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Ordem econômica e domínio econômico: competências e contrapartidas
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Tacio Lacerda Gama
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Tomo Direito Econômico, Edição 1, Março de 2024
O cerne das considerações desenvolvidas neste verbete será a relação entre Ordem Econômica e Tributação.1 Partimos da premissa, construída com fundamento no direito positivo constitucional, de que há situações em que o exercício da competência tributária está, indissociavelmente, vinculado ao desempenho de competências do Estado na Ordem Econômica. Nossa proposta, então, consiste em sugerir uma classificação que dê conta das várias competências que o Estado pode desempenhar no domínio econômico e, a partir do Sistema Tributário Nacional, perceber que tributos estão vinculados a essas competências. Estudaremos as competências tributárias a partir da ideia de “contrapartidas” entre ações do Estado nesta seara e a instituição de tributos.
Para atingir esse propósito, iniciaremos oferecendo respostas às seguintes indagações: o que é “domínio econômico”? O que é “ordem econômica”? O que se deve entender por intervenção do Estado no domínio econômico? Qual das formas de ação do Estado, relacionadas ao domínio econômico, ensejam a criação de contribuições interventivas? Que critérios para aferição da validade deste tributo podem servir à análise da atuação estatal na economia?
Respondendo, previamente, a essas dúvidas, buscaremos alcançar três objetivos: i. não incorrer no vício de interpretação a que alude Misabel Derzi,2 consistente na prática de interpretar as normas do Sistema Constitucional Tributário como se não guardassem relação com outros Capítulos ou Títulos da Constituição; ii. analisar com maior riqueza de detalhes o elemento que permite separar as contribuições de intervenção no domínio econômico das demais espécies e subespécies tributárias; e iii. identificar outros critérios úteis à aferição de validade destes tributos.
1. Sobre o conceito de "domínio econômico"
Não se pode falar em intervenção estatal sem definir sobre o que o Estado intervirá. Definir o conceito de “domínio econômico” é delimitar o campo das relações sociais no qual o Estado poderá atuar. Trata-se de tema controvertido, com muitas propostas de explicação e nenhum consenso.3 Por isso, torna-se necessário fixar a definição. Antes, porém, de fazê-lo, cabe investigar o contexto, percorrendo os usos efetivos que desta locução tem feito a doutrina especializada.4
1.1. As várias acepções de “domínio econômico”
Não há consenso sobre as acepções que o termo “domínio econômico” pode ter. Numa breve investigação semântica, verifica-se que ele é utilizado para denominar: i. o conjunto das atividades econômicas em sentido amplo; e ii. o conjunto das atividades econômicas em sentido estrito. Há, portanto, estreita relação entre o conceito de “domínio econômico” e o de “atividade econômica”. Contudo, o que significa conjunto das atividades econômicas?
Fábio Konder Comparato refere-se a atividades econômicas como aquelas ligadas a “produção e distribuição de bens e prestação de serviços no mercado”.5 Eis uma acepção ampla do que se pode entender por “domínio econômico”.6 Para se chegar ao sentido estrito de “domínio econômico”, por outro lado, seria necessário extrair desse conjunto de atividades aquelas denominadas “serviços públicos”.7 No âmbito deste trabalho, “domínio econômico” será entendido na sua acepção ampla, incluindo tanto o conjunto de atividades econômicas em sentido estrito quanto os “serviços públicos” prestados em regime de direito público. A opção pelo sentido amplo permitirá um estudo mais detalhado das formas de atuação do Estado nas atividades econômicas.
1.2. Definição do conceito de “domínio econômico”
Define-se o conceito de “domínio econômico” como sendo o estrato de linguagem descritiva das relações sociais, diretamente relacionadas às atividades de produção, circulação de bens e prestação de serviços. Há grande dificuldade em distinguir, com precisão, as atividades que integram ou não este campo das relações sociais.8 Na composição desse conceito, porém, há elementos que permitem identificar as atividades desenvolvidas no domínio econômico9 das demais relacionadas à moral, à religião ou à política, por exemplo. Partindo-se desta definição, é possível enumerar as seguintes características: i. estrato de linguagem descritiva; ii. referida às relações sociais; iii. naquilo que diz respeito à produção e circulação de bens, assim como na prestação de serviços. Sempre que um fato social preencher estes critérios, será considerado como parte integrante do “domínio econômico”.
No primeiro critério, encontra-se referência ao tipo de linguagem.10 É a linguagem descritiva, distinta da linguagem prescritiva utilizada pelas normas jurídicas. Linguagem descritiva relata acontecimentos que se dão no subsistema social da economia.
A referência ao tipo de linguagem serve para situar o “domínio econômico” fora do sistema de direito positivo. É linguagem descritiva, pois sua função é relatar atividades desenvolvidas fora do sistema jurídico.
Além da linguagem descritiva de fatos sociais, para que se possa falar em domínio econômico é preciso a referência à produção de riqueza. Daí o terceiro e último critério referir-se à produção e circulação de bens e prestação de serviços para o mercado. Serve para separar os fatos sociais desenvolvidos no domínio econômico dos demais fatos sociais de natureza não econômica, como os fatos morais, religiosos, políticos, por exemplo.
Tais são os atributos que, uma vez reunidos, tornam possível identificar um conjunto de relações sociais passíveis de inclusão no conceito de “domínio econômico”.
1.3. Distinção entre “ordem econômica” e “domínio econômico”
A expressão “ordem econômica” é ambígua. Por “ordem econômica” deve-se entender o conjunto de normas jurídicas que disciplinam as relações econômicas. Encontra-se, aqui, um estrato de linguagem prescritiva de condutas, que integra o “sistema de direito positivo”. Esta distinção, porém, não é pacífica na doutrina.11 De modo análogo ao que acontece com a locução “domínio econômico”, é empregada para nomear diversos e inconfundíveis objetos.12 De todas as acepções apontadas a partir do direito positivo, pode-se ressaltar duas situações distintas: uma é a do plano dos fatos sociais, nas quais se processa a atividade econômica; outra é o conjunto de normas jurídicas que regulam esta atividade. Para nomear a primeira situação – plano da realidade social – foi cunhada a expressão “domínio econômico”. O conjunto de normas dirigidas à regulação das atividades desenvolvidas no “domínio econômico” será denominado “ordem econômica”.
1.4. A “ordem econômica” como conjunto de normas jurídicas
O estudo da atuação do Estado no domínio econômico, segundo os parâmetros da dogmática, circunscreve-se ao estudo das normas jurídicas que compõem a “ordem econômica”.
A identificação de cada uma das formas de atuação tem como propósito apurar que a contrapartida o Estado pode exigir em cada uma delas. Neste ponto, existirão subsídios suficientes para saber que tipo de intervenção autoriza o Estado a cobrar contribuições interventivas. Será possível, então, demonstrar quando é pertinente a instituição desses tributos e os casos em que esta instituição será inconstitucional.13
Reiterar esses esclarecimentos serve para que se possa perguntar: que atuação promove este especial benefício? E, ainda, que se deve entender por intervenção estatal na economia? A resposta a esta pergunta é o ponto fulcral para que se possa desvendar o conteúdo prescritivo do art. 149 da Constituição Federal, que vincula a criação de contribuições à intervenção no domínio econômico.
