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Regulação jurídica
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Ricardo Marcondes Martins
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Tomo Direito Econômico, Edição 1, Março de 2024
Existem dois tipos de conceitos na Ciência do Direito: lógico-jurídicos e jurídico-positivos: os primeiros independem da positividade, do direito posto, valem independentemente do sistema normativo vigente; os segundos são decorrência direta da positividade, são extraídos das normas vigentes.1 Consequentemente, os primeiros independem do espaço e do tempo, ao contrário dos segundos, que estão vinculados ao direito vigente em determinado lugar e em determinada época. O objeto deste estudo é um conceito jurídico-positivo. “Existência”, “validade”, “eficácia”, “relação jurídica”, “função”, “poder”, “direito subjetivo” são exemplos de conceitos lógico-jurídicos e, por isso, são passíveis de universalização; o conceito de regulação administrativa não. O ponto de partida, portanto, é o direito positivo brasileiro vigente.
Pois bem, no direito positivo brasileiro vigente um texto normativo deve ser tomado como ponto de partida para enunciação do aludido conceito: o caput do art. 174 da Constituição Federal de 1988. Consta desse dispositivo que o Estado é “agente normativo e regulador da atividade econômica”. O constituinte utilizou o signo “regulador”. Enfatiza-se: trata-se de um dispositivo constitucional e, sublinha-se, um dispositivo do texto constitucional originário. É, pois, a partir desse dispositivo que se deve indagar no que consiste a regulação administrativa. Por força do postulado da inteligibilidade da linguagem jurídica,2 o ponto de partida é a linguagem natural e, assim, a análise etimológica.
1. Etimologia
A palavra “regulação” deriva do substantivo latino regula, ae, que no sentido próprio significa “régua” ou “barra de madeira” ou “metal” e no sentido figurado “regra”.3 Destacam-se dois verbos latinos: o primeiro — do latim clássico, rego, is, ere, rexi, rectum — que significa, no sentido próprio, “dirigir em linha reta, marcar os limites”, e no sentido figurado “ter a direção de, ter o comando de, dirigir, guiar, reger, governar, comandar, exercer o poder”;4 o segundo — conexo com ele, regulo, as, avi, atum, are — que significa “regular, dirigir, dispor, ordenar, arranjar”.5 “Regulação” é “o ato ou efeito de regular” (regular + ção).6 É considerada sinônimo de “regulagem” (regular + agem).7 Etimologicamente, portanto, indagar sobre as palavras “regulação” e “regulagem” importa em indagar sobre o verbo “regular”. A etimologia da palavra indica dois sentidos indiscutíveis, análogos: regular é “estabelecer regras” e “dirigir, governar”. Há, porém, outro sentido, mais complexo, que se tornou corrente com o desenvolvimento da Cibernética.
2. Regulação na cibernética
Na linguagem comum “regular” possui dois sentidos genéricos, amplos: “estabelecer regras” e “dirigir, governar”. Ocorre que com o desenvolvimento da Cibernética o signo adquiriu um sentido técnico. Esse campo da ciência nasceu a partir dos estudos de Norbert Wiener, Arturo Rosenblueth e Julian Bigelow. Os três cientistas foram encarregados de desenvolver uma arma que atingisse com precisão o avião inimigo, uma arma que corrigisse o erro do atirador, considerando os desvios do avião.8 Norbert Wiener propôs a palavra “cibernética”, derivada da palavra grega kubernetes, “piloto” e, por extensão, “governante”. Cibernética é a ciência do governo, ou, melhor, do controle.9 A regulação é um dos temas fundamentais dessa ciência, foi por causa dela que o signo se popularizou.
Ross Ashby explica a regulação a partir de um sistema constituído de três partes em comunicação: D > F > E. Para que um sistema sobreviva, algumas variáveis essenciais (“E”) devem ser conservadas dentro de certos limites. Esse sistema sofre constante influência de uma fonte de perturbações ou perigo (“D”). Faz-se necessário um fator de interpolação (“F”) que atue entre as perturbações e as variáveis essenciais, de modo que, por força desse fator, apesar das perturbações, as variáveis essenciais mantenham-se no limite preestabelecido. Essa atuação de “F” é justamente a regulação.10 A função do regulador é — assevera Ashby — “bloquear a transmissão de variedade do distúrbio para a variável essencial”, é “bloquear o fluxo de informação”. A regulação, enfim, bloqueia o fluxo de variedade mantendo o sistema em equilíbrio.11
Um exemplo aclarará o conceito: toda geladeira possui um termostato. Sem esse aparelho a geladeira esfriaria o ambiente sem limites, até quebrar. O termostato faz com que a geladeira mantenha certa temperatura: quando a temperatura cai abaixo de certo limite ele desliga o motor; quando a temperatura sobe até certo limite ele religa o motor. O termostato não produz o resfriamento, mas regula o funcionamento da geladeira.12 Ashby dá um exemplo similar: um banho-maria termostaticamente controlado — “E” é a sua temperatura, e o que se deseja é que ela permaneça em um certo intervalo; “D” é o conjunto de fatores que podem conduzir a temperatura para fora desse intervalo; “F” é o regulador, que, pela sua ação, tende a diminuir os efeitos de “D” sobre “E”.13 Do exposto é possível afirmar: a Cibernética atribuiu um significado técnico ao signo “regulação” — é o bloqueio dos fatores que, ao atuarem em um sistema, o levariam ao desequilíbrio. Esse significado ficou conhecido como significado técnico ou científico.14 Popularizou-se tanto, que na linguagem comum ou natural tornou-se corrente a atribuição de dois significados ao signo “regulação”: “estabelecer regras” e “manter ou restabelecer o funcionamento equilibrado de um sistema”. 15
3. Regulação na economia
O signo passou a ser utilizado correntemente na Economia com um significado muito próximo do cibernético.16 Adam Smith enunciou a base de toda a economia de mercado: os indivíduos, em geral, pensam apenas no próprio ganho, mas, ao procurar o máximo lucro possível, acabam buscando o máximo lucro possível para a sociedade. A partir dessa regra básica, esse notável pensador apresentou a metáfora mais famosa da história da Economia: uma “mão invisível” mantém o equilíbrio do mercado.17 A maioria dos economistas aceita essa “mão invisível”, mas a considera insuficiente. Quer dizer: sozinha, ela não consegue manter o equilíbrio do sistema; necessita de uma ajuda. A “mão invisível” não garante a eficiência econômica nem a equidade econômica — noutras palavras, nem a máxima alocação possível dos recursos nem a distribuição equitativa desses recursos.18 Eis a função da regulação: suprir as falhas da mão invisível do mercado.
Eficiência e equidade são conceitos econômicos fundamentais. O primeiro foi desenvolvido pelo economista italiano Vilfredo Pareto e, por isso, é chamado de “ótimo de Pareto”.19 Poderia ser sintetizado como “máximo de valor pelo mínimo custo”.20 Essa síntese pode levar a uma compreensão equivocada do conceito; seu significado não tem apenas viés materialista, a eficiência econômica é definida em termos de “bem-estar”: “resultado eficiente é aquele que as pessoas tenham o melhor bem-estar possível”.21 Não importa, contudo, distribuição equitativa de recursos, ou seja, igualdade: “uma distribuição eficiente de quantidades totais fixas de bens” – na definição de Edgar K. Browning e Mark A. Zupan – “é aquela em que não é possível, através de alguma mudança na distribuição, beneficiar alguém sem prejudicar outra pessoa”.22 Ao contrário, “uma distribuição ineficiente de bens é aquela em que é possível, por meio de uma mudança na distribuição, beneficiar uma parte sem prejudicar a outra”.23 Logo, resultado eficiente não é resultado equitativo. Ora, por óbvio, numa sociedade marcada pela má distribuição de renda a justiça social só se faz em prejuízo dos mais ricos. Enquanto os economistas liberais tendem a privilegiar a eficiência econômica, os não liberais tendem a privilegiar a equidade econômica.24
Muitos economistas consideram que em um mercado perfeitamente competitivo há eficiência econômica por força da “mão invisível”, sendo, pois, “equilibrado”. Nele não há necessidade de intervenção e, pois, regulação para obter a eficiência.25 Contudo, nos termos antecipados, a “mão invisível” é insuficiente para manter o equilíbrio do mercado, para garantir a competição perfeita. Isso por causa das chamadas falhas do mercado. Dentre as principais, os economistas discriminam as seguintes: (1) poder de mercado, (2) informação assimétrica, (3) externalidades e (4) bens públicos.26 Esses quatro fatores obstam o equilíbrio dos mercados competitivos e exigem a intervenção estatal. Justamente por causa desses fatores — clamam os economistas — faz-se necessária a regulação. Passa-se a ao exame de cada um deles.
(1) Poder econômico quer dizer poder de controlar os preços. Na concorrência perfeita ninguém o detém: os agentes econômicos são suficientemente numerosos, de modo a assegurar que nenhum deles afete o preço de mercado. Há dois tipos de poder econômico: o monopólio é a capacidade do vendedor e o monopsônio é a capacidade do comprador de influenciar o preço. Vale dizer: monopólio é um mercado em que existe apenas um vendedor e muitos compradores; monopsônio é um mercado em que existe apenas um comprador e muitos vendedores. Em ambos os casos o preço não é ditado pelo mercado, mas pelos agentes econômicos.27 Os economistas propõem a intervenção estatal como meio de enfrentamento dessa falha de mercado, indicando três alternativas básicas: (a) leis antitruste, pelas quais o governo pode impedir a fusão de empresas e, pois, a formação de monopólios; (b) fixação de preços; e (c) apropriação pública do monopólio ou estatização do monopolista.28 Há quem proponha a completa omissão estatal. George Stigler ganhou o Prêmio Nobel em 1982 por seu trabalho na área de organização industrial: defendeu que “o grau de ‘falha do mercado’ da economia norte-americana é muito menor do que o de ‘falha política’ decorrente das imperfeições das políticas econômicas encontradas nos sistemas políticos reais”.29 Apesar da premiação, essa conclusão permanece acentuadamente discutível.
Há situações em que uma empresa, sozinha, consegue ofertar um bem a um custo menor do que ocorreria se houvesse outras empresas. Configura-se, então, um monopólio natural.30 Um exemplo é a distribuição de água: para levar água aos moradores de uma cidade, faz-se necessária uma rede de tubulações; se duas ou mais empresas competissem na prestação desse serviço, cada uma delas teria que pagar o custo da construção da rede; por isso, o custo total da água é menor se só uma empresa supre o mercado. A intervenção estatal dá-se, em geral, pela fixação dos preços a serem cobrados pelo monopolista. Há quem adote um conceito estrito de regulação econômica: ela visaria a criar ou reproduzir as condições de mercado quando essas condições não existam. Destinar-se-ia, precipuamente, aos monopólios naturais.32
(2) Informações assimétricas são situações em que o comprador ou o vendedor detém informações diferentes sobre uma transação. Quando isso ocorre a eficiência econômica do mercado pode ser comprometida. George A. Akerlof, ao estudar essa falha, propôs a metáfora dos “limões” (lemons): produtos que têm frequentemente um desempenho insatisfatório em relação ao esperado.33 Em um mercado no qual os compradores são bem menos informados sobre a qualidade dos produtos que os vendedores pode haver uma alta proporção de bens com características de limões. Nesse caso, os produtos de baixa qualidade tendem a expulsar os produtos de alta qualidade. É isso que ocorre, por exemplo, no mercado de carros usados. Carros usados de boa qualidade não obtêm um preço eficiente justamente por força da informação assimétrica e, por conseguinte, da dúvida que os compradores têm sobre a qualidade do produto.34 Nos mercados sujeitos à seleção adversa a “mão invisível” não opera sua “mágica”.35 A intervenção estatal é um meio de enfrentar esse problema, mas há quem seja contrário a ela.36
(3) Externalidades ocorrem quando uma ação de um agente econômico impõe custos (externalidades negativas) ou benefícios (externalidades positivas) a outro agente sem repercussão no preço. São efeitos colaterais involuntários, externos às partes diretamente envolvidas na sua geração. Como esses benefícios e malefícios não são levados em consideração para fixação do preço, as externalidades importam em uma alocação de recurso ineficiente. A poluição é um clássico exemplo de externalidade negativa: uma fábrica polui um rio, a poluição do rio prejudica toda a coletividade, é, pois, um efeito colateral involuntário da produção industrial. A educação é um clássico exemplo de externalidade positiva: a educação do aluno não beneficia apenas o aluno, mas toda a coletividade, esse grande benefício social extravasa a relação aluno e educador e, pois, a composição do preço cobrado pela atividade.37 Enquanto as externalidades negativas implicam uma produção maior que a socialmente desejável, as externalidades positivas implicam uma produção menor.38
Arthur Cecil Pigou defendeu a internalização das externalidades negativas mediante a cobrança de um valor pecuniário pelo Estado – que ficou conhecido como “imposto de Pigou”.39 No caso das externalidades positivas a internalização dar-se-ia mediante subsídios. Essa forma de intervenção – afirmam alguns economistas – é preferível à regulamentação da atividade, pois esta impõe a mesma solução para todos os agentes econômicos, independentemente de suas particularidades.40
Há quem restrinja a regulação à correção das externalidades. É o que faz, por exemplo, Barry M. Mitnick. Inicialmente, apresenta o conceito de interferência: é um desvio do que ocorria de outra maneira, um bloqueio, restrição ou alteração das opções abertas ao sujeito.41 Enfatiza que a atividade mesma não há de ser substituída, mas regulada: a regulação não é diretamente uma parte dela, não está incluída na atividade que haverá de regular. Após, apresenta o conceito econômico de externalidade: atividade de um agente econômico “A” que produz efeitos externos, não-intencionais, e que repercutem sobre outro agente econômico “B”, causando prejuízo a “B”, sem gerar custo a “A”. Externalidade é uma interferência lateral e não-intencional.42 Apresenta, então, seu conceito de regulação: é uma interferência intencional para corrigir uma interferência lateral e, assim, pôr fim a uma externalidade. A regulação – afirma Mitnick – é uma interferência regida, guiada, controlada, é uma interferência deliberada ou intencional e, por isso, o efeito da regulação não configura uma externalidade.43 E conclui: “a regulação é a restrição intencional da eleição de atividades de um sujeito, e provém de uma entidade que não é parte direta nem está envolvida em dita atividade”.44 Trata-se também de um conceito econômico estrito de regulação, pois a restringe à correção das externalidades. Quer dizer: a regulação não se prestaria a corrigir as outras falhas do mercado.
Há, porém, quem seja contrário à regulação para corrigir externalidades. Para Ronald Coase se os “direitos de propriedade” forem definidos e os “custos de transação” forem baixos, os próprios agentes econômicos solucionarão de forma eficiente o problema da externalidade, sem necessidade de intervenção estatal. Direito de propriedade, aí, é um conceito econômico, e não jurídico: é o direito de processar quem lhe causou um prejuízo. Custos de transação são os custos que as partes têm na negociação e implementação de um acordo.45 As externalidades, segundo Coase, podem ser internalizadas pelos próprios agentes econômicos. O “sempre” dessa teoria, porém, importa um grande equívoco: comumente as negociações privadas não funcionam, os agentes econômicos são incapazes de chegar a uma solução eficiente. Sempre que os custos de transação forem altos (despesas com advogados, taxas judiciais, perícias etc.) a negociação se inviabiliza. Mesmo que os custos sejam baixos as negociações podem fracassar, pois as partes muitas vezes resistem e ficam à espera de um acordo melhor para si. Ademais, quanto maior o número de pessoas envolvidas, mais difícil é o acordo.46
(4) Bens públicos, para os economistas, são os bens de consumo não rival ou não disputável e não excludente ou não exclusivo.47 Um bem é de consumo não rival quando o consumo de uma pessoa em nada afeta o consumo das demais. Um bem é de consumo não excludente quando for impossível ou proibitivamente custoso selecionar as pessoas que vão consumi-lo. A segurança nacional, o controle de inundações, o combate a uma epidemia, são exemplos de bens públicos: a proteção que um cidadão recebe não diminui em nada a extensão da proteção dos demais, e não é possível excluir um cidadão da proteção. Os bens públicos consistem em falhas do mercado, porque os consumidores tendem a assumir a posição de “carona” (free-rider): não pagam pelo bem público na expectativa de que outros o façam. A solução dada pelos economistas é a intervenção estatal: o financiamento governamental do bem público supera a tendência das pessoas a se recusarem a pagar.
Da teoria das falhas do mercado extraíram-se três conceitos de regulação: pelo primeiro, ela consiste em toda a intervenção estatal destinada a corrigir falhas do mercado; pelo segundo, ela consiste em toda a intervenção estatal destinada a corrigir externalidades; pelo terceiro, ela consiste em toda a intervenção estatal destinada a criar condições de mercado nos monopólios naturais. Ademais, mister assinalar que a análise econômica da regulação não se esgota na teoria das falhas do mercado: para Calixto Salomão Filho, por exemplo, a regulação não tem por finalidade nem a correção das falhas, nem a reprodução das condições de mercado; regulação é a intervenção do Estado destinada a criar um sistema de concorrência.48 Os dois primeiros conceitos apresentados são aplicações do conceito cibernético à Economia: bloqueio dos fatores — as referidas falhas — que, ao atuarem em um sistema, o levariam ao desequilíbrio. Os dois últimos afastam-se um pouco desse sentido: referem-se à constituição do sistema ou de seus elementos, o mercado e a concorrência, e não ao bloqueio dos fatores que atuam sobre ele.
Os quatro conceitos são passíveis de crítica: são liberais, dão ênfase à eficiência econômica em menoscabo da equidade econômica. As quatro propostas partem do pressuposto de que ou o livre mercado ou a livre concorrência é o valor mais importante a ser perseguido pelo Estado.49 Essa pressuposição é ideologicamente arbitrária. Dentre os economistas pesquisados, N. Gregory Mankiw foi quem apresentou a teoria mais neutra. Logo no início de sua “Introdução”, afirma que “a mão invisível não garante que todos tenham comida suficiente, roupas decentes e atendimento médico adequado”.50 Adiante, apresentou um rico estudo sobre a intervenção estatal para obtenção de igualdade econômica: a regulação visa também à redistribuição de renda e à eliminação da pobreza.51 Daí o quinto conceito: regulação é toda intervenção estatal destinada a promover a eficiência e a equidade econômicas — solver as falhas do mercado em prol da perfeita competitividade e realizar justiça social.
