. 334, caput, do CP), pela perda do seu objeto, em face do perdimento da mercadoria, reforça-se a pertinência da aplicação, por analogia, do disposto no art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003 (extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo).
Notas
1 Este verbete contou com a colaboração de Paulo Henrique Aranda Fuller.
2 Sobre o assunto, de forma ampla, o nosso estudo: MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. A natureza tributária do descaminho e suas consequências jurídicas. Doutrinas essenciais: direito penal e processo penal: leis penais especiais I, pp. 27-45.
3 FILGUEIRAS JUNIOR, Araújo. Código Criminal do Império do Brazil anotado, pp. 199-200 (atualizamos a redação).
4 CASTRO, Olympio Augusto Viveiros de. O contrabando, pp. 13-14.
5 Idem, p. 14.
6 CASTRO, Olympio Augusto Viveiros de. Contrabando. Revista do Supremo Tribunal Federal, v. LIV, pp. 495.
7 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, pp. 374.
8 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal, pp. 327.
9 FERREIRA, Regina Cirino Alves. Código Penal comentado, pp. 1.151.
10 BULHÕES, Nabor. Relatório Final apresentado pela Comissão de Juristas para a Elaboração de Anteprojeto de Código Penal, criada pelo Requerimento n. 756, de 2011, do Senador Pedro Taques, aditado pelo de n. 1034, de 2011, com a aprovação pelos Senadores da República, em 10 de agosto de 2011, p. 394.
11 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, p. 126.
12 RAÓ, Vicente. O direito e a vida dos direitos, p. 482.
13 ALVARENGA, Aristides Junqueira. Crimes contra a ordem tributária, p. 50.
14 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal, p. 327.
15 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, p. 252.
16 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crimes federais, p. 216.
17 CARVALHO, Márcia Dometila Lima de. Crimes de contrabando e descaminho, p. 4.
18 Idem, p. 11.
19 DOTTI, René Ariel; SCANDELARI, Gustavo Britta. A exigência de exaurimento da via administrativa nos crimes de descaminho. Doutrinas essenciais: direito penal da administração pública, pp. 154-155.
20 FULLER, Paulo Henrique Aranda. Dos crimes contra a ordem tributária (Lei n. 8.137, de 27-12-1990). Legislação penal especial, p. 451.
21 CARRAZZA, Roque Antonio. Da impossibilidade jurídica de concurso material ou formal imperfeito entre os crimes de descaminho (art. 334, segunda parte, do Código Penal brasileiro) e de sonegação fiscal (art. 1º, I a IV, da Lei n. 8.137/90): questões conexas. Direito penal especial, processo penal e direitos fundamentais: visão luso-brasileira, p. 241.
22 Segundo Roque Antonio Carrazza, “o imposto é uma modalidade de tributo que tem por hipótese de incidência um fato qualquer, não consistente numa atividade estatal (...). O imposto – se quisermos fugir da definição pela negativa – sempre tem por hipótese de incidência ou um comportamento do contribuinte, ou uma situação jurídica na qual ele se encontra” (Curso de direito constitucional tributário, pp. 266-267).
23 CORREIA, Eduardo Henriques da Silva. A teoria do concurso em direito criminal, p. 129.
24 FULLER, Paulo Henrique Aranda. Dos crimes contra a ordem tributária (Lei n. 8.137, de 27-12-1990). Legislação penal especial, pp. 454-455.
25 CARRAZZA, Roque Antonio. Da impossibilidade jurídica de concurso material ou formal imperfeito entre os crimes de descaminho (art. 334, segunda parte, do Código Penal brasileiro) e de sonegação fiscal (art. 1º, I a IV, da Lei n. 8.137/90): questões conexas. Direito penal especial, processo penal e direitos fundamentais: visão luso-brasileira, pp. 242-243.
26 TOLEDO, Francisco de Assis. Descaminho. Enciclopédia Saraiva de Direito, p. 7.
27 BARROS, Adriana Pazini de. Natureza tributária do crime de descaminho. Boletim do IBCcrim, n. 187.
28 AGUADO, Teresa Correa. El principio de proporcionalidad en derecho penal, p. 36,
29 SANCHEZ, Jesús-María Silva. Aproximación al derecho penal contemporáneo, p. 147.
30 DUEK MARQUES, Oswaldo Henrique. Fundamentos da pena, p. 148.
31 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora, pp. 372-373.
32 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora, pp. 372-373.
33 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, p. 192.
34 Idem, p. 194.
35 BARROSO, Luís Roberto. A igualdade perante a lei. Revista de direito público, n. 78, p. 68.
36 GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. O princípio da proporcionalidade no direito penal, pp. 178-179.
37 GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. O princípio da proporcionalidade no direito penal, p. 183.
38 MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. A individualização da pena e a progressividade de regimes. Direito penal especial, processo penal e direitos fundamentais: visão luso-brasileira, p. 359.