2. A infeliz expressão "intervenção do Estado no domínio econômico"
O sistema do direito positivo, definido como conjunto de normas jurídicas válidas, não intervém em outros domínios, seja ele econômico, moral, político ou religioso. Como ensina Paulo de Barros Carvalho: “há, necessariamente, um intervalo entre a realidade social, constituída pela linguagem natural e a realidade jurídica, constituída pela linguagem do direito”.14 O conjunto das normas jurídicas tem a função de regular a conduta humana e não realizar qualquer forma de intervenção.15 Nas palavras de Marcelo Neves, “a vigência das expectativas normativas não é determinada imediatamente por interesses econômicos, critérios políticos, representações éticas, nem mesmo por proposições científicas, ela depende de processos seletivos de filtragem no interior do sistema jurídico”.16 Este processo de filtragem é feito exclusivamente por normas jurídicas. Por isso, não se confunde a realidade econômica com a realidade jurídica. Cada um desses sistemas atua de forma autônoma.17 Isto, mais uma vez, afasta a possibilidade de uma intervenção do sistema jurídico no domínio econômico.
Fixado o equívoco da expressão, cabe buscar um sentido que seja compatível com aquele que vem sendo largamente empregado pela doutrina e pelo direito positivo. Buscando aproveitar a expressão “intervenção no domínio econômico”, o que surge é a necessidade de identificar as competências conferidas pela Constituição para que a União edite atos normativos relacionados ao sistema social econômico. Com isso, será possível compreender que prestações o Estado poderá exigir diante do exercício dessas competências. Só então serão identificados os critérios que devem ser preenchidos para a instituição das contribuições interventivas.
3. Competências para a atuação do Estado no "domínio econômico"
A “ordem econômica” prescreve um conjunto de competências que podem ser exercidas pelo Estado no domínio econômico. Sobre isso, Luís Roberto Barroso é enfático: “a ordem jurídica coloca à disposição dos órgãos governamentais um impressionante elenco de competências para impor, estimular ou desestimular comportamentos nos agentes econômicos”.18 São permissões para atuar com vista à implementação das normas jurídicas que integram a “ordem constitucional econômica”. Diversos critérios de classificação podem ser utilizados para sistematizar as competências econômicas do Estado. A escolha desses critérios deve levar em conta a separação dos regimes jurídicos. Como anota Fernando Albino de Oliveira, “onde não se encontra diferença de regime jurídico não há que se falar em diferença jurídica”.19 Com efeito, é com base na diferença de naturezas jurídicas que será possível classificar as competências do Estado para atuar no domínio econômico.
Não se deve perder de vista o propósito que anima essa classificação. Separar as várias formas de atuação do Estado no domínio econômico, no âmbito desse trabalho, serve para identificar em que caso é possível instituir contribuições interventivas.
3.1. Formas de atuação do Estado no “domínio econômico”
Analisando o tipo de atuação do Estado no “domínio econômico”, é possível distinguir duas grandes competências estatais para agir nesta seara: ação normativa e ação participativa.20 Na primeira, o Estado edita normas e fiscaliza o seu cumprimento. Na segunda, atua como agente econômico, produzindo e fazendo circular bens ou prestando serviços.21
A ação participativa do Estado é prevista pelo texto constitucional em diversas passagens, como no art. 173, caput, que tem o seguinte enunciado: “Ressalvado os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definido em lei”. Aqui, o Estado atua como empresário, desenvolvendo diretamente um setor da atividade econômica considerado estratégico para a segurança do país ou visando atender o interesse nacional.
Outra prescrição referente à ação participativa do Estado no domínio econômico é a do §1º daquele dispositivo: “a lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, (...)”. Trata-se, pois, de uma previsão de competência que deverá ser desdobrada em legislação infraconstitucional. O traço característico dessa forma de atuação é o fato de o Estado ser um agente integrante das relações econômicas.
Já a ação normativa é prescrita pelo art. 174, da Constituição, nos seguintes termos: “como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, (...)”. O Estado aqui regula a atividade econômica. Não é partícipe do processo de produção, não integra o jogo das relações econômicas, limitando-se a ditar suas regras e fiscalizar o seu cumprimento.22
Esta primeira subdivisão, porém, não esgota os regimes de atuação do Estado no domínio econômico. Tanto a ação normativa quanto a ação participativa do Estado na economia comportam muitas subclassificações. É por meio delas que será possível identificar o que se entende por “intervenção do Estado no domínio econômico”, distinguindo-a de todas as demais formas de atuação estatal no plano das relações sociais econômicas.
3.1.1. A ação participativa do Estado na economia
Na ação participativa, o Estado atua como agente do processo produtivo. Sua atuação consiste em produzir e comercializar bens, prestar serviços públicos ou privados. O Estado é partícipe, integra as relações econômicas.
Tomando como critério o tipo de participação e, consequentemente, o regime jurídico que lhe é previsto, a doutrina tem sustentado a necessidade de distinguir as hipóteses em que o Estado presta serviços públicos daqueles em que explora diretamente a atividade econômica.23
Nos dois casos, o Estado é sujeito das relações econômicas. O critério de distinção está no tipo de exploração feita. Num caso, há a exploração direta da atividade econômica em sentido estrito, prestada sob regime de direito privado. No outro, ocorre a prestação de serviços públicos, em que o Estado atua em regime de direito público.
Surge, com isso, nova subdivisão que precisa ser analisada. Trata-se das duas espécies de atuação participativa do Estado no domínio econômico. As características que permitem individualizar cada uma delas serão expostas nos tópicos seguintes.
3.1.1.1. Exploração direta da atividade econômica
A característica fundamental dessa forma de atuação é que o Estado atua como empresário, em regime de direito privado. Desenvolve atividades de produção e circulação de bens, sob regime de livre iniciativa, sem qualquer privilégio em relação aos particulares.
Para o desempenho dessa competência, o Estado deverá criar empresas públicas ou sociedades de economia mista. É por meio delas que o Estado produz, comercializa bens e presta serviços, como se particular fosse. Em qualquer caso, estas pessoas jurídicas deverão exercer suas atividades segundo o regime de direito privado conferido às demais empresas privadas. Isto é o que se depreende dos enunciados contidos no §1º, 2º e 4º do art. 173 da Constituição.24
A justificativa para que o Estado possa exercer esta competência é o atendimento de situações consideradas, por lei,25 necessárias à segurança nacional ou ao relevante interesse coletivo. Ressalvado estes casos, o Estado não poderá explorar diretamente a atividade econômica.26
3.1.1.2. A prestação dos serviços públicos
A competência para a prestação de serviços públicos é conferida ao Estado pela Constituição Federal em diversas passagens. Na “Ordem Econômica e Financeira” o art. 175 prescreve o seguinte: “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”. Diversamente do que ocorre com a exploração direta da atividade econômica, a prestação de serviços públicos é feita em regime de direito público.
Neste caso, o Estado pode atuar diretamente ou por meio de terceiros – autorizatários,27 concessionários e permissionários.28 Mesmo assim, uma vez configurado o serviço público, o regime a ser aplicado será o de direito público, o que significa dizer que o interesse público prevalece sobre o interesse privado. Não há liberdade de iniciativa e as obrigações contraídas sujeitam-se a uma série de restrições que não se estendem ao setor privado.29
Por esta razão, o parágrafo único do art. 175 prescreve que a lei deverá dispor sobre: i. regime das empresas concessionárias, autorizatários e permissionárias de serviços públicos; ii. o caráter especial do seu contrato; iii. os direitos do usuário; iv. a política tarifária e a obrigação de manter serviço adequado. Todas estas especificidades decorrem do regime de direito público. Fossem prestados em regime de direito privado, como na exploração direta da economia, não haveria necessidade destas disposições especiais.