Pode-se afirmar que os cinco conceitos apresentados são variações da chamada teoria do interesse público. A regulação estaria fundamentada em razões de interesse público: seja a correção das falhas do mercado, seja a criação das condições de um mercado competitivo ou de um sistema de concorrência, seja a redistribuição dos recursos econômicos. Observa-se: para muitos economistas o interesse público a justificar a regulação é exclusivamente a correção das falhas do mercado.52 A visão do que seja o interesse público é, muitas vezes, ideologicamente comprometida. Não foi por isso, contudo, que essa teoria foi criticada. Em 1962 George J. Stigler e Claire Friedland publicaram um trabalho comparativo sobre as tarifas de energia elétrica cobradas nos Estados Norte-Americanos com regulação (tarifas fixadas pelo Estado) e sem regulação (preços livremente fixados pelo mercado) entre 1912 e 1937.53 Concluíram não haver variação significativa e, por isso, conclamaram a inutilidade da regulação nos monopólios naturais. O trabalho foi o precursor da teoria da captura ou da teoria econômica da regulação, apresentada inicialmente por George J. Stigler em 1971.54 Eis a premissa básica: os órgãos reguladores acabam sendo capturados pelos regulados e, assim, a regulação acaba não por buscar o “interesse público”, mas os interesses dos regulados.55 Daí o sexto conceito: regulação seria toda a intervenção estatal na economia destinada a proteger os interesses dos agentes econômicos sujeitos a essa intervenção. A teoria sofreu correções: admitiu-se a possibilidade de captura por outros grupos que não as empresas reguladas e passou-se a defender que a regulação visa à “defesa de interesses privados de grupos politicamente influentes” — sétimo e último conceito.56 Trata-se de uma visão econômica bem pessimista da política, segundo a qual os agentes políticos atuam como maximizadores de seus próprios interesses,57 a regulação é vista como um produto posto no mercado cuja alocação é governada pelas leis da oferta e da procura.58
As análises econômicas estudadas são marcadas por uma forte tendência liberal: os economistas tendem a restringir a regulação estatal à busca de eficiência econômica, ao perfeito funcionamento dos mercados competitivos; a intervenção do Estado deve buscar tão somente o bom funcionamento do mercado (visão liberal ou neoliberal). Dos cinco conceitos inicialmente apresentados, quatro foram considerados ideologicamente viciados. Apesar disso, alguns economistas, principalmente os pertencentes à Escola de Chicago, não se contentaram com a restrição da regulação estatal à eficiência econômica, passaram a defender a desregulação. Os sexto e sétimo conceitos referem-se a essa orientação: não deve haver nenhuma intervenção do Estado (visão neoliberal extremada).
A economia é uma ciência voltada ao estudo da realidade, do mundo do ser. Por isso, são plenamente compreensíveis teorias econômicas que levem em consideração a corrupção, a falta de ética no exercício da política, tudo aquilo que não deveria ocorrer no campo político, mas, infelizmente, ocorre. Por outro lado, os economistas, ao elaborar suas teorias, não estão presos à ideologia de um ordenamento; podem, por isso, defender livremente suas convicções ideológicas. Dos sete conceitos econômicos de regulação considera-se o quinto o melhor conceito: é o único não marcado por uma arbitrária postura liberal ou neoliberal e, por isso, é o único compatível com a ideologia da Constituição brasileira.59
Efetuado este rápido estudo sobre o conceito econômico de regulação, pode-se, finalmente, passar ao estudo do conceito jurídico.
4. Regulação no Direito
O direito é uma ciência deôntica, volta-se ao que deve-ser, e não ao que é. Assumir teorias econômicas como se fossem teorias jurídicas é, no mais das vezes, um despautério. Apesar de ser um erro grave até mesmo para os juristas iniciantes, surpreendentemente é muito comum:60 a maioria dos estudos jurídicos da regulação limita-se a enunciar as teorias econômicas, e o faz como se elas fossem dotadas de préstimo jurídico elevado. Pois bem, as teorias econômicas retro apresentadas só são juridicamente úteis na medida em que revelem a correta compreensão de normas jurídicas positivadas no ordenamento brasileiro. No mais, são absolutamente imprestáveis para o jurista pátrio. As normas jurídicas são extraídas dos textos normativos vigentes: o objeto da ciência jurídica não é o que costuma acontecer na realidade, mas a compreensão desses textos. O conceito de regulação jurídica decorre desses textos, em especial do texto constitucional.
O estudo etimológico da palavra “regulação” indicou dois significados básicos: “estabelecer regras” e “dirigir, governar”. O estudo cibernético indicou um significado técnico: “manter ou restabelecer o funcionamento equilibrado de um sistema”. O estudo econômico sugeriu um acréscimo ao significado cibernético: regular é manter ou restabelecer o funcionamento equilibrado do mercado e — acrescentou-se — atuar sobre ele para que se torne mais justo — não só manter ou restabelecer o equilíbrio do sistema, mas alterar esse sistema. Passo seguinte é enfrentar a pergunta: quando o constituinte utilizou o signo “regular”, utilizou-o com qual significado?
O significado em que uma palavra é usada no texto constitucional deve ser buscado, inicialmente, no próprio texto (postulado da prioridade do texto).61 Em vários dispositivos o contexto deixa claro que o constituinte utilizou o verbo “regular” e, pois, o substantivo “regulação” com o significado, próprio da linguagem comum ou natural, de “disciplinar”, “estabelecer regras”. É o que ocorre nos incisos XXXI e XLVI do art. 5º, no § 2º do art. 18, no § 2º do art. 20, no § 3º do art. 37, no inciso II do § 3º do art. 57, no § 2º do art. 90, no § 2º do art. 91, no inciso II do art. 146, no § 6º do art. 150, no inciso III do § 1º e na letra “g” do inciso XII do § 2º do art. 155, no inciso III do art. 186, no art. 190, no art. 192, no caput do art. 202, no § 1º do art. 217, no inciso I do § 3º do art. 220 e no § 1º do art. 236.62 Em todos esses dispositivos, “regular” é sinônimo de “disciplinar”; as palavras são perfeitamente substituíveis.
Toda função pública consiste na edição de normas jurídicas.63 Legislar, administrar e julgar é editar normas. Nesse sentido, é possível uma regulação legislativa, administrativa e jurisdicional. Trata-se de uma decorrência do significado comum ou natural do signo: estabelecer regras, normatizar.64 Poder-se-ia dizer: mas existe um conceito técnico de regulação, e, pelo postulado da prioridade do significado técnico, este prepondera sobre o significado comum. Ocorre que o contexto indica claramente que o constituinte, em todos esses dispositivos, não adotou o significado cibernético ou econômico – quer dizer, não usou a palavra no significado técnico ou científico. O postulado da prioridade do texto prepondera sobre o postulado da prioridade do significado técnico.
No sistema constitucional brasileiro, salvo disposição expressa do texto em sentido contrário, estabelecer ponderações autônomas no plano abstrato,66 quer dizer, efetuar disciplina de conduta com prognose do caso concreto é incumbência do Legislativo. Apesar do esforço de muitos juristas para demonstrar o contrário, da leitura do inciso II do art. 5º, do art. 49, do inciso IV do art. 84 e do art. 68 extrai-se: regulação abstrata autônoma, salvo expressa disposição constitucional em sentido contrário, é efetuada por lei, é regulação legislativa. Na maioria das vezes, o constituinte foi didático, afirmou que a regulação será feita por lei. Na omissão constitucional, se o contexto não indicar claramente o contrário, é por lei que a regulação abstrata deve ser efetuada.67
O núcleo essencial da função legislativa é efetuar ponderações autônomas no plano abstrato; o núcleo essencial da função administrativa é realizar ponderações no plano concreto – edição de normas jurídicas concretizadoras das ponderações constitucionais e legislativas; e o núcleo essencial da função jurisdicional é verificar o acerto das ponderações legislativas e administrativas.68 As três, portanto, dizem respeito à edição de normas jurídicas. Assim, em um sentido amplo, a regulação administrativa consiste na edição de normas administrativas e é sinônimo de exercício de função administrativa. Há, pois, que se indagar: há um conceito técnico ou científico de regulação administrativa no texto constitucional, ou seja, há, por decorrência do texto, uma regulação administrativa em sentido estrito, enquanto categoria ou espécie da função administrativa – regulação administrativa em sentido amplo? A resposta é afirmativa.
5. Regulação administrativa
O caput do art. 174 da Constituição reza ser o Estado agente normativo e regulador da atividade econômica. Não se presumem palavras inúteis no texto; somente se não for possível dar uma utilidade ao signo constitucional é que ele pode ser desprezado pelo intérprete. Pois bem: se “regulador”, nesse dispositivo, se reportasse ao sentido comum ou natural de “editor de normas”, “disciplinador”, o signo “normativo” seria inútil. Para compreender o texto constitucional faz-se mister esclarecer o seguinte: tecnicamente, toda função estatal é normativa, julgar é precipuamente editar normas concretas, administrar é, em regra, editar normas concretas, mas normas concretas não deixam de ser normas. Ocorre que os juristas, por um equívoco amplamente generalizado, costumam utilizar o signo “normativo” apenas para as normas abstratas.69 O constituinte seguiu a tradição linguística: utilizou o signo “normativo” no texto constitucional para se referir à edição de normas abstratas.
Afirmou-se que, enquanto a função legislativa caracteriza-se precipuamente pela realização de ponderações no plano abstrato, a função administrativa caracteriza-se pela realização de ponderações no plano concreto. Sem embargo, o próprio texto constitucional, no inciso V do art. 49 e no §4º do art. 169,70 indica a possibilidade de função administrativa normativa, quer dizer, edição de normas abstratas pela Administração. Há, porém, que se esclarecer: nos termos do inciso IV do art. 84 da Constituição e do inciso I do art. 25 do ADCT,71 à Administração é permitido efetuar ponderações no plano abstrato apenas e tão somente para concretizar as ponderações legislativas e constitucionais. As ponderações abstratas da administração são instrumentais das ponderações legislativas e constitucionais. Por isso, enfatiza-se a necessidade do qualificativo: legislar é efetuar ponderações autônomas no plano abstrato, administrar é efetuar ponderações no plano concreto e ponderações instrumentais ou não autônomas no plano abstrato. Feitos esses esclarecimentos, registra-se: função normativa, no texto constitucional vigente, diz respeito à edição de normas abstratas, à realização de ponderações no plano abstrato, sejam autônomas ou instrumentais.
Pois bem: regulação no caput do art. 174 não tem o significado de “estabelecer normas abstratas”, pois esse é o significado de “agente normativo”. A palavra “regulação” é, assim, constitucionalmente ambígua: em diversos dispositivos é utilizada no sentido genérico de “estabelecer normas”, no caput do art. 174 é utilizada num sentido específico ou técnico. Regulação administrativa em sentido estrito, primeira conclusão, não consiste em uma atividade normativa no sentido constitucional da palavra, quer dizer, na edição de normas abstratas, na realização de ponderações autônomas ou não autônomas no plano abstrato. Regular é, nesse dispositivo, para os fins constitucionais, efetuar ponderações no plano concreto.
5.1. Regulamentação
É justificado o uso do signo “regulador”, e não “regulamentador”. Na língua inglesa a palavra regulation, mesmo no sentido técnico ou estrito, principalmente no campo jurídico, diz respeito também à edição de normas no plano abstrato. No Direito Norte-Americano regulation abrange o sentido do signo português “regulamentação”, pois em inglês este inexiste.72 Há que se enfatizar: no português isso não ocorre. Nos termos já explicados, o significado técnico difundiu-se por causa da Cibernética, e esta foi enunciada inicialmente no idioma inglês. Ao ingressar nos demais idiomas, o conceito importou o estabelecimento de um signo novo e, pois, a dissociação dos conceitos. Por exemplo: no português, “regulação” e “regulamentação”; no francês, régulation e réglementation;73 no italiano, regolazione e regolamentazione.74 75 A origem inglesa da palavra “regulação”, a inexistência em inglês do signo “regulamentação” e, pois, a utilização pelos juristas norte-americanos do termo “regulação”, no sentido técnico ou específico, também para a edição de normas abstratas pela Administração levaram muitos juristas brasileiros à confusão. Sublinha-se: os conceitos jurídico-positivos de regulação e regulamentação são substancialmente distintos.
No Direito brasileiro, regulamentação significa edição de normas abstratas pelo Chefe do Executivo para tornar possível a fiel execução das ponderações legislativas. Dessarte, a edição de regulamentos é atividade privativa do Chefe do Executivo, nos termos do inciso IV do art. 84 da CF. O legislador efetua uma ponderação no plano abstrato e fixa um meio de concretização dos princípios constitucionais. A Administração deve, no plano concreto, atentar para a ponderação legislativa. Sem embargo, antes de cumprir a lei, deve efetuar também uma ponderação no plano abstrato, em antecipação ao caso concreto. Quer dizer: supondo-se que a lei será integralmente cumprida, fazem-se necessárias normas que tornem possível o cumprimento da ponderação legislativa pela Administração. Essas normas, necessárias ao cumprimento da lei, são editadas pelo chefe do Executivo: são chamadas de regulamentos e sua edição é chamada de regulamentação. A ponderação efetuada pelo Chefe do Executivo – perceba-se – também é abstrata, mas instrumental da ponderação legislativa.76
Todo regulamento, no Direito brasileiro, é executivo. Logo, não se admitem regulamentos autônomos ou independentes e autorizados ou delegados.77 Nos termos do inciso IV do art. 84, os regulamentos são introduzidos por decreto apenas para a “fiel execução da lei”. A vedação aos regulamentos autorizados é decorrência da interpretação a contrario da previsão de lei delegada (art. 68) e do estabelecimento de vigência temporal para as delegações efetuadas antes da Constituição de 1988 (inciso I do art. 25 do ADCT).78
Como afirmado, a edição de regulamentos e dos respectivos veículos introdutores – decretos – é privativa do chefe do Executivo. Há uma clássica exceção, extraída da interpretação sistemática do ordenamento: quando se fazem necessárias averiguação ou operacionalização técnica para precisar os conceitos utilizados na lei, os quais sofrem o influxo de rápida mudança pela modificação das circunstâncias fáticas, a regulamentação pode ser editada diretamente pelo respectivo órgão técnico. Assim, por exemplo, o arrolamento de substâncias que causem dependência física ou psíquica pode ser efetuado pela Secretaria de Saúde: a regulamentação da lei, nesse caso, pode ser veiculada em portaria.79
Os decretos previstos nas letras do inciso VI do art. 84 da CF, cuja redação foi determinada pela Emenda Constitucional 32/01, podem ser delegados, nos termos do parágrafo único do mesmo dispositivo, aos ministros, no âmbito federal, e, pelo princípio da simetria,80 aos secretários, no âmbito estadual e municipal. Trata-se de regulamentos impróprios, pois não importam, propriamente, a regulamentação de um diploma legislativo. O previsto na letra “a” decorre da separação dos poderes e, pois, da prerrogativa de cada poder se administrar: decreto expedido para organização e funcionamento da Administração, quando não implique aumento de despesa, criação ou extinção de órgãos públicos. O previsto na letra “b” decorre de uma ponderação em concreto e, pois, é uma exceção ao paralelismo das formas: decreto para extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos. Disposição do patrimônio público é, no sistema brasileiro, dependente de autorização legislativa;81 por isso, a instituição de cargo ou função deve dar-se por lei; se foi instituído por lei, deveria ser extinto por lei. O poder reformador, porém, atribuiu a competência ao Chefe do Executivo: trata-se de norma administrativa concreta editada por decreto. Se nem regulamentos são, por óbvio não são regulamentos autônomos.82
É possível a edição de normas abstratas por outros agentes públicos, desde que na função de hierarcas: são introduzidas por portarias ou instruções. Essas normas, porém, não são regulamentos: não se destinam a tornar possível o cumprimento da ponderação legislativa, mas, sim, a disciplinar o cumprimento das funções pelos subordinados. Elas têm, portanto, apenas efeitos internos, restringem-se à relação funcional dos servidores, estabelecem deveres aos subordinados. Decorrem da hierarquia, da prerrogativa do hierarca de disciplinar a forma como os subordinados devem cumprir suas atribuições. Como o chefe do Executivo é ocupante do posto mais alto da hierarquia do Poder Executivo, ele também tem a prerrogativa de editar essas normas, e o faz por decreto.83
Até aqui o tema já foi amplamente explorado pela doutrina. Há, porém, um ponto que ainda não foi adequadamente explorado. O núcleo essencial da função administrativa é efetuar ponderações no plano concreto. Diante de determinadas circunstâncias fáticas e jurídicas, a Administração edita um ato administrativo concreto, em cumprimento dos princípios constitucionais incidentes, considerando as ponderações constitucionais e legislativas. Pois bem, imagine-se que a solução diante do caso concreto não esteja prevista expressamente na lei: a ponderação concreta leve a um resultado não explicitado no plano abstrato e, assim, não decorre diretamente de uma subsunção (tipificação das circunstâncias fáticas à hipótese de uma regra abstrata). É possível extrair dessa ponderação administrativa, por força da segurança jurídica e da isonomia, uma regra de precedência condicionada: em circunstâncias fáticas e jurídicas equivalentes deve ser adotada a mesma solução concreta.84 A Administração, por óbvio, pode, tendo em vista a segurança jurídica, editar essa norma abstrata.
Essas normas abstratas não são regulamentos autônomos: a solução apontada por elas já se encontra implícita no sistema. Podem ser denominadas de regulamentos executivos, mas executivos da Constituição, e não da lei. A ponderação dos princípios constitucionais pode implicar um resultado discricionário ou vinculado. No plano abstrato, perceba-se, o mais comum é que o resultado das ponderações efetuadas pelo Legislativo decorra, em certa medida, de uma opção política, do exercício de uma escolha entre duas ou mais alternativas – do exercício, enfim, de discricionariedade. É comum que o sistema exija a atuação do Legislativo, mas lhe deixe margem de escolha: há, na falta do exercício funcional, omissão legislativa, e contra ela o sistema prevê a ação de inconstitucionalidade por omissão e o mandado de injunção. Há casos, porém, excepcionais, nos quais o sistema normativo exige, mesmo no plano abstrato, uma solução precisa, certa: não dá margem a escolhas.85 Nesses casos, de total vinculação no plano abstrato, na falta de atuação legislativa, a Administração pode agir no caso concreto. Justamente nesses casos a ponderação abstrata pode ser veiculada em decretos, portarias e instruções. A Administração apenas explicita o que já está disciplinado no sistema normativo. É, então, possível edição de normas administrativas abstratas, pelo hierarca, para positivação das regras de precedência condicionadas extraídas de ponderações estritamente vinculadas.86
Toda norma administrativa abstrata, regulamentar ou não regulamentar, introduzida por decreto, portaria ou instrução, importa em uma limitação do exercício da competência do subordinado. Por meio delas o superior hierárquico efetua uma ponderação que seria efetuada, caso não fossem editadas, pelo subordinado. São, assim, um instrumento de limitação do exercício da discricionariedade administrativa: escolhas que seriam efetuadas por diversos agentes são efetuadas apenas pelo hierarca; este retira ou restringe a possibilidade de escolha de seus subordinados, escolhe por eles.87 É também uma forma de garantir o correto exercício de competências vinculadas: ao invés de deixar ao subordinado o encargo de descobrir, no caso concreto, a solução correta, o superior a fixa de antemão, evitando equívocos.
