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Direito da concorrência e propriedade intelectual
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Paulo Marcos Rodrigues Brancher
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Tomo Direito Econômico, Edição 1, Março de 2024
A intersecção entre o direito da concorrência e a propriedade intelectual é matéria há muito debatida nos diversos países. O objetivo deste artigo é analisar a intersecção entre ambas as áreas, de modo a tornar possível avaliar os efeitos sobre a inovação e o desenvolvimento econômico necessários para a evolução do sistema capitalista. O tema da propriedade intelectual é extremamente amplo e, por isso, concentramos esforços na discussão sobre o direito de patentes, os direitos de autor e os direitos de proteção dos softwares (programas de computador). Abordaremos a inovação tecnológica e suas consequências sobre os regimes de propriedade intelectual e da política antitruste. Deixamos de lado uma análise mais aprofundada da proteção das marcas, visto que esta, ainda que não em sua totalidade, tem uma função mais atrelada ao instituto da concorrência desleal, com fundamentos econômicos próprios e objetivos específicos. Segmentos como o segredo industrial ou desenho industrial igualmente foram mencionados na medida da necessidade por conta de decisões judiciais ou por referências doutrinárias.
1. Inovação tecnológica, propriedade intelectual e política antitruste
É fundamental compreender o papel da inovação tecnológica dentro do sistema capitalista e o motivo pelo qual tantos pensadores modernos colocaram essa atividade como uma das principais responsáveis pelo desenvolvimento econômico dos países em geral. Não por menos, estes passam a regular o resultado da inovação como um bem a ser tutelado e protegido, surgindo assim a figura da propriedade intelectual, como aquela que permite o retorno dos investimentos incorridos pelo inovador, premiando-o pelo seu esforço empreendedor e excluindo terceiros que queiram se beneficiar de todo o investimento realizado no alcance da inovação.
Mas se o direito de propriedade intelectual é um direito excludente, influenciando assim a esfera de liberdade daqueles que não o detém, um resultado possível é o de exercer um poder para o bem (desenvolvimento econômico e premiação do inovador) ou para o mal (abuso do poder e eliminação da concorrência). Em contrapartida, a defesa da concorrência serve exatamente para controlar o poder exercido pelo detentor de propriedade intelectual em um determinado mercado, para que este, mesmo atuando dentro do escopo de proteção, não se utilize de um benefício a ele concedido dentro de uma política reguladora do Estado, para prejudicar terceiros que, mesmo não infringindo direitos de propriedade intelectual, possam estar impedidos de concorrer em virtude do cometimento de abuso de poder econômico.
Esse aparente conflito de interesses (de um lado a inovação tecnológica e a propriedade intelectual, como meios existentes para o desenvolvimento econômico; de outro, a defesa da concorrência, que limita o exercício do direito de exclusão naturalmente concedido ao detentor da propriedade intelectual) trata, em verdade, de uma linha de tensão por vezes difícil de ser identificada, pois a restrição a direitos de propriedade intelectual, além daqueles definidos em lei, podem colocar em risco certos objetivos comuns de desenvolvimento econômico e de inovação tecnológica dentro do sistema capitalista.
1.1. Fundamentos econômicos da proteção à propriedade intelectual
Podemos definir inovação como o resultado último do trabalho investigativo ou de aprimoramento do conteúdo de determinada informação, a partir do qual é gerado o conhecimento suficiente para ser usufruído em processo industrial. Em outras palavras, inovação é a descoberta da informação que gera conhecimento para operar nova tecnologia. É essa informação, alcançada após seguidos investimentos, uso constante de mão de obra e tempo dedicados pela empresa, que constitui, no dizer de Lévêque1 um tipo altamente específico de bem. Esse bem carrega consigo não somente um valor intrínseco, que pode resultar em maior lucratividade para a empresa em virtude da modificação nos processos produtivos que gera, mas igualmente um valor extrínseco, pois pode ser de grande valia para terceiros interessados que certamente a utilizariam em seus próprios processos, recebendo em contrapartida um valor decorrente da transação.
Ela é, sem dúvida, mola propulsora da concorrência e, para alcançar um resultado consistente, as empresas destinam parte de seus recursos (dinheiro, mão de obra e tempo) em constantes atividades de inovação, visando transformar o conhecimento existente em informação com maior valor agregado. O pragmatismo envolvendo o empreendimento produtivo não impede, no entanto, a ocorrência dos investimentos a fundo perdido, seja pela inutilidade dos resultados obtidos, seja pela ausência de mecanismos que protejam a inovação alcançada. A respeito desse último fator, a segurança jurídica, representada pela existência de marcos regulatórios estáveis, ou pela proteção contratual,2 torna-se ferramenta indispensável para que o agente econômico esteja, em tese, confortável em prosseguir com mais investimentos e perpetrar sua rotina de atividades de inovação. Assim, a inovação, ao se qualificar como um ativo com valor econômico protegido, permite ser objeto de transação.3
Mas a abordagem envolvendo a informação protegida pelos chamados direitos de propriedade intelectual demanda a análise de dois pontos específicos: o primeiro se refere à compreensão dessa informação como um bem escasso (pois se não houver uma excepcionalidade do conhecimento, seu valor tende a zero); o segundo é se o objetivo do regime de propriedade intelectual é, tal como no de propriedade de bens em geral, internalizar as externalidades negativas, decorrente de seu acesso indiscriminado por qualquer pessoa (o que leva à discussão da natureza de sua tutela jurídica).
A resposta ao primeiro ponto é, inequivocamente, negativa. Não se pode dizer que a informação, o conhecimento científico, a tecnologia são bens por natureza escassos. Um teorema matemático, por exemplo, não se deteriora com seu uso. Assistir a um jogo de futebol na televisão não impede que outros também o assistam. Não existe esse tipo de limite imposto naturalmente para outros tipos de bens. No entanto, a informação, por ser considerada um bem público no sentido econômico do termo,4 se reveste de duas características que a tornam objeto do estudo econômico. Em primeiro lugar, a informação é um bem não exclusivo (entendendo-se pela impossibilidade de excluir um indivíduo de seu uso, mesmo se ele não tiver contribuído em nada para sua existência). Por exemplo, um editor não pode impedir que um mesmo livro seja emprestado e lido por diversas pessoas.
O problema prático que se apresenta nesse cenário é a falta de incentivo aos empresários para sua produção, pois sabem que dificilmente terão seus custos cobertos por alguém que deseja pagar por essa informação. Do ponto de vista social, há clara perda no bem-estar, pois praticamente não haveria produção para tais bens, ainda que houvesse mercado para sua comercialização.5
A segunda característica é a de que a informação é um bem não rival. Nas situações em que uma peça de ficção é apresentada nos diversos meios de comunicação ou mesmo em que o quadro de um artista famoso é exposto ao público, não há uma diminuição de sua quantidade a ponto de inviabilizar seu uso por terceiros. Dizer que uma informação é um bem não rival significa, portanto, que no “consumo” de uma informação por qualquer pessoa, não há uma redução da quantidade disponível para outras pessoas. Assim, em não havendo qualquer tipo de interferência, pode ser utilizada ilimitadamente por qualquer um. Como consequência, o custo marginal de reprodução para servir mais um “consumidor” é zero e se houver cobrança por essa informação, certamente haverá pouco ou nenhum interessado em seu consumo. O benefício social, por consequência, não é maximizado.
No caso de bens públicos, a presença dos chamados free riders (caronas) torna difícil ou até mesmo impossível que os mercados ofertem os produtos eficientemente. As características de bem não rival e não exclusivo resumem essa ineficiência e refletem, assim, uma falha de mercado.6 Ou seja, a chamada “mão invisível” de Adam Smith não consegue regular o mercado das ideias e informações, o qual, sem uma intervenção específica do Estado, está destinado ao fracasso.7
Assim, ainda que a informação não seja por natureza um bem escasso, o interesse social determina, para que seja possível a sua produção a ponto de se alcançar uma inovação tecnológica, a transformação de sua condição de não rival e não exclusivo para a condição de rival e, de alguma forma, exclusivo. Em outras palavras, a informação precisa tornar-se escassa para que seja produzida em escala e alcance valor agregado para ser alocada conforme os mecanismos previstos socialmente. Daí a existência da propriedade intelectual como mecanismo que confere o status de “escassez” a um determinado ativo intelectual protegido.8
O direito de propriedade intelectual cria, dessa forma, um sistema de direitos exclusivos, temporários e transferíveis. Conforme acima visto, as duas primeiras características desse direito refletem o meio de corrigir as falhas de mercado geradas pelas propriedades específicas da informação (bem não exclusivo e não rival), assim favorecendo a inovação e sua promoção de uso por um número maior de pessoas. A característica de um direito transferível permite sua comercialização, reduzindo os custos de transação, assim facilitando o uso da inovação por aqueles que mais a valorizam.
1.2. Propriedade intelectual: escopo, duração e monopólio legal
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, incisos de XXVII a XXIX, confere (a) direitos de exploração sobre as obras autorais, (b) privilégio9 sobre as criações industriais e (c) propriedade sobre as marcas. Ainda que não mencione, com exceção ao direito de marca, a natureza jurídica de propriedade sobre referidos ativos intelectuais, a legislação infraconstitucional (Lei de Direitos Autorais, Lei da Propriedade Industrial, dentre outras), não deixa dúvidas quanto à caracterização da tutela jurídica de direito de propriedade. Podemos considerar a existência de ao menos dois fundamentos que conferem o direito de propriedade aos ativos intelectuais: o jurídico e o econômico.
Pelo fundamento jurídico, a segurança nas transações conferida pelo sistema legal permite o desenvolvimento econômico em escala gradual, pois claramente torna os mercados mais eficientes.10 Pelo fundamento econômico, seguimos a vertente que entender ser a propriedade intelectual conferida numa base utilitarista, ou seja, trata-se de mecanismo que representa a melhor forma da sociedade maximizar o bem-estar social.11 Ao excluir terceiros do uso irrestrito da inovação, o direito de propriedade afeta um dos mais preciosos direitos fundamentais do ser humano: a liberdade (desses terceiros), assim interferindo nas relações sociais, principalmente de natureza civil e econômica. Como resultado, cria-se a necessidade de regulação da extensão desse direito, a fim de que o equilíbrio das relações sociais não seja rompido por uma incapacidade do Estado de proteger o direito de um, sem ferir o que razoavelmente se espera do direito de liberdade de outro. A necessidade de limitar o direito de restringir a liberdade de terceiros resume-se, pois, a: excluir o que (escopo), de quem (oponibilidade) e por quanto tempo (duração).
Os limites de escopo, de duração e de oponibilidade dependerão de vários fatores, como por exemplo, da natureza da obra intelectual (patente de invenção, direito autoral, segredo industrial, marca); da territorialidade (abrangência nacional ou internacional, que dependerá da existência de tratados internacionais) e da existência de transações entre partes que disponham diferentemente da regulação estatal.
É fato que a natureza da obra intelectual é o principal delineador do escopo da propriedade intelectual. No caso das patentes, como é impossível a regulação casuística no nível legal para cada criação industrial,12 os critérios normalmente adotados pelos Estados e que satisfazem os requisitos para sua obtenção se resumem a: novidade, não-obviedade e utilidade.13 Ao reunir esses elementos, é possível que o Estado, em linhas gerais, conceda o direito de propriedade intelectual sobre a criação industrial através da patente. Mas, para tanto, é requerido do inventor que descreva objetivamente sua invenção e, através das reivindicações, indique o motivo pelo qual merece receber a garantia do Estado para sua exploração exclusiva. A confirmação do Estado, ao lhe outorgar o direito, não somente reconhece os elementos acima descritos, como também acaba por delimitar o escopo da patente, que protegerá o inventor de qualquer uso não autorizado por terceiros.
Já no que diz respeito aos direitos autorais, o objetivo de sua proteção não são as criações técnicas, mas sim as criações estéticas. A própria definição do objeto da proteção autoral não é muito precisa; tanto que normas internas e internacionais se referem às “criações do espírito” ou “às obras literárias, artísticas e científicas”. Uma visão sobre os objetivos de proteção às criações autorais leva a duas linhas de raciocínio.14 A primeira, representa a compensação entre a criação e a difusão do trabalho autoral, o que pode ser chamado de incentivo (criação) e acesso (difusão). Por esse objetivo, passa a ser possível verificar de que forma e em que extensão essa compensação se aplica ao direito autoral. A segunda tem como prisma enxergar o direito autoral como um elemento básico de organização econômica, por meio da análise das transações.