É bom ressaltar que estes esclarecimentos não colocam o regime como critério de distinção entre o serviço público e o privado, já que é a natureza que determina o regime jurídico e não o inverso.
Acata-se, neste ponto, a lição de Eros Roberto Grau, que afirma ser “inteiramente equivocada a tentativa de conceituar-se serviço público como atividade sujeita a regime de serviço público”.30 Isto seria tautológico, pois inverteria a causa pelo seu efeito. Uma atividade é serviço público porque se ajusta a este conceito e é esta inclusão que submete os serviços ao regime de direito público e não o inverso.
A identificação de que é um serviço público, no entanto, deve ser feita com base nos enunciados veiculados pela Constituição.31 É aí que se prescreve se os serviços são públicos ou privados. Da mesma forma, é com base nestes enunciados que será possível saber o regime jurídico no qual deverão ser prestados.
Aglutinando todas estas noções, Celso Antônio Bandeira de Mello oferece a seguinte definição do conceito de serviço público:
“Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada a satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinentes aos seus deveres e que presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob regime de Direito Público – portanto consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituídas em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo”.32
As atividades que se ajustem a este conceito serão consideradas serviços públicos. Observa-se, então, que os serviços públicos, ao lado da exploração direta da atividade econômica, constituem as duas formas de ação participativa do Estado no domínio econômico.
3.1.2. A ação normativa do Estado no domínio econômico
Na ação normativa, o Estado edita normas jurídicas e fiscaliza o seu cumprimento. Este é o meio que dispõe para atuar, conduzindo os negócios segundo os valores positivados na “ordem econômica”.
Nesta modalidade, não cabe mais falar em participação como sujeito do processo produtivo ou prestador de serviços. A função do Estado, neste ponto, é editar normas jurídicas, regulando a atividade econômica. Alberto Venâncio Filho refere-se a “'Estado como norma’, ou seja, ao Estado que edita normas de conduta à vida econômica”.33
Trata-se, para utilizar a dicção constitucional, do Estado “como agente normativo e regulador da atividade econômica”.34
Persistindo na análise desta forma de atuação estatal, é possível segregar duas grandes formas de atuação: a fiscalização e o fomento.
Estas competências podem ser identificadas no art. 174 da Constituição, onde está prescrito que: “como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento”.35 Deve-se, então, subdividir a competência normativa do Estado para atuar no domínio econômico em dois grandes blocos: edição de normas gerais e abstratas e fiscalização do seu cumprimento. O primeiro caso será denominado “fomento da atividade econômica”. Já o segundo será denominado “fiscalização da atividade econômica”.
3.1.2.1. O fomento da atividade econômica
Fomentar é proporcionar os meios para o desenvolvimento de algo, estimular, desenvolver.36 Fala-se em “fomento” na “ordem econômica” quando o Estado planeja e incentiva a economia. Esta competência lhe é também conferida pelo art. 174 da Constituição. Trata-se de enunciados gerais que prescrevem a competência para promover o desenvolvimento da economia.37
Estas noções permitem nova classificação. É possível identificar sob a nomenclatura “fomento” duas formas de atuação do Estado no domínio econômico: o planejamento e o incentivo da atividade econômica. O critério de distinção é o tipo de norma jurídica veiculada para o desempenho destas duas funções. No planejamento veicula-se, por meio de lei ordinária ou complementar, diretrizes para o desenvolvimento de um determinado setor da economia. No incentivo, a atuação estatal é feita por meio de uma pessoa jurídica ou fundo de recursos, criado especialmente para desenvolver um setor da economia.
3.1.2.1.1. Planejamento da atividade econômica como modalidade de fomento
Esta modalidade é a que melhor se ajusta à competência atribuída pelo art. 174, §1º, que dispõe: “a lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento”. É, pois, competência que se exerce por meio de planos.38
Muitas outras competências legislativas podem ser relacionadas, além daquelas que veiculam planos de desenvolvimento econômico. Isto é o que demonstra a síntese elaborada por Luís Roberto Barroso, nos seguintes termos:
“O próprio título dedicado à ordem econômica prevê a edição de leis integradoras do seu texto, dentre elas a que reprime o abuso de poder econômico (art. 173, §4º), a que regula os investimentos estrangeiros (art. 172) e a que deverá reger o sistema financeiro nacional (art. 192). De parte isto, o art. 24, I, prevê a competência legislativa concorrente dos diferentes níveis de governo em matéria de direito econômico e o art. 22 atribui relevantes competências de regulação econômica à União, em temas de crédito, câmbio, comércio exterior, etc.”39
Esta edição de normas gerais que prescrevem condutas como obrigatórias, permitidas ou proibidas no domínio econômico, não raro, vem acompanhada pela criação de órgãos encarregados de viabilizar o seu cumprimento. Nestas hipóteses, surge aquilo que se chama aqui de incentivo à atividade econômica.
3.1.2.1.2. Incentivo da atividade econômica como modalidade de fomento
Do ponto de vista jurídico, toda atuação estatal no domínio econômico visa a implementar os valores positivados no texto constitucional. Com isso, todas estas atividades buscam, de sua forma, promover o desenvolvimento da atividade econômica e o seu consequente incentivo. Por essa razão, poderia parecer redundante ou tautológico, à primeira vista, falar de uma atuação estatal orientada ao incentivo da economia.
Esta impressão, porém, deve ser superada. “Incentivo” aqui assume uma acepção forte, pois se trata de uma atuação positiva de órgão estatal no sentido de implementar as normas gerais e abstratas de direito econômico. Neste caso, cria-se uma pessoa jurídica que atuará como órgão promotor do desenvolvimento de um determinado setor da economia.
A Lei 9.998, de 17 de agosto de 2000, por exemplo, institui o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações - FUST. Sua função é arrecadar recursos que serão aplicados em programas, projetos e atividades concebidas segundo o plano geral de metas para a universalização dos serviços de telecomunicações. Esse fundo submete-se às políticas, diretrizes gerais e prioridades estabelecidas pelo Ministério das Comunicações. Isso dentro dos limites prescritos pela própria lei que o criou.
Para desempenhar função diversa foi criado o Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações ‒ Funttel ‒ instituído pela Lei 10.052, de 28 de novembro de 2000. O propósito de sua criação é, segundo dispõe o art. 1º da Lei, estimular o processo de inovação tecnológica, a capacitação de recursos humanos, fomentar a geração de empregos e promover o acesso de pequenas e médias empresas a tais serviços, de modo a ampliar a competitividade da indústria brasileira de telecomunicações. Sua atuação será direcionada, nos moldes permitidos pela Lei, segundo as determinações de um comitê gestor, cuja composição deve observar o disposto no art. 2º, 81º.