Eis, em síntese, as balizas da edição de normas abstratas pela Administração – e, pois, do exercício da função regulamentar. Retoma-se: regulação administrativa nada tem a ver com regulamentação; refere-se à edição de normas administrativas concretas.88 Pode ser que as ponderações concretas, resultantes da regulação, importem na enunciação de regras abstratas (regras de precedência condicionada), quer dizer, o exercício de função normativa. São, porém, inconfundíveis: função normativa da Administração e função administrativa reguladora.
5.2. Atividade externa
Em decorrência do exposto até o momento é possível afirmar: há um conceito técnico de regulação no texto constitucional, extraído da redação do caput do art. 174. Pelo postulado da prioridade do significado pretérito, o sentido técnico das palavras constitucionais é o sentido corrente quando da promulgação da Constituição. O conceito cibernético e o econômico dantes apresentados, ao menos em suas linhas gerais, já estavam assentes nas respectivas ciências em outubro de 1988. Eles, por isso, são porto seguro à extração de importantes subsídios para compreensão do conceito jurídico de regulação administrativa (em sentido estrito).
Regulação em Cibernética consiste na manutenção do funcionamento equilibrado de um sistema pelo bloqueio de fatores externos que se atuassem sobre ele, o levariam ao desequilíbrio. O regulador, portanto, é um mecanismo que age sobre um sistema, jamais sobre si próprio. Perceba-se: mesmo que um organismo regule seu próprio funcionamento, o regulador age sobre o sistema orgânico, e não sobre si mesmo. Essa característica da regulação tornou-se mais marcante no campo econômico: é atuação do Estado sobre o mercado, sobre os agentes econômicos, quer dizer, sobre os particulares, e não sobre o próprio Estado. Como enfatizou Mitnick (supra, IV), a regulação não está incluída na atividade que haverá de regular-se. Eis uma característica fundamental da regulação administrativa: é uma atividade estatal voltada aos particulares, à esfera de liberdade destes, e não à atuação do Estado.89 É, pois, em poucas palavras, uma atividade externa.
Dessa característica extraem-se vários desdobramentos, comumente ignorados pela doutrina. O primeiro deles: regulação de serviços públicos ou regulação de monopólios estatais é contradictio in termines. Com efeito: serviços públicos e monopólios estatais são atividades do Estado – e, pois, não passíveis de regulação; a intervenção do Estado sobre elas é de outra natureza, substancialmente distinta.90 Assim como não há sentido algum em falar em regulação das atividades prestadas pelos servidores e empregados públicos, também não há sentido algum em falar em regulação das atividades prestadas pelos concessionários e permissionários. Se prestadas direta ou indiretamente pelo Estado, pouco importa: são atividades estatais – e, pois, incompatíveis com a função reguladora.
Segundo desdobramento: a regulação administrativa decorre precipuamente da supremacia geral da Administração. Trata-se de uma ingerência do Estado sobre todos os particulares enquanto agentes econômicos. Quer dizer: não decorre de uma relação específica com o administrado, de uma relação especial de sujeição.91 Há exceções a essa assertiva. Prevalece na doutrina a invocação do critério orgânico para identificação das relações especiais de sujeição: caracterizam-se pela duradoura e efetiva inserção do administrado na esfera organizativa da Administração.92 Sem embargo, acolhe-se aqui a proposta de Mario Roberto Molano López: adota-se um critério material ou funcional para identificação dessas relações.93 Elas se identificam não apenas pela inserção do administrado na organização administrativa, mas por sua inserção no âmbito funcional da Administração – o que ocorre com o exercício de atividades especialmente qualificadas pelo interesse público.
Dito isso, é possível vislumbrar um campo de relações especiais de sujeição objeto de regulação administrativa. Trata-se das chamadas atividades privadas sob regime especial.94 Diante do substancial interesse social dessas atividades, o exercício delas insere o administrado em uma relação especial de sujeição à ingerência estatal.95 Existem, assim, duas espécies de regulação administrativa: a primeira, comum, voltada a todas as atividades econômicas, própria de uma relação geral de sujeição dos agentes econômicos ao poder estatal, aqui denominada de regulação normal; a segunda, incomum, voltada às atividades econômicas privadas sob regime especial, própria de uma relação especial de sujeição de certos agentes econômicos à ingerência administrativa, aqui denominada de regulação excepcional. Essas atividades especiais estão previstas expressa ou implicitamente na Constituição. São exemplos: educação (CF, art. 209), saúde (CF, art. 197), assistência social, previdência social, atividade financeira (CF, art. 192), produção e comercialização de tabaco (CF, art. 220, §4º),96 de fogos de artifício. Na falta de norma constitucional expressa, a atividade econômica só pode ser qualificada como atividade especial se diretamente relacionada a um valor particularmente protegido constitucionalmente (saúde, segurança pública etc.).
5.3. Finalidade
A palavra regulação – observa Hartmut Maurer – é anfibológica: refere-se a uma atividade, à edição de um ato administrativo, e ao produto dessa atividade, aos efeitos do ato administrativo editado, ao resultado jurídico produzido.97 Ambos, tanto a atividade como seu produto, são conceitos definidos pela finalidade.98 São úteis, mais uma vez, as considerações dantes efetuadas sobre a regulação cibernética e econômica: regulação, no sentido técnico, já se assentou, visa à manutenção do equilíbrio de um sistema (conceito cibernético) e à modificação do sistema (conceito econômico). A regulação jurídica, em sentido estrito, é uma atividade externa: restringe-se à atividade econômica, à esfera de liberdade dos particulares enquanto agentes econômicos. Vale dizer: a regulação jurídica tem por objeto o sistema econômico. Busca, precipuamente, a manutenção do equilíbrio do sistema econômico – a correção das chamadas falhas de mercado – a eficiência econômica, e a modificação do sistema econômico – a realização de justiça social –, a equidade econômica.
A atenta leitura do texto constitucional exige o afastamento da proposta neoliberal de restrição da regulação à eficiência econômica. O caput do art. 170 é enfático: “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. Ademais, toda atividade estatal está atrelada, iniludivelmente, aos objetivos fundamentais do Estado brasileiro fixados no art. 3º da CF, dentre eles: construir uma sociedade justa, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais. É conclusão lógica: se esses são os objetivos fundamentais do Estado, toda atividade estatal tem por finalidade realizá-los. Por tudo isso, pode-se afirmar: a regulação administrativa não apenas tem por finalidade também a equidade econômica, mas, mais do que isso, a equidade econômica, pela interpretação sistemática do texto constitucional vigente, é seu principal objetivo. Em suma: a regulação administrativa é a atividade da Administração Pública (bem como os efeitos jurídicos dessa atividade) voltada, primeiro, para a concretização de equidade econômica e, segundo, para a obtenção de eficiência econômica, sendo que no direito positivo brasileiro a primeira finalidade prepondera sobre a segunda.99
Essa conclusão é válida apenas para a regulação normal, quer dizer, para a regulação referente às relações gerais de sujeição: a atividade regulatória do Estado pode até buscar outras finalidades nesse campo, mas em caráter excepcional – e, pois, mediante motivação densa, explicitadora de uma ponderação marcada por circunstâncias fáticas e jurídicas incomuns. A regra nas relações gerais de sujeição é que a regulação vise ou à equidade econômica ou à eficiência econômica ou a ambas.
Pois bem, a regulação das atividades privadas sob regime especial, a regulação, por assim dizer, excepcional, pertinente a relações especiais de sujeição, não se volta apenas a essas finalidades, pelo contrário, como regra busca outros objetivos: tutelar a saúde, a segurança etc. Basta um exemplo: por óbvio, não se regula a produção de cigarros apenas para corrigir as falhas do mercado e garantir uma melhor distribuição de renda, mas também para tutelar a saúde dos consumidores. Pode-se, assim, afirmar: a finalidade da regulação nas relações econômicas normais é, precipuamente, a equidade e a eficiência do mercado; a finalidade da regulação nas relações econômicas especiais é, precipuamente, a tutela dos valores que as tornam especiais.
5.4. Meios
Várias atividades administrativas não se definem propriamente pela finalidade, mas pelo meio de realização. Três exemplos: de uma maneira breviloquente, o chamado poder de polícia consiste na atividade administrativa impositiva de restrições aos particulares; o fomento consiste na atividade administrativa oferente de benefícios aos particulares; o planejamento consiste na limitação do exercício futuro da competência discricionária. Pois bem, as três atividades devem visar ao interesse público, mas não é a finalidade que as define.100 Perceba-se: é possível impor condicionamentos aos particulares, oferecer-lhes benefícios e limitar a atuação discricionária futura com a finalidade de obter equidade e eficiência econômicas. Por isso, são meios de exercício da regulação. É o que se extrai, ademais, da literalidade do art. 174 da Constituição: “como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento”. Passa-se ao exame desses meios regulatórios.
5.4.1. Ordenação
A teoria do poder de polícia foi revista por força dos avanços do constitucionalismo e da elaboração da teoria da ordenação. Esta é a disciplina constitucional e legislativa da atividade privada. Quando essa disciplina exige a intermediação da Administração, constitui o campo da administração ordenadora.101 Na sistematização proposta por Carlos Ari Sundfeld a ordenação administrativa dá-se por meio de quatro técnicas: (a) constituição de situações jurídicas ativas por meio de atos administrativos ampliativos de direitos (principalmente, licenças e autorizações); (b) constituição de situações jurídicas passivas por meio de atos restritivos de direitos impositivos de condicionamentos administrativos (limitações, consistentes em proibições, imposições de obrigações de não fazer; encargos, consistentes em imposições de obrigações de fazer; e sujeições, consistentes em imposições de obrigações de suportar); (c) imposição de sacrifícios de direito (como a desapropriação); e (d) imposição de deveres autônomos.102 Todas pressupõem uma prévia ponderação constitucional ou legislativa, vale dizer, a edição de uma norma abstrata pelo Constituinte ou pelo Legislador. A imposição de condicionamentos desdobra-se em quatro grupos de competências: (a) impor condicionamentos; (b) fiscalizar seu cumprimento; (c) reprimir a não observância da imposição (que se dá por meio de três grupos de competências – expedição de ordens para correção da ilegalidade, adoção de medidas cautelares e imposição de sanções); e (d) executar as medidas necessárias ao cumprimento dos condicionamentos.103
É perfeitamente possível que a regulação se dê pela constituição de situações jurídicas privadas ativas. O parágrafo único do art. 170 da CF estabelece o livre exercício de qualquer atividade econômica, mas possibilita a exigência legal de autorização administrativa para esse exercício. Pode-se fixar a seguinte diretriz: essa exigência é muito incomum, quase impossível, na regulação normal e frequente, quase necessária, na regulação excepcional. É justamente a tutela do bem jurídico fundamentante da especialidade da atividade econômica que justifica a imposição pelo Legislador de autorização administrativa para o seu exercício. Nas relações gerais de sujeição a exigência dessa autorização – ressalvadas circunstâncias fáticas e jurídicas excepcionalíssimas – viola o direito à livre iniciativa econômica, fundamento da República (inciso IV do art. 1º. da CF). A excepcionalidade da exigência de autorização é extraída da própria literalidade do parágrafo único do art. 170: no dispositivo afirma-se, primeiro, que é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica; após, que esse exercício independente de autorização de órgãos públicos; e só depois, de modo a tornar indiscutível o caráter excepcional, ressalva-se a possibilidade de a lei exigir essa autorização. Em suma: como regra geral, regulação administrativa pela técnica da constituição de direitos privados para o exercício da atividade (e não para a realização de um ato específico)104 105 viola o direito fundamental à livre iniciativa econômica; só é admissível para as atividades privadas sob o regime especial. É, assim, técnica própria da regulação excepcional.106
A instituição de situações jurídicas passivas – vale dizer, a imposição de condicionamentos – é um dos principais meios de exercício da regulação. Como já antecipado, existem três espécies de condicionamentos: limitações, sujeições e encargos. O sistema normativo não admite — ressalvadas circunstâncias fáticas e jurídicas incomuns — que sejam fixadas obrigações de suportar e de fazer para obtenção de equidade e eficiência econômicas. Para esse desiderato, são tranquilamente admitidas obrigações de não fazer. Logo, é possível fixar a seguinte diretriz: na regulação normal a imposição de sujeições é excepcional e a imposição de encargos é excepcionalíssima; já para tutela do bem jurídico protegido nas atividades privadas sob regime especial – vale dizer, na regulação excepcional – esses condicionamentos são admitidos de modo consueto.
Como afirmado, regulação administrativa diz respeito ao exercício de ponderações no plano concreto: está essencialmente ligada à fiscalização – competência, aliás, expressamente prevista no mencionado art. 174 da CF. O exercício da competência fiscalizadora pressupõe o exercício da função normativa – quer dizer, a fixação de condicionamentos no plano abstrato – e o exercício de outras competências no plano concreto – a repressão do descumprimento e a adoção das medidas necessárias ao cumprimento forçado. Logo, a competência para fiscalizar pressupõe as competências para impor, reprimir e executar. A escolha do signo pelo Constituinte foi apropriada: regulação é controle do sistema. A utilização do signo teve a função pragmática de dar ênfase a uma das competências: fiscalizar pressupõe impor e reprimir, mas regular é, principalmente, fiscalizar. É marcante aqui a ideologia constitucional: a Constituição é socializante,107 mas capitalista. Instituiu um Estado Interventor, mas exige liberdade econômica.108 Nesse ponto, o Constituinte deixou claro: no campo da exploração da atividade econômica prevalece o valor da liberdade. O campo econômico é dos particulares, nele o Estado é agente externo, com a função precípua não de intervir, mas de fiscalizar.
É possível também que a regulação se dê por meio de sacrifícios de direitos. A Lei delegada 4/1962, revogada pela Lei 13.874/1019, previa no inciso III do art. 2º expressamente a desapropriação para fins regulatórios. A Lei 13.874/2019, apesar de tecnicamente deplorável, ao menos possui um espírito mais apropriado à Constituição de 1988, que, no campo econômico, exige o respeito à liberdade – daí a instituição, nesse campo, de um Estado preponderantemente “fiscalizador”. Apesar da revogação, ainda é plenamente possível a desapropriação para fins de equidade e eficiência econômicas. A Constituição admite o sacrifício do direito de propriedade mediante prévia e justa indenização em dinheiro para fins de necessidade, utilidade pública ou interesse social (art. 5º., XXIV):109 essas três expressões abrangem os fins regulatórios. Deveras: a expropriação é perfeitamente compatível com a regulação normal e, com mais razão, com a regulação excepcional. Não é possível, por outro lado, instituição de deveres autônomos para fins de regulação: nos termos expostos, a regulação consiste em uma intervenção na atividade econômica; por conseguinte, a imposição de deveres para fins regulatórios, quando admitida (imposição essa, como visto, excepcionalíssima na regulação normal), jamais será autônoma.110
A ordenação administrativa pressupõe sempre uma ponderação no plano abstrato: a prévia ponderação constitucional ou legislativa. Daí ser possível afirmar: função reguladora é, em regra, indissociável da função normativa.111 Trata-se de uma ponderação no plano concreto em cumprimento de uma ponderação no plano abstrato. Conforme já antecipado, a teoria do poder de polícia foi revista: a ela se reservou um campo próprio, autônomo em relação à teoria da ordenação administrativa. Poder de polícia passou a ser a denominação dada à prerrogativa conferida à Administração Pública de, nas relações gerais de sujeição, impor no plano concreto obrigações de não fazer, em concretização direta da Constituição – vale dizer, sem a intermediação prévia de uma ponderação legislativa ou constitucional.112 Fixe-se o seguinte: no exercício da competência regulatória, a Administração Pública só pode impor obrigações de não fazer, sem fundamento legal expresso, para tutela dos bens protegidos no âmbito das atividades privadas sob o regime especial, ou seja, no âmbito de uma relação especial de sujeição. Quer dizer: não é possível a imposição de obrigações de não fazer não previstas em lei para obtenção de equidade ou eficiência econômica. Diante disso, conclui-se: o poder de polícia é incompatível com a regulação administrativa.113 Em relação à imposição de condicionamentos, de duas, uma: ou a regulação consiste em uma ordenação administrativa, em uma mera efetivação do já fixado no plano abstrato pelo Legislador, ou consiste em uma imposição de proibições (obrigações de não fazer) não previstas em lei, mas nesse caso a imposição se restringe ao âmbito das relações especiais de sujeição relativas às atividades privadas sob regime especial.
5.4.2. Fomento
Há quem restrinja a regulação à imposição de condicionamentos.114 O texto constitucional afasta esse entendimento: a regulação dá-se, nos termos do art. 174, não apenas pela função de fiscalização, mas também pela função de incentivo. Se fiscalização é o signo utilizado pelo Constituinte para se referir à função administrativa ordenadora, incentivo é o signo utilizado para se referir à função administrativa fomentadora. Duas notas essenciais caracterizam o fomento: (a) voluntariedade, que o diferencia da ordenação e do poder de polícia; (b) objetivo de satisfação indireta das necessidades públicas, que o diferencia do serviço público.115 Ele não é imposto aos particulares, ou seja, o agente fomentado não é obrigado a adotar o comportamento almejado pelo Estado, é livre para aderir ou não aos propósitos estatais; trata-se de uma forma de persuasão. Outrossim, por meio do fomento a Administração não realiza diretamente o interesse público, ela convence o administrado a fazê-lo, quem age é o agente fomentado; a realização é, dessa forma, indireta.
É perfeitamente possível utilizar essa técnica administrativa com a finalidade de obter equidade ou eficiência econômica e, por conseguinte, como meio regulatório. Ela também é utilizada para tutela dos bens jurídicos protegidos nas atividades privadas sob regime especial. Deveras, a intervenção no domínio econômico pode dar-se por direção, pela regulação mediante ordenação, ou por indução, pela regulação mediante fomento.116 A palavra “incentivo” deve ser tomada em sentido amplo: incentivo para fazer algo ou para não fazer algo. Noutras palavras, abrange o incentivo propriamente dito e o desencorajamento. O fomento pode dar-se, assim, por estímulos ou desestímulos.117 Um dos exemplos mais correntes de fomento por estímulo é a subvenção, entrega de determinada soma em dinheiro ao administrado. São correntes também incentivos tributários como isenções e alíquotas menores.118 O exemplo mais comum de desestímulo são as alíquotas tributárias maiores.119 A extrafiscalidade, a utilização do direito tributário para fins diversos da mera arrecadação,120 é uma espécie de fomento administrativo e, comumente, um meio de regulação econômica. Muitos economistas – relembra-se – sugerem a cobrança de um tributo para internalização das externalidades negativas e o oferecimento de uma subvenção para internalização das externalidades positivas: fomento por desestímulo e por estímulo, respectivamente.