Com sua função alocativa (compensação entre incentivo e acesso), o direito autoral permite a remuneração do autor (incentivo) através da distribuição do conteúdo protegido (acesso), regulando o combate da cópia não autorizada. Essa dinâmica acaba por lembrar a racionalidade da invenção cuja geração pode se dar através produção industrial protegida por patente. As exceções à regra são previstas legal ou contratualmente. Em nosso direito, há uma previsão de limitação aos direitos autorais (art. 46 da Lei 9.610/1998), no sentido de preservar a difusão do conhecimento em bases razoáveis e que não diminua o incentivo econômico da produção intelectual.15
Com relação à análise das transações, o incentivo da criação será cada vez maior, conforme forem maiores os lucros conferidos ao autor. Nesse sentido, não só a proteção é incentivada, como também o aumento dos canais de distribuição da obra pode potencializar seu valor (não por menos os meios de comunicação de massa têm, por exemplo, papel fundamental na disseminação do conhecimento humano, levando claramente ao incentivo de novas obras a serem difundidas por esses meios). Dependendo da natureza da obra intelectual, como por exemplo, os programas de computador (aplicativos em marketplaces), o fenômeno de alavancagem de valor da obra protegida ocorre por meio do chamado efeito de rede.
A duração dos direitos de propriedade intelectual é medida com quase nenhum racional jurídico, mas sim econômico e político. O princípio que norteia o estabelecimento de prazo de duração deve levar em consideração a contraposição de duas situações distintas: quanto tempo levaria hipoteticamente para que o investimento por parte do criador possa ser recuperado e ainda viabilize o lucro razoável com a atividade inventiva (preservação dos incentivos à criação) versus quanto tempo levaria para a sociedade suportar os limites de proteção da propriedade intelectual a ponto de não desestimular a atividade inventiva e resultar em ambiente de menor desenvolvimento tecnológico?
É bem comum encontrar trabalhos de economistas fundamentando, através de modelos econométricos, o quanto de tempo seria o suficiente para alcançar um resultado satisfatório ao criador e à sociedade.16 Há várias opções adotadas pelos Estados, seja para a proteção dos direitos de patentes,17 seja para os direitos autorais.18 Os diversos tratados internacionais igualmente dispõem sobre a matéria, com o objetivo de uniformizar internacionalmente a proteção de referidos direitos. No entanto, os cálculos e princípios econômicos não estão isentos das forças políticas que atuam na elaboração de leis e de tratados internacionais.19
Já a oponibilidade (excluir de quem?) leva em consideração ao menos três aspectos. O primeiro, diz respeito à política interna de cada Estado objetivando fixar o ambiente de incentivo à inovação tecnológica. Nesse sentido, a aplicação dos direitos de propriedade intelectual abrange a todos indistintamente (efeito erga omnes) e observará apenas as exceções previstas na própria lei. O segundo, diz respeito aos tratados internacionais. Ao submeter diversos países signatários aos mesmos princípios de proteção da propriedade intelectual, objetiva-se disseminar conhecimento e tecnologia entre esses países, obtendo-se, em contraprestação, a devida proteção ao investimento realizado.20 Por fim, o terceiro diz respeito às transações de natureza privada. Através das regras de contrato, é possível flexibilizar a regra de exceção mediante contraprestação remuneratória (licenciamento), ou ainda detalhar o escopo da proteção, visando evitar que o licenciado possa aproveitar do conhecimento obtido para fins não autorizados.21
Tanto escopo, como duração, são fatores preponderantes na escolha de um Estado em proteger as criações intelectuais. Escopos maiores e prazos de duração maiores podem resultar em um ambiente de menor incentivo à criação, se comparados a um sistema com escopo e prazos mais restritos.22 A partir dessa escolha, o Estado determina sua política de proteção à criação humana com o objetivo de incentivar a inovação tecnológica e a regula no caso a caso, seja ex-ante para efeito da propriedade industrial, ao outorgar o direito de patentes, desenho industrial, marcas, etc., seja ex-post, na concessão de direitos autorais, se e quando houver necessidade de pacificar um conflito por uso não autorizado.
A tarefa atribuída, pois, ao Estado, não é de simplesmente garantir o direito de exclusão de terceiros pela mera observância à essência do direito de propriedade, sem observar a sua função social,23 que é representada pelos desenvolvimentos tecnológico e econômico e a realização do bem-estar social.24
Portanto, o monopólio legal conferido ao autor no âmbito da propriedade intelectual deve ser fundado nos principais objetivos que permitem a existência do direito de propriedade intelectual: incentivar a inovação tecnológica e evitar conceder direitos que resultariam em seu desestímulo. Para que isso ocorra sem distorções, a propriedade intelectual deve, além de atender aos requisitos legais, limitar-se ao que efetivamente deve ser protegido como fruto do trabalho inventivo e como incentivo de criação.25
1.3. Propriedade intelectual e política antitruste
Se o Estado tem, pois, a função de regular a proteção à atividade inventiva, isso não pode implicar a demonização da concorrência. Pelo contrário, é ela que permite, no sistema capitalista, a dinâmica da destruição criativa através dos recursos advindos da inovação tecnológica. Assim surge a necessidade de haver outro controle sobre a propriedade intelectual, diferente da tutela estatal de concessão do monopólio legal: aquele que visa tutelar a concentração das criações tecnológicas, bem como o abuso de poder por detentor de tecnologia protegida. É, pois, o direito da concorrência que deverá funcionar como mecanismo de controle social para incentivar a concorrência além dos incentivos à inovação, garantidos pelo direito de propriedade intelectual.
O direito de propriedade intelectual e o direito da concorrência não podem ser vistos como dependentes ou complementares entre si,26 no sentido de que um corrige problemas que o outro não consegue resolver para viabilizar os objetivos de política regulatória de um Estado. As matérias tuteladas são distintas, assim como a razão de sua existência. A propriedade intelectual, a nosso ver, antecede a análise antitruste pois, através dos mecanismos dispostos socialmente, viabiliza a proteção do valor de uma invenção, assim corrigindo uma falha de mercado naturalmente decorrente do fato da informação ser um bem público no sentido econômico. Sem a propriedade intelectual (ou outro mecanismo de correção dessa falha de mercado), é praticamente impossível verificar a existência de preocupações concernentes à concorrência, dado que tal informação seria um bem não escasso, de livre acesso (bem público), dispensando igualmente os mecanismos de alocação através do licenciamento.
A partir da existência da propriedade intelectual, surge outro problema, tal como em qualquer segmento da economia: em que medida o agente econômico, detentor da propriedade intelectual, agirá para dificultar a entrada de outros concorrentes no mercado. Esses concorrentes não se confundem com os que procuram alcançar o mesmo nível de informação através do efeito carona e competir de maneira desleal, ou seja, em desrespeito ao monopólio legal concedido pelo Estado, posto que, para isso, há uma tutela específica do próprio direito que protege a propriedade intelectual (instituto da concorrência desleal). Falamos dos concorrentes que fabricam produtos novos a partir de novas tecnologias diferentes ou complementares àquelas protegidas e, em assim sendo, não afetam o direito de propriedade do inovador. Porém, em decorrência do poder de mercado desenvolvido pelo inovador, não conseguem ter acesso a esse mercado.
Ainda que independentes, a intersecção entre os direitos da concorrência e da propriedade intelectual, não está no âmbito jurídico, mas sim político, pois dependendo da forma como o Estado define suas políticas, poderá resultar em mais ou menos inovação tecnológica, mais ou menos desenvolvimento econômico e aí está o desafio do Estado em manter uma linha de tensão entre esses dois campos.27
Nas análises econômicas com base numa visão utilitarista, a busca do bem-estar vem sendo considerado o principal objetivo das políticas antitruste. Igualmente, o desenvolvimento econômico por meio da proteção à propriedade intelectual também representa uma busca do bem-estar. O fato de ambas as políticas convergirem nos objetivos leva à necessária compreensão de como esse bem-estar pode ser alcançado em cada uma das esferas. No caso da propriedade intelectual, o bem-estar pelo lado do inovador é claro. Sob o aspecto interno, a propriedade da inovação, através do monopólio legal, permite o retorno dos investimentos, melhoria dos processos internos e aumento de produtividade; sob o aspecto externo, a propriedade sobre a inovação permite lançar novos produtos no mercado ou disponibilizá-los para seus concorrentes por meio do licenciamento. Em decorrência desse processo, o bem-estar do consumidor está no aproveitamento desses resultados, seja através do aumento na qualidade dos produtos ofertados, seja na possibilidade de diminuição do seu preço, considerando os benefícios da oferta em escala proporcionados pela inovação. A soma de ambos resulta no bem-estar social, através da inovação tecnológica e do desenvolvimento econômico.
Em relação bem-estar sob a ótica antitruste, duas são as vertentes de sua manifestação: a eficiência econômica e o bem-estar do consumidor.28 Por eficiência econômica entende-se a decisão ou evento que aumenta o valor total de todos os ativos mensuráveis na sociedade ou a riqueza total da sociedade, manifestando-se em três frentes: eficiência produtiva, eficiência de inovação e eficiência alocativa. Na eficiência produtiva, os bens são produzidos utilizando-se a combinação de melhor custo-benefício dos recursos disponíveis sob as tecnologias existentes. A eficiência de inovação é alcançada mediante a criação, o desenvolvimento e a difusão de novos produtos e de processos produtivos que aumentam a riqueza da sociedade. Por fim, a eficiência alocativa é alcançada quando o produto é alocado, através do mecanismo de preços, àquele comprador que mais o valora em termos de custo-benefício, sem a necessidade de procura por outro bem.29
Não é difícil perceber que a eficiência de inovação depende amplamente do sistema de propriedade intelectual, sendo que, dos três tipos de eficiência econômica, é sem dúvida o que mais se aproxima do ideal de crescimento econômico, pelos motivos já acima expostos. Se a eficiência produtiva ou estática responde pela diminuição nos custos de produção e se a eficiência alocativa é o melhor dos instrumentos para a verificação de condutas concertadas entre concorrentes e o aumento de barreiras à entrada, a eficiência de inovação, ou eficiência dinâmica, é a que melhor atende aos princípios da destruição criativa, tão caros para Schumpeter.30
Aí reside a intersecção propriedade intelectual e a concorrência: na busca do bem-estar, manifestado no âmbito da propriedade intelectual através da apropriação de lucros pelo inovador e na disponibilização de produtos que representam melhor custo-benefício ao consumidor e no âmbito do antitruste através da eficiência econômica (com a priorização da eficiência de inovação) e do bem-estar do consumidor (em uma visão de benefícios a longo prazo), ambos os campos, em suas respectivas competências, desempenham um papel fundamental no desenvolvimento econômico do Estado.31
A partir dessa realidade, o controle dos agentes através da tutela jurídica do direito de propriedade intelectual e do direito da concorrência é desempenhado de maneira própria e independente. Em outras palavras, a manutenção do bem-estar por meio da propriedade intelectual, com o controle do seu escopo e do uso não autorizado da inovação em virtude do desrespeito ao monopólio legal, é feita pelo direito de propriedade intelectual, que por sua vez também deverá tutelar qualquer abuso do monopólio legal por parte do inovador. A manutenção do bem-estar sob a ótica antitruste se dá através da eficiência econômica e do bem-estar do consumidor, mediante a aplicação do direito da concorrência. No primeiro caso (propriedade intelectual), o interesse tutelado é de natureza privada, pois o dano decorrente de uma atividade ilícita atinge o detentor da inovação ou seu concorrente. No segundo caso (antitruste), o interesse tutelado é de natureza pública, pois a atividade ilícita ou a alta concentração pode gerar efeitos no mercado e, por consequência, no próprio consumidor, sendo necessária a atuação do Estado através dos órgãos de defesa da concorrência ou mediante as ações judiciais que versam sobre interesses individuais homogêneos.32
Não por menos, a competência dos órgãos de defesa da concorrência não se fundamenta exclusivamente sobre os danos de natureza privada experimentados por um concorrente. Em verdade, o controle antitruste deve ocorrer toda vez que a atuação do inovador possa diminuir a eficiência econômica ou o bem-estar do consumidor. Para que isso ocorra, é indispensável a verificação das situações em que esses impactos ocorrem, o que depende uma série de aspectos, como a identificação do mercado atingido, bem como a existência de poder dentro desse mercado, os quais serão analisados a seguir.
2. Inovação tecnológica e poder de mercado
Identificar mercado relevante e a possível existência de poder por qualquer agente no âmbito da propriedade intelectual não foge à regra geral aplicada às demais áreas econômicas. No entanto, há variações que não permitem alcançar as mesmas conclusões, seguindo as tradicionais regras de análises de mercado. Uma dessas variações que procuramos identificar com mais detenção é a existência dos chamados mercados de inovação, que tratam da área de P&D. Tal como fazem os especuladores quando tentam adivinhar o preço futuro de uma mercadoria para comprá-la ou vendê-la no momento certo, o mercado de inovação traz situações próprias que somente podem ser analisadas com base em perspectivas futuras, pois nada dizem sobre a realidade atual. Concorrentes do futuro podem sequer atuar no mesmo segmento de mercado atualmente e o desafio está em saber se um ato de concentração entre eles hoje pode gerar efeitos danosos à concorrência e à própria inovação tecnológica no dia de amanhã.