Além de fundos, o incentivo de um setor da economia pode também ser promovido por autarquias. Este é o caso da Agência Nacional do Cinema ‒ Ancine. Essa autarquia especial, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento e ao Ministério da Indústria e Comércio Exterior, foi criada pela Medida Provisória n°. 2.228-1, de 6 de setembro de 2001. Entre seus objetivos e competências, prescritos nos arts. 6°. e 7°., cabe destacar a "execução da política nacional de fomento ao cinema", inciso I, art. 7°.
O direito positivo contempla várias dessas situações. Em todas elas, porém, exige a identificação dos seguintes atributos comuns: i. criação de entidades com este perfil – fundo, instituto, autarquia; ii. finalidade especial de intervir positivamente num setor da economia previamente definido; iii. previsão em lei, tanto da criação do órgão, quando das suas competências; iv. entre as suas finalidades encontra-se a atuação positiva em favor de um determinado setor da economia.
Assim, sempre que houver o preenchimento simultâneo de todos estes requisitos, o tipo de atuação que o Estado desempenha na economia será “incentivo”. É nesta acepção, e somente nesta, que se poderá falar em “intervenção do Estado na Economia”. Todos os demais casos são exemplos de atuação no domínio econômico. Daí ser necessário o preenchimento dos quatro requisitos mencionados acima para que se possa falar em intervenção, nos moldes do art. 149 da Constituição Federal.
3.1.2.2. Fiscalização da atividade econômica
Na fiscalização da atividade econômica, o Estado disciplina o exercício de direitos no domínio econômico, conforme prescrito no art. 174 da Constituição. Neste art. prescreve-se a competência, do Estado regulador, para fiscalizar o exercício de direitos econômicos.40
Este é um típico caso de atuação do poder de polícia, especialmente qualificado pelo fato de regular o exercício de direitos econômicos. O conceito de “poder de polícia” é prescrito nos seguintes termos pelo Código Tributário Nacional:
“Art. 78 Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais e coletivos.” (os grifos não estão no original)
O parágrafo único deste art., acrescenta, ainda, considerar-se regular exercício do poder de polícia a atividade desempenhada pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo devido, que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.
A fiscalização da atividade econômica, prescrita pelo art. 174 da Constituição, nada mais é do que o exercício do poder de polícia, aplicado em relação aos direitos econômicos.41 Para ajustar estas lições às premissas deste trabalho, dois aspectos devem ser destacados: i. o poder de polícia não restringe os direitos econômicos, mas sim o exercício desses direitos;42 e ii. a fiscalização é um exercício do poder de polícia, por isso não se confunde com as normas gerais e abstratas que delimitam a sua competência.43
No exercício da tarefa fiscalizadora, portanto, é necessária a existência de: i. normas gerais e abstratas, introduzidas no sistema de direito positivo por meio de lei, regulando a atividade econômica; ii. sujeitos de direito que exerçam as condutas previstas por estas normas jurídicas;44 iii. um órgão que possua competência para disciplinar o exercício destes direitos. Conclui-se, desta forma, que fiscalizar a atividade econômica significa exercer o poder de polícia, disciplinando o exercício de direitos previstos pela ordem econômica.
3.1.3. Síntese das formas de atuação estatal na economia proposta pelo trabalho
Contemplando os tipos de atuação do Estado na economia propostos neste trabalho, é possível organizar o seguinte esquema:
Cabe ressalvar que a modalidade incentivo, destacada no esquema acima, é a única que se ajusta ao conceito de intervenção no domínio econômico, formulado neste trabalho, para fins de instituição das contribuições previstas no art. 149 da Constituição Federal.
3.2. A contrapartida da atuação estatal na atividade econômica
A classificação das atuações do Estado no domínio econômico, como dissemos, serviu para identificar e classificar as competências atribuídas pela Constituição da República ao Estado neste setor, bem como as contrapartidas que podem ser exigidas em razão do desempenho de cada uma delas. É importante ter presente que a referência a “contraprestação” aqui não significa estabelecer relação de proporcionalidade simétrica, sinalagmática, entre a atuação estatal e a prestação exigida. Como ensina Rubens Gomes de Souza, “o Estado institui e arrecada os tributos como poder público e não em consequência de uma relação contratual com o contribuinte”.45
No próprio conceito de tributo, prescrito pelo art. 3º do CTN, há referência à obrigação compulsória, derivada de lei, para distingui-lo das obrigações contratuais, fruto de acordo de vontade. O que se quer significar com o emprego do termo “contraprestação” é a necessária vinculação que deve existir entre a criação do tributo e uma atividade do Estado.
3.2.1. A exploração direta da atividade econômica
Na exploração direta da atividade econômica, o Estado atua como empresário. Desempenha esta atuação produzindo e circulando bens, assim como prestando serviços, em regime de direito privado. Logo, o valor da sua remuneração deverá ser o preço privado46 cobrado por estes bens ou serviços.
Fosse admitido exigir alguma prestação pecuniária além do preço, haveria violação de dois enunciados constitucionais da ordem econômica: o princípio da livre concorrência (art. 170, inciso IV) e aquele que estabelece a submissão ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, trabalhistas e tributárias (art. 173, §1º, inciso II).
Eis a razão de a única contrapartida a ser exigida pelo Estado nesta forma de atuação ser o preço dos serviços ou dos bens que comercializa.
3.2.2. A prestação de serviços públicos pelo Estado
A prestação de serviços públicos pode ser remunerada mediante taxas ou por preços públicos. O critério determinante para cobrança de uma ou de outra prestação será a compulsoriedade do serviço.47 Se compulsório, a prestação será tributária e terá natureza de taxa. Caso contrário, configurará preço público.48
Nos serviços públicos como o de comunicação, de fornecimento de energia elétrica ou de abastecimento de água, quando o direito positivo permite ao sujeito de direito optar por um ou por outro prestador de serviço, ou mesmo por uma forma alternativa, a remuneração é feita mediante preço público. Por isso, fala-se em tarifa de telefone, tarifa de energia elétrica ou de fornecimento de água.
Pelo contrário, quando o elemento “facultatividade” não está presente, o serviço público deverá ser remunerado por taxa. Pelo fato de ser compulsório, a taxa poderá ser exigida não só diante da efetiva utilização do serviço, mas, também, nos casos de serem simplesmente postos à disposição do contribuinte.
Por último, para que se possa exigir uma taxa é necessário, ainda, que os serviços sejam específicos e divisíveis, nos termos do art. 79 do Código Tributário Nacional. Estes esclarecimentos demonstram que na prestação de serviços públicos a contrapartida que o Estado, ou qualquer dos seus prepostos, pode exigir é uma taxa, se o serviço for compulsório, ou um preço público, se facultativo.
3.2.3. A fiscalização e o exercício do poder de polícia
A fiscalização da atividade econômica se refere à regulação do exercício de direitos, prática de ato ou abstenção de fatos, em razão do que prescrevem as normas jurídicas integrantes da “Ordem Econômica”. Isso se ajusta ao conceito de “poder de polícia” prescrito pelo Código Tributário Nacional, em seu art. 78.49
Tratando-se de exercício do poder de polícia sobre as relações econômicas, não há espaço para exigência de qualquer outra espécie de prestação além das taxas.50
3.2.4. O Planejamento da atividade econômica
O planejamento da atividade econômica foi conceituado como a edição de normas gerais e abstratas, por meio de lei ordinária ou complementar, no qual se prescrevem diretrizes para o desenvolvimento de um determinado setor da economia. Configura, portanto, exercício de uma competência normativa, em que o Estado atua por meio do Poder Legislativo. A produção de normas jurídicas, neste caso, não gera uma especial despesa. O exercício da competência legislativa atinge a sociedade como um todo, cabendo a ela, portanto, arcar com os custos da atividade legiferante, mesmo que haja referência a um setor da atividade econômica.