5.4.3. Planejamento
Segundo o art. 174 da CF, a regulação dá-se não apenas pelas funções de fiscalização e incentivo, mas também pela função de planejamento, sendo este — consta do dispositivo — “determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”. O ato de planejar vincula-se à situação própria de quem tem a possibilidade de escolher entre duas ou mais alternativas. Essa situação divide-se em duas espécies inconfundíveis: a liberdade, própria dos particulares, e a discricionariedade, própria da Administração.121 É óbvio que o particular pode planejar como exercerá sua liberdade no futuro, e o Estado não pode usurpar-lhe esse direito. Do contrário, evidente, ocorreria o completo esvaziamento do direito fundamental à liberdade: a possibilidade de livre escolha entre duas ou mais alternativas, decorrente da liberdade, simplesmente desapareceria, pela antecipação da escolha pelo Estado. Com efeito: planejamento estatal vinculante para os particulares, de modo genérico, é o clímax do totalitarismo. A Constituição de 1988 consagra o direito fundamental à liberdade e, mais que isso, o direito fundamental à liberdade econômica. Donde o planejamento estatal não vincula os particulares.
Abre-se para os agentes públicos, legisladores e administradores, porém, em muitas situações, a possibilidade de escolherem entre duas ou mais alternativas. Não se trata de liberdade, a escolha não é livre: devem buscar a melhor forma de concretizar o interesse público, trata-se de discricionariedade.122 O Estado pode antecipar as escolhas futuras: planejar. Eis a natureza jurídica do planejamento estatal: é uma restrição ao exercício futuro da discricionariedade por meio da antecipação. A fortiori, não consiste em um meio de intervenção na ordem econômica e, pois, em um meio de regulação; trata-se de uma forma de realização dos meios de intervenção, dos meios da regulação. Quer dizer: em rigor, os meios são a ordenação, o fomento e, nos termos a seguir examinados, a exploração direta; as decisões discricionárias relativas a esses meios devem, sempre que possível, ser antecipadas.123
A Constituição federal de 1988 exigiu, à exaustão, o planejamento.124 A natureza jurídica afasta um equívoco comum de parte da doutrina: é evidente que o planejamento é juridicamente vinculante para o Estado.125 O exercício futuro da discricionariedade deve atentar para a antecipação efetuada, para o que consta do plano. Ao antecipar as escolhas discricionárias do futuro, estas se tornam mais eficientes: não são tomadas no calor do momento, mas ponderadas com calma e isenção de ânimo. Ademais, concretiza-se a segurança jurídica: os particulares sabem de antemão como serão as decisões discricionárias do porvir. O caráter não vinculativo – observa-se – não isenta os particulares dos efeitos das decisões estatais. Um exemplo: o planejamento urbanístico antecipa as decisões discricionárias do Estado sobre o meio urbano; uma vez adotadas essas decisões, elas afetarão os proprietários de imóveis urbanos.126 São, portanto, inconfundíveis: a não vinculação do plano, a vinculação da execução do plano. O texto constitucional, nesses termos, possui precisão ímpar: o planejamento é vinculante para o setor público – obriga os agentes públicos, quando das decisões discricionárias futuras, a observar a antecipação fixada no plano — e indicativo para o setor privado — revela para os particulares quais serão as decisões discricionárias futuras. Em relação ao presente tema, fixe-se o seguinte: o Estado deve, na medida do possível, antecipar as decisões discricionárias relativas à regulação. Essa antecipação dá-se, na maioria das vezes, pelo exercício de ponderações no plano abstrato: exige a função normativa. É possível, apesar de bem menos frequente, a antecipação no plano concreto do exercício de ponderações concretas.
5.4.4. Exploração da atividade econômica
A leitura isolada do art. 174 da CF induz a pensar que a regulação administrativa restringe-se à ordenação e fomento planejados. A interpretação sistemática, porém, revela: o sistema constitucional admite um terceiro meio de regulação: a exploração direta da atividade econômica. Essa possibilidade é extraída do art. 173. Não há como negar que o Estado pode enfrentar as falhas do mercado – garantir a eficiência econômica – e concretizar a justiça social – obter a redistribuição da renda – mediante a exploração direta da atividade econômica. Pode também por esse meio tutelar os bens jurídicos protegidos nas atividades econômicas especiais.
A regulação dá-se, assim, por três formas: (a) por direção – regulação por ordenação; (b) por indução – regulação por fomento; e (c) por participação – regulação por exploração direta. As três, sempre que possível, devem ser planejadas. Essa classificação aplica-se também à intervenção do Estado na ordem econômica.127 Cumpre distinguir: toda regulação é uma intervenção na ordem econômica, mas nem toda intervenção na ordem econômica é uma regulação. Nos termos já expostos, a regulação é um conceito finalístico: define-se pela busca de equidade ou eficiência econômica nas atividades econômicas comuns e pela tutela do bem jurídico protegido nas atividades econômicas especiais. O Estado pode, nos termos do caput do art. 173 da CF, explorar diretamente a atividade econômica quando a exploração for “necessária aos imperativos da segurança nacional” ou “a relevante interesse coletivo”.128 Perceba-se: o relevante interesse coletivo pode corresponder aos fins regulatórios ou não. Noutras palavras: pode ser que, por exemplo, o relevante interesse coletivo corresponda à concretização de equidade ou eficiência econômica ou à tutela dos bens protegidos nas atividades econômicas especiais, a justificar a regulação por meio de exploração direta. Mas é possível também que o relevante interesse coletivo não corresponda a essas finalidades e, assim, justifique a exploração direta sem fins regulatórios. É justamente por isso que a exploração direta não consta do art. 174: o Constituinte permitiu-a para fins regulatórios e não regulatórios.
Deveras, a exploração direta é um dos meios de exercício da função reguladora. Essa assertiva é praticamente isolada na doutrina brasileira: a quase unanimidade dos autores restringe a regulação à intervenção indireta na economia.129 Esse equívoco generalizado tem assento ideológico.
À guisa de conclusão, enuncia-se o conceito de regulação administrativa considerado mais apropriado ao texto constitucional vigente: consiste na intervenção da Administração na atividade econômica dos particulares mediante direção (regulação por ordenação), indução (regulação por fomento) ou participação (regulação por exploração direta), sempre que possível de forma planejada, por meio da edição de normas concretas, com a finalidade de obter equidade ou eficiência econômica ou de tutelar os bens jurídicos justificantes da especialidade das atividades privadas sob regime especial.
Notas
1Cf. MANUEL TERÁN, Juan. Filosofía del derecho, pp. 81-83.
2Fernando Sainz Moreno explica o postulado da inteligibilidade da linguagem jurídica: “La norma jurídica para ser vigente debe ser comprensible por todos aquellos a quienes obliga, no sólo por los especialistas que han de aplicarla, sino también por todos los ciudadanos que deben respetarla. Este principio exige simplificar hasta el límite de lo posible el funcionamiento del ordenamiento jurídico y exige también, sobre todo, que los textos jurídicos estén redactados en el lenguage que todos hablan”. (Conceptos jurídicos, interpretación y discrecionalidad administrativa, p. 98). Para uma análise crítica desse postulado: MARTINS, Ricardo Marcondes. Regulação administrativa à luz ada Constituição Federal, p. 61 e ss.
3Cf. CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico nova fronteira da língua portuguesa, p. 672; FARIA, Ernesto. Dicionário latino-português, p. 854; SARAIVA, F. R. dos Santos. Dicionário latino-português, p. 1016.
4Cf. FARIA, Ernesto. Dicionário latino-português, p. 854.
5SARAIVA, F. R. dos Santos. Dicionário latino-português, p. 1.016.
6Cf. HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles (ed.). Dicionário Houaiss da língua portuguesa, p. 2.418.
7Ibidem.
8Cf. LATIL, Pierre de. O pensamento artificial: introdução à cibernética, p. 17-20. Afirma esse autor: “Mas aqueles que deveriam criar a cibernética, lançando uma ponte entre as suas respectivas ciências, teriam, sem dúvida, ficado nas especulações teóricas se a guerra não lhes tivesse submetido um problema perfeitamente prático”. (Idem, p. 17).
9Cf. WIENER, Norbert. Cibernética e sociedade: o uso humano de seres humanos, pp. 15-17. “Cibernética foi definida por Wiener como ‘a ciência do controle e da comunicação, no animal e na máquina’ – numa palavra, como a arte do comando” (ASHBY, W. Ross. Introdução à cibernética, p. 1). Segundo informa Isaac Epstein, a palavra “cibernética” havia sido utilizada, antes de Wiener, por Ampère para se referir à “arte do piloto” (Cibernética, pp. 7-8). O progresso científico nas últimas décadas alcançou um ritmo avassalador. A regulação é o tema central da Cibernética, mas — necessário enfatizar — esse ramo é hoje questionado por muitos cientistas. A Inteligência Artificial tem o mesmo campo de estudo que a cibernética. Explicam Stuart Russell e Peter Norvig: “Então, por que a IA e a teoria de controle são dois campos diferentes, especialmente quando se consideram as conexões estreitas entre seus fundadores? A resposta reside no acoplamento estrito entre as técnicas matemáticas familiares aos participantes e os conjuntos de problemas correspondentes que foram incluídos em cada visão do mundo. O cálculo e a álgebra de matrizes, as ferramentas da teoria de controle, eram adequadas para sistemas que podem ser descritos por conjuntos fixos de variáveis contínuas; além disso, a análise exata em geral só é viável para sistemas lineares. Em parte, a IA foi criada como meio de escapar das limitações da matemática da teoria de controle na década de 1950. As ferramentas de inferência lógica e computação permitiram que os pesquisadores da IA considerassem alguns problemas como linguagem, visão e planejamento, que ficavam completamente fora do campo de ação da teoria de controle”. (Inteligência artificial, p. 17). A Cibernética é aqui referida porque foi a partir dela que se tornou corrente o significado técnico de regulação; não se ignora o fato de que parte da comunidade científica propõe um novo ramo em substituição a ela. Sem embargo, a superação da Cibernética pela IA, obviamente, em nada afeta o conceito jurídico-positivo de regulação.
10Cf. ASHBY, W. Ross. Introdução à cibernética, pp. 233-234, §10.5.
11Pierre de Latil apresenta explicação diferente. Primeiro, conceitua efeito: “fato considerado como dependente de outros fatos chamados fatores”. Depois, efeituador: “é um sistema natural ou artificial que produz um certo efeito”. (O pensamento artificial, p. 91). E, após, explica: “Regular um efeituador é agir sobre os valores dos fatores, de sorte que seu efeito útil atinja um certo alvo (efeituador de constância) ou se aproxime dele ao máximo (efeituador de tendência)”. (Idem, p. 95). Regulagem é, pois, “uma ação sobre os fatores para que o efeituador produza um determinado efeito”. (Idem, p. 96). De certa forma, só mudam as palavras: regulagem é agir sobre os fatores (“D”) para que o sistema atinja certo alvo ou se aproxime dele (“E”).
12Cf. FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação, pp. 191-192.
13ASHBY, W. Ross. Introdução à cibernética, p. 233, §10.5.
14Afirma Bertrand du Marais: “Dans le domaine scientifique et technique, et plus particulièrement en cybernétique, selon la définition du Larousse, la régulation est ‘l’ensemble des mécanismes permettant le maintien de la constance d’une fonction”. (Droit public de la régulation économique, p. 483). Em sentido próximo, Paulo-Laurent Frier afirma: “Le mot, en français, se rapporte, en effet, à l’action qui permet d’assurer le fonctionnement correct de quelque chose, à un rythme régulier (trafic routier, écoulement des eaux). Il est d’usage fréquent dans le domaine des sciences exactes, en physique, chimie, cybernétique ou biologie” (Le régulation comme fonction: propos introductifs. Droit de la régulation, service public et intégration régionale, p. 67). O conceito é o apresentado nos dicionários franceses. Consta, por exemplo, do Le Petit Robert: “le fait de maintenir un équilibre, d’assurer le fonctionnement correct (d’un système complexe)”. (REY-DEBOVE, Josette; REY, Alain. (Directs.). Le nouveau petit Robert, p. 2221).
15Cf. MOREIRA, Vital. Auto-regulação profissional e Administração Pública, p. 34.
16Há quem discorde. Robert Boyer parece negar ao conceito econômico de regulação o significado cibernético. (A teoria da regulação: uma análise crítica, p. 46). Apresenta o seguinte conceito: “Designaremos sob o termo ‘regulação’ a conjunção dos mecanismos que viabilizam a reprodução do conjunto do sistema, em função do estado das estruturas econômicas e das formas sociais”. (Idem, p. 181).
17Nas palavras dele: “Portanto, assim como todo indivíduo se esforça o mais possível para investir seu capital na manutenção da atividade interna e com isso dirigir essa atividade de modo que sua produção tenha o máximo valor, todo indivíduo necessariamente também se empenha para tornar o rendimento anual da sociedade o maior possível. É verdade que em geral não tem a intenção de promover o interesse público, nem sabe quanto o está promovendo. Ao preferir sustentar a atividade interna em detrimento da atividade estrangeira, ele tem em vista somente a própria segurança; ao dirigir essa atividade de modo que sua produção tenha o maior valor possível, não pensa senão no próprio ganho, e neste, como em muitos outros casos, é levado por uma mão invisível a promover um fim que não era, em absoluto, sua intenção promover”. (A riqueza das nações, p. 567).
18Afirma N. Gregory Mankiw: “Embora os mercados sejam geralmente uma boa maneira de organizar a atividade econômica, essa regra está sujeita a algumas exceções importantes. Há dois motivos genéricos para que um governo intervenha na economia – promover a eficiência e promover a equidade. Ou seja, a maioria das políticas tem por objetivo ou aumentar o bolo econômico ou mudar a maneira como o bolo é dividido”. (Introdução à economia, p. 11). O aclamado professor de Harvard apresenta, então, dois princípios gerais da economia: (1) os mercados são geralmente uma boa maneira de organizar a atividade econômica; (2) às vezes os governos podem melhorar os resultados dos mercados. (Idem, pp. 9-12).
19Cf. BROWNING, Edgar K.; ZUPAN, Mark A. Microeconomia, p. 109. Não há que se confundir Economia, direito econômico e análise econômica do Direito. O objeto do direito econômico é o conjunto de normas jurídicas relativas à atividade econômica. Segundo Celso Ribeiro Bastos “o direito econômico tem como objetivo o estudo das normas que dispõem sobre a organização econômica de um País, é dizer, as leis que regem a produção, a distribuição, a circulação e o consumo de riquezas, tanto no plano nacional como internacional” (Direito econômico brasileiro, p. 58). André de Laubadère apresenta conceito mais estrito: “o direito público econômico é, assim, o direito aplicável às intervenções das pessoas públicas na economia e aos órgãos dessas intervenções” (Direito público econômico, p. 28). O objeto da Economia é o modo “como a sociedade administra seus recursos escassos”. Cf. MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia, p. 4. No mesmo sentido: ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à economia, p. 63. São campos absolutamente distintos, inconfundíveis: enquanto o primeiro volta-se ao deôntico, a segunda volta-se ao ôntico. Infelizmente, porém, os juristas que examinam o direito econômico e a regulação, com raras exceções, perdem-se em análises e teorias econômicas. Fixa-se de maneira indelével: direito econômico é interpretação de normas jurídicas referentes à intervenção do Estado na economia; Economia é compreensão de fatos do mundo fenomênico relativos ao modo como as pessoas se comportam diante da escassez de recursos. Sem embargo, alguns consideram úteis as teorias econômicas para compreensão do fenômeno jurídico. Quer dizer: utilizam teorias econômicas para a elaboração de teorias jurídicas, desenvolvem a teoria geral do direito a partir da teoria econômica. Dentre eles, merece especial destaque POSNER, Richard A. El análisis económico del derecho; Problemas de filosofia do direito, p. 473 et seq. Esses estudos, em geral, são úteis para a política legislativa, mas de pouca serventia para a Ciência do Direito. Compreender todo o fenômeno jurídico a partir das teorias econômicas é um exagero. Sem embargo, reconhece-se a inestimável utilidade para a teoria geral do Direito de algumas teorias econômicas. Ao examinar o postulado da proporcionalidade, mais precisamente o subpostulado da necessidade, afirma Robert Alexy: “No âmbito de um enfoque indiferencialista, a estrutura do exame da necessidade pode ser representada com o auxílio do critério de eficiência de Pareto. De acordo com esse critério, uma constelação A é preferível a uma constelação B ‘se, com a passagem de B para A nenhum dos envolvidos tem sua situação piorada em relação à situação anterior e ao menos um dos envolvidos tem sua situação melhorada’” (Teoria dos direitos fundamentais, p. 170, rodapé 222, grifo nosso).
20Cf. WESSELS, Walter J. Economia, p. 368. Logo adiante, esse autor esclarece: “Uma economia tem eficiência distributiva quando todas as outras possíveis distribuições de bens (e insumos) seriam piores para alguém. Dito de outra forma: uma economia tem eficiência distributiva quando não houver outras possibilidades de transações que sejam mutuamente vantajosas para duas pessoas (ou grupos)”. (Op. cit., p. 370).
21BROWNING, Edgar K.; ZUPAN, Mark A. Microeconomia, p. 109.
22Idem, p. 110.
23Ibidem. É um completo despautério associar o signo “eficiência”, do caput do art. 37 da CF (com a redação dada pela Emenda 19/98), a esse conceito econômico. Todo o texto constitucional clama por uma Administração Pública que não se limite a buscar apena o “ótimo de Pareto”. Basta lembrar que um dos objetivos do Estado Brasileiro é “erradicar a pobreza”, e essa erradicação é impossível pela mera eficiência econômica. Eficiência, enquanto princípio da administração pública, é uma denominação infeliz para o postulado da justiça. Cf. MARTINS, Ricardo Marcondes. Estudos de direito administrativo neoconstitucional, p. 59-60. Celso Antônio Bandeira de Mello associa a eficiência ao já consagrado princípio da boa administração (Curso de direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, Cap. II-26, p. 122). Sobre a boa administração, vide: MARTINS, Ricardo Marcondes. Proporcionalidade e boa administração. Revista Internacional de Direito Público (RIDP), pp. 9-33.
24Robert S. Pindyck e Daniel L. Rubinfeld diferenciam quatro visões sobre a equidade: a visão igualitária atribui a mesma quantidade de bens a todos os membros da sociedade; a visão rawlsiana maximiza a utilidade da pessoa de menor posse; a visão utilitarista atribui pesos iguais à utilidade de cada pessoa e, consequentemente, propõe que se deve maximizar a utilidade total de todos os membros da sociedade; a visão orientada para o mercado considera o resultado alcançado pelo mercado equitativo, pois recompensa os mais capazes e os que trabalham com mais afinco. Pontuam os autores: “Enquanto a visão igualitária explicitamente requer igualdade de alocações, a visão rawlsiana enfatiza a igualdade (pois, de outra forma, algumas pessoas estariam em situação bem pior que outras). A visão utilitarista tende a implicar alguma diferença entre os membros mais ricos e os mais pobres de uma sociedade. Por fim, a última visão, a orientada para o mercado, pode levar a uma substancial desigualdade na alocação de bens e serviços”. (Microeconomia, pp. 510-511).