Outro aspecto que mexe com as análises tradicionais de mercado relevante e de poder de mercado é o fato dos mercados envolvendo alta tecnologia (como de softwares, aplicativos de internet, etc.), serem caracterizados por uma forte alternância de agentes dominantes em decorrência do constante investimento em P&D. Observando-se essa dinâmica de criação de novos mercados ou de substituição constante dos agentes dominantes, trata-se de uma situação em que as barreiras à entrada podem ser baixas, permitindo um ambiente de contestabilidade do mercado.
2.1. Poder de mercado, mercado relevante e mercado de inovação
As análises concorrenciais basicamente são efetuadas adotando-se critérios bem parecidos: verifica-se inicialmente se qualquer dos agentes envolvidos detém poder de mercado, assim considerado, em linhas gerais, a possibilidade de esse agente aumentar preços ou reduzir a produção por um determinado período sem que isso resulte em diminuição de lucros. Considerando-se um mercado perfeitamente competitivo, onde o preço é aquele resultante da simples intersecção entre as curvas de oferta e demanda, o agente não tem a possibilidade de atuar de maneira isolada, aumentando preços ou reduzindo a produção, sob pena de ser penalizado com a diminuição de vendas e redução de lucro. Como resultado, a preocupação em verificar a existência do poder de mercado somente faz sentido em situações em que as características do produto e a área onde esse produto se coloca ao alcance do consumidor ensejam a possibilidade de o agente criar condições unilaterais que permitam o aumento de lucros através dos mecanismos acima mencionados.
A discussão, no entanto, adota contornos diferentes quando o tema da propriedade intelectual é envolvido nas análises concorrenciais. A existência de poder de mercado poderia, em tese, ser discussão pouco relevante, pois se considerarmos a obtenção da proteção legal para a exploração do ativo intelectual, uma conclusão natural seria a de que do monopólio legal decorre o poder econômico do inovador. Assim, a todo detentor de propriedade intelectual corresponderia um poder de mercado, ou seja, um poder de aumentar preços ou reduzir a produção pelo simples fato de possuir o direito previsto em lei de excluir concorrentes. A esse raciocínio lógico associou-se, por muito tempo, a ideia de que o poder de mercado no âmbito da propriedade intelectual é presumido, independente da definição de mercado relevante.33
Mas, ainda que a propriedade intelectual dê ao inovador a possibilidade de excluir concorrentes, por ter ele alcançado primeiramente o resultado almejado em seu projeto de P&D, a presunção de poder de mercado inequivocamente gera distorções em análises concorrenciais. Isso porque a inovação, o ativo intangível em si, pode ser único e exclusivo. No entanto, sua aplicação prática pode não ser a única que permita a existência de produtos com aquela determinada tecnologia. Em outras palavras, um mesmo produto pode ser fabricado por duas tecnologias distintas entre si, que acabam por alcançar um mesmo resultado por caminhos diferentes (como, por exemplo, as patentes substituíveis entre si). Ademais, uma tecnologia trancafiada e não explorada comercialmente nada tem de poder econômico, salvo se passar a ser essencial para o desenvolvimento de determinado produto ou serviço.34
Ademais, produtos e serviços de alta tecnologia não se identificam pela perenidade no mercado. Ao contrário, pelo fato das empresas que atuam nesses mercados investirem constantemente em inovações para fins de melhoria, as características do produto ou serviço se modificam de forma muito rápida, o que acaba por trazer desafios na compreensão dos aspectos concorrenciais.
Há também o mercado representado pela atividade de investimento na área de P&D. Na grande maioria das vezes, não é possível identificar qual será o resultado desse investimento, pois ele pode ser simplesmente infrutífero ou mesmo interrompido por conta da obtenção de patente de um concorrente, ou ainda, superado por outra tecnologia. No entanto, considerando que nenhum novo produto surge sem essa atividade, ignorar seus efeitos no âmbito de uma análise antitruste pode não ser o melhor caminho.35
Diferente de qualquer análise concorrencial, onde os agentes são avaliados pela posição que têm ou que vão alcançar em um determinado mercado, refletindo assim uma concorrência no mercado específico, o mercado de inovação busca avaliar os efeitos futuros que decorrerão dos produtos e tecnologias resultantes da atividade de P&D. Representam, portanto, uma concorrência pelo mercado e não em um mercado.36
Uma concentração que afeta a inovação pode ter consequências para o consumidor em mercados onde as empresas que estão se fundindo não competiam anteriormente à transação. Ou seja, o poder de mercado pode implicar não somente aumento de preço ou redução na produção, mas também diminuição nos investimentos em inovação (diminuição do investimento em P&D), sem que isso impacte nos lucros do agente.
No entanto, não é possível identificar qual é esse poder de mercado no âmbito da P&D, utilizando-se dos mesmos critérios tradicionais. Isso ocorre em virtude da própria natureza da atividade de P&D de se investir hoje para lançar a novidade amanhã, não sendo possível aferir exatamente qual produto ou melhoria resultarão desse processo, tampouco se efetivamente algum resultado trará. Ademais, seria irreal dimensionar participações de mercado nos mesmos moldes tradicionais, visto que os agentes, para essa finalidade, não competem efetivamente no mercado.37 Assim, para efeitos do mercado de inovação, outros critérios de identificação de poder de mercado devem ser utilizados.
A proposta de Gilbert e Sunshine38 para identificar o mercado de inovação pode ser delineada em cinco etapas: O primeiro passo é identificar a sobreposição de atividades de P&D das empresas objeto da concentração, o que basicamente deve corresponder ao mercado relevante material (do produto) em que ambas competem na análise tradicional. O segundo passo é identificar fontes alternativas de P&D (essencialmente a verificação de substitutibilidade da demanda). O terceiro passo é a avaliação da concorrência potencial, bem como a existente, na cadeia de fornecimento dos produtos que tornaria não lucrativo para um monopolista hipotético em P&D o aumento do preço ou a redução da produção. O quarto passo é a verificação de potenciais efeitos competitivos no investimento em P&D que poderiam resultar do aumento da concentração decorrente da operação. O passo final é a verificação de eficiências que podem resultar da operação que aumentariam a produção e diminuiriam os custos de P&D no mercado de inovação analisado, de forma a determinar se tais eficiências seriam capazes de compensar qualquer provável efeito anticoncorrencial decorrente da operação.39
De fato, os investimentos em P&D podem fundamentalmente alterar a natureza da análise concorrencial em relação aos produtos que competem em um determinado mercado relevante, mesmo se o aspecto mais importante for a análise, por exemplo, da eficiência alocativa (ou eficiência para fins de diminuição do preço ou melhora da qualidade do produto, como objetivo de alcançar o bem-estar do consumidor). Ao menos em teoria, inovações decorrentes da operação podem rapidamente levar a modificações nas participações de mercado de forma diferente como se esperaria apenas analisando a operação nos moldes tradicionais.
3. Propriedade intelectual e abuso de poder econômico
No universo da propriedade intelectual, cláusulas ou condições existentes no licenciamento podem representar situações de abuso do poder econômico, muitas vezes difíceis de serem avaliadas. As restrições de direito impostas pelo licenciador no âmbito das relações horizontais ou verticais podem tanto servir para a proteção do ativo intelectual dentro dos limites da lei como também resultar na distorção das condições normais de mercado e do exercício da liberdade de iniciativa. Na mesma linha, importa discutir em que medida o abuso de poder econômico envolvendo a propriedade intelectual origina-se necessariamente de um abuso de direito e, ainda, se ambas as situações devem ser tratadas de formas distintas.
3.1. Controle antitruste no licenciamento de propriedade intelectual
A atividade de licenciamento pode alcançar a forma mais eficiente de exploração dos direitos de propriedade intelectual, reduzindo os custos de transação,40 assim permitindo a consumidores o benefício de ter, ao seu alcance, novos ou melhores produtos a um preço competitivo.41
Basicamente, podemos falar em duas formas radicalmente diferentes de licenciamento de tecnologia entre empresas. A primeira é a licença vertical: uma empresa que detém determinada tecnologia concede uma licença a outra empresa para usar essa tecnologia, comercializando os resultados finais. Do ponto de vista do licenciador, a relação vertical não deixa de ser essencialmente uma técnica de distribuição de seu ativo. A segunda é a licença horizontal ou cruzada, que ocorre entre concorrentes para que ambos possam prover mútua assistência no desenvolvimento de produtos ou tecnologias que possivelmente seriam muito sofisticados para que cada um os desenvolvesse individualmente. Vale assim, analisar os incentivos de cada um dos participantes dessa relação (licenciador e licenciado) em ambas as formas (vertical e horizontal).
Na relação horizontal, efetuada entre competidores, os incentivos para o licenciador podem ser encontrados, basicamente, através dos seguintes elementos: (a) considerações de tamanho, fluxo de caixa e barreiras à entrada, pois certas empresas não têm a possibilidade de desenvolver uma organização de produção e comercialização adequada para a tecnologia desenvolvida. Os investimentos em P&D não servem para criar uma cadeia adequada de promoção e comercialização da tecnologia, o que torna normal a procura por empresas que tenham mais eficiência no processo de pesquisa; e (b) diminuição do risco de cópia da criação, pois ao tornar disponível o ativo através do mecanismo de licenciamento, o licenciador diminui relativamente a hipótese de concorrentes se aproveitarem da inovação. De fato, uma tecnologia licenciada reduz a chance de conflitos sobre sua titularidade e de desincentivos à atividade de P&D.
As empresas envolvidas normalmente procuram equivaler-se em termos de tamanho, realizar uma atividade associativa (joint venture) através do licenciamento cruzado de patentes ou de direito autoral, para que possam ter o direito de utilizá-la em processos ou produtos para a comercialização final. Os licenciamentos tendem a ser simétricos, com condições isonômicas, como também simétrica deve ser a motivação que leva as empresas a firmarem tal relação, principalmente pelo fato de que talvez não poderiam atingir tal nível de desenvolvimento sozinhas. Outros motivos, como a necessidade de estabelecimento de padrões de tecnologia para fins de interoperabilidade, bem como as compras governamentais (em situações que o Estado demanda algum conjunto de produtos que não existe no mercado de forma individual, mas que empresas preferem disputar conjuntamente para ter mais sinergia e preços competitivos), igualmente possibilitam a existência de licenciamentos horizontais.42
A dinâmica do licenciamento horizontal pode igualmente alocar de forma mais eficiente as escolhas das empresas nos investimentos em P&D. O fato de haver esse auxílio mútuo entre elas pode diversificar o risco inerente a grandes projetos de desenvolvimento tecnológico, permitindo ainda que elas concorram no mercado do produto ou tecnologia final. Há assim, várias justificativas interessantes do ponto de vista econômico que permitem com que empresas concorrentes transfiram tecnologias umas às outras.
Na relação vertical, além das mesmas considerações envolvendo fatores de tamanho e fluxo de caixa, outros elementos são levados em consideração, tais como: (a) diversificação do risco, pois adquirir tecnologia mediante o licenciamento carrega um risco sensivelmente menor do que investir na sua obtenção, o que permite que a empresa tenha outras preocupações além do retorno do investimento feito em grande escala e o risco de quebra em decorrência de eventual insucesso da empreitada; (b) estratégia para desenvolvimento de outras tecnologias, pois o licenciamento permite à empresa partir de uma base de conhecimento diferente da que teria se fosse realizar a descoberta a partir do momento zero. Assim, empresas acabam por adquirir tecnologia com o objetivo de ganhar tempo e obter posições mais competitivas no mercado.
Seja no âmbito horizontal ou vertical, os contratos apresentam, ao menos, duas características em comum. A primeira delas diz respeito à proteção do licenciador de forma mais adequada do que a legislação. Fosse a legislação instrumento perfeito de proteção, muitos não aceitariam a celebração de contrato, mas apenas “ordens de compra”, restando apenas a discussão dos valores do licenciamento. A prática demonstra que os contratos não seguem essa linha. Uma segunda característica é a de que os contratos, por sua própria natureza, trazem consigo diversas cláusulas restritivas de direito em relação ao licenciado, principalmente em termos de uso dessa tecnologia para seu aprimoramento ou comercialização. Dessa forma, o licenciador se permite ter o controle de seu ativo desenvolvido, de modo a, inclusive, cessar o licenciamento caso o beneficiário da licença não cumpra com qualquer das cláusulas contratuais.
Assumindo a existência de poder de mercado pelo licenciador, certas disposições contratuais podem conter aspectos que trazem o risco de configurar conduta anticoncorrencial. Assim, desde o estabelecimento do valor dos royalties pagos pela licença, passando pelas condições de exclusividade, pelas obrigações de retrolicenciamento dos melhoramentos obtidos com a tecnologia, pela recusa no licenciamento de determinada tecnologia e até pela agregação de outros itens no licenciamento não necessários à primeira vista (com o risco de configuração de venda casada), certos dispositivos podem ou não ser considerados anticoncorrenciais, merecendo uma análise detalhada de cada caso.