Com isso, demonstra-se a incompatibilidade de se exigir qualquer contraprestação específica pela edição de norma de planejamento econômico.
3.2.5. O incentivo à atividade econômica
Para atender à acepção estrita de “incentivo à economia” adotada neste trabalho, verificou-se ser necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: i. criação de entidades com este perfil – fundo, instituto, autarquia; ii. finalidade especial de intervir positivamente num setor da economia previamente definido; iv. previsão em lei, tanto da criação do órgão, quanto das suas competências; v. entre suas finalidades, deve-se encontrar a atuação positiva em favor de um determinado setor da economia.
Somente se preenchidos esses requisitos é possível falar em intervenção do Estado no domínio econômico, na formulação estrita adotada pelo art. 149 da Constituição da República. Por isso, somente neste caso existirá a possibilidade de serem editadas contribuições de intervenção no domínio econômico.
No entanto, convém ressaltar a distinção entre essas formas de atuação e duas outras que com ela não se confundem. Falar em atuação positiva significa afirmar que o Estado atua por meio de ações como: concessão de empréstimos, formação de profissionais, campanhas de conscientização, enfim, um conjunto de ações que buscam desenvolver um determinado setor.
Já a atuação negativa é aquela que disciplina o exercício de direitos, autorizando ou negando a prática de atos, bem como aplicando sanções em caso de descumprimento das determinações legais. No primeiro caso, é possível a edição de contribuições interventivas (art. 149 da CF), enquanto no segundo caso só haverá possibilidade de exigir taxas pelo exercício do poder de polícia.
Não se confunde, tampouco, a prestação de serviços públicos com a atuação para o incentivo de uma atividade econômica. Isso porque os serviços públicos que ensejam a cobrança de taxas são prestados de forma específica e divisível em relação ao contribuinte. Já no caso dos incentivos, o serviço é prestado a um setor, segmento, grupo de contribuintes, não há prestação individual e específica. A atuação é coletiva, daí não ser possível a instituição de taxas nestas hipóteses.
Com mais estes esclarecimentos, definem-se os contornos da atuação estatal referida pelo art. 149 da Constituição Federal. É precisamente essa atuação, dirigida a um segmento da economia, que gera uma especial despesa, possibilitando a edição de contribuições de intervenção no domínio econômico.
3.3. Síntese das contraprestações decorrentes da atuação no domínio econômico
Na tabela abaixo, relacionam-se as contraprestações que podem ser exigidas em face da atuação do Estado no domínio econômico.
Os argumentos relacionados acima permitem visualizar, somente no último caso, a possibilidade de se criarem contribuições interventivas. A instituição de contribuições nas hipóteses nas quais deveriam ser instituídas taxas ou preços é prática que viola a norma de competência e deve ser declarada inconstitucional pelos tribunais competentes.
Cabe, ainda, investigar alguns critérios de validade que decorrem da identificação do incentivo como única forma que autoriza a criação de contribuições interventivas. Antes disso, a investigação sobre o consequente da norma de competência que disciplina a criação de contribuições interventivas não estará concluída.
4. A intervenção do Estado no domínio econômico e a validade das contribuições interventivas
Não basta identificar a espécie de atuação estatal no domínio econômico compatível com o art. 149 da Constituição. É necessário destacar, dentre os elementos que caracterizam essa modalidade interventiva, que atributos devem ter para autorizar a instituição válida de contribuições interventivas.
Incentivos à economia podem ser diversos. A atuação positiva rumo à viabilização dos valores prescritos pela Ordem Constitucional pode ser feita, como foi visto acima, de várias formas. O que não se admite é a criação de contribuições interventivas para custear toda e qualquer forma de atuação positiva do Estado.
Desta forma, somente é possível falar em intervenção do Estado no domínio econômico, na formulação estrita adotada pelo art. 149 da Constituição Federal, quando configurada a atuação do Estado na modalidade “incentivo”. Para tanto é necessário o preenchimento de alguns requisitos, quais sejam: (i) criação de entidades com este perfil – fundo, instituto, autarquia-; (ii) finalidade especialmente delimitada de intervir positivamente num setor da economia previamente definido; (iii) previsão em lei, tanto da criação do órgão, quanto das suas competências; (iv) entre suas finalidades, deve-se encontrar a atuação positiva em favor de um determinado setor da economia. Somente nesse caso existirá a possibilidade de serem editadas contribuições de intervenção no domínio econômico. É precisamente essa atuação, dirigida a um segmento da economia, que gera uma especial despesa, possibilitando a edição destes tributos.
A ideia de instrumento enseja ainda o juízo de necessidade e proporção.51 Sem a necessidade do tributo a sua instrumentalidade não se confirma, pois não surge oportunidade para o financiamento de qualquer atuação. O tributo será arrecadado para nada. E mais, o valor que se arrecada deve ser integralmente utilizado, pois aquilo que excede não serve, tampouco, de instrumento. Assim, todo valor que excede ou que não é aplicado viola o texto constitucional. Há, entre outras, duas formas de evidenciar o desvio de finalidade: inexistência de previsão orçamentária determinando a aplicação dos valores arrecadados na finalidade prevista em lei ou estabelecimento de finalidades que não configuram o financiamento da atuação estatal na modalidade incentivo. Em qualquer destes casos, faltará legitimidade para instituição ou manutenção da cobrança do tributo.
Vejamos outro curioso aspecto previsto pelo art. 149 da CR, especialmente naquilo que impõe que o tributo seja instrumento de atuação da União na “respectiva área”. Com efeito, sem que exista um setor determinado da atividade econômica, não será possível falar em contribuições de intervenção no domínio econômico.
É indispensável que a ação estatal se dirija a um setor específico da economia, previamente definido por lei. A atuação genérica ou aquela que favorece setores não integrantes do domínio econômico não legitimam a instituição deste tributo. O STF, no julgamento da constitucionalidade do ATP – Adicional de Tarifa Portuária, deixou assentado que:
“(...) no caso de uma contribuição interventiva, a finalidade deveria vir expressa e especificada em sua materialidade, ou seja, o setor a ser beneficiado não poderia deixar de estar definitiva e concretamente organizado contemporaneamente ao início da cobrança dos recursos financeiros que em seu benefício seriam arrecadados.” (STF, RE n°. 218.061-5)
Outro exemplo é o julgamento da constitucionalidade da contribuição ao Incra, momento em que o STF reconheceu a natureza jurídica desse tributo como contribuição de intervenção no domínio econômico em razão de sua finalidade, tendo em vista que objetiva custear a intervenção do Estado no Domínio Econômico por meio do Programa Nacional de Reforma Agrária:
“Com efeito, não se pode negar que a política nacional de reforma agrária é instrumento de intervenção no domínio econômico. A finalidade da contribuição ao INCRA está em conformidade com a determinação constante do art. 149 da Constituição de que tais contribuições devem constituir instrumentos de ingerência da União na ordem econômica. Trata-se de contribuição especialmente destinada a concretizar objetivos de atuação positiva do Estado estampados nos arts. 170, III e VII, e 184 da Constituição de 1988, consistentes na promoção da reforma agrária e da colonização, com vistas a assegurar o exercício da função social da propriedade e a diminuir as desigualdades regionais e sociais. A mim parece que estão presentes a correlação lógica entre as causas e os fundamentos da intervenção no domínio econômico e a instituição da contribuição.” (STF, RE nº 630.898, Tema 495)
Nas contribuições de intervenção no domínio econômico, o Estado atua para incentivar um setor delimitado da atividade econômica. Este é o sentido da referência à respectiva área neste tipo de tributo. Acepções diferentes são construídas quando se tratam de contribuições corporativas ou sociais. Nas primeiras, o tributo é arrecadado para financiar a própria corporação. Nas contribuições sociais se arrecada tributo para financiar ações em prol de toda a coletividade. As contribuições interventivas, por sua vez, são arrecadadas para fazer frente às despesas do Estado com a promoção de um setor da economia.