25Explicam Edgar K. Browning e Mark A. Zupan:“O modo mais intuitivo de entender por que a concorrência perfeita soluciona eficientemente os três problemas econômicos básicos de distribuição, produção e produto talvez seja observar que uma economia competitiva conta com trocas voluntárias. Sempre que qualquer variação possível na alocação tanto de insumos quanto de bens promete benefícios mútuos aos participantes do mercado, as pessoas têm incentivos a exaurir as trocas para auferir esses ganhos. Se todas as trocas mutuamente benéficas forem consumadas, como o são nos mercados competitivos, nenhuma troca mais beneficiará alguns e prejudicará outros. O resultado é eficiente”. “Essa discussão é prova, em nível abstrato, do famoso teorema da ‘mão invisível’, de Adam Smith, ou seja, as pessoas que perseguem seus próprios fins em um mercado competitivo promovem uma importante meta social — eficiência econômica — que não é de fato a sua intenção e a qual elas podem nem mesmo entender”. (Microeconomia, p. 386). Em coro: PINDYCK, Robert S.; RUBINFELD, Daniel L. Microeconomia, pp. 508-509; MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia, pp. 148-150.
26Ao discriminar as falhas do mercado os economistas costumam apresentar esses quatro fatores. Por todos: PINDYCK, Robert S.; RUBINFELD, Daniel L. Microeconomia, pp. 523-525; BROWNING, Edgar K.; ZUPAN, Mark A. Microeconomia, pp. 388-389. Miguel Ángel Sendín García, porém, menciona diversas outras falhas (Regulación y servicios públicos, pp. 28-29).
27Sobre o tema vide: MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia, p. 313 e ss.; WESSELS, Walter J. Economia, p. 317 e ss.; BROWNING, Edgar K.; ZUPAN, Mark A. Microeconomia, p. 214 e ss.; PINDYCK, Robert S.; RUBINFELD, Daniel L. Microeconomia, p. 287 e ss.
28Cf. MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia, pp. 329-331; WESSELS, Walter J. Economia, p. 372-375; BROWNING, Edgar K.; ZUPAN, Mark A. Microeconomia, pp. 231-234.
29Cf. MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia, pp. 332-333.
30Sobre os monopólios naturais, vide: MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia, pp. 316-317; BROWNING, Edgar K.; ZUPAN, Mark A. Microeconomia, pp. 305-308; PINDYCK, Robert S.; RUBINFELD, Daniel L. Microeconomia, p. 308.
31O exemplo é de MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia, p. 316.
32Regulação não visaria propriamente à correção das falhas do mercado, mas a reprodução ou criação das condições de mercado. É o que informa Calixto Salomão Filho sobre a Escola Neoclássica ou Econômica da Regulação: “O ponto comum e sistematizador dessa casuística, no entanto, existe, e está exatamente na crença na possibilidade de reprodução das condições de mercado através da agência regulatória naqueles setores em que essas condições não podem ser produzidas naturalmente. Deve haver regulação, portanto, em setores caracterizados por monopólios naturais, nos quais há informação inadequada ou condições estruturais que levem a uma concorrência excessiva ou predatória” (Regulação da atividade econômica: princípios e fundamentos jurídicos, p. 23). Ao estudar a regulação Richard A. Posner restringe-se às situações de monopólio e monopsônio, levando a crer que adota essa orientação (El análisis económico del derecho, pp. 429- 621). Esse é o conceito proposto por Robert Boyer (A teoria da regulação, p. 181), concepção essa que se afasta do conceito cibernético.
33Cf. BROWNING, Edgar K.; ZUPAN, Mark A. Microeconomia, pp. 289-290; PINDYCK, Robert S.; RUBINFELD, Daniel L. Microeconomia, p. 530.
34Sobre as informações assimétricas vide: MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia, p. 480 e ss.; BROWNING, Edgar K.; ZUPAN, Mark A. Microeconomia, p. 289 e ss.; PINDYCK, Robert S.; RUBINFELD, Daniel L. Microeconomia, p. 529 e ss.
35Cf. MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia, p. 482.
36Observa Mankiw: “Embora a informação assimétrica possa exigir ação do governo em alguns casos, há três fatores que complicam a questão. Primeiro, como vimos, o mercado privado pode, algumas vezes, lidar sozinho com as assimetrias de informação usando uma combinação de sinalização e seleção. Segundo, o governo raramente dispõe de mais informações que as partes privadas. Mesmo que a alocação de recursos do mercado não seja a melhor possível, pode ser a segunda melhor. Ou seja, quando há informações assimétricas, os formuladores de políticas podem ter dificuldade para melhorar o resultado reconhecidamente imperfeito do mercado. E, terceiro, o próprio governo é uma instituição imperfeita”. (Introdução à economia, p. 484).
37Sobre as externalidades vide: MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia, p. 203-222; BROWNING, Edgar K.; ZUPAN, Mark A. Microeconomia, pp. 398-407; PINDYCK, Robert S.; RUBINFELD, Daniel L. Microeconomia, pp. 555-575; WESSELS, Walter J. Economia, pp. 430-434.
38Cf. MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia, p. 207.
39Sobre o tema, vide: MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia, pp. 213-214; PINDYCK, Robert S.; RUBINFELD, Daniel L. Microeconomia, pp. 560-567. Juridicamente — enfatiza-se —, não se trata de imposto. No exemplo de Pigou — “valor cobrado pelo direito de poluir” —, trata-se de uma compensação ambiental. No direito brasileiro ela está prevista no art. 36 da Lei Federal 9.985/00: “Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório - EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste art. e no regulamento desta Lei”. Reza o §1º: “O montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor para esta finalidade não pode ser inferior a 0,5% (meio por cento) dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento, sendo o percentual fixado pelo órgão ambiental licenciador, de acordo com o grau de impacto ambiental causado pelo empreendimento”. O STF, em acórdão relatado pelo Min. Carlos Britto, considerou constitucional esse dispositivo, definindo a natureza jurídica da cobrança como compensação ambiental. (STF, Plenário, ADI 3.378-6/DF, j. 09.04.2008, DJ 20.06.2008). No brilhante voto, o conceituado Ministro assentou: “Com efeito, à luz do art. 36 e seus §§ 1º., 2º. e 3º. da Lei 9.985/00, vê-se que todos os empreendimentos de relevante impacto ambiental estão sujeitos a compensação-compartilhamento. Compensação-compartilhamento que terá o seu quantum fixado pelo órgão licenciador, de acordo com a compostura do impacto ambiental que vier a ser dimensionado no relatório – EIA/RIMA. Noutros termos, o órgão licenciador não poderá, arbitrariamente, definir o valor do licenciamento compartilhado, uma vez que deverá agir sob o manto da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37 da CF). Deve, isto sim, fixar o quantum compensatório em estrita conformidade com os dados técnicos do EIA/RIMA”. A compensação ambiental foi analisada, com proficiência, na tese de doutoramento de Erika Bechara (Licenciamento e compensação ambiental: na lei do sistema nacional das unidades de conservação (SNUC). São Paulo: Altas, 2009, p. 163 et seq.). Em sentido contrário, Édis Milaré e Priscila Santos Artigas consideram tratar-se de tributo e, por isso, reputam-na inconstitucional. (Compensação ambiental: questões polêmicas. Revista de direito ambiental, n. 43, p. 111).
40É o que afirma N. Gregory Mankiw: “A razão pela qual os economistas prefeririam o imposto é o fato de que ele reduz a poluição mais eficientemente. O regulamento exige que duas fábricas reduzam a poluição na mesma quantidade, mas uma redução uniforme não é necessariamente a forma menos dispendiosa de limpar a água. É possível que a fábrica de papel consiga reduzir a poluição a um custo menor que a fábrica de aço”. E, pouco adiante: “Sob uma política de regulamentação de comando e controle, as fábricas não teriam motivo para reduzir as emissões uma vez que tivessem atingido a meta de 300 toneladas de lixo. Já o imposto dá às fábricas um incentivo para desenvolver tecnologias com níveis de poluição menores porque reduzem o montante de impostos que as fábricas devem pagar” (Introdução à economia, p. 213-214).
41MITNICK, Barry M. La economía política de la regulación, p. 22.
42Idem, p. 24.
43Ibidem.
44Idem, p. 25, tradução nossa.
45Sobre o tema vide: MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia, p. 210-211; WESSELS, Walter J. Economia, pp. 431-432; BROWNING, Edgar K.; ZUPAN, Mark A. Microeconomia, pp. 401-404; PINDYCK, Robert S.; RUBINFELD, Daniel L. Microeconomia, pp. 570-571. Coase desenvolveu o assunto no trabalho “The Problem of Social Cost”. Journal of Law and Economics, n. 3, pp. 1-45. A denominação “Teorema de Coase” foi dada por George J. Stigler, segundo informa o próprio Coase (Essays on economics and economists, p. 10). Coase dá o seguinte exemplo: o gado de um rancheiro invade a propriedade de um fazendeiro e destrói sua plantação, um custo externo associado à criação de gado. Se o fazendeiro tiver o direito de plantar em um ambiente livre de pisoteios, o rancheiro deverá pagar uma quantia em dinheiro pelos danos causados ao fazendeiro. Se não tiver esse direito, o fazendeiro deverá pagar uma quantia ao rancheiro para evitar o prejuízo. Em ambos os casos um acordo entre os dois internaliza a externalidade. Por todos: BROWNING, Edgar K.; ZUPAN, Mark A. Microeconomia, p. 403. Sintetizam esses autores: “No que diz respeito à eficiência, o Teorema de Coase afirma que não importa se os direitos de propriedade cabem inicialmente ao fazendeiro ou ao rancheiro. Desde que os direitos sejam claramente definidos e impostos, a barganha entre as partes pode garantir um resultado eficiente”.
46Nesse sentido: MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia, pp. 211-212; BROWNING, Edgar K.; ZUPAN, Mark A. Microeconomia, p. 404.
47Sobre o tema vide: BROWNING, Edgar K.; ZUPAN, Mark A. Microeconomia, pp. 393-398; MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia, pp. 224-239; PINDYCK, Robert S.; RUBINFELD, Daniel L. Microeconomia, pp. 575-581; WESSELS, Walter J. Economia, pp. 434-438. Por óbvio, o conceito econômico de bem público nada tem a ver com o conceito jurídico. Sob o aspecto jurídico, bens públicos são todos os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público, bem como os que, embora não pertençam a tais pessoas, estejam afetados a uma atividade pública, independentemente de serem não rivais e não disputáveis. Sobre o conceito, por todos, v.: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, pp. 903; ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Função social da propriedade pública, p. 13 e ss.
48Afirma Calixto Salomão Filho: “As falhas dessa concepção neoclássica são, hoje, evidentes. A reprodução em laboratório de condições de mercado é inviável, seja através da regulação ou da autorregulação” (Regulação da atividade econômica: princípios e fundamentos jurídicos, p. 25). E, adiante, pontua: “A possibilidade de efetiva competição é, portanto, um valor fundamental da regulação. Na sua aplicação deve o Estado agir com energia, garantindo a existência de concorrência (é sempre bom lembrar, concorrência não se confunde com mercado). Requer, isso sim, diluição forçada do poder econômico”. (Idem, p. 34). Após, diferencia concorrência e mercado: “Consequentemente, a concorrência e não o mercado é o valor institucional a ser protegido. A possibilidade de escolha tem um valor social, que não pode ser negado, devendo ser necessariamente reconhecido pelo Direito. O mercado, por outro lado, não necessariamente leva a esse resultado. É aí que o Estado deve intervir, garantindo a primeira, e não o segundo”. (Idem, p. 38). E esclarece: “[...] A regulação não visa a eliminar falhas do mercado, mas sim a estabelecer uma pluralidade de escolhas e um amplo acesso ao conhecimento econômico, que jamais existirá em um mercado livre” (Idem, p. 42). Gaspar Ariño Ortiz, após enfatizar que a regulação aparece ante a inexistência, os fracassos ou as falhas do mercado, e que a regulação é por definição um “substituto do mercado”, propõe o que chama de “regulação para a concorrência”: “en el difícil equilibrio entre mercado y regulación, la competencia es el objetivo prioritario y la regulación es el instrumento necesario para defender la competencia (para crearla cuando aquélla no existe) o para sustituirla cuando sea imposible su creación porque existan elementos de monopolio natural”. (Principios de derecho público económico, p. 564; La liberalización de los servicios públicos en Europa: hacia un nuevo modelo de regulación para la competencia. Servicios públicos, regulación y renegociación, p. 21). O autor, apesar de fazer referência aos conceitos neoclássicos de regulação, muito se aproxima da doutrina de Calixto Salomão Filho.
49Calixto Salomão Filho, apesar de enfatizar que a proteção institucional da concorrência não é o único valor objetivado pela regulação (Regulação da atividade econômica, p. 35), apresenta-a indiscutivelmente como o valor mais importante a ser perseguido.
50MANKIW, Gregory N. Introdução à economia, p. 12.
51MANKIW, Gregory N. Introdução à economia, pp. 429-448. Chega a caracterizar a luta contra a pobreza como um bem público e, assim, como uma falha do mercado (Idem, p. 228). Apesar de sua sistematização ser irretocável, ela destoa da apresentada por muitos economistas: os liberais ou neoliberais tendem a enfatizar apenas a alocação eficiente de recursos, pouco importando a justiça dessa alocação. Mercado que funciona bem é, para eles, o mercado eficiente, e não o mercado justo. Por isso, na teoria das falhas do mercado a eliminação da pobreza não costuma ser mencionada — o que justifica a diferenciação aqui proposta, inspirada na teoria do próprio Mankiw: falhas de mercado referem-se à eficiência econômica; eliminação da pobreza, redução da desigualdade social e melhor distribuição da renda referem-se à equidade econômica.
52Sobre o tema vide, por todos: POSNER, Richard A. teorias da regulação econômica. Regulação econômica e democracia: o debate norte-americano, pp. 49-80, em especial pp. 50-56. Calixto Salomão Filho parece ter uma visão equivocada sobre essa teoria econômica ao afirmar: “(...) Ela evidencia o fato de que a justificativa para regulação (...) nada tem a ver com a preservação do mercado” (Regulação da atividade econômica, p. 17). Em completo equívoco, compara a teoria econômica do interesse público com a Escola jurídica do serviço público (Idem, p. 17-21). Enfatiza-se: para muitos economistas o interesse público consiste na correção das falhas do mercado.
53STIGLER, George J.; FRIEDLAND, Claire. What can regulators regulate?: the case of electricity, Journal of law and economics, n. 5, pp. 1-16, apud BROWNING, Edgar K.; ZUPAN, Mark A. Microeconomia, p. 308.
54STIGLER, George J. The theory of economic regulation. The bell journal of economics and management science, v. 2, pp. 3-21, apud SOARES, José Fernando. Teorias económicas de regulação, p. 83. Richad A. Posner sustenta existir substancial diferença entre a teoria da captura e a teoria econômica da regulação (Teorias da regulação econômica. Regulação econômica e democracia: o debate norte-americano, p. 56 et seq.). São, porém, comumente equiparadas: SOARES, José Fernando. Teorias económicas de regulação, p. 83 e ss.; SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica, pp. 22-23. A teoria foi, posteriormente, rediscutida por Posner, Peltzman e Becker, todos economistas da Escola de Chicago, cf. SOARES, José Fernando. Teorias económicas de regulação, p. 83. Sobre as contribuições de Sam Peltzman e Gary Becker, vide: PELTZMAN, Sam. A teoria econômica da regulação depois de uma década de desregulação. Regulação econômica e democracia: o debate norte-americano, pp. 89-93.
55José Fernandes Soares apresenta um amplo e profundo estudo sobre a captura (Teorias económicas de regulação, p. 75 e ss.). Apenas um exemplo é suficiente para demonstrar o equívoco dessa premissa: a intervenção estatal no Brasil sobre os planos de saúde até o início do Governo Temer, por óbvio, não foi efetuada para atender os interesses das empresas seguradoras. Afirmar que a regulação consiste na intervenção estatal destinada sempre a atender os interesses dos regulados é, portanto, uma estultícia.
56POSNER, Richard A. Teorias da regulação econômica, p. 59.
57PELTZMAN, Sam. A teoria econômica da regulação depois de uma década de desregulação, p. 86.
58POSNER, Richard A. Teorias da regulação econômica, p. 60. O autor assim conclui seu estudo: “Esse artigo ofereceu várias críticas tanto às teorias tradicionais do interesse público quanto à mais nova teoria econômica que concebe a regulação como um serviço fornecido para efetivos grupos políticos de interesse. Não se pode dizer que qualquer uma das teorias possui, no momento, suporte empírico significativo”. (Idem, p. 74). Enfatiza-se: esse autor — um dos nomes mais respeitáveis da interpretação econômica do Direito e da Escola de Chicago — reconhece a falta de base científica de todas as teorias econômicas da regulação.
59Sobre a ideologia da Constituição brasileira v.: MARTINS, Ricardo Marcondes. Regulação administrativa à luz da Constituição Federal, pp. 48-57.
60O fato demonstra que a afirmação de Celso Antônio Bandeira de Mello, proferida em 1983, é ainda nos dias de hoje absolutamente verdadeira: “Como na área jurídica o estudo do Direito não é sério, ninguém se sente – digamos assim – com urticária diante de certas coisas”. (Poder constituinte. Revista de direito constitucional e ciência política, n. 4, pp. 98-99).
61Sobre os postulados hermenêuticos v. MARTINS, Ricardo Marcondes. Regulação administrativa à luz da Constituição Federal, p. 57-65.
62Eis as respectivas redações:
Art. 5º, XXXI e XLVI – “a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus"; XLVI – “a lei regulará a individualização da pena”.
Art. 18, § 2º – “os Territórios Federais integram a União, e sua criação, transformação em Estado ou reintegração ao Estado de origem serão reguladas em lei complementar”.
Art. 20, § 2º – “a faixa de até cento e cinquenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei”.
Art. 37, § 3º – “a lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: [...]”.
Art. 57, § 3º, II – “elaborar o regimento comum e regular a criação de serviços comuns às duas Casas”.
Art. 90, § 2º – “a lei regulará a organização e o funcionamento do Conselho da República”.
Art. 91, § 2º – “a lei regulará a organização e o funcionamento do Conselho de Defesa Nacional”.
Art. 146, II – “cabe à lei complementar: regular as limitações constitucionais ao poder de tributar”.
Art. 150, § 6º – “qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g”.
Art. 155, § 1º, III – “§ 1º O imposto previsto no inciso I: terá competência para sua instituição regulada por lei complementar: [...]”.
Art. 155, § 2º, XII, “g” – “cabe à lei complementar: regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados”.
Art. 186, III – “a função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: observância das disposições que regulam as relações de trabalho”.
Art. 190 – “a lei regulará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional”.
Art. 192 – “o sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram”.
Art. 202, caput – “o regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar”.
Art. 217, § 1º – “o Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei”.
Art. 220, § 3º, I – “compete à lei federal: regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada”.