3.1.1. Entidades de padronização
Diante da evidente necessidade de troca de conhecimento entre os desenvolvedores de tecnologias, surgem entidades, em sua grande maioria de natureza privada, que reúnem empresas em torno do objetivo de uniformizar padrões tecnológicos, assim permitindo a interoperabilidade entre tecnologias no processo de fabricação de um produto, ou mesmo na elaboração de um software. As chamadas entidades de padronização (em inglês Standard-Setting Organizations ou SSOs) estabelecem, assim, padrões uniformes de tecnologia em diversas áreas: telefones se comunicam, a Internet funciona perfeitamente em qualquer canto do mundo e os eletrodomésticos são conectados às tomadas elétricas, exatamente pelo fato de terem sido objeto de uma padronização, permitindo assim que as respectivas empresas desenvolvessem produtos compatíveis. Produtos que não seguem os standards estabelecidos pelas entidades de padronização têm uma alta barreira à entrada, salvo se sua superioridade tecnológica possibilite alcançar o usuário sem seguir os padrões do mercado.
O funcionamento das entidades de padronização segue uma dinâmica semelhante: um grupo de empresas verifica uma necessidade específica de mercado, diante da carência de uma padronização de tecnologia, cria uma entidade através da elaboração de estatuto e, a partir da identificação de diversos itens técnicos, cada participante procura contribuir com um desenvolvimento tecnológico específico, estabelecendo assim o padrão a ser desenvolvido. Uma vez alcançado o resultado desejado, esse padrão é tornado público, podendo ser utilizado pelos associados ou por terceiros a partir das definições e regras estabelecidas pela própria entidade.43
Aparecem então as primeiras questões relacionadas à área de propriedade intelectual. Os padrões podem ser a reunião de tecnologias simplesmente já existentes (ex post) ou que serão desenvolvidas no âmbito dos trabalhos da entidade (ex ante) e podem envolver ou não direitos de propriedade intelectual, o que os definirá como abertos ou fechados.44 Na hipótese de não envolver direitos de propriedade intelectual, ou seja, empresas que não detêm patentes, ou se a detêm, abrem mão de sua remuneração e de qualquer condicionante sobre seu licenciamento, o padrão será definido como aberto. Assim, qualquer interessado poderá utilizar o padrão tecnológico sem necessariamente ter de pagar royalties. Mas se houver dependência do licenciamento de propriedade intelectual para que seu resultado final seja alcançado, o padrão será definido como fechado. Terceiros interessados pelo uso do padrão poderão ser licenciados pela entidade de padronização, mediante o pagamento de royalties. Cabe à entidade o recebimento e o pagamento aos detentores das tecnologias licenciadas, na proporção definida nos estatutos ou em acordos específicos.
Dentro dessa situação, para que não haja questionamentos futuros sobre a legitimidade do padrão produzido, as entidades de padronização normalmente requerem do detentor da tecnologia: (a) a revelação de toda a informação relacionada à patente ou ao direito autoral, de modo que todos os participantes tenham conhecimento de que o padrão deverá implicar no licenciamento daquela tecnologia nas condições estabelecidas pelo seu detentor mediante o pagamento de royalties; e (b) que os royalties sejam estabelecidos pelo detentor da tecnologia em condições justas, razoáveis e não discriminatórias (ou RAND royalties – reasonable and non discriminatory),45 a fim de não causar desequilíbrio na relação e inviabilizar o desenvolvimento da padronização.
A partir desse cenário, algumas questões concorrenciais surgem em decorrência da dinâmica de funcionamento das entidades de padronização e que podem ser analisadas sob o prisma da própria entidade ou sob o prisma do licenciador, nos casos de padrões fechados. A começar pelo lado da entidade, a preocupação mais crítica diz respeito à possível cartelização, pelo fato da entidade poder reunir empresas que detêm poder econômico em determinado mercado. Da mesma forma, uma possível tendência é a de criar barreiras à entrada, caso o padrão tecnológico seja único insumo disponível no mercado para fabricação de produtos concorrentes dos detentores da tecnologia. Essa preocupação se acentua na medida em que a entidade de padronização não admita o livre ingresso de interessados em participar do processo de contribuição tecnológica para o padrão, mesmo sendo ele fechado.
Por outro lado, a entidade de padronização é a cliente, adquirente ou licenciada de todas as tecnologias desenvolvidas para permitir a existência do padrão tecnológico. Nas hipóteses de padrão fechado, a tecnologia pode não ter outra aplicação senão no âmbito da entidade de padronização. Em se configurando a dependência do licenciador em relação à entidade de padronização, é possível surgir um poder monopsônico da entidade, o que pode impactar o valor de remuneração total pelo investimento em P&D.46 Se configurado o poder de mercado e em não havendo justificativas claras do motivo pelo qual o valor é estabelecido pelo licenciado e não pelo licenciador, poderão surgir problemas de natureza antitruste.47
Já pelo prisma do licenciador, os problemas concorrenciais se contrapõem. Se de um lado, a exigência da entidade de padronização de que os royalties sejam estabelecidos no modelo RAND visando evitar a criação de poder de mercado pelo licenciador, por outro, a definição do que se compreende por royalties razoáveis e não discriminatórios48 é difícil, senão impossível de ser mensurado.49 O estabelecimento de preços discriminatórios vem de longa discussão no âmbito do direito antitruste.50 O seu estabelecimento em tese pressupõe, de antemão, haver poder de mercado do agente, que em situações distintas estabelece preços diferenciados pelo mesmo produto.51 No entanto, o licenciamento de tecnologia dificilmente passa pelo teste de identificação de poder de mercado normalmente utilizada, conforme abordado acima. Preço diferenciado pode não ser sinônimo absoluto de poder de mercado, já que um novo entrante pode dinamizar o mercado e trazer produtos ou tecnologias melhores a preços mais competitivos. Até que tal fato ocorra, o preço praticado pelo detentor da tecnologia pode ter o objetivo de recompor os custos incorridos em P&D para a sua obtenção, sem que isso lhe dê a prerrogativa de fixar um preço acima do que seria “razoável” apenas por pretensamente deter poder de mercado.
Mas o inverso pode ocorrer. O licenciador pode aproveitar uma situação criada a partir de um contrato firmado com a entidade de padronização, ao supor que o valor de sua tecnologia crescerá imensamente a partir do uso do padrão tecnológico, fixando royalties ex ante acima de tecnologias consideradas substitutas. Em se verificando a existência de poder de mercado, como, por exemplo, a dependência do padrão em relação à sua tecnologia, tal fato poderá servir de indício que estaria abusando de sua posição, apesar da difícil comprovação de que os royalties não estariam sendo comercializados no modelo RAND, conforme acima mencionado.
Outro aspecto que merece atenção diz respeito à obrigação de revelação de que sua tecnologia não bloqueará o desenvolvimento do padrão ou que não detém nenhuma tecnologia capaz de fazê-lo. O compromisso parece simples, porém a prática demonstra a dificuldade com que isso se materializa. Na hipótese, por exemplo, de se tratar de compromisso firmado ex ante, é possível que o resultado alcançado pela padronização envolva processos ou tecnologias antes não vislumbradas e que ao final possam comprometer a declaração feita inicialmente pelo detentor de tecnologia protegida. A promessa feita pelo detentor da tecnologia pode então ser tomada como uma “armadilha” para tornar a entidade de padronização refém de sua patente ou direito autoral.52 Feita de forma inadvertida ou não, tendo a situação inicial contribuído para que houvesse um bloqueio na disponibilização por conta de um direito específico, o detentor da tecnologia acaba por ter um poder em relação ao licenciado que até então não havia se manifestado. A forma com que o utilizará poderá trazer problemas de natureza concorrencial.
3.1.2. Pools de patente
Pools de patente são mecanismos adotados em grande escala por empresas que detêm propriedade intelectual e por diversos motivos, preferem unir esforços em torno de alguns objetivos comuns, principalmente evitar litígios que coloquem em risco o uso ou a atividade de licenciamento de determinada tecnologia.53 Essas empresas não querem necessariamente buscar uma padronização tecnológica, como fazem as entidades de padronização, mas percebem a necessidade de efetuar o licenciamento cruzado para que o resultado final alcance uma melhor eficiência possível.
No universo do desenvolvimento científico, o objeto final de uma pesquisa dificilmente termina com as mesmas e exatas conclusões. Em outras palavras, pode ele se manifestar de diversas formas, inclusive com escopos (e extensões de seus escopos) diferenciados. Como há diversos agentes que alcançam resultados patenteáveis muito próximos entre si, uma classificação em termos comparativos tornou-se necessária para compreender os problemas decorrentes da possível sobreposição entre patentes, bem como dos efeitos concorrenciais. Assim, podemos considerar a existência da seguinte relação entre patentes: de bloqueio, complementares e concorrentes54 entre si.
A patente de bloqueio normalmente surge por conta da concessão de patente que resulta em uma determinada melhoria de outra tecnologia já patenteada. A patente de melhoria pode assim ser considerada subordinada à anterior, chamada dominante. Ambas são consideradas patentes de bloqueio entre si. Explica-se: a patente subordinada não pode ser explorada sem infringir a patente dominante. Por sua vez, a patente dominante tem uma séria restrição de ser melhorada por conta da patente subordinada. Apesar da concessão das patentes de bloqueio servir como incentivo à inovação (caso contrário apenas o detentor da patente dominante poderia melhorá-la, o que certamente poderia trazer ineficiências ao processo, além de um monopólio legal e possivelmente econômico que duraria o período de concessão), dúvida não há quanto aos problemas legais que dela decorrem.55
Parecido com as patentes de bloqueio, as patentes complementares se referem à proteção de tecnologia completamente inúteis sem a existência de uma licença obtida para uso de outra tecnologia ou produto. Essa situação basicamente ocorre quando diferentes inventores patenteiam partes de diferentes componentes de um determinado produto.
Por fim, as patentes concorrentes dizem respeito às criações patenteadas sobre produtos ou processos que competem entre si no mercado. A forma com que isso ocorre sem que as patentes sejam consideradas de bloqueio é através do alcance de produtos ou tecnologias não exatamente idênticas ou cobertas por uma determinada patente já concedida, mas que pode ser considerada substituível.56 Boa parte dos produtos comercializados se refere a patentes de produto ou a patentes de processos complementares como lâminas de barbear, copos, eletrodomésticos, dentre outros.
O modo com o qual empresas lidam com as sobreposições de tecnologia, a fim de buscar uma melhor eficiência no uso da sua própria tecnologia, é o mecanismo de pool. Por meio de contratos privados, detentores de patentes de bloqueio, complementares ou concorrentes resolvem transferir seu direito de exploração para uma empresa comum (sociedade conjunta, “joint venture”), formada a partir dessa associação, podendo compreender desde duas até centenas de patentes. Na hipótese de os detentores da tecnologia entenderem que a alocação de seus direitos para uma empresa separada não se justifica economicamente, ocorrerá o chamado licenciamento cruzado.
Os pools têm, assim, o objetivo de licenciar a tecnologia em conjunto. Para tanto, passam a ser o licenciador daquele conjunto de tecnologias que normalmente são oferecidas em pacote (um licenciamento compreende todas as tecnologias agregadas no pool). Como consequência de sua atribuição, o pool valora a tecnologia, administrando e distribuindo a receita proveniente dos royalties pagos pelos licenciados.
Há uma série de eficiências que devem ser consideradas em termos concorrenciais para justificar uma associação dessa natureza. A primeira delas objetiva eliminar a restrição natural existente no caso das patentes de bloqueio. Se ambas as empresas decidem unir suas tecnologias em torno de um licenciamento comum, os impedimentos para o avanço tecnológico cessarão, o que é essencial para não frear o processo de inovação.57
Outro aspecto ainda mais evidente é a diminuição dos custos associados ao risco, ou mesmo ao próprio litígio entre detentores de patentes rivais. O mecanismo de licenciamento cruzado, seja por conta da formação de um pool específico, seja meramente em decorrência de um contrato firmado entre os competidores, permite certamente pacificar o conflito existente ou em potencial. O risco de o conflito resultar em litígio pode trazer diversos malefícios às empresas envolvidas, bem como à sociedade: instabilidade em relação à higidez do produto, com o risco de cessação de sua fabricação e manutenção; perda do direito de uso ou fabricação de determinado item que até então estaria suportado pela patente; incerteza quanto ao tempo do litígio, que desestimula a continuidade do processo de inovação pelos envolvidos, além dos altos custos relacionados ao litígio em si.58 Ademais, as partes transfeririam para o Poder Judiciário basicamente a tarefa de definição do escopo de cada uma das patentes, de modo a resultar em efeitos indesejados em relação a outros produtos ou outras tecnologias patenteadas.