39 Lei 10.522/02: “Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, por meio de requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos em dívida ativa da União pela Procuradoria- Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior àquele estabelecido em ato do Procurador-Geral da Fazenda Nacional.
40 DOTTI, René Ariel; SCANDELARI, Gustavo Britta. A exigência de exaurimento da via administrativa nos crimes de descaminho. Doutrinas essenciais: direito penal da administração pública, pp. 165-166.
41 DOTTI, René Ariel; SCANDELARI, Gustavo Britta. A exigência de exaurimento da via administrativa nos crimes de descaminho. Doutrinas essenciais: direito penal da administração pública, pp. 165-166.
42 FULLER, Paulo Henrique Aranda. Dos crimes contra a ordem tributária (Lei n. 8.137, de 27-12-1990). Legislação penal especial, p. 529.
43 ESTELLITA, Heloisa. Pagamento e parcelamento nos crimes tributários: a nova disciplina da Lei n. 10.684/03. Boletim IBCCRIM, v. 11, n. 130, p. 3.
44 SOUZA, Luciano Anderson de. Crimes contra a Administração Pública, p. 212.
45 PRADO, Luiz Regis. Direito penal econômico, pp. 349-350. Em igual sentido: STOCO, Rui; STOCO, Tatiana de O. Código Penal e sua interpretação: doutrina e jurisprudência, pp. 1573-1574.
46 MACHADO, Hugo de Brito. Crimes contra a ordem tributária, pp. 482-483.
47 SCHMIDT, Andrei Zenkner. Exclusão da punibilidade em crimes de sonegação fiscal, p. 123.
48 GROCH, Ludmila de Vasconcelos Leite. O descaminho como crime tributário: consequências da equiparação. Direito penal econômico: crimes financeiros e correlatos, pp. 286 e 289.
49 Decreto-Lei 1.455, de 7 de abril de 1976: “Art. 23. Consideram-se dano ao Erário as infrações relativas às mercadorias: (...). § 1º O dano ao erário decorrente das infrações previstas no caput deste artigo será punido com a pena de perdimento das mercadorias. (Incluído pela Lei nº. 10.637, de 30.12.02)”. Ainda: Decreto 6.759, de 5 de fevereiro de 2009 (Regulamento Aduaneiro): “Art. 689. Aplica-se a pena de perdimento da mercadoria nas seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário (Decreto-Lei nº. 37, de 1966, art. 105; e Decreto-Lei nº. 1.455, de 1976, art. 23, caput e § 1º, este com a redação dada pela Lei nº. 10.637, de 2002, art. 59):(...)”.
50 FERREIRA, Rony. Perdimento de bens: importação e exportação no direito brasileiro, p. 155
51 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal, pp. 786-787.
52 GROCH, Ludmila de Vasconcelos Leite. O descaminho como crime tributário: consequências da equiparação. Direito penal econômico: crimes financeiros e correlatos, pp. 300-303.
53 SOUZA, Fábio Prieto de. A extinção da punibilidade pelo perdimento das mercadorias no descaminho. Revista AJUFE (da Associação dos Juízes Federais do Brasil), n. 51, pp. 11-12.
54 SOUZA, Fábio Prieto de. A extinção da punibilidade pelo perdimento das mercadorias no descaminho. Revista AJUFE (da Associação dos Juízes Federais do Brasil), n. 51, pp. 13-14.
55 ROSENTHAL, Sérgio. A extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo no descaminho, p. 46
56 SCANDELARI, Gustavo Britta. O crime tributário de descaminho, p. 284.
57 CARRAZZA, Roque Antonio. Reflexões sobre a obrigação tributária, p. 269.
58 DOTTI, René Ariel; SCANDELARI, Gustavo Britta. A exigência de exaurimento da via administrativa nos crimes de descaminho. Doutrinas essenciais: direito penal da administração pública, p. 179.
59 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, p. 150.
60 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, p. 190.
61 Idem, p. 191.
62 DINIZ, Maria Helena. As lacunas do direito, p. 132.
63 Idem, p. 137.
64 DINIZ, Maria Helena. As lacunas do direito, pp. 137-138.
65 ALVIM, José Manuel de Arruda. Tratado de direito processual civil, pp. 267-268.
66 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral, p. 211.
67 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral, p. 187.
Referências
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Citação
MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. O crime de descaminho e a extinção da punibilidade pelo perdimento da mercadoria apreendida. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Econômico. Ricardo Hasson Sayeg (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/592/edicao-1/o-crime-de-descaminho-e-a-extincao-da-punibilidade-pelo-perdimento-da-mercadoria-apreendida
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Tomo Direito Econômico, Edição 1,
Março de 2024