Art. 236, §1º – “Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário”. (grifos nossos).
63Cf. MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo, p. 52 e ss. O conceito de função ora adotado exclui os atos materiais, considerados efeitos do exercício da função (Idem, p. 62).
64É esse, justamente, o conceito de regulação apresentado pelo publicista alemão Hartmut Maurer: “Regulação é uma ordenação vinculativa juridicamente, uma declaração de vontade (ou várias declarações de vontade ajustadas mutuamente) que está dirigida para a fixação de uma consequência jurídica”. E, pouco adiante, com absoluta coerência, afirma: “o contrato, que se realiza por duas declarações de vontade ajustadas mutuamente, é, também, uma regulação”. (Direito administrativo geral, p. 207-208). Deveras: contrato é veículo introdutor de normas editadas pelos particulares; é, no sentido ora apresentado, uma regulação.
65Cf. MARTINS, Ricardo Marcondes. Regulação administrativa à luz da Constituição Federal, pp. 57-65.
66Vários assuntos tratados nesta exposição foram examinados em outras oportunidades. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello enunciou advertência de ouro para trabalhos acadêmicos: “Na exposição de qualquer doutrina, parte-se de certos postulados e, apesar de serem suscetíveis de prova, esta deve ser tomada como já feita, sendo tais postulados, no momento, recebidos como axiomas”. (Natureza jurídica do Estado Federal, p. 19). Sobre a ponderação vide: MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo, p. 161 e ss.; MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso de direito e constitucionalização do direito privado, p. 31 e ss. Vide também: ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 163 e ss.; SIECKMANN, Jan-R. El modelo de los principios del derecho, passim.
67Sobre o tema vide BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, p. 335 e ss. Vide também MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo, III-2.4, p. 81 e ss. Há que se fazer uma ressalva: o Poder Executivo só pode fazer ponderações autônomas no plano abstrato por medida provisória ou por lei delegada. Assim, nem nas relações especiais de sujeição são admitidos regulamentos autônomos ou autorizados (Idem, pp. 83-88). Há uma importante exceção, mencionada adiante. Na ADI 3.521-5/PR, j. 28.09.2006, DJ. 16.03.2007, o Min. Eros Grau, relator, afirmou: “Jamais compreendi a diferença entre lei e marco regulatório”. A resposta jocosa, mas muito apropriada, do Min. Sepúlveda Pertence merece registro: “Isso é para enganar jurista, Ministro”. Seguida do seguinte comentário, irônico, não menos jocoso, do Min. Cezar Peluso: “Sempre achei que fosse o nome de alguma pessoa”. Deveras, é para rir, talvez o mais apropriado fosse chorar. Esses modismos linguísticos ridículos costumam ser passageiros, mas esse, em especial, parece que veio para ficar: marco regulatório significa lei, nada mais, nada menos.
68Sobre os conceitos de funções administrativa, legislativa e jurisdicional vide MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo, op. cit., Cap. III, pp. 64 e ss. Os particulares também devem ponderar (cf. MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso de direito e constitucionalização do direito privado, p. 74 e ss.). Por isso, também cabe à função jurisdicional, quando provocada, verificar o acerto das ponderações privadas.
69Enunciam-se alguns exemplos. Geraldo Ataliba explicou o caráter “normativo” do regulamento nestes termos: “O regulamento é em regra genérico e abstrato (...) Genérico, porque regula um gênero de atos; abstrato, porque, quando editado, é presumido inspirado por considerações que transcendem necessariamente os casos individuais. Na sua edição, abstrai o editor qualquer pessoa particular, fixando-se na contemplação abstrata de um modelo ou padrão dos fatos suscetíveis de ocorrerem”. (Poder regulamentar do Executivo. Revista de Direito Público, p. 188). Nesse ponto, em voz uníssona, afirma Diógenes Gasparini: “Ato administrativo normativo (...). A expressão permite distinguir o regulamento, ato materialmente abstrato, geral e impessoal, do ato executivo, substancialmente concreto”. (Poder regulamentar, p. 6). No mesmo sentido: MELLO, Vanessa Vieira de. Regime jurídico da competência regulamentar, pp. 53-59; CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do poder executivo, passim. Atrelar a norma jurídica à abstração é um equívoco ideológico há muito superado na Ciência do Direito. Por todos: BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica, p. 180 e ss.
70Dispõe o inciso V do art. 49: “é da competência exclusiva do Congresso Nacional: sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”. (grifo nosso). E o § 4º do art. 169: “se as medidas adotadas com base no parágrafo anterior não forem suficientes para assegurar o cumprimento da determinação da lei complementar referida neste artigo, o servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo motivado de cada um dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal” (grifo nosso). Surpreendentemente, Floriano de Azevedo Marques Neto defende, com base no inciso V do art. 49, mencionado, um poder regulamentar autônomo para o Executivo e a ampla admissibilidade de regulamentos autorizados. (Agências reguladoras independentes: fundamentos e seu regime jurídico, pp. 108-109). A admissão de atos normativos pelo Executivo nesse dispositivo importa, com todo respeito pelo nobre jurista, apenas e tão somente a admissão de normas administrativas abstratas. Em nenhum momento o texto constitucional autoriza que essas normas regulamentares sejam autônomas. Pelo contrário: insiste que sejam instrumentais das normas legislativas abstratas. Tanto é que, se o regulamento importar em ponderações autônomas, será passível de sustação pelo Congresso.
71Segundo o inciso IV do art. 84: “compete privativamente ao Presidente da República: sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução”. (grifo nosso). O inciso I do art. 25 do ADCT dispõe: “ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a: ação normativa” (grifo nosso).
72Por todos: GARNER, Bryan A. (ed.). Black’s law dictionary, p. 1311; ELIZABETH, Walter (ed.). Cambridge advanced lerarner’s dictionary, p. 1197. Regulation é assim definida no dicionário de Black: “The act or process of controlling by rule or restriction”. Perceba-se: rule ou restriction. Em sentido contrário, Odete Medauar afirma que a regulamentação se expressa em inglês pelo termo rulemaking (O direito administrativo em evolução, p. 253). Eis o conceito de rulemaking apresentado por Black: “The process used by an administrative agency to formulate, amend, or repeal a rule or regulation” (Idem, p. 1358).
73REY-DEBOVE, Josette; REY, Alain. (Directs.). Le nouveau petit Robert, p. 2218 e 2221. Claude Pondaven, ao tratar da regulação econômica, utilizou o signo réglementation (La théorie de la réglementation: efficacité économique ou efficacité politique?). Traduzir regulation por “regulamentação” é um equívoco comum, portanto, não só no idioma português.
74Cf. CANNELLA, Mario (dir.). Lo Zingarelli, pp. 1497-1.498.
75Franck Moderne constatou o parentesco linguístico do signo “regulação” em diferentes idiomas; além de mencionar os indicados acima, arrola: regulación (espanhol), regulierung (alemão) e regulering (dinamarquês). Desse excepcional parentesco linguístico — afirma — extraem-se duas possibilidades: em uma perspectiva otimista, indica que em todos os Estados atribuiu-se uma mesma temática à gestão das atividades econômicas; em uma perspectiva pessimista, apenas explica uma ilusão de ótica, a proximidade das palavras sugere erroneamente que elas tenham em todos os idiomas o mesmo significado. (Les usages de la notion de ‘régulation’ dans le droit positif et la doctrine juridique des États de l’Union européenne. Droit de la régulation, service public et intégration régionale, pp. 72-73). Pode-se afirmar que o conceito cibernético de regulação é o mesmo em todos os idiomas, o que justifica a proximidade dos signos. Mas no campo jurídico é plenamente verdadeira a conclusão pessimista do autor: o conceito jurídico de regulação é um conceito jurídico-positivo, e, pois, dependente do direito positivo de cada Estado. Pressupor, do mero parentesco linguístico, a equivalência de significados é erro técnico grosseiro.
76O tema foi tratado em: MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo, IV-5.1, pp. 115-118.
77Foi o que defendeu com maestria Roque Antonio Carrazza, em sua tese de doutoramento (O regulamento no direito tributário brasileiro, p. 13). Registra-se a respeitável posição contrária de: FERRAZ, Sergio. Três estudos de direito, p. 119.
78Sobre o tema vide, por todos BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, Cap. VI, p. 339 e ss.; vide também: MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo, p. 81 e ss.
79Vide a primorosa exposição de BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, VI-35-38, pp. 362-365. A Lei federal 11.343/2006 proíbe drogas no território nacional. Estabelece o parágrafo único do art. 1º. desse diploma: “Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionadas em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União”. O Chefe do Executivo regulamentou essa lei com a edição do Decreto 5.912/2006, cujo art. 14, I, preceitua: “Para o cumprimento do disposto neste Decreto, são competências específicas dos órgãos e entidades que compõem o SISNAD [Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas]: I – do Ministério da Saúde: a) publicar listas atualizadas periodicamente das substâncias ou produtos capazes de causar dependência”. Letícia Queiroz de Andrade chama os regulamentos que especificam “as obrigações introduzidas por lei que demandem complementação técnica”, e “que podem ser editados por quaisquer órgãos ou entidades tecnicamente especializados da Administração Pública”, de regulamentos de complementação. (Poder normativo das agências reguladoras: legitimação, extensão e controle. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, n. 15).
80Sobre o princípio da simetria: MARTINS, Ricardo Marcondes. Estudos de direito administrativo neoconstitucional, p. 82 e ss.
81Cf. MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo, III-1.4.3, pp. 74-75.
82Muitos doutrinadores de renome têm incidido no equívoco de vislumbrar nas letras do inciso VI do art. 84 da CF a admissibilidade de regulamentos autônomos. Por todos, menciona-se: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 91. Sem desprestigiar a nobre jurista, discorda-se: esses decretos não “regulamentam”; não são, pois, regulamentos.
83Ensina Paulo Otero: “O poder de direção, enquanto elemento inerente à hierarquia administrativa, traduz-se na faculdade de o superior hierárquico emanar comandos vinculados a todos os órgãos subordinados. Esses comandos podem ser específicos para uma situação concreta e individualizada (: ordens), ou gozarem de aplicação generalizada e abstrata para situações futuras (: instruções)” (Conceito e fundamento da hierarquia administrativa, pp. 109-110).
84A expressão é de Robert Alexy (Teoria dos direitos fundamentais, p. 94 e ss.). Nas palavras dele: “Por conseguinte, de um enunciado de preferência acerca de uma relação condicionada de preferência decorre uma regra, que, diante da presença da condição de precedência, prescreve a consequência jurídica do princípio prevalente. Nesse sentido, é possível formular a seguinte lei sobre a conexão entre relações de preferências condicionadas e regras: (K) Se o princípio P1 tem precedência em face do princípio P2 sob as condições C: (P1 P P2) C, e se do princípio P1, sob as condições C, decorre a consequência jurídica R, então, vale uma regra que tem C como suporte fático e R como consequência jurídica: C R. Uma formulação menos técnica seria: (K’) As condições sob as quais um princípio tem precedência em face de outro constituem o suporte fático de uma regra que expressa a consequência jurídica do princípio que tem precedência” (Idem, pp. 98-99).
85Jan-R. Sieckmann explica: “Con respecto a los argumentos que se incluyen en la ponderación, se pueden diferenciar entre ponderaciones vinculadas completa o parcialmente o no vinculadas. En una ponderación completamente vinculada están aducidos todos los argumentos que el dictaminador ha de considerar. Así, en la restricción de derechos fundamentales con garantía irrestricta en virtud de otros valores constitucionales, está ya determinado en la Constitución qué argumentos han de ser incluidos en la ponderación del legislador. No hay libertad de decisión para el legislador en sentido de considerar otros fines políticos en la ponderación. En cambio, en la restricción de un derecho fundamental en virtud de una reserva de ley, el legislador puede perseguir también fines políticos no mandados constitucionalmente. Finalmente, las ponderaciones legislativas pueden ser de pura naturaleza política, sin que los argumentos que se han de ponderar sean aducidos constitucionalmente” (El modelo de los principios del derecho, p. 124).
86A Resolução 7/2005 do Conselho Nacional de Justiça é, assim, constitucional não porque existe implícito no texto constitucional um poder regulamentar autônomo (como sugeriu o Min. Carlos Ayres Britto no magistral voto proferido na ADC-MC 12/DF, j. 16.02.2006, DJU 01.09.2006, p. 15), mas sim porque se trata de uma explicitação do que já está implícito no texto constitucional. Quer dizer: a Resolução 7/2005 consiste na enunciação pela Administração de uma ponderação abstrata totalmente vinculada. Trata-se, por conseguinte, de um regulamento executivo da Constituição.
87No Brasil, quem melhor trata do assunto é BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, VI-19-24, pp. 352-354. No direito estrangeiro, o assunto é bem explicado por Paulo Otero: “Por outro lado, no espaço de liberdade conferido por lei aos órgãos administrativos, os comandos hierárquicos podem introduzir elementos inovatórios na concretização desse espaço de discricionariedade. Deste modo, confere-se ao órgão superior a faculdade de limitar imperativamente o espaço de discricionariedade dos órgãos subalternos”. (Conceito e fundamento da hierarquia administrativa, p. 113). E, adiante: “A lei ao atribuir poder discricionário ao subalterno sujeita-o sempre ao poder de direção do respectivo superior hierárquico. Assim, a susceptibilidade de o poder de direção limitar a margem de liberdade do subalterno constitui essência natural de todo o poder discricionário atribuído a este último tipo de órgãos. Em síntese, pode afirmar-se ser o poder de direção um limite inerente ao poder discricionário dos órgãos subalternos”. (Idem, p. 118). Faz-se apenas uma ressalva: como todo “poder público” é ancilar a um dever, é um dever-poder, prefere-se a expressão dever regulamentar (Cf. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Curso de direito administrativo, VI-22, pp. 349-350) ou competência regulamentar (Cf. MELLO, Vanessa Vieira de. Regime jurídico da competência regulamentar, pp. 45-47). Essa prerrogativa da hierarquia é o núcleo da chamada teoria voluntarista da hierarquia, cujo maior representante é Charles Eisenmann. Nas palavras dele: “l’autorité hiérarchique est le droit d’un agent de faire, dans ses rapports avec un autre agent, prévaloir sa volonté personnelle, soit en le dirigeant, soit en le corrigeant”. (Centralisation et décentralisation: esquisse d’une théorie générale, p. 73). Se, por um lado, é correto afirmar a possibilidade de o hierarca restringir a competência discricionária do subalterno, por outro, é equivocado supor que a hierarquia restringe-se a essa restrição. Primeiro: o hierarca não pode, sempre, suprimir a discricionariedade do subalterno e, assim, substituí-lo totalmente. Isso porque a discricionariedade administrativa fundamenta-se justamente na impossibilidade de se fixar no plano abstrato, antes do caso concreto, a melhor forma de concretizar o interesse público. Por todos: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e controle jurisdicional, pp. 33-36. Segundo: mesmo no campo da vinculação, a hierarquia faz-se presente. O hierarca pode impor sua interpretação e sua ponderação aos subordinados. Por todos: OTERO, Paulo. Conceito e fundamento da hierarquia administrativa, p. 65.
88Doutrinadores de escol perceberam a diferença entre regulação e regulamentação, mas não dissociaram a primeira da edição de normas abstratas. Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro os vocábulos, de fato, não têm o mesmo significado: “Embora seja muito frequente o emprego do vocábulo ‘regulação’ como sinônimo de regulamentação, já que em ambas as atividades existe fixação de normas de conduta, no direito brasileiro, regulamentar significa ditar regras jurídicas como competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo”. (Parcerias na Administração Pública, p. 190). Ela invoca uma distinção proposta pela doutrina alemã: regulamentos jurídicos ou normativos e administrativos ou de organização, os primeiros pertinentes à supremacia geral, os últimos à supremacia especial (Idem, ibidem). A função reguladora – conclui – refere-se à edição de normas abstratas limitadas aos chamados regulamentos administrativos ou de organização (Idem, p. 149). Sem desprestigiar a conspícua doutrinadora, não se acolhe seu posicionamento: como dantes afirmado, o signo “normativo” inserido no caput do art. 174 da CF exige dissociar a regulação administrativa da edição de normas abstratas. Em outro trabalho a doutrinadora aproxima-se da doutrina ora defendida. Afirma: “À medida que as agências vão se deparando com situações irregulares, com atividades que quebram o equilíbrio do mercado, que afetam a concorrência, que prejudicam o serviço público e seus usuários, que geram conflitos, elas vão baixando atos normativos para decidir esses casos concretos. Para esse tipo de ato também não há óbice de ordem jurídica. Eu diria que aí é que está o que há de mais típico na função reguladora: ela vai organizando determinado setor que lhe está afeto, respeitando o que resulta das normas superiores (e que garantem o aspecto de estabilidade, de continuidade, de perenidade) e adaptando as normas às situações concretas, naquilo que elas permitem certa margem de flexibilidade ou de discricionariedade” (Limites da função reguladora das agências diante do princípio da legalidade. Direito regulatório: temas polêmicos, p. 19-50, em especial p. 48. Uma ressalva: não se deve confundir a função normativa com a função reguladora. O estabelecimento de normas abstratas (regras de precedência condicionada) a partir das normas concretas diz respeito à função normativa da Administração, conforme aqui enfatizado. Pouco adiante, com brilho, afirma a ilustre administrativista: “o que as agências não podem fazer, porque falta o indispensável fundamento constitucional, é baixar regras de conduta, unilateralmente, inovando na ordem jurídica, afetando direitos individuais, substituindo-se ao legislador” (Idem, p. 49). Em favor da distinção ora defendida, o Min. Carlos Britto, em magistral voto proferido na ADI 3.273/DF, ao examinar a agência reguladora do monopólio de petróleo, explicou: “Órgão de natureza administrativa, concebido não para normatizar, mas normalizar o setor que a Lei Maior submeteu a regime de monopólio da União. Não para regular em sentido legislativo, mas para regularizar em sentido administrativo as atividades constitutivas do referido monopólio. Importando essa regularização, por conseguinte, o exercício de um típico poder de polícia administrativa, como a fiscalização, o monitoramento, a arbitragem, a imposição de limitações e interdições, a atuação comissiva, enfim (não o silêncio, o abstencionismo ou o simples decurso de prazo como fórmulas de manifestação de vontade estatal), tudo nos marcos da Constituição e das leis”. Lucas de Souza Lehfeld afirma: “A tradução mais próxima para a língua portuguesa das expressões regulation e regulator poderia ser ‘regulamentação’ e ‘regulamentador’. Ocorre, no entanto, que a primeira expressão já possui características específicas no direito brasileiro, razão pela qual não parece a tradução corresponder ao que realmente quer expressar regulation. Isso porque já sedimentada no sistema jurídico pátrio a ideia de ‘regulamentação’ como expressão que representa o desempenho de atividade executiva, fundamentada no art. 84, IV, da CF de 1988, e que estabelece como competência do Presidente da República, dentre outras, os atos de ‘sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução’” (Controles das agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2008, p. 66). O autor, porém, logo adiante, afirma: “Não parece o referido poder regulamentar expressar toda a extensão qualitativa do termo regulation, que não se resume na atividade executiva de traçar as condições mínimas necessárias para a execução da norma” (Idem, p. 67). Quer dizer, como regulação no direito norte americano importa na edição de normas concretas e abstratas, conclui o autor, em disparatado equívoco, que no direito brasileiro deve ter o mesmo significado.