O licenciamento cruzado permite ainda a soma de esforço dos inovadores em torno da padronização de determinadas tecnologias, o que faz com que usuários acabem por utilizar mais os produtos ofertados nesse ambiente, aumentando automaticamente seu valor agregado, à medida que cresce o número desses usuários.
Como em todo o acordo entre concorrentes, ou potenciais concorrentes, há o risco de configuração de ilícitos concorrenciais, como a fixação de preços, a divisão de mercados (formas clássicas da configuração de cartel),59 além da eliminação de rivais acompanhada do desestímulo ao contínuo processo de inovação tecnológica.60
Outro objetivo ou resultado decorrente da constituição do pool que certamente levanta preocupações do ponto de vista concorrencial é a exclusão de outras empresas do mercado. Essa situação pode ocorrer, por exemplo, na hipótese de tecnologias cujo licenciamento representa insumo para concorrentes, havendo no pool uma condição de exclusividade entre seus membros para que o licenciamento seja somente em benefício do próprio pool. A existência de tecnologias abertas, sem restrições ao licenciamento, certamente afasta o risco acima mencionado. No entanto, a restrição ao licenciamento pode se dar tanto por cláusulas expressas de exclusividade, como também pelo estabelecimento de royalties muito acima do que vinha sendo praticado até a existência do pool, o que pode representar aumento dos custos dos rivais, além de sua possível exclusão do mercado. Outras situações de distorção do mercado também podem ser aplicáveis, uma vez que o pool, através do contrato ou de seus estatutos, poderá estabelecer várias formas de dominação.
3.1.3. Retrolicenciamento
A cláusula de retrolicenciamento inserida nos contratos de licenciamento (seja ele de natureza horizontal ou vertical) estabelece o direito de o licenciador ser retrolicenciado em relação a quaisquer melhorias a serem desenvolvidas pelo licenciado, com a sua autorização para uso e manipulação da tecnologia.61 Assim, ao obter uma patente nova, o licenciado se obriga a retrolicenciá-la ao licenciador, de modo a transferir ao primeiro todo o conhecimento obtido e desenvolvido e que acabou por gerar nova melhoria.62
O retrolicenciamento pode ser remunerado mediante o pagamento de royalties ou por meio da compensação em relação ao próprio licenciamento inicialmente obtido; pode abranger toda a tecnologia ou somente a parte aplicável aos negócios do licenciador; pode prever ou não exclusividade, a autorização de sublicenciamento dessa nova tecnologia a terceiros, dentre outras possibilidades.
Essa cláusula representa, assim, controle sobre a melhoria de tecnologia pertencente ao licenciador, permitindo a este acompanhar e usufruir dos desenvolvimentos a ela relacionados. De fato, para o licenciador é fundamental poder estar apto a concorrer com terceiros que desenvolvam melhorias sobre a sua tecnologia, sob pena de seu produto perder relevância no mercado.63 Assim, o retrolicenciamento pode funcionar como um instrumento de defesa para o licenciador, de modo a manter sua tecnologia sempre atualizada em relação aos que com ela são licenciados e concorrem.
O mecanismo, assim, é satisfatório para o cumprimento de uma das políticas de propriedade intelectual, qual seja, o incremento do acesso à inovação. Ela também beneficia o licenciado ao garantir-lhe antecipadamente o direito a perceber royalties ou compensar com aqueles que paga por conta do licenciamento inicial (caso assim seja negociado), de modo a incentivá-lo na atividade de P&D para a melhoria da tecnologia licenciada. Finalmente, divide os riscos atinentes à atividade de P&D, ainda que não de maneira isonômica entre as empresas, de modo a incentivar que ambas se envolvam na melhoria da tecnologia.64
Todas as características acima descritas demonstram que o retrolicenciamento pode ser considerado pró-competitivo, o que evita dúvidas em relação à sua legalidade. No entanto, retomamos algumas das discussões concorrenciais envolvendo o licenciamento cruzado, destacando-se, por exemplo, a imposição da condição de exclusividade em benefício do licenciador,65 na hipótese desse mecanismo ter por objetivo aumentar o poder monopolista em relação ao licenciado, principalmente ao reduzir seus incentivos de investimento em P&D.66
3.1.4. Recusa unilateral para o licenciamento
Um dos assuntos mais sensíveis na questão do licenciamento da propriedade intelectual diz respeito ao livre exercício do detentor em dispor sobre um bem que é seu conforme melhor lhe parece, inclusive com a possibilidade de se recusar a ofertá-lo e licenciá-lo a terceiros. Tal possibilidade parece até óbvia, se considerarmos, por exemplo, que o inovador pode perfeitamente internalizar por completo os resultados dos investimentos em P&D, na busca de uma melhor eficiência de produção. Nem concorrentes, nem consumidores, acabam por ter acesso a tal tecnologia, sem que isso represente qualquer problema de propriedade intelectual ou concorrencial.
No Estado de Direito, a contratação é livre. O agente econômico, ao dispor livremente de seus bens e ofertá-los ao mercado, escolhe aqueles parceiros que poderão atender com responsabilidade e qualidade às condições que lhe são colocadas, ou mesmo para competidores que necessitam daquela tecnologia dentro de seu processo produtivo, rendendo ao detentor da tecnologia vários benefícios, além, é claro, da remuneração de seu investimento.
Por outro lado, esse mesmo agente pode negar acesso a um concorrente por diversos motivos que podem ser justificados economicamente. Por exemplo, um fabricante de hardware pode vedar a participação de empresas independentes na prestação de serviços relacionados ao seu equipamento para o consumidor final, caso eles não possam apresentar um nível de qualidade satisfatório. A recusa pode se justificar igualmente pelo receio do inovador ter sua tecnologia apropriada indevidamente após o licenciamento. Ou ainda o motivo poderia ser pelo fato de que, em se apresentando como o único detentor da tecnologia, o monopólio econômico seja a melhor forma de obter o retorno do investimento em P&D que lhe trouxe sérios riscos e ainda custará um tempo e grande economia de escala para ser amortizado.67
Essas eficiências se apresentam tanto nas relações verticais, como horizontais de licenciamento. Isso se torna evidente quando uma empresa atua, por exemplo, em dois mercados: o de fabricação e distribuição de um determinado produto. No licenciamento vertical, ela entende que poderá potencializar a comercialização de seu produto ao licenciar a tecnologia para seus concorrentes no mercado de distribuição, de modo que estes passam a depender do licenciamento para viabilizar essa atividade econômica específica. A empresa pode até nem atuar no mercado de distribuição, o que não significa que não o fará futuramente. No âmbito das relações horizontais, o licenciamento pode surgir por conta de tecnologias complementares, que dependam daquela detida pela empresa para finalizar o desenvolvimento do produto e assim ofertá-lo ao mercado.
Em ambas as situações, demonstra-se claramente a existência de poder de mercado do licenciador em relação aos dependentes de sua tecnologia, estejam eles no âmbito vertical ou horizontal. Assim, ao mesmo tempo em que a lei protege a propriedade intelectual, no sentido de que todos os seus direitos relativos à propriedade podem ser livremente exercidos, inclusive o de não licenciar, há uma relação concorrencial que se forma, o que determina a clara necessidade de um controle antitruste sobre os movimentos de mercado.
De fato, ausentes as justificativas de eficiência econômica, a restrição ao licenciamento de propriedade intelectual a concorrentes pode efetivamente ser um instrumento de alavancagem da participação do detentor da propriedade intelectual em mercado relacionado ao eliminar ou restringir consideravelmente a participação de concorrentes com tal medida.
A discussão acerca do licenciamento compulsório traz à tona a hipótese de aplicação da doutrina das essential facilities no âmbito da propriedade intelectual.68 Em breves linhas, essa doutrina é suscitada nas vezes em que a concorrência depende de parte ou do todo de um produto dominante, em situação tal, que em havendo resistência à sua disponibilização, as autoridades competentes (administrativas ou judiciais) deveriam intervir para determinar que o monopolista conceda o acesso ao bem em condições razoáveis e não discriminatórias, a fim de permitir a participação de concorrentes em determinado mercado.69
A aplicação da doutrina da essencial facility no âmbito da propriedade intelectual depende da análise do caso, bem como da gravidade da infração e da confirmação de que esta seria a única saída em termos concorrenciais, pois claramente representa um sacrifício em parte do direito de propriedade intelectual.
Também a Lei de Propriedade Industrial trata do assunto ao estabelecer hipóteses de licenças compulsórias de patentes. A primeira hipótese, de acordo com o art. 68, caput, ocorrerá em casos de comprovação de exercício abusivo do direito de patente, incluindo o abuso do poder econômico, desde que a situação de abuso seja declarada por decisão administrativa ou judicial. De fato, o CADE pode reconhecer uma situação de violação à ordem econômica e recomendar a licença compulsória. Poderá haver também licença compulsória na hipótese do titular da patente não a explorar no território brasileiro, com ressalva legal aos casos de inviabilidade econômica. (art. 68, §1º, I). A lei prevê ainda uma hipótese de licença compulsória se aquele que detém a patente passar a explorá-la de forma limitada e ainda se recusar a conceder licença para que terceiros a explorem, não satisfazendo às necessidades do mercado (art. 68, §1º, II). O art. 70, I, da Lei, por sua vez, determina a licença compulsória quando ficar caracterizada a situação de dependência de uma patente em relação à outra. Em todas as situações acima, a nosso ver, cabe a análise das eficiências econômicas decorrentes da recusa no licenciamento pelo detentor da propriedade.
3.1.5. Venda casada
Tal como em qualquer outro segmento da economia, venda casada no âmbito da propriedade intelectual é a oferta de venda ou de licenciamento de um produto ou tecnologia protegidos por direito de propriedade intelectual, condicionada à aquisição de outro produto ou tecnologia, protegido ou não pelos mesmos direitos.70 Ela pode se manifestar de diversas formas, desde a aquisição de um produto em conjunto com outro, do licenciamento de duas tecnologias mediante contrato específico, passando pela integração de dois produtos em um (comum no domínio dos programas de computador), chegando até a hipótese de recusa de licenciamento, como uma forma de venda conjunta de mais de um produto ou serviço.
Antes de comentarmos sobre os problemas concorrenciais decorrentes dessa atividade, é importante refletir sobre o motivo pelo qual as empresas agregam produtos conjuntamente na sua comercialização. Há vários motivos. O mais clássico exemplo é aquele inspirado no caso United States v. Loew’s, Inc,71 que dizia respeito ao comportamento tradicional das distribuidoras de filmes ofertarem as fitas (sim, à época, fitas) em bloco para os cinemas (igualmente chamado de block-booking). A questão estava relacionada com a obrigação dos cinemas adquirirem dos distribuidores filmes da grade B (de qualidade inferior), em conjunto com filmes da grade A (de qualidade superior). A alegação baseava-se no fato de que a prática era uma forma de alavancagem da participação das distribuidoras no mercado de filmes da grade B, apoiado nos filmes da grade A, o que é comum ocorrer nas acusações relacionadas à venda casada.