Esta ideia de “respectiva área” é determinante, também, para a escolha dos sujeitos que figuram no polo passivo destes tributos. Assim, somente aqueles que integram a entidade corporativa – econômica ou profissional – devem recolher as citadas contribuições. Diferentemente, toda a sociedade é chamada a contribuir para as contribuições sociais, pois a esfera de ação do Estado se dirige à promoção de direitos que são de todos.
Nas contribuições interventivas, a acepção de “respectiva área” é intermediária. Não há uma corporação que delimita o universo de contribuintes entre aqueles que a integram, nem há o caráter universalizante das contribuições sociais. É justamente daí que deriva seu caráter intermediário: os contribuintes devem pertencer a um setor delimitado da ação econômica do Estado, mas estes não precisam se inscrever em qualquer órgão.
Essa diferenciação entre a referibilidade das contribuições interesse de categorias profissionais e econômicas e das contribuições de intervenção no domínio econômico também é mencionada pelo STF no julgamento da contribuição ao Incra. Nessa ocasião, a Corte admitiu que é possível que os sujeitos passivos pessoas físicas ou jurídicas da CIDE tenham uma relação indireta com a atuação estatal custeada pela arrecadação do tributo:
“Distinguem-se, assim, as contribuições de intervenção no domínio econômico - que são constitucionalmente destinadas a finalidades não diretamente referidas ao obrigado, sendo verdadeiros instrumentos de intervenção na ordem econômica e social - das contribuições de interesse de categorias profissionais e econômicas, que implicam uma referibilidade direta, pois se voltam para o atendimento dos interesses das pessoas que pertencem ao grupo beneficiado.” (STF, RE nº 630.898, Tema 495)
Numa síntese: as contribuições interventivas devem ser cobradas de uma classe específica de sujeitos que recebem do Estado uma ação especial, não extensiva a toda coletividade. E é justamente esta ação específica que possibilita afirmar que o tributo está sendo instrumento da União na respectiva área.
Deste modo, podemos sinteticamente relacionar, a partir do próprio texto constitucional, os seguintes requisitos para que se considere válida a instituição e continuidade da cobrança das contribuições de intervenção no domínio econômico:
(a) a intervenção deve estar prevista em lei e voltar-se para um setor específico do domínio econômico;
(b) deve haver correlação entre a materialidade, os sujeitos passivos escolhidos e a finalidade do tributo;
(c) deve existir necessidade permanente de nova fonte de custeio para aplicar na respectiva área;
(d) deve ocorrer aplicação contínua dos valores arrecadados na consecução das finalidades que justificaram sua instituição; e
(e) deve haver proporcionalidade entre o valor do tributo e as necessidades que visa a atender.
Além de preencher os atributos do conceito de intervenção no domínio econômico, a modalidade incentivo, para que possa ensejar a criação de contribuições interventivas, deverá atender a estes requisitos que acabamos de enumerar. O descumprimento de qualquer deles, obscurece a sua natureza, confrontando com a prescrição do art. 149 da Constituição. Destarte, será inconstitucional qualquer contribuição criada para custear intervenções que não atendam, simultaneamente, a todos esses requisitos.
Vejamos, com mais alguns pormenores, algumas peculiaridades inerentes aos requisitos que acabamos de enumerar.
4.1. A intervenção no domínio econômico deve ser feita por lei
Os enunciados relativos à intervenção do Estado no domínio econômico integram o consequente da norma de competência tributária. Logo, para que possam ensejar a instituição desses tributos, devem ser editados por lei ordinária, por força da aplicação do princípio da legalidade no âmbito da Ordem Econômica.
Nota-se que não é necessária a previsão em lei complementar. Essa matéria já foi objeto de discussão pelo STF, inclusive em sede de repercussão geral, na qual a Corte assentou a desnecessidade de previsão da contribuição para o SEBRAE por lei complementar, já que a natureza jurídica desse tributo é de contribuição de intervenção no domínio econômico:
“Recurso extraordinário. 2. Tributário. 3. Contribuição para o SEBRAE. Desnecessidade de lei complementar. 4. Contribuição para o SEBRAE. Tributo destinado a viabilizar a promoção do desenvolvimento das micro e pequenas empresas. Natureza jurídica: contribuição de intervenção no domínio econômico. 5. Desnecessidade de instituição por lei complementar. Inexistência de vício formal na instituição da contribuição para o SEBRAE mediante lei ordinária. 6. Intervenção no domínio econômico. É válida a cobrança do tributo independentemente de contraprestação direta em favor do contribuinte. 7. Recurso extraordinário não provido. 8. Acórdão recorrido mantido quanto aos honorários fixados.” (STF, RE nº 635.682, Tema 227)
Dessa maneira, é por meio de lei ordinária que se deve introduzir os enunciados relativos à criação da entidade encarregada de promover a intervenção, suas competências e as fontes de custeio que serão colocadas à sua disposição. Sem isso, não é possível falar em intervenção no domínio econômico, tampouco em edição de contribuições interventivas compatíveis com a norma de competência.
4.2. A intervenção deve ser feita num setor específico da economia
Por outro lado, não restará devidamente caracterizado o incentivo a um setor da economia, sem que haja prévia identificação deste setor.52 Sem um grupo específico de beneficiários, não se dará instituição válida de contribuições interventivas. Isso porque, se os benefícios são proporcionados de forma indistinta para toda a sociedade, é de toda a sociedade que se deve exigir o seu custeio. Em tais casos, o incentivo à economia deve ser custeado por todos, por meio de verbas orçamentárias, fruto do pagamento de impostos.
4.3. O produto arrecadado com o tributo deve ser voltado integralmente ao custeio da intervenção
A Constituição autoriza a criação das contribuições interventivas para que estas funcionem como fonte de custeio da intervenção do Estado no domínio econômico, conforme o art. 149 da Constituição. É nesse sentido que tais tributos servem como instrumento dessa intervenção. São instrumentos na medida em que fornecem recursos.53
É justamente a destinação específica que autoriza a sua criação. Com efeito, se o destino daquilo que se arrecada com esses tributos não for a intervenção específica que ensejou a sua criação, aquilo que se arrecada terá outra natureza, diversa daquela prevista no art. 149 da CR. Por conta disso, o regime jurídico aplicável também será diverso. Assim, será possível falar em imposto ou em qualquer outra espécie de exação, menos em contribuições interventivas.