89Para Jacques Chevallier a regulação supõe “une position d’extériorité par rapport au jeu économique”. (L’État post-moderne, p. 58). Paulo Roberto Ferreira Motta também a caracteriza como uma “ação distinta e externa”. (Agências reguladoras, p. 48). Em sua tese de doutorado, contudo, Paulo Roberto Ferreira Motta parece afastar-se desse conceito ao admitir a regulação de serviços públicos (Regulação e universalização dos serviços públicos: análise crítica da regulação da energia elétrica e das telecomunicações, p. 72). A doutrina diferencia três conceitos: regulação pública não estatal, em que o Estado delega a função a entidades privadas — como por exemplo, entidades desportivas; autorregulação, em que os próprios agentes econômicos efetuam a regulação — por meio, por exemplo, de uma associação de empresas; desregulação, em que inexiste regulação pública ou privada, estando os agentes absolutamente livres para agir no mercado. Por todos: ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do Direito Administrativo Econômico, p. 30-33. Os conceitos de regulação não estatal e autorregulação não infirmam a característica externa da atividade regulatória. Faz-se sempre necessário um ente regulador — uma associação de empresas, uma fundação — que se apresente como sujeito diverso do ente regulado. E perceba-se: a atividade regulada, no caso, não pertence à associação de empresas, mas às associadas. Enfim, o regulador não regula a si próprio.
90Sobre o tema: MARTINS, Ricardo Marcondes. Regulação administrativa à luz da Constituição Federal, pp. 304-312 e 343-346.
91A distinção entre supremacia geral e especial foi difundida por MAYER, Otto. Derecho administrativo alemán, I-2, p. 144. Nas palavras do renomado publicista: “Sujeción significa vínculo de dos personas desiguales desde el punto de vista del derecho, cuyo contenido lo determina la voluntad de la persona superior. En este sentido, la relación entre el Estado y el súbdito es un vínculo de sujeción importante. Pero, principalmente, con esta palabra queremos designar una relación de sujeción creada especialmente para el súbdito o más bien para cierta pluralidad de súbditos. Es una relación jurídica de derecho público por la cual el individuo está vinculado respecto del Estado, por efecto de la obligación general de regular su conducta conforme a un cierto interés público” (Idem, p. 144). O tema foi aprofundado por FORSTHOFF, Ernst. Tratado de derecho administrativo, pp. 184-191. Sobre a relação geral, afirma: “La relación entre Estado y súbdito la denominamos, siguiendo a Laband, como relación general de poder, en la cual se encuentra el individuo, nacional y también extranjero, siempre que este último se encuentre en el territorio de soberanía del Estado” (Idem, p. 185). A distinção foi acolhida na Itália, dentre tantos, por ALESSI, Renato. Sistema istituzionale del diritto amministrativo italiano, p. 247. Na Espanha mencionam-se o artigo de GALLEGO ANABITARTE, Alfredo. “Las Relaciones especiales de sujeción y el principio de la legalidad de la administración”, Revista de Administración Pública, n. 34, p. 11-51; e a premiada obra de LOPEZ BENITEZ, Mariano. Naturaleza y presupuestos constitucionales de las relaciones especiales de sujeción. No Brasil, o tema foi apresentado e difundido por BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, XIV-10 a 15, pp. 823-829. A supremacia geral diferencia-se em três espécies: a decorrente do fato de ser cidadão do Estado; do fato de ser nacional do Estado e do fato de estar no território do Estado. Há, nessa ordem, um grau decrescente de supremacia. Cf. MARTINS, Ricardo Marcondes. Teoria jurídica da liberdade, pp. 127-128.
92O critério do estabelecimento público foi proposto por Otto Mayer. Nas palavras dele: “Cualquiera que para obtener ventajas entra en la esfera de actividad de una empresa pública, en una escuela, en un hospital, en la diligencia, en el matadero, etc., renuncia por ello a una parte correspondiente de su libertad personal”. (Derecho administrativo alemán, p. 203). O critério foi retomado e aprimorado por Mariano Lopez Benitez: “En este sentido, entendemos por relaciones especiales de sujeción las relaciones jurídico-administrativas caracterizadas por una duradera y efectiva inserción del administrado en la esfera organizativa de la Administración (...)”. (Naturaleza y presupuestos constitucionales de las relaciones especiales de sujeción, p. 161).
93Observa o procurador colombiano: “Justamente por la dificultad que ha tenido la doctrina y la jurisprudencia comparada para distinguir entre los dos tipos de relaciones mencionados es que persiste la confusión cuando se trata de delimitar entre la disciplina de una relación de sujeción especial y las potestades de policía. Confusión que evidentemente proviene de utilizar como criterio exclusivo el criterio orgánico y dejar de lado el criterio material o funcional de lo que hace la Administración Pública, que en muchas ocasiones explica actuaciones de sujetos jurídicos no vinculados a la organización sino al cumplimiento de una actividad que es propia de la Administración, y para lo cual deben sujetarse a normas que también restringen sus derechos y libertades frente al resto de ciudadanos. Se dice que las potestades de policía se ejercen sobre las personas que no están vinculadas a la organización de la Administración Pública, lo que contrasta, en el Estado social, con muchas actividades de los particulares que como titulares de funciones administrativas, prestadores de servicios públicos o titulares de una actividad de interés público regulada, están en una condición de sujeción caracterizada por la restricción de sus derechos en función del interés general”. E acrescenta, em seguida: “Diríamos que esa vinculación efectiva y duradera también es predicable de la actividad de sujetos jurídicos que, sin necesidad de formar parte de la organización administrativa, ejercen actividades que son propias de la Administración Pública, que se sujetan a un régimen jurídico especial bajo el poder tuitivo del Estado y siempre vinculado al servicio de los intereses generales”. (Las relaciones de sujeción especial en el Estado social. La relación especial de sujeción: estudios, pp. 90-91).
94A expressão é de Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de direito administrativo, XIII-15, p. 801.
95Segundo Ernst Forsthoff, as relações especiais de sujeição dividem-se em relações exteriores e interiores. As primeiras “son todas aquellas que ponen en relación a la Administración con el individuo, en tanto que individuo”. As interiores “no afectan al individuo como tal, sino a todos aquellos que, en la relación concreta de que se trate, son considerados como dentro da la Administración en tanto que esfera de soberanía organizada” (Tratado de derecho administrativo, p. 187). As relações especiais de sujeição referentes às atividades privadas sob regime especial são, por óbvio, relações externas. Ainda segundo Forsthoff, há relações especiais em que o vínculo é criado pela lei e há relações em que o vínculo depende de uma declaração de vontade do administrado, pela qual ele renuncia voluntariamente ao status de liberdade geral (Idem, pp. 187-188). Como a atividade econômica é de livre escolha dos particulares, quando o particular opta por exercer uma atividade especial, manifesta, ipso facto, sua vontade de se inserir na relação especial de sujeição.
96Na AC/MC 1.657-6/RJ (j. 27.06.2007, DJ 31.08.2007, rel. Min. Cezar Peluso), o STF considerou válida interdição de estabelecimento industrial voltado à fabricação de cigarros pelo não recolhimento de imposto sobre produtos industrializados/IPI. Afirmou o Min. Gilmar Mendes em seu voto: “Estamos a ver, portanto, apenas com esses exemplos, que, em tema de produção e comercialização de produtos fumígenos, a atividade regulatória do Estado é realizada com uma maior carga normativo-sancionatória, a qual, se levada para outros âmbitos da atividade econômica, certamente não passaria no teste da proporcionalidade, especialmente por afrontar a liberdade de iniciativa, ou seja, por não conter em si uma justificação plausível para a elevada intensidade com que restringe a livre iniciativa, direito fundamental e fundamento da República Federativa do Brasil e da ordem econômica. No âmbito dessa atividade, os comprovados e graves danos à saúde pública causados pelo cigarro e outros derivados do fumo, assim como a necessidade de um plus de proteção ao consumidor de produtos de tabaco, tendem a funcionar como uma espécie de justificativa geral para a intervenção estatal mais rigorosa”. Noutras palavras: o especial impacto dessa atividade sobre a saúde das pessoas importa na instituição de uma relação especial de sujeição entre o particular que a explora economicamente e o Estado, relação essa justificadora de uma regulação estatal mais incisiva, muito mais abrangente.
97MAURER, Hartmut. Direito administrativo geral, p. 208.
98Um dos exemplos mais interessantes de conceito jurídico finalístico é o lucro. Trata-se do “saldo econômico positivo de atividade destinada a obtê-lo”. Por todos: SUNDFELD, Carlos Ari. Entidades administrativas e noção de lucro. Revista trimestral de direito público, n. 6, pp. 263-268, em especial p. 264. É, assim, o resultado de uma atividade finalística: de uma atividade cujo fim principal é a obtenção de resultados econômicos positivos.
99Vêm a lume as palavras de Pietro Perlingieri: “Na perspectiva descrita, a análise econômica do direito coloca em evidência o próprio desgaste, na medida em que negligencia completamente os problemas de equidade distributiva e não considera que o direito, na sua dinâmica promocional, não somente espelha situações adquiridas, mas produz valores novos. A realidade econômica (e, portanto, o próprio mercado) deve levar em consideração também motivações não ligadas ao lucro”. (O direito civil na legalidade constitucional, p. 514). A citação tem especial relevância por se tratar de um dos mais proeminentes civilistas europeus da atualidade. Aos publicistas que gostam de copiar os europeus, aos publicistas que gostam de fugir para o direito privado, é mister registrar a doutrina do notável jurista: “Portanto, deve-se dizer ‘não!’ a uma ética utilitarista, inspirada apenas pelas inovações tecnológicas, pelos interesses financeiros ou pelas concepções políticas de parte: a ética requer que os sistemas se adaptem às exigências do homem, e não que o homem venha a ser sacrificado para a salvação do sistema. O mercado não é uma norma moral ou uma fonte de valor moral: ele vale apenas para aquelas necessidades que são solventes, que dispõem de um poder de aquisição, e para aqueles recursos que são vendáveis, aptos a obter um preço adequado. Mas mesmo antes da lógica da troca existe algo que é devido ao homem porque é homem”. (Idem, § 159, pp. 513-514). E, pouco antes, colhem-se estas conclamações do autor, aqui sublinhadas com a máxima ênfase: “Uma regulation criada não para o mercado, mas para a realização de uma política social corretiva da lex mercatoria. É necessário o controle sobre a força invasiva do mercado” (Idem, p. 511).
100Afirmam Fernando Garrido Falla, Alberto Palomar Olmeda e Herminio Losada González: “Hay que insistir, sin embargo, en que la distinción entre las diversas formas de la actividad administrativa no está tanto en el fin perseguido cuanto en el modus operandi, esto es, en lo que la doctrina moderna ha dado en llamar las ‘técnicas operativas de la Administración’” (Tratado de derecho administrativo, p. 378). A atividade regulatória é, pois, uma exceção.
101O conceito foi proposto por Hans Julius Wolff: “A Administração de ordenação [Ordnungsverwaltung u ordnenden Verwaltung] cuida da boa ordem na coletividade, ao limitar – regulamentando – a prossecução de interesses dos subordinados ao poder. A Administração de ordenação é especialmente Administração de ingerência, que, com o auxílio de reservas de autorização, de ordens e, se necessário, de coação, interfere no livre-arbítrio das pessoas”. (WOLFF, Hans J.; BACHOF, Otto; STOBER, Rolf. Direito administrativo, p. 55-56, esclarecimento nosso). Foi sistematizada na Espanha por GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de derecho administrativo, pp. 101-161. No Brasil, foi magistralmente sistematizada por SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo ordenador.
102SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo ordenador, passim. Sobre essas categorias vide: MARTINS, Ricardo Marcondes. Estudos de direito administrativo neoconstitucional, pp. 466-480.
103SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo ordenador, pp. 73-85.
104A denominação é de SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo ordenador, p. 38 e ss.
105Cf. MARTINS, Ricardo Marcondes. Regulação administrativa à luz da Constituição Federal, pp. 242-247.
106Afirma o ínclito Celso Antônio Bandeira de Mello: “É fundamental realçar – repita-se – que tais autorizações não dizem respeito, nem podem dizer respeito, aos aspectos econômicos do empreendimento, pois no que a isto concerne os agentes econômicos são livres” (Curso de direito administrativo, p. 801). Com efeito: a autorização não terá por fim a equidade e a eficiência econômica, mas a tutela do valor protegido nas atividades privadas sob regime especial, v. g., a saúde, a segurança etc.
107Cf. MARTINS, Ricardo Marcondes. Regulação administrativa à luz da Constituição Federal, p. 57.
108José Afonso da Silva explica com maestria: “A Constituição declara que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na iniciativa privada. Que significa isso? Em primeiro lugar, quer dizer precisamente que a Constituição consagra uma economia de mercado, de natureza capitalista, pois a livre iniciativa, que, especialmente, significa a garantia da iniciativa privada, é um princípio básico da ordem capitalista. Em segundo lugar, significa que, embora capitalista, a ordem econômica dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado. Conquanto se trate de declaração de princípio, essa prioridade tem o sentido de orientar a intervenção do Estado na economia, a fim de fazer valer os valores sociais do trabalho, que, ao lado da livre iniciativa, constitui um dos fundamentos não só da ordem econômica, mas da própria República Federativa do Brasil (art. 1º, IV)”. (Comentário contextual à Constituição, p. 709).
109A desapropriação nada mais é do que a permissão constitucional de afetação do núcleo essencial do direito fundamental à propriedade. Conforme explicamos em outra oportunidade: “Em relação ao direito fundamental à propriedade, o constituinte, em decorrência da supremacia do interesse público sobre o privado, possibilitou a afetação do núcleo essencial. Quer dizer, efetuada a ponderação, aplicado o postulado da proporcionalidade, apura-se o núcleo essencial do direito à propriedade. A concretização dos princípios opostos pode permitir o atingimento do núcleo essencial, ou seja, o sacrifício total ou parcial do direito”. Estudos de direito administrativo neoconstitucional, p. 474).
110Sobre os deveres autônomos vide por todos: SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo ordenador, p. 27. O sistema normativo é muito refratário à instituição desses deveres. Trata-se, pois, de casos pontuais: conscritos, jurados, mesários ou apuradores de votos nas eleições. Essa técnica de ordenação, na classificação dos agentes públicos proposta por Celso Antônio Bandeira de Mello, diz respeito à classe dos particulares em colaboração com a Administração relativa aos requisitados (Curso de direito administrativo, p. 251).
111O poder de polícia em sentido amplo, na acepção corrente, diz respeito à atividade legislativa e à atividade administrativa. Por todos: BANDEIRA DEMELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, p. 822. O mesmo poderia ser dito sobre a regulação. Sem embargo, na linguagem constitucional, como explicado, a função regulatória restringe-se à atividade administrativa, à ponderação no plano concreto; daí estar vinculada à função normativa, à ponderação no plano abstrato.
112Correntemente o poder de polícia é entendido como a imposição de limitações (obrigações de não fazer) impostas em lei. Sobre o tema, vide na doutrina brasileira: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Apontamentos sobre o poder de polícia. Revista de direito administrativo e infraestrutura – RDAI, n. 18, p. 385-404; Curso de direito administrativo, p. 837; BEZNOS, Clovis. Poder de polícia; PIRES, Luis Manuel Fonseca. Limitações administrativas à liberdade e à propriedade, p. 137 e ss. Este último chega a propor a substituição da expressão “poder de polícia” por “limitação administrativa”, justamente pela imprescindível necessidade de prévia ponderação legislativa. A necessidade de prévia ponderação legislativa é enfatizada por Heraldo Garcia Vitta em sua tese de doutorado: “Realmente, polícia administrativa é exercício de função administrativa e, com isso, cuida-se de atividade sublegal [...]. Trata-se de atividade que demanda não contradição e subsunção aos ditames legais; é preciso, pois, autorização legal para o exercício da polícia administrativa” (Poder de polícia, p. 75-76). A concepção sobre o poder de polícia ora apresentada foi desenvolvida em nosso Estudos de direito administrativo neoconstitucional, p. 447-493. Nesse estudo, concluímos: “Logo, o poder de polícia diz respeito à competência administrativa de impor, na falta de lei, restrições à propriedade e à liberdade, em concretização dos princípios mais pesados no caso concreto. Restringe-se aos casos excepcionais em que o princípio formal que dá primazia à ponderação legislativa (a aplicação da regra legislativa ou, na falta de regra legislativa, a omissão administrativa) é afastado. Trata-se de um poder (dever-poder) correlato ao dever dos administrados de respeitarem os princípios constitucionais (tanto os princípios relativos a direitos individuais como os princípios relativos a bens coletivos) (Idem, pp. 481-482). O poder de polícia, contemporaneamente, é uma decorrência da chamada constitucionalização do direito privado, entendida como a imposição aos particulares de efetuar ponderações nas relações privadas. Ao dever de ponderar imposto aos particulares há o correlato poder de polícia conferido à Administração. Cf. MARTINS, Ricardo Marcondes. Teoria jurídica da liberdade, pp. 81-98. Do ponto de vista teórico-científico, portanto, convivem autonomamente as teorias do poder de polícia e da administração ordenadora. Registra-se que o conceito de poder de polícia proposto é perfeitamente adequado à noção cristalizada na Ciência do Direito Administrativo. Para Otto Mayer “a polícia é a atividade do Estado que tem por fim a defesa da boa ordem da coisa pública, mediante os recursos do poder da autoridade, contra as perturbações que as existências individuais possam ocasionar” (Derecho administrativo alemán, p. 8, tradução nossa). Para Santi Romano “dicesi polizia l’attività amministrativa che, per mezzo di limitazioni eventualmente coattive all’attività privata, è diretta a prevenire i danni sociali che da quest’ultima possono derivare”. (Principii di diritto amministrativo italiano, p. 225). Para O. Ranelletti “la polizia ha una sola funzione, quella negativa, cioè di conservazione. Essa si limita a combattere tutte le deviazioni dello stato di ordine, le minaccie all’ordine pubblico, quindi a difendere quest’ordine secondo le leggi ed istruzioni, che sono ad esse date dalla potestà dello Stato” (La polizia di sicurezza. Primo trattato completo di diritto amministrativo italiano – v. 4, parte prima, pp. 205-252, em especial p. 279). É perfeitamente adequado também à proposta do insigne Clovis Beznos segundo a qual o poder de polícia corresponde à entropia negativa do sistema jurídico (Poder de polícia, p. 63 e ss.).