Uma justificativa simples para demonstrar que a venda casada nada mais seria do que uma otimização de custos e um melhor aproveitamento para todos os envolvidos na aquisição dos filmes, foi o exercício desenvolvido por Stigler72 ao analisar referido caso. Supondo que para os filmes das grades A e B, há dois tipos de consumidores, X e Y. O consumidor X aceita pagar $11 para A, mas apenas $4 para B. Já o consumidor Y aceita pagar apenas $4 para A e $10 para B. Por envolver apenas a reprodução dos filmes, o custo marginal de A e B é zero. Se não houver a junção dos dois produtos, o preço individual de A e B seria $11 e $10 respectivamente. Assim, os consumidores adquirem apenas seus produtos individualmente, sem aumento no seu bem-estar. Com a oferta casada dos produtos, o distribuidor passa a cobrar $14 pelo pacote. Ambos os consumidores adquirem os pacotes, assim incluindo os filmes de grade A e B. O consumidor A teve um aumento de bem-estar no montante de $1. Os lucros do distribuidor, que poderiam ser de $21 sem a oferta agregada, pularam para $28. Isso demonstra que, até para o lado do consumidor, a venda casada pode ser benéfica, havendo a possibilidade de que ele adquira um conjunto de bens em valor inferior ao que ele gastaria se os adquirisse individualmente.73
A justificativa de agregação dos produtos por conta de preços praticados no mercado é apenas uma dentre as várias possíveis. A redução dos custos de produção e distribuição pode acontecer se produtos forem ofertados conjuntamente. O exemplo é o de medicamentos contra resfriados e dor de cabeça. Como não há basicamente grandes segredos na produção industrial desse tipo de remédio, acrescentar mais de um princípio ativo, que representa normalmente apenas 10% do custo do medicamento pronto e embalado, certamente representará melhor eficiência alocativa do que simplesmente vender separadamente um que cuide da coriza e outro da dor de cabeça.74
A redução nos custos de transação e melhoria dos produtos também é apontada como um efeito possível da agregação de itens em um único produto. O controle de qualidade é outra justificativa utilizada como eficiência alcançada, principalmente quando a agregação envolver venda de produto e prestação de serviço posterior (o chamado aftermarket). Vincular a substituição de peças e prestação de serviço ao próprio fabricante é uma forma de garantir a boa performance do produto, além de evitar que o uso de produtos ou serviços complementares de baixa qualidade afetem a marca do equipamento adquirido. Talvez essa seja uma das eficiências mais contestáveis e que merece a análise no caso concreto, pois além de ser este o caminho natural da escolha do consumidor (sem a necessidade de cercear seu direito de escolha), na maioria das vezes é difícil o consumidor mensurar qual é o nível ótimo de qualidade de um produto e se o uso de produtos ou serviços complementares não adquiridos do fabricante certamente afetem seu desempenho e necessariamente são de qualidade inferior.75
Mas a oferta agregada de produtos não carrega consigo, na maioria das vezes, a simpatia necessária para ser aceita no âmbito da concorrência e das relações de consumo. A explicação se dá basicamente por dois motivos. Primeiro, as eficiências atreladas à oferta agregada de produtos são de difícil comprovação,76 principalmente se efetuadas por agente que detenha poder de mercado, e ainda, carregando consigo o ônus de demonstrar que essas eficiências não poderiam ter sido alcançadas de outra forma. Segundo, a venda casada é, tradicionalmente, muito menos tolerada pelas autoridades concorrenciais e de defesa do consumidor. No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor, art. 39, inciso I, veda ao fornecedor a sua prática, por considerá-la abusiva. Pela leitura fria da lei, não há espaço para eventuais justificativas. Por outro lado, a Lei 12.529/2011, art. 36, §3º, XVIII a caracteriza como infração à ordem econômica, na hipótese da prática ter por objetivo subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem. Nesse sentido, caberia demonstrar as eficiências que permitissem evitar a aplicação da penalidade. A cotutela dessa infração pelos direitos concorrencial e de defesa do consumidor se apresenta como um verdadeiro desafio, pois a tendência é de restringi-la em absoluto, mesmo se houver vantagens para o consumidor.
No entanto, não é possível, nem desejável, haver um radicalismo. Fosse assim, sapatos deveriam ser vendidos isoladamente e sem o cadarço; não seria possível haver tamanhos diferentes de produtos (refrigerantes individuais e tamanho família) e remédios deveriam ser vendidos isoladamente, sendo o consumidor premiado com uma caixa e uma bula para cada dose tomada, aumentando o desperdício de papel embalagem, sem mencionar as externalidades negativas no plano ambiental. É difícil realmente encontrar o ponto de equilíbrio, pois o problema da venda casada é que ela pode gerar benefícios, mas igualmente pode embutir efeitos anticoncorrenciais.
Regra geral, a venda casada pode resultar na alavancagem de um produto não dominante, para a condição de dominante, em um segundo mercado, se estiver atrelado de maneira obrigatória ao primeiro produto. Outro efeito concreto pode ser verificado com o aumento de preço do produto dominante, ainda que seja difícil a comprovação de que tal prática esteja relacionada com a venda casada.77
Todos esses efeitos dependem naturalmente da verificação de existência de poder de mercado. Uma venda casada em produtos ou tecnologias onde não há limitação de concorrentes, ofertando-se produtos substituíveis e ao alcance do consumidor, apenas permite a este a escolha entre adquirir produtos substituíveis em separado ou adquirir o conjunto de produtos de forma agregada. Nas vezes em que a agregação se dá por motivo de redução nos custos de fabricação, até a diminuição do preço pela concorrência em seus produtos substituíveis não faz a situação voltar para o status quo ante, mesmo se o agente não detiver poder de mercado.78
Claramente ele terá agido buscando uma maior eficiência de produção e não objetivando alcançar um maior poder de mercado em relação ao produto agregado, visto que jamais poderia fazê-lo por meio desse mecanismo, com a ausência de poder de mercado no primeiro produto. A existência do poder monopolista é, portanto, condição mínima essencial para a configuração da infração, sem prejuízo de outros que igualmente devem ser analisados caso a caso, como, por exemplo, a existência de demanda pelo produto agregado.79
Uma discussão interessante em relação à agregação de produtos no setor de tecnologia é aquele relacionado à integração de softwares de diferentes funcionalidades em apenas um. Numa situação hipotética, dois fabricantes de softwares distintos X e Y, não competem entre si, mas têm produtos dominantes em seus respectivos mercados. O software X permite o registro da produtividade agrícola ano após ano, de maneira a contribuir com o produtor no planejamento de sua safra. Por sua vez, o software Y permite a consulta da previsão do tempo em anos anteriores, relaciona fatos e eventos naturais, como pestes, secas, etc., além de dar acesso on-line à previsão do tempo atual e durante os 30 dias subsequentes, de modo a contribuir com o produtor na compreensão de diversos problemas anteriores com a sua safra. Em uma versão subsequente, após altos investimentos em P&D, X decide integrar à sua plataforma todas as funcionalidades do programa Y, de modo que os relatórios exibidos pelo programa atribuem automaticamente o fator de produtividade não somente ao trabalho do produtor, mas igualmente aos eventos naturais, auxiliando-o em previsões futuras. Por essa nova versão, X acrescenta 20% ao preço de seu produto, ao passo que Y não possui a capacidade de melhorar sua plataforma para o nível do produto concorrente.
Afora as questões acima mencionadas sobre os problemas de venda casada, é bem possível que a maioria dos usuários do software Y migre para o produto concorrente e a maioria dos usuários de ambos os softwares abandone o uso do software Y. O resultado natural decorre não somente por conta da questão preço, mas também pelo fato que a nova versão representa, com mais adequação, a necessidade do consumidor em relação ao software. E provavelmente trará mais outras, caso X continue seus investimentos em P&D.80
É evidente que a melhoria dos produtos tecnológicos depende de maiores investimentos nessa área e partir da presunção de que a integração de produtos é algo ilícito seria fugir da lógica e da dinâmica desse segmento. Isso não significa, a nosso ver, numa carta branca aos programadores fazerem o que bem entenderem com seus sistemas, como se a eles não se aplicassem os conceitos antitruste. Muito pelo contrário. No entanto, dado os benefícios normalmente obtidos pela melhoria dos sistemas, o ônus da prova deveria ser contrária: a integração de programas de computador é benéfica, devendo haver a prova em contrário pelos concorrentes (em outras palavras, legalidade per se, com o teste invertido para saber se há danos ao mercado e em que extensão esses danos visam meramente a exclusão da concorrência).81
Entendemos que a integração dos produtos no setor tecnológico deve ser avaliada, caso a caso, a partir da premissa de que ela gera benefícios, buscando-se verificar eventuais efeitos nocivos.
Notas
1LÉVÊQUE, François; MÉNIÈRE, Yann. The economics of patent and copyright, p. 21.
2Existente não somente nas hipóteses de informações não protegidas legalmente por patentes ou direitos autorais, mas também nos regramentos de disponibilidade desse ativo perante terceiros, motivo pelo qual o ambiente institucional favorável à estabilidade nas transações é fator decisivo para investimentos em inovação tecnológica.
3A comercialização dos ativos de propriedade intelectual tem justificativa não só do ponto de vista do empresário, que pode gerar receita através do licenciamento, mas também do ponto de vista do benefício social, pois o licenciamento evita que novos investimentos sejam aplicados de forma inútil por outras empresas, diminuindo assim os custos de transação.
4PINDYCK, Robert S.; RUBINFELD, Daniel L. Microeconomia, p. 524: “Um bem público é uma mercadoria que pode ser disponibilizada a baixo custo para muitos consumidores, mas, assim que ela é ofertada para alguns, torna-se muito difícil evitar que outros também a consumam. Por exemplo, suponhamos que uma empresa esteja considerando a possibilidade de empreender uma pesquisa sobre uma nova tecnologia para a qual não se consegue obter patente. Logo após a invenção tornar-se pública, outros podem copiá-la. Por ser difícil impedir que outras empresas produzam e vendam o produto, a pesquisa não será lucrativa.” (tradução livre)
5LÉVÊQUE, François; MÉNIÈRE, Yann. The economics of patent and copyright, p. 20.
6LEMLEY, Mark A. Ex ante versus ex post justifications for intellectual property. Berkeley, Public Law and Legal Theory Research Paper Series. Paper n. 144., p. 12.
7RAMELLO, Giovanni B. Intellectual property and the markets of ideas. Review of Network Economics, v. 4, n. 2, p. 164.
8Ex Ante versus ex post justifications for intellectual property. Berkeley, Public Law and Legal Theory Research Paper Series. Paper n. 144, p. 1. Para o autor, “a justificativa econômica tradicional para a propriedade intelectual é bem conhecida. Ideias são bens públicos: podem ser livremente copiados e usados por qualquer um que esteja ciente desse fato sem privar outros de seu uso. Mas ideias também levam tempo e dinheiro para serem criadas. Pelo fato das ideias serem tão fácil de disseminar e tão difícil de controlar, somente com grande dificuldade poderão os criadores recuperar seu investimento na criação da ideia. Como resultado, na falta da proteção pela propriedade intelectual, a maioria provavelmente escolheria copiar do que criar ideias, e apenas poucas e ineficientes novas ideias seriam criadas.” (nossa tradução)
9Para MOSSOFF, Adam. Who cares what Thomas Jefferson though about patents? Reevaluating the patent “privilege” in historical context. Cornell Law Review, v. 92, p. 969: “Uma habilitação de motorista é um privilégio, não um direito; uma sobremesa após o jantar é um privilégio, não um direito. Trata-se de regra jurídica elementar que o direito de conduzir um veículo motorizado... não é um direito natural ou incondicional, mas um privilégio que está sujeito à regulação de acordo com o poder de polícia do estado.” (nossa livre). Ao conferir o status de privilégio às criações industriais, o Estado confere um direito de propriedade sujeito às regulações necessárias, de acordo com seu poder de polícia. Quanto mais essa regulação for estável, melhor ambiente haverá para as criações industriais.
10NORTH, Douglas C. Understanding the process of economic change, p. 21, “A revolução na tecnologia dos séculos anteriores tornou possível um nível de bem-estar humano de inimagináveis proporções se comparado ao passado, mas ela também produziu um mundo de interdependência e de externalidades universais e, como consequência, um novo conjunto de incertezas. As leis de comércio, o direito de patente, a integração institucionalizada da distribuição do conhecimento, a criação do sistema judicial, foram partes importantes dos esforços de se fazer os mercados mais eficientes nos países desenvolvidos.” (nossa tradução).
11Para William Fisher (Theories of intellectual property. New Essays in the Legal and Political Theory of Property) são quatro as teorias que fundamentam a propriedade intelectual: (i) teoria utilitarista; (ii) teoria do trabalho; (iii) teoria da personalidade; e (iv) teoria do plano social. Reconheço a existência de outros possíveis fundamentos, mas a teoria utilitarista é a que melhor se adequa na análise dos aspectos envolvendo a intersecção entre o direito da concorrência e o direito da propriedade intelectual.
12LÉVÊQUE, François; MÉNIÈRE, Yann. The economics of patent and copyright, p. 20.
13SILBEY, Jessica. The mythical beginnings of intellectual property. George Mason Law Review, v. 15, n. 2, p. 331. Vide art. 8º da Lei 9.279/1996.
14A respeito, consultar LANDES, William M.; POSNER, Richard A. Market power in antitrust cases. Harvard Law Review, v. 94, n. 5; COTTER, Thomas F. Antitrust implications of patent settlements involving reverse payments: defending a rebuttable presumption of illegality in light of some recent scholarship. Antitrust Law Journal, v. 71, n. 3; LÉVÊQUE, François; MÉNIÈRE, Yann. The economics of patent and copyright.
15A principal fonte de referência no direito estrangeiro para a limitação do direito autoral diz respeito à doutrina do “fair use”. Para Lévêque e Mènière (Op. cit., p. 74), “a doutrina do fair use, especificamente para o direito americano, define situações onde um trabalho protegido pode ser utilizado sem a permissão do autor. Desenhada a partir de decisões judiciais americanas, essa doutrina não tem equivalente na Europa. Certas regras específicas de outras leis nacionais, no entanto, seguem a mesma lógica. Na França, há exceções a direitos patrimoniais. O ‘direito de citar’ (droit de citation), por exemplo, permite a livre citação a partir de um trabalho protegido, desde que haja expressa referência ao autor. No Reino Unido, o direito de parodiar permite as pessoas modificar o trabalho, sem receio de infringir o direito autoral. A doutrina do fair use abrange diversos tipos de trabalho: crítica, comentário, ensino e pesquisa. O elemento decisivo é que a doutrina permite um trabalho ser usado em situações onde os altos custos de transação o tornariam impossível de ser realizado. Nesse sentido, é um complemento eficiente do sistema legal de direitos autorais. Na prática, as cortes americanas usam a explicação dos custos de transação para determinar a aplicação da doutrina ao caso concreto.” (Tradução nossa.)