4.4. O sujeito competente para intervir no domínio econômico
Para que possa criar contribuições interventivas, é necessário que o sujeito da intervenção seja a União. É competência privativa desse ente. O art. 149 da Constituição não deixa dúvida ao prescrever que “compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas”. (grifou-se). Não é, pois, permitido à União criar contribuições interventivas para custear intervenções promovidas pelos Estados, Distrito Federal ou Municípios, hipótese em que deverão ser declaradas inconstitucionais.
4.5. Dos princípios gerais da atividade econômica
A intervenção no domínio econômico deverá atuar no sentido de implementar os valores prescritos pela “Ordem Econômica Constitucional”. Destacam-se, entre esses, os enunciados fixados pelo art. 170, que estabelecem os chamados “princípios gerais da atividade econômica”. É onde se encontram positivados os valores que orientam todas as atuações do Estado no domínio econômico:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional;
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor;
VI – defesa do meio ambiente;
VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII – busca de pleno emprego;
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País; Parágrafo único: é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.
Cada um destes enunciados veicula um comando que deve ser atendido na intervenção do Estado no domínio econômico.54 Uma intervenção que atente contra qualquer desses valores, será incompatível com o texto da Constituição e, havendo inconstitucionalidade da intervenção, seguirá a mesma sorte o tributo criado.55
5. Conclusões
1. Sem analisar a atuação do Estado no domínio econômico não se pode saber o que significa intervir no domínio econômico. É a delimitação desse conceito que permite saber em que casos é possível e em que casos não há a possibilidade de se criar uma contribuição de intervenção no domínio econômico.
2. Domínio econômico é expressão destinada a nomear o plano da linguagem social, consiste no conjunto das atividades de produção, circulação de riqueza e prestação de serviços.
3. Ordem econômica designa o conjunto de normas jurídicas que regulam as relações humanas que se dão no domínio econômico.
4. A ordem econômica prescreve diversas formas de atuação do Estado no domínio econômico. Apenas uma dessas formas de atuação caracteriza a “intervenção do Estado no domínio econômico”, tal qual prescrita pelo art. 149 da Constituição para autorizar a edição de contribuições interventivas.
5. Os seguintes requisitos devem ser atendidos para que se considere válida a instituição de contribuições de intervenção no domínio econômico:
5.1. a intervenção deve estar prevista em lei e voltar-se para um setor específico do domínio econômico;
5.2. haver correlação entre a materialidade, os sujeitos passivos escolhidos e a finalidade do tributo;
5.3. existir necessidade permanente de nova fonte de custeio para aplicar na respectiva área;
5.4. ocorrer aplicação contínua dos valores arrecadados na consecução das finalidades que justificaram sua instituição; e
5.5. haver proporcionalidade entre o valor do tributo e as necessidades que visa a atender.
Notas
1Estas ideias já foram desenvolvidas no livro Contribuição de intervenção no domínio econômico.
2DERZI, Misabel. Limitações constitucionais ao poder de tributar, p. 593: “O segundo equívoco resulta de um vício de interpretação na prática constitucional brasileira, segundo a qual a norma constitucional é interpretada de forma isolada através de compartimentos estanques, de modo que aquilo que se insere no Capítulo do Sistema Constitucional Tributário não guarde relação alguma com outros títulos e outros capítulos inseridos na Carta Constitucional.”
3Misabel Derzi, ao tratar desta matéria, afirma que “o conceito de intervenção do Estado no domínio econômico é lato, difuso e complexo” (Limitações constitucionais ao poder de tributar, p. 596).
4A respeito dos conceitos de definição estipulativa e definição lexicográfica, ensina Ricardo Guastini: “Puede asumir la forma de una definición lexicográfica (oinformativa), es decir, la forma de una descripción de los usos lingüísticos efectivos” e “también puede asumir la forma de una definición estipulativa” onde se decide usar a expressão de uma forma determinada” (Las normas de competencia, p. XV, prólogo). Exemplificando, uma definição lexicográfica de “domínio econômico” seria feita expondo os usos efetivamente empreendidos pela doutrina. Já uma definição estipulativa é aquela que estipula o sentido a ser utilizado: domínio econômico será utilizado nesta acepção. Neste trabalho, a definição de “domínio econômico” será estipulativa, porém, construída a partir do direito positivo e dos usos efetivamente praticados pela doutrina.
5COMPARATO, Fábio Konder. Ordem econômica na constituição brasileira de 1988. Revista de direito público, n. 93, p. 256.
6Além disso, as relações que se dão no plano da conduta devem ter conteúdo econômico. Paulo Henrique Rocha Scott (Direito constitucional econômico, pp. 29-30) se refere à atividade econômica como “ação ou soma de ações que (...) processam-se num espaço social limitado a fenômenos de natureza econômica, relacionados à produção, industrialização, transformação, comercialização e consumo de bens e riquezas”. Segundo este Autor, é um conjunto de ações, desenvolvidas no plano da realidade social, visando à produção de riqueza.
7Com isso, divide-se o conjunto de atividades econômicas, como sugere Eros Roberto Grau, em “serviço público” e “atividade econômica em sentido estrito”. O primeiro conjunto de serviços é prestado pelo Estado, em regime de direito público. Já o segundo conjunto abrange as atividades econômicas desenvolvidas em regime de direito privado. O “domínio econômico em sentido estrito” compreenderia somente o segundo. COMPARATO, Fábio. Op. cit., p. 141.
8A relatividade do conceito de “atividade econômica” é tratada por Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de direito administrativo. p. 628) nos seguintes termos: “A noção de ‘atividade econômica’ certamente não é rigorosa; não se inclui entre os conceitos chamados teoréticos, determinados. Antes, encarta-se entre os que são denominados conceitos práticos, fluidos, elásticos, imprecisos ou indeterminados.”
9Mesmo sendo um conceito fluido, Celso Antônio Bandeira de Mello assevera: “em inúmeros casos ter-se-á certeza de que induvidosamente se estará perante ‘atividade econômica’, tanto como, em inúmeros outros, induvidosamente, não se estará perante ‘atividade econômica’.” Ibidem.
10Esta distinção entre realidade social e realidade normativa alinha-se àquela oferecida por Hans Kelsen (Teoria pura do direito, passim), feita com base na distinção entre “ser” e “dever ser”.
11Fábio Konder Comparato (Ordem econômica na constituição brasileira de 1988. Revista de direito público, n. 93, p. 262) chama a atenção para as dificuldades de se definir com precisão o termo “ordem econômica”: “a ideia de ordem econômica (wirtschaftsordnung) pressupõe a possibilidade lógica de se distinguirem as normas jurídicas de conteúdo econômico de todas as demais. Essa possibilidade, no entanto, é muito discutível, se se levar em conta que, até hoje, ninguém ainda conseguiu definir, precisamente, em que consiste a matéria econômica.”