113Quando os doutrinadores associam a regulação ao exercício do poder de polícia (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Curso de direito administrativo, pp. 789-795; CIRNE LIMA, Ruy. Princípios de direito administrativo brasileiro, p. 304), estão, por óbvio, se referindo ao conceito corrente, e não ao conceito ora adotado. Mais recentemente, Paulo Roberto Ferreira Motta também associou a regulação ao conceito clássico do poder de polícia: “Feita a preliminar, considero que se a regulação trata de institutos jurídicos já existentes, é evidente que como instituto jurídico a mesma sempre existiu, claro que, muitas vezes, denominada de poder de polícia. Verbero, portanto, que o conceito de regulação somente pode ser construído a partir, e por meio, do conceito jurídico de poder de polícia” (Regulação e universalização dos serviços públicos: análise crítica da regulação de energia elétrica e das telecomunicações, p. 54).
Pelo conceito neoconstitucional de poder de polícia, este se refere à imposição de obrigações de não fazer com fundamento direto na Constituição. Nos termos expostos, a regulação normal só admite a imposição de obrigações de não fazer previstas em lei; a imposição de obrigações de não fazer não previstas em lei só é possível na regulação excepcional, e esta diz respeito a relações especiais de sujeição. Ocorre que o poder de polícia, tanto na acepção clássica como na acepção neoconstitucional, restringe-se às relações gerais de sujeição (Cf. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, Cap. XIV-15, p. 829; VITTA, Heraldo Garcia, Poder de polícia, p. 45; MARTINS, Ricardo Marcondes. Estudos de direito administrativo neoconstitucional, pp. 486-488). Daí a conclusão: o conceito neoconstitucional de poder de polícia é incompatível com a regulação administrativa. Ao acolher aqui a teoria da ordenação administradora enfrenta-se um dos principais argumentos dos neoliberais em prol do chamado Estado Regulador. Afirmam muitos que, contemporaneamente, não basta que o Estado tenha diante da ordem econômica uma atitude de expectação e, pois, que apenas imponha proibições. A época atual exigiria uma intervenção na ordem econômica mais incisiva, impositiva de obrigações de fazer e de suportar; mais que poder de polícia – dizem –, regulação. Por todos: JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo, p. 452. Calixto Salomão Filho chega a defender a constitucionalidade da desconcentração empresarial não punitiva ou estrutural (Regulação da atividade econômica, p. 96 e ss.), o que soa absurdo em face do caput do art. 174 da CF, segundo o qual o planejamento estatal é meramente indicativo para o setor privado. Ora, admite-se aqui tranquilamente a imposição legal de obrigações de fazer e de suportar na regulação excepcional para a tutela do bem jurídico justificador da especialidade da respectiva relação econômica, e excepcionalmente a imposição legal desses condicionamentos — desde que haja explícita fundamentação marcada por circunstâncias fáticas e jurídicas incomuns — na regulação geral para obtenção de equidade e eficiência econômicas. Perceba-se: afastados os vícios ideológicos, a teoria do Estado Regulador é uma versão pobre da teoria da ordenação administrativa. Seu único alicerce é a viciada base ideológica. Cf. MARTINS, Ricardo Marcondes. Regulação administrativa à luz da Constituição Federal, p. 180 e ss.
114Maria Sylvia Zanella Di Pietro apresenta três “ideias básicas” para definir a atividade regulatória: (a) “estabelecimento de regras de conduta”; (b) “controle de atividade privada pelo Estado, que equivale à ideia de polícia administrativa”; (c) “finalidade pública, que seria de estabelecer o funcionamento equilibrado do mercado” (Limites da função reguladora das agências diante do princípio da legalidade, p. 21). Sem desprestigiar a nobre autora, negaram-se aqui os dois primeiros elementos e acolheu-se o terceiro com ressalvas.
115Cf. MELLO, Célia Cunha. O fomento da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 26 et seq. A autora refere-se à ausência de compulsoriedade. Apesar de registrada pelo Houaiss (Dicionário Houaiss da língua portuguesa, p. 780), essa palavra não consta no Vocabulário Ortográfico da Academia Brasileira de Letras (6. ed. Disponível em: https://www.academia.org.br/nossa-lingua/busca-no-vocabulari. Acesso em 31 maio 2023). É, assim, um neologismo. Há na doutrina três conceitos de fomento: amplo, intermediário e estrito. Em estudo pioneiro, Luiz Jordana de Pozas, considerou uma atividade intermediária entre o exercício do poder de polícia — em que o Poder Público proíbe a realização de condutas — e a prestação de serviços públicos — por meio dos quais ele fornece comodidades ou utilidades materiais aos administrados. Nas palavras do autor: “a ação de fomento é uma via média entre a inibição e o intervencionismo do Estado, que pretende conciliar a liberdade com o bem comum mediante a influência indireta sobre a vontade do indivíduo para que queira o que convêm para a satisfação da necessidade pública de que se trate” (Ensayo de una teoría del fomento en el derecho administrativo. Revista de Estudios Políticos, v. 48, p. 46. Para Jordana de Pozas o fomento pode ser positivo, quando pretende influenciar a realização de uma ação, ou negativo, quando pretende desestimulá-la. Pode, também, ser honorífico, quando ocorre o enaltecimento social do beneficiado — como nas condecorações, títulos, uso de emblemas ou símbolos, troféus, diplomas; econômico, quando de forma direta se efetua o pagamento de certa quantia ou a dispensa de um pagamento obrigatório — como ocorre com as subvenções, prêmios em dinheiro, empréstimos, isenções e demais privilégios de caráter fiscal; ou jurídico, que se dá com a outorga de uma condição privilegiada — como a concessão de uso de bem público. Para fins didáticos, pode-se qualificar o conceito de fomento proposto por Jordana de Posas como intermediário, tendo em vista a existência de um conceito mais amplo e de um conceito mais estrito. O conceito amplo é adotado, por exemplo, por Célia Cunha Mello, para quem o fomento pode ter por objeto atividade de outros entes públicos, ao contrário do que sustentou Jordana de Pozas (O fomento da Administração Pública, p. 32). Admite também os chamados meios psicológicos, como a propaganda estatal (Idem, pp. 91-92). Trata-se, pois, de um conceito muito mais amplo que o conceito proposto por Jordana de Posas. Ao revés, para boa parte da doutrina nos fomentos psicológicos inexiste o estímulo ou a ajuda pressuposta pelo fomento. Por todos: BAENA DEL ALCÁZAR, Mariano. Sobre el concepto de fomento, Revista de Administración Pública, v. 54, p. 70. O conceito estrito de fomento pressupõe uma atribuição patrimonial ao administrado. Nesse sentido, para Rafael Valim o fomento define-se como a “transferência de bens ou direitos em favor dos particulares, sem contraprestação ou com contraprestação em condições facilitadas, em ordem à satisfação direta ou indireta de interesses públicos” (A subvenção no direito administrativo brasileiro, p. 56). Nesse sentido, José Luis Martínez López-Muñiz propõe a substituição da expressão “atividade de fomento” por “atividade dispensadora de ajudas e recompensas”. (La actividad administrativa dispensadora de ayudas e recompensas: una alternativa conceptual al fomento en la teoría de los modos de acción de la Administración Publica. In: GÓMEZ-FERRER MORANT, Rafael; GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo (coord.). Libro homenaje al Profesor Jose Luis Vilar Palasi, pp. 751-763, em especial p. 757. Pelo conceito estrito são excluídos do conceito de fomento os meios honoríficos, bem como todo o chamado fomento negativo. Nem o conceito amplo nem o conceito estrito merecem acolhimento. Fomento administrativo consiste em toda atividade administrativa pela qual a Administração Pública incita o particular, por meio de um estímulo efetivo, concreto, a realizar ou não realizar uma conduta. Os chamados meios psicológicos não são abrangidos pelo conceito em decorrência da falta do estímulo concreto. Não se exige, contudo, a transferência de um bem ou de um direito, exigência imposta para a configuração das chamadas ajudas públicas, subespécie de fomento administrativo. Cf. MARTINS, Ricardo Marcondes. Publicidade e transparência nas parcerias voluntárias. Revista de Direito Administrativo e Infraestrutura – RDAI, n. 13, p. 64.
116A classificação é de GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, § 64, p. 168. Sobre ela vide SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica, p. 43 e ss.
117Cf. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, § 65, p. 170.
118O assunto foi densamente examinado por SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica, p. 54 e ss.
119Na AC/MC 1.657-6/RJ (j. 27.06.2007, DJ 31.08.2007), extrai-se do voto do Min. Cezar Peluso: “Em primeiro lugar, note-se a extrema relevância do Imposto sobre Produtos Industrializados/IPI no contexto específico do mercado de cigarros. Estes são produtos reconhecidos e gravemente danosos à saúde, consequentemente supérfluos e, na produção, fortemente tributados pela mais alta alíquota da Tabela do IPI/TIPI, por força da seletividade em função da essencialidade: o IPI responde por obra de 70% (setenta por cento) do total da arrecadação de impostos e contribuições desse setor produtivo (cf. memorial da Fazenda Nacional), onde é incontroverso que ‘os tributos correspondem, aproximadamente, a 70% do preço de cada maço de cigarros’ (cf. memorial da ETCO)”. Por certo, o Estado vale-se do IPI como meio regulatório do mercado de cigarros, atividade privada sob regime especial. O IPI é, nesse campo, um meio de regulação excepcional.
120Sobre a extrafiscalidade, por todos, vide BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário, pp. 586-597.
121Sobre esses conceitos, vide: MARTINS, Ricardo Marcondes. Teoria jurídica da liberdade, Cap. II e III.
122Cf. MARTINS, Ricardo Marcondes. Ato administrativo. Tratado de direito administrativo, v. 5: Ato administrativo e procedimento administrativo, pp. 33 a 409, em especial pp. 133-142.
123Por isso, com razão, Eros Grau afirmar tratar-se de um método qualificador da intervenção, por torná-la mais racional (A ordem econômica na Constituição de 1988, § 66, p. 171). Logo em seguida observa: os meios regulatórios podem ser executados ad hoc ou de modo planejado. Afirma Renata Porto Adri em sua tese de doutorado: “A função de planejar, por sua vez, relativa à atividade econômica, pressupõe uma ação estatal de provisão, de projeção, de diretriz, de fixação de metas e de busca de finalidades referentes às relações de produção, comercialização, distribuição e consumo de bens e serviços”. (O planejamento da atividade econômica como dever do Estado, p. 161).
124Reza o §1º do art. 174: “A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento”. A exigência de planejamento não se restringe a esse parágrafo, consta de muitos dispositivos: incisos IX e XVIII do art. 21; §3º do art. 25; inciso XII do art. 29; inciso VIII do art. 30; inciso II do §1º do art. 43; inciso IV do art. 48; inciso IX do art. 49; inciso VI do §2º do art. 58; inciso I do art. 74; inciso XI do art. 84; inciso I e §§ 1º, 4º e 7º do art. 165; §1º do art. 167; §1º do art. 182; art. 187 e art. 188.
125Afirma André de Laubadère: “Estas considerações levam muitos juristas a pensar que o Plano não é um ato jurídico, não é do âmbito do direito. Parece mesmo que a maioria da doutrina francesa se inclina neste sentido. O Plano, nesta opinião, é um ato técnico e político, não jurídico; cria obrigações morais, não obrigações no campo do direito; não pertence à ordem jurídica”. (Direito público econômico, pp. 323-324). Logo em seguida, o renomado publicista francês afasta com veemência esse entendimento: “Parece difícil não ver mais do que isso, do ponto de vista jurídico, numa instituição consagrada constitucionalmente. (...) No que diz respeito especialmente às próprias obrigações dos poderes públicos, como admitir que o Estado não esteja em nada obrigado juridicamente pelo Plano que aprovou e propôs ele mesmo aos interessados, incitando-os, ainda por cima, a embrenharem-se em direcções definidas e que, tendo-o promulgado, ele possa lavar as suas mãos a esse respeito?” (Idem, p. 324). E conclui: “Pensamos que é preciso, desde já, afirmar que, se o Plano não arrasta qualquer obrigação da parte dos particulares, ele obriga, em contrapartida, o Estado. O Estado tem o dever, não só moral, mas também jurídico, de executar o Plano na parte que lhe respeita e de tomar as medidas necessárias à sua execução” (Idem, p. 327). A boa doutrina reconhece, em consonância com esse entendimento, a responsabilidade estatal pelo descumprimento do Plano. Nesse sentido, vide o notável trabalho de Almiro do Couto e Silva (Responsabilidade do Estado e problemas jurídicos resultantes do planejamento. Revista de direito público, v. 63, pp. 28-36). E a excelente monografia de FABRI, Andréa Queiroz. Responsabilidade do Estado: planos econômicos e iniciativa privada, pp. 116-117.
126Ensina José Afonso da Silva: “Por outro lado, se é certo que o plano indicativo não obriga o setor privado, é também certo, como uma nota de sua índole jurídica: 1º.) que a liberdade de atuação do empresariado privado fica, em termos globais, condicionada à atuação governamental planejada; 2º.) que o setor privado não pode atuar deliberadamente contra os objetivos do plano; 3º.) que, naquelas hipóteses em que a atividade depende de autorização ou licença, a Administração poderá ter em conta os objetivos, previsões e requisitos estabelecidos, para outorgar ou não a autorização ou licença, pois, em tais casos, sua concessão ou denegação se converte em matéria regrada” (Direito urbanístico brasileiro, p. 81).
127A classificação é de Eros Roberto Grau (A ordem econômica na Constituição de 1988, § 50 e 64, pp. 124-125 e 168-169). Foi proposta para a intervenção na ordem econômica e não para a regulação. Toda regulação, perceba-se, é uma intervenção. Afirma Eros Grau, com precisão, ser a intervenção “atuação em área de outrem” (Idem, p. 124). Em voz uníssona, afirmou-se neste estudo: a regulação é uma atividade externa.
128Sobre o tema vide: MARTINS, Ricardo Marcondes. Estatuto das empresas estatais à luz da Constituição Federal. Estatuto jurídico das empresas estatais, pp. 17-112.
129Alexandre Santos de Aragão assevera: “Do conceito de regulação está excluída a atividade direta do Estado como produtor de bens ou serviços e como fomentador das atividades econômicas privadas, que, junto com a regulação, constituem espécies do gênero da intervenção do Estado na economia” (O conceito jurídico de regulação da economia. Revista de direito mercantil, v. 122, p. 40). Floriano de Azevedo Marques robora: “De minha parte, entendo que por regulação deve-se compreender toda a atividade estatal sobre o domínio econômico que não envolva a assunção direta da exploração da atividade econômica (em sentido amplo). É dizer, toda a atividade do poder público no campo da economia que não implique nem na assunção da titularidade da exploração de atividade econômica – quer como serviço público (art. 175 da CF), quer como monopólio de atividade econômica em sentido estrito (art. 177 da CF) –, e nem envolva a exploração destas atividades, em regime de mercado, por meio de empresas estatais (art. 173 da CF)”. (Agências reguladoras independentes, p. 31, rodapé 7). Sem desprestigiar o autor, seu conceito envolve vários problemas conceituais. Sem embargo, o autor, em trabalho anterior, afirmou: “Nos limites do presente trabalho, posso registrar que meu entendimento do que seja regulação estatal é amplo e compreensivo das diversas modalidades de intervenção estatal em face (no e sobre) do domínio econômico. Tenho comigo, neste sentido, por regulação a atividade estatal mediante a qual o Estado, por meio de intervenção direta ou indireta, condiciona, restringe, normatiza ou incentiva a atividade econômica de modo a preservar a sua existência, assegurar o seu equilíbrio interno ou atingir determinados objetivos públicos como a proteção de hipossuficiências ou a consagração de políticas públicas”. (A nova regulação dos serviços públicos. Revista de direito administrativo, v. 228, p. 14). Segundo Sidnei Turczyn: “Creio em resumo, e sem pretensão à originalidade, que um conceito sintético de regulação econômica poderia ser o de consubstanciar toda atuação do Estado no campo da atividade econômica que não constitua forma direta ou indireta de exploração (serviço público, monopólio, empresas estatais). Compreende, nos termos da lei, normatizar, fiscalizar, incentivar, planejar ou, por qualquer outra forma, interferir no exercício da atividade econômica pela iniciativa privada, como meio de atingir os fins da ordem constitucional econômica e assegurar a preservação dos princípios que a informa” (O sistema financeiro nacional e a regulação bancária, p. 313). Segundo Clarissa Sampaio Silva: “O controle do Estado é que passa a ser exercido sobre eles de outra maneira, ou seja, por meio da atividade de regulação, o que constitui, em linhas gerais, uma forma específica de intervenção na ordem econômica, de modo que o Estado não assume, diretamente, o exercício de atividades econômicas, mas, na qualidade de agente externo, usa meios normativos, atos administrativos concretos, técnicas consensuais e informativas para condicionar o comportamento dos agentes econômicos, no sentido de assegurar a regularidade do mercado, a garantia da livre concorrência e ainda a defesa de outros interesses consagrados pela ordem jurídica constitucional e que poderiam ser afetados pelo livre e irrestrito desenvolvimento de dada atividade” (Legalidade e regulação, p. 19-20). Expõe Marçal Justen Filho: “Já o modelo de Estado regulatório exige uma intervenção muito mais consistente, de natureza interna. O Estado retirou-se do cenário econômico. As necessidades coletivas devem ser satisfeitas pela atuação apenas dos próprios particulares. Mas esse afastamento estatal não o impede de exercer seu novo papel, constrangendo os limites, os fins e a natureza da atividade privada”. (O direito regulatório. Interesse público, n. 43, p. 26). Afirma Ary Casagrande Filho: “Com o estabelecimento de regras e sua fiscalização pelo Estado surgiu a expressão Estado Regulador, que se contrapõe ao Estado produtor de bens e serviços. No primeiro, o Estado atua indiretamente no mercado, fixando regras de produção de bens e prestação de serviços, bem como realizando sua respectiva fiscalização através do poder de polícia. No segundo, o Estado atua diretamente no domínio econômico, através da produção ativa de bens e serviços. Cuida-se, pois, de intervenção estatal indireta e direta, respectivamente”. (Estado regulador e controle judicial, p. 86). Carlos Eduardo Vieira de Carvalho doutrina: “Nesse contexto, a regulação é entendida como opção de política econômica em que o Estado deixa de ser o produtor de bens e serviços, de assumir diretamente atividades passíveis de exploração lucrativa, mas continua a atuar sobre o mercado, utilizando instrumentos de autoridade” (Regulação de serviços públicos, p. 36). Esse panorama é suficiente para comprovar o afirmado: a vasta doutrina brasileira sobre regulação está assentada na ideologia neoliberal. Daí a coerência: todos veem incompatibilidade entre a regulação e a exploração direta porque partem do pressuposto de que o Estado não deve fornecer diretamente utilidades aos administrados. Afastada a premissa ideológica, sobra pouco: conceitos demasiadamente vagos e amplos.
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Citação
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Edições
Tomo Direito Econômico, Edição 1,
Março de 2024
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