16Ver a respeito LÉVÊQUE, François; MÉNIÈRE, Yann. The economics of patent and copyright, pp. 6 e 34.
17No Brasil, o art. 40 da Lei 9.279/1996 determina que o prazo de duração da patente de invenção será de 20 (vinte) anos e o de modelo de utilidade de 15 anos contados da data do depósito.
18O art. 41 da Lei 9.610/1996 determina a proteção dos direitos autorais por 70 (setenta) anos, contados de 1º de janeiro do ano subsequente ao do falecimento do autor. Para o software, nos termos da Lei 9609/1996, art. 2º, § 2º, o prazo é de 50 (cinquenta) anos, contados a partir de 1º de janeiro do ano subsequente ao da sua publicação ou, na ausência desta, da sua criação.
19Exemplo disso é o chamado “Sonny Bono Copyright Term Extension Act”, legislação americana datada de 1999, que visou estender o prazo de duração dos direitos autorais de 50 para 70 anos naquele país, contados a partir da morte do autor. A reforma, que pareceu ir no sentido de oferecer maiores incentivos aos criadores, acabou por gerar grande controvérsia. Tratou, em verdade, da décima primeira lei prevendo a extensão do prazo durante um período de 40 anos. Ela acabou por evitar que o primeiro desenho do Mickey Mouse entrasse em domínio público no ano de 2003, seguido de perto pelos desenhos do Pato Donald e do Pateta.
20GROSSMAN, Gene M.; LAI, Edwin L.-C. International protection of intellectual property. The American Economic Review, p. 1.635.
21BAUMOL, William J. The free-market innovation machine: analyzing the growth miracle of capitalism, p. ix.
22GHOSH, Shubha. Market entry and the proper scope of copyright, p. 1.
23Conforme Constituição Federal Brasileira, art. 5º, incisos XXII e XXIII.
24SALOMÃO FILHO, Calixto (2004), p. 33. “Monopólios devem ser admitidos na menor extensão possível e mesmo quando admitidos, é de ser reconhecida sua função social. A essa luz, a função econômico-jurídica dos institutos de direito industrial muda substancialmente de figura.”
25Conforme Tércio Sampaio Ferraz Junior (Propriedade industrial e defesa da concorrência. Revista da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual, v. 8, p. 1), “não podemos ser conduzidos ao exagero de pensar que a propriedade do inventor industrial – tout court – tenha se transformado num dos direitos fundamentais da pessoa humana. A propriedade, pelo caput do art. 5º, o é. Mas na forma da disposição, o inciso XXIX tem antes o sentido de um comando constitucional ao legislador ordinário – “a lei assegurará aos autores...” – e não propriamente de um reconhecimento, na autoria intelectual, de um direito fundamental do autor industrial. A forma correta, na tradição constitucional, exige que direitos básicos sejam declarados, isto é, reconhecidos e não instituídos. Ordenar que a legislação ordinária assegure é protrair a eficácia da norma e não, como exige o § 1º do art. 5º, garantir-lhe aplicação imediata.”
26SALOMÃO FILHO, op. cit., p. 43. Observando-se a ordem constitucional brasileira, percebe-se igualmente que as raízes de sua origem são distintas. Enquanto a propriedade intelectual é objeto de proteção como direito fundamental (art. 5º, XXVII a XXIX), a livre concorrência é princípio orientador da ordem econômica (art. 170, IV). Ambos somente existem considerando o fundamento da livre iniciativa (art. 1º, IV), os direitos fundamentais da propriedade e de sua função social (art. 5º, XXII e XXIII).
27PITOFSKY, Robert. Challenges of the new economy: issues at the intersection of antitrust and intellectual property. Antitrust Law Journal, v. 68, p. 919.
28BRODLEY, Joseph F. The economic goals of antitrust: efficiency, consumer welfare, and technological progress. New York University Law Review, v. 62, n. 3, p. 1.023.
29Idem, p. 1.023.
30Conforme Thomas O. Barnett (Interoperability between antitrust and intellectual property. Presentation to the George Mason University School of Law Symposium: Managing Antitrust Issues in a Global Marketplace, p. 2), “eficiência estática é uma força poderosa para o aumento do bem-estar do consumidor, mas os economistas nos afirmam que uma referência maior para o bem-estar do consumidor é a eficiência dinâmica. A eficiência dinâmica se refere aos ganhos que resultam de meios completamente novos de se fazer negócios. O economista austríaco Joseph Schumpeter explicou a eficiência dinâmica como uma: ‘competição a partir de uma nova commodity, uma nova tecnologia, uma nova fonte de fornecimento, uma nova organização; competição esta que determina uma decisiva vantagem de custo ou qualidade e que impacta não somente nas margens de lucro e na produtividade das firmas existentes, mas nas suas fundações e em seu sentido de existência’.” (Tradução livre.)
31KATZ, Michael; SHELANSKI, Howard A. “Schumpeterian” competition and antitrust policy in high-tech marketsl, p. 3.
32Vide a respeito art. 47 da Lei 12.529/2011.
33Nos EUA, por exemplo, situações como a de venda casada envolvendo a propriedade intelectual seriam considerados ilícitos per se, vez que a possibilidade de forçar o consumidor a adquirir um produto patenteado com a condição de adquirir outro não patenteado acontece independente da verificação de mercado relevante do agente. Afinal, seria ele único a fornecer tal produto em todo o território, abrigado por uma proteção legal por um longo período de tempo. Não por menos, situações como essa da venda casada e outras (como royalties cobrados de forma discriminatória, extensão contratual dos direitos de patente, etc.) passaram a ser tuteladas naquele país, por conta da jurisprudência americana, sob o instituto do patent misuse, ou abuso de direito.
34RAMELLO, Giovanni B. Intellectual property and the markets of ideas. Review of Network Economics, v. 4, n. 2, p. 170, “É efetivamente verdadeiro que uma informação não satisfatoriamente protegida por direitos de propriedade intelectual, não permitirá a tradução do monopólio legal em monopólio econômico: uma marca que não diz nada aos consumidores não diferenciará um produto de seus concorrentes. Uma droga não eficaz, ainda que patenteada, não conferirá poder de mercado de qualquer natureza. Um CD que ninguém esteja interessado em comprar não pode ser considerado um monopólio econômico, ainda que sua proteção por direitos autorais o transforme em um monopólio legal. Basicamente, o monopólio legal traduzir-se-á em monopólio econômico somente quando consumidores perceberem que o ativo protegido por direito de propriedade intelectual quase não pode ser substituído por outros ativos semelhantes.” (nossa tradução).
35KATZ, Michael; SHELANSKI, Howard A. “Schumpeterian” Competition and Antitrust Policy in High-Tech Markets, p. 1.
36ENCAOUA, David; HOLLANDER Abraham. Competition policy and innovation, p. 3, “A concorrência nos mercados inovadores é melhor retratada como uma sequência de corridas para desenvolver novas tecnologias. A vitória em uma corrida é sempre seguida pelo alcance de uma posição de liderança em um ou mais mercados. Isso, no entanto, não significa que o vencedor pode descansar e aproveitar silenciosamente os frutos da vitória. Manter a liderança quase que invariavelmente requer a entrada imediata em uma nova corrida. Por esta razão, uma sequência de vitórias pela mesma empresa, acompanhada de uma liderança persistente em um mercado de produto, não traz a conclusão de que a concorrência não se coloca naquele mercado. Os resultados decorrentes das oportunidades tecnológicas e do sistema vencedor-leva-tudo (winner-take-all), ou quase-tudo (winner-take-most), sugerem que a forma de competição que mais importa do ponto de vista do bem-estar não é aquela que ocorre em um mercado de produto, como no caso dos setores mais maduros. O que importa é a competição pelo mercado, i.e., a corrida para ser o primeiro a trazer um novo produto ao mercado ou a produzir por meio de nova tecnologia. Em oposição a setores mais maduros, nos quais novos participantes gradualmente vão adquirindo mais participação de mercado, a entrada satisfatória em mercados inovadores frequentemente resulta em uma rápida reposição do agente dominante.” (Tradução nossa.)
37RUBINFELD, Daniel L. Antitrust enforcement in dynamic network industries. The Antitrust Bulletin, p. 873: “Em indústrias de redes dominantes, o mercado é sempre um alvo em movimento, desenvolvendo-se conforme as mudanças tecnológicas em resposta à inovação. Assim, é importante focar não somente na competição estática dentro do mercado, como estamos acostumados, mas igualmente na competição dinâmica pelo mercado do futuro, i.e., competição para controlar o próximo padrão de mercado (se houver algum).” (Nossa tradução.)
38GILBERT, Richard J.; SUNSHINE, Steven C. Incorporating dynamic efficiency concerns in merger analysis: the use of innovation markets. Antitrust Law Journal, v. 63, n. 2.
39Importante a ressalva feita por STAREK, III, Roscoe B. Innovation markets in merger review analysis: the FTC perspective, p. 3: “Consistente com a análise de inovação de mercado estabelecida nas Guidelines de IP, a aplicação do teste de Gilbert e Sunshine é teoricamente limitada a situações nas quais ‘ativos de inovação’ especializados ou habilidades podem ser identificadas no processo de revisão de um ato de concentração. O teste de mercado de inovação de Gilbert e Sunshine não deve ser aplicado salvo se a agência antitruste pode identificar ‘mercados no qual a P&D é direcionada para particularmente novos produtos ou processos que requerem ativos especializados detidos por empresas conhecidas’.” (Nossa tradução.)
40Para John W. Schlicher (Some thoughts on the law and economics of licensing biotechnology patent and related property rights in the United States. Journal of the Patent & Trademark Office Society, v. 69, n. 5, p. 266): “Uma das características que determinam a natureza de qualquer mercado é o nível dos custos de transação. Custos de transação são quaisquer custos incorridos pelas partes ao trocarem produtos ou direitos em um mercado. Custos de transação, assim como tributos, funcionam como uma tensão entre o valor que os licenciados estariam dispostos a pagar e os licenciadores estariam dispostos a receber. Os custos de transação primária no mercado de direitos são (1) os custos da informação para identificar compradores e vendedores e a informação aos compradores sobre os direitos de venda, (2) os custos de negociação dos contratos, e a detecção e o impedimento de violações e (3) os custos externos surgidos quando a transação permite ao comprador capturar algum benefício que deve ser acumulado ao vendedor caso ele não tivesse vendido seus direitos” (nossa tradução). Ver LÉVÊQUE, François; MÉNIÈRE, Yann. The economics of patent and copyright, p. 72.
41CHIN, Yee Wah; WALSH, Kathryn E. Licensing at the crossroads of antitrust and intellectual property: choosing the right road. The Computer & Internet Lawyer, v. 21, n. 9, p. 9.
42ABBOTT, Alden F. Intellectual property licensing and antitrust policy: a comparative perspective. Law and Policy International Business, v. 34, n. 4, p. 201.
43SHAPIRO, Carl. Navigating the patent thicket: cross licenses, patent pools, and standard-setting in innovation, policy and economy, p. 138.
44LEMLEY, Mark A. Intellectual property rights and standard setting organizations. California Law Review, p. 1.892.
45Idem, p. 1.946, “Uma vez que os estatutos da SSO são adotados ex ante, as partes que pertencem ao SSO poderão participar do acordo sem necessariamente saber se estão na posição de licenciadores ou licenciados em um caso concreto. Quando empresas voluntariamente concordam em licenciar propriedade intelectual em termos razoáveis e não discriminatórios operam sob o véu da ignorância – ou seja, quando não sabem se a regra os ajudará ou os prejudicará – elas acabam por concordar com as condições por acreditarem que as condições de licenciamento serão a melhor política para a organização como um todo. Não há tipicamente qualquer motivo para acreditar que o objetivo de tais estatutos seja discriminar um detentor específico de propriedade intelectual” (nossa tradução).
46SWANSON, Daniel G.; BAUMOL, William J. Reasonable and nondiscriminatory (RAND) royalties, standards selection, and control of market power. Antitrust Law Journal, v. 75, p. 13.
47Analisando o tema, Robert A. Skitol (Concerted buying power: its potential for addressing the patent holdup problem in Standard Setting. Antitrust Law Journal, v. 72, n. 2, p. 739), dá sensível importância à verificação da conduta segundo a regra da razão: “Ao se aplicar a regra da razão ao nosso contexto de padronização de TI, deveria haver muito pouca, se tanto, preocupação sobre os efeitos do poder de monopsônio. Isso porquê reconhece-se amplamente que o poder de monopsônio é um problema real somente onde o poder de compra ocorre em escala suficiente para permitir reduções coercitivas de produção.” (nossa tradução).