12Os muitos significados da expressão “ordem” não passaram despercebidos a Washington Peluso Albino de Souza que faz referência a: “ordem econômica”, “ordem jurídico-político-econômica”, “ordem econômica pública” e “ordem econômica privada”, entre outras, para se referir aos diferentes matizes da juridicização do fenômeno econômico. Em sua observação, porém, é possível distinguir entre o plano dos fatos sociais econômicos e o plano das normas jurídicas que os disciplinam. (Primeiras linhas de direito econômico, passim). Vital Moreira, ciente desta ambiguidade, elucida três acepções em que “ordem econômica” costuma ser empregada. Assim, refere-se à “ordem econômica” como: conjunto de relações sociais econômicas; conjunto de todas as normas sociais que disciplinam estas relações e, por último, conjunto de normas jurídicas que regulam as atividades econômicas. (A ordem jurídica do capitalismo, pp. 67-71 apud GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 49). A ambiguidade da expressão “ordem econômica” também é destacada por Paulo Henrique Rocha Scott. Na sua compreensão, pode-se utiliza-la para nomear tanto a linguagem que relata a realidade social - onde se verificam as ações econômicas- quanto o conjunto de normas jurídicas que regulam a atividade econômica, defendendo, todavia, ser necessário considerar “ordem econômica” como “um conjunto normativo” voltado para a regulação da atividade econômica. (Direito constitucional econômico, pp. 31 a 33). Entendimento análogo é o de Manuel Jorge da Silva Neto. Este Autor aponta a ambiguidade que a expressão “ordem econômica” encerra, ao referir-se indistintamente ao “modo como se desenvolvem as situações econômicas no plano da realidade” ou ao assumir “a feição de objeto cultural, direcionada a disciplina jurídica do fenômeno econômico e vinculada ao mundo do dever-ser”. (Direito constitucional econômico, p. 134) Geraldo Vidigal também se depara com o problema da ambiguidade da expressão “ordem econômica”. Por isso, propõe, “como tarefa preliminar, o esclarecimento do que é essa ordem”. Dando seguimento à sua proposta, relata que ordem pode assumir diferentes acepções na linguagem comum. No curso da argumentação, acaba por demonstrar a maior pertinência da expressão “ordem econômica” a designação de um conjunto de normas e princípios que regem a atividade econômica. Teoria geral do direito econômico, p. 80.
13Gilberto de Ulhoa Canto já ensinava ser uma característica essencial destas contribuições o “seu caráter vinculado ao custeio de determinadas atividades estatais voltadas para certos grupos, setores ou categorias da coletividade”. É a atuação estatal no domínio econômico que permite ao Estado instituir as contribuições interventivas (As contribuições sociais no direito brasileiro, p. 127). Geraldo Ataliba não diverge, ao afirmar que o texto constitucional prescreve como nota distintiva desses tributos o fato de os sujeitos passivos se circunscreverem ao círculo de pessoas que recebem especial benefício da ação estatal – financiada pelo tributo – ou exigem tal ação, causando ao Estado especial despesa. (Hipótese de incidência tributária, p. 203) Tratando especialmente das contribuições econômicas, Ricardo Lobo Torres também aponta como elementos necessários à configuração destes tributos: contraprestação estatal em favor do grupo, que poderia ser qualquer ato de intervenção no domínio econômico de interesse de certa coletividade, mas que não se confundiria com a sociedade global. Além disso, seria necessária uma especial vantagem a ser obtida pelo contribuinte, que exceda o benefício genérico da atuação estatal. Assim, deve existir um setor específico da sociedade, que aufira benefícios maiores do que os recebidos pela sociedade em geral (Sistemas constitucionais tributários, p. 412).
14CARVALHO, Paulo de Barros. Interpretação e linguagem. Concessão e delegação de serviço público. Revista trimestral de direito público, n. 10, p. 83.
15Paulo de Barros Carvalho (Erro de fato e erro de direito na teoria do lançamento tributário. Revista de direito tributário, n. 73, p. 5), mais uma vez, elucida: “a mensagem deôntica, emitida em linguagem prescritiva de condutas, não chega a tocar, diretamente, os comportamentos interpessoais, já que partimos da premissa de que não se transita livremente do mundo do ‘dever-ser’ para o do ‘ser’. Interpõe-se entre esses dois universos a vontade livre da pessoa do destinatário, influindo decisivamente na orientação de sua conduta perante a regra do Direito”.
16NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica, p. 120
17Neste ponto adota-se a lição de Gunther Teubner segundo a qual: “de um ponto de vista construtivista, as intervenções do direito na economia devem ser entendidas como observações recíprocas entre dois sistemas de comunicação hermeticamente fechados e autônomos. O direito ‘inventa’ uma imagem da economia, formulando as respectivas normas em referência a tal imagem. A economia inventa uma imagem do ‘direito’, processando os atos de pagamento também como referência a esta. E embora estes modelos imaginários intrassistêmicos do mundo exterior possam ser continuamente refinados, como acontece com a moderna escola de análise econômica do direito, a verdade e que isso jamais nos conduzirá das concepções jurídicas do sistema econômico à realidade do próprio sistema econômico” (TEUBNER, Gunther. O direito como sistema autopoiético, p. 160). Sob este ponto de vista, o sistema econômico não determina diretamente como o sistema jurídico deve operar, da mesma forma que o direito não determina as relações econômicas. O direito percebe as demandas da realidade econômica, porém a única forma que possui de atuar é por meio da produção de mais direito – normas –, nunca por meio da produção de realidade econômica. Não é porque existem normas jurídicas prescrevendo a prosperidade da nação que ela será necessariamente próspera, pois a tarefa de produzir riqueza é do sistema econômico e não do jurídico. Daí a ênfase em afirmar que, rigorosamente, não há intervenção do Estado no domínio econômico.
18BARROSO, Luís Roberto. Crise econômica e direito constitucional. Revista trimestral de direito público, v. 6, pp. 32-33.
19OLIVERIA, Fernando Albino de. Limites e modalidades da intervenção do Estado no domínio econômico. Revista de direito público, n. 37-38, p. 62.
20No enfoque estritamente dogmático, desenvolvido por este trabalho, seria correto afirmar que o Estado, como realidade normativa, só poderia se manifestar por meio de normas. Assim, toda e qualquer atuação que pretendesse desenvolver só poderia ser feita com a edição de normas jurídicas, gerais e abstratas ou individuais e concretas. A divisão entre forma participativa e normativa não vai de encontro a esta premissa. O Estado é formado por um conjunto de normas e se manifesta pela edição de normas. A divisão, pautada em critérios oferecidos pela própria Constituição, parte da análise da posição que o Estado assume nas normas jurídicas de direito econômico. É este papel que permite identificá-lo ora como partícipe das relações jurídico econômicas, ora como sujeito que regula essas relações.
21A classificação das formas de atuação do Estado no domínio econômico está longe de formar um consenso. Celso Antônio Bandeira de Mello defende a existência de três formas de interferência do Estado na atividade econômica: “disciplinando-a”, “fomentando-a” ou “assumindo-a” (O Estado e a ordem econômica. Revista de direito público, n. 62, p. 34); Luís Roberto Barroso segue o mesmo entendimento (Crise econômica e direito constitucional. Revista trimestral de direito público, v. 6, p. 40); Tércio Sampaio Ferraz Júnior, por sua vez, sustenta que “intervenção” deve ser entendida como gênero que comporta três espécies: (a) monopólio, (b) regulação indireta, determinando cláusulas que a doutrina deve obedecer no ser livre exercício e (c) organização direta, proibições diretas (Fundamentos e limites constitucionais da intervenção do Estado no domínio econômico. Revista de direito público, n. 47-48, p. 269); Ives Gandra da Silva Martins adota, também, uma classificação tripartida das