48CRANE, Daniel A. Patent pools, RAND Commitments, and the problematics of price discrimination. Jacob Burns Institute for Advanced Legal Studies, p. 2.
49SWANSON, Daniel G.; BAUMOL, William J., op. cit., p. 5.
50DIXON, Paul Rand. Price discrimination and the Sherman Act. Antitrust Section, p. 15.
51Reasonable and nondiscriminatory (RAND) royalties, standards selection, and control of market power. Antitrust Law Journal, v. 75, n. 1, p. 679, “A situação na qual um passageiro que pagou $1,000 na passagem aérea senta-se ao lado de um passageiro que pagou $88 pelo mesmo serviço já virou cliché.” (nossa tradução).
52SHAPIRO, Carl. Exclusionary conduct. Testimony before the Antitrust Modernization Committee, p. 17.
53TOULMIN, H. A. Jr. Patent pools and cross licenses. Virginia Law Review, v. 22, n. 2, p. 119.
54CARLSON, Steven C. Patent pools and the antitrust dilemma. Yale Journal on Regulation, v. 16, n. 2, p. 365.
55SHAPIRO, Carl. Exclusionary Conduct. Testimony before the antitrust modernization committee, p. 120.
56ANDEWELT, Roger B. Analysis of patent pools under the antitrust laws. Antitrust Law Journal, v. 53, n. 4, p. 388.
57SHAPIRO, Carl. Exclusionary Conduct. Testimony before the antitrust modernization committee, p. 123.
58CARLSON, Steven C. Patent Pools and the Antitrust Dilemma. Yale Journal on Regulation, v. 16, n. 2, p. 380:, “Um litígio envolvendo patentes é frequentemente encerrado por acordo através da criação de um pool de patentes ou por um acordo de licenciamento cruzado. O litígio de patentes é extremamente caro e incerto. Aproximadamente $1 bilhão é despendido anualmente nos Estados Unidos em litígios dessa natureza e os casos de patentes produziram algumas das mais altas indenizações na história. A incerteza intrínseca do litígio está incluída na composição dos custos, pois tanto juízes como jurados são frequentemente mal instrumentados para lidar com disputas de alta complexidade técnica. O litígio de patentes tem uma perspectiva de risco, uma vez que o juiz pode invalidar as patentes de ambas as partes. Ao invés de arriscar tempo, dinheiro e a incerteza de um litígio de patentes, as empresas frequentemente escolherem encerrar suas disputas através da criação de um pool de patentes ou acordos de licenciamento cruzado. Essa opção pode ser especialmente atrativa para pequenas empresas que não têm recursos suficientes para litigar em processos dessa natureza, bem como para os detentores de patente que temem ver sua patente anulada judicialmente” (nossa tradução)
59IANDIORIO, Joseph S. Patent pools and the antitrust laws. Journal of the Patent and Trademark Office Society, v. 46, n. 10, p. 729. Para o autor, a divisão dos mercados pura e simples é uma das maiores e mais indefensáveis violações antitruste, pois viola o senso de liberdade de escolha do indivíduo e da concorrência em dimensão muito maior do que a fixação de preço. Quando os preços são fixados, o consumidor ainda pode, teoricamente, escolher o produto que ele entenda como melhor dentre as opções. Com a divisão dos mercados, o consumidor tem somente um único produto ofertado e se coloca na situação de aceitar seu preço e qualidade ou ficar sem ele.
60BARTON, John H. Antitrust treatment of oligopolies with mutually blocking patent portfolios. Antitrust Law Journal, v. 69, n. 3, p. 870.
61SCHMALBECK, Richard. The validity of grant-back clauses in patent licensing agreements. The University of Chicago Law Review, v. 42, n. 4, p. 733.
62A Lei 9279/96, em seu art. 63, estabelece que o aperfeiçoamento introduzido em patente licenciada pertence a quem o fizer, sendo assegurado à outra parte contratante o direito de preferência para seu licenciamento.
63McCARTHY, J. Thomas. Patent grant-backs: a new look. APLA Quarterly Journal, v. 2, p. 67, “O licenciador está, de fato, dizendo a seus licenciados, ‘Você pode usar essa invenção, mas você não pode utilizá-la como um trampolim para desenvolver melhorias que me colocam em uma posição competitiva desfavorável’. Thomas Dieterich qualificou essa posição como o raciocínio do patenteado, ‘Se eu vou oferecer a alguém uma faca que possa cortar a minha garganta de forma competitiva, eu deveria ao menos fazer o que estiver ao meu alcance para manter em dia o meu seguro Blue Cross’.” (Nossa tradução.)
64Conforme U. S. DEPARTMENT OF JUSTICE; FEDERAL TRADE COMMISION, p. 92. Sobre as eficiências geradas pelo mecanismo de grant-back, Richard Schmalbeck (The validity of grant-back clauses in patent licensing agreements. The University of Chicago Law Review, v. 42, n. 4, p. 735), afirma que “Somente como um grande e não explorado terreno em área urbana é mais valioso do que a soma de suas partes, um processo inteiro patenteado é mais valorizado do que o valor agregado das patentes que o compõem. As partes podem assim utilizar o mecanismo do retrolicenciamento para maximizar a eficiência global de sua relação” (tradução livre).
65GILBERT, Richard J.; SHAPIRO, Carl. An economic analysis of unilateral refusals to license intellectual property. Proceedings of the National Academy of Science of the United States of America, v. 93, p. 323.
66SCHMALBECK, Richard. The validity of grant-back clauses in patent licensing agreements. The University of Chicago Law Review, v. 42, n. 4, p. 740, “Por exemplo, no caso United States v. General Electric Co., a corte considerou haver violação dos artigos 1 e 2 do Sherman Act quando o licenciador, que estava na posição dominante de mercado e detinha, mediante atividades de pool de patentes, as patentes dominantes, estava apto a afunilar os efeitos do retrolicenciamento feitos com uma série de licenciados, em uma posição não razoável de controle de mercado. Em um caso similar, Kobe, Inc. v. Dempsey Pump Co., a corte observou que, enquanto o retrolicenciamento não é proibido per se, essas cláusulas podem, assim como em qualquer outro contrato, violar os artigos 1 e 2 do Sherman Act quando feitas para segurar e perpetuar o monopólio em atitude de restrição da atividade de livre mercado. É relevante o fato de que as cortes não entenderam que os casos tratavam de violação per se, mas sim analisaram o impacto individual do retrolicenciamento em cada mercado específico” (nossa tradução).
67Há ainda outras justificativas de eficiência econômica de cunho mais complexo, conforme Richard Gilbert e Carl Shapiro (An economic analysis of unilateral refusals to license intellectual property. Proceedings of the National Academy of Science of the United States of America, v. 93, p. 12.751).
68PITOFSKY, Robert; PATTERSON, Donna; HOOKS, Jonathan. The essential facilities doctrine under U.S. Antitrust Law. Antitrust Law Journal, p. 446, “Conforme determinado pelo Nono Circuito no caso Alaska Airlines, Inc. v. United Airlines, Inc., 948 F.2d 536, 542 (9th Cir. 1991), a doutrina das essential facilities impõe responsabilidade quando uma empresa, controladora dessa essential facility, nega a uma segunda empresa acesso razoável a um produto ou serviço que essa segunda empresa deve obter para poder competir com a primeira.” (nossa tradução).
69Vários casos ocorridos nos EUA a respeito do tema são dignos de nota, dentre os quais citamos United States v. Terminal Railroad Association of St. Louis, 224 U.S. 383 (1912); Aspen Skiing Co. v. Aspen Highlands Skiing Corp., 472 U.S. 585 (1985); Verizon Communications Inc. v. Law Offices of Curtis V. Trinko, LLP, 540 U.S. 398 (2004).
70MEESE, Alan J. Tying meets the new institutional economics: farewell to the chimera of forcing. University of Pennsylvania Law Review, v. 146, n. 1, p. 1.
71371 U.S. 38, 83 S. Ct. 97 (1962).
72STIGLER, George J. United States v. Loew’s Inc.: a note on block-booking. The Supreme Court Review, v. 1963, p. 152.
73BRINSON, J. Dianne. Proof of economic power in a Sherman Act tying arrangement case: should economic power be presumed when the tying product is patented or copyrighted. Lousiania Law Review, v. 48, p. 54.
74Conforme levantamento feito por: EVANS, David H.; SALINGER, Michael. Why do firms bundle and tie - evidence from competitive markets and implications for tying law. Yale Journal on Regulation, v. 22, n. 1, p. 48.
75IACOBUCCI, Edward. Tying as quality control: a legal and economic analysis. Law and Economics Research Paper n. 01-09, p. 4.
76EVANS, David H.; SALINGER, Michael. Why do firms bundle and tie - evidence from competitive markets and implications for tying law. Yale Journal on Regulation, v. 22, n. 1, p. 82.
77CHOI, Jay Pil. Tying and innovation: a dynamic analysis of tying arrangements. The Economic Journal, v. 114, p. 84, comenta, a esse respeito, um dos casos Microsoft: “Ao assumir (como faz o DOJ na parte do caso relacionada à integração dos sistemas) que os dois mercados (sistemas operacionais e browsers) são separados e, por consequência, ocorra a venda casada, a questão crucial é se tal conduta é anticompetitiva. Particularmente, foi o acréscimo incremental no preço do Windows quando o IE (Internet Explorer) agregou-se àquele, maior do que o aumento de preço justificado pelo valor da funcionalidade adicionada pelo IE? Esse é o teste que a corte deveria ter conduzido e falhou ao não realizá-lo. Minha visão é que é muito difícil provar que uma nova versão de melhor qualidade do Windows sem o IE não teria resultado em um preço mais alto do que o antigo Windows. Ou seja, um aumento modesto no preço de mercado do Windows poderia ser justificado pela melhoria das características do produto mesmo sem a inclusão do IE. Assim, se a Corte tivesse realizado o teste, eu acredito que muito provavelmente ela teria concluído que a inclusão da funcionalidade do IE às novas versões do Windows e a distribuição sem custos do IE para versões antigas do Windows e para outros sistemas operacionais não teria prejudicado os consumidores.” (nossa tradução).
78EVANS, David H.; SALINGER, Michael. Why do firms bundle and tie - evidence from competitive markets and implications for tying law. Yale Journal on Regulation, v. 22, n. 1, p. 65.
79AHLBORN, Christian; EVANS, David S.; PADILLA, A. Jorge. The Antitrust Economics of Tying: a farewell to per se illegality. The Antitrust Bulletin, p. 288.
80Foi exatamente essa a discussão existente no litígio envolvendo a Microsoft com diversas empresas concorrentes em outros mercados diferentes do mercado de sistemas operacionais, seja com a Nestcape acerca da integração do software de navegação na Internet ao Windows 98, seja com a Real Networks, Inc. acerca da integração do software de reprodução de sons e vídeo em uma segunda versão do mesmo Windows 98. Em ambos os casos, as versões anteriores do Windows não continham tais funcionalidades. Em relação ao Nestscape, o problema surgia a partir dos contratos de licenciamento entre a Microsoft e os OEM que determinavam a instalação de seu produto Internet Explorer em conjunto com o Windows 95. A discussão mudou com a integração total do Internet Explorer no Windows 98, pois a acusação passou a ser de que isso representaria a eliminação total da concorrência. Em relação à Real Networks, a versão do Windows 98, além de integrar o Windows Media Player, passou a impossibilitar sua desinstalação, de modo que o mesmo problema foi associado à questão de eliminação da concorrência pela Microsoft. Ainda que nos EUA o processo tenha terminado em acordo, podendo a Microsoft integrar ambos os softwares em seu sistema operacional, em troca de indenização para as autoras, a empresa havia sido condenada em primeira instância pela configuração de venda casada, o que foi revertido em segunda instância. No entanto, chamou a atenção nesse processo o fato de que, no âmbito do setor de tecnologia da informação, a agregação de produtos é algo natural da inovação tecnológica e considerar a presunção de poder de mercado apenas pelo fato do primeiro produto ser protegido intelectualmente é um equívoco que pode implicar a redução das atividades de P&D, gerando o sentido inverso que se quer evitar com a venda casada.
81É o que propõem AHLBORN, Christian; EVANS, David S.; PADILLA, A. Jorge. The antitrust economics of tying: a farewell to per se illegality. The antitrust bulletin/spring-summer, p. 338.
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Citação
BRANCHER, Paulo Marcos Rodrigues. Direito da concorrência e propriedade intelectual. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Econômico. Ricardo Hasson Sayeg (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/589/edicao-1/direito-da-concorrencia-e-propriedade-intelectual
Edições
Tomo Direito Econômico, Edição 1,
Março de 2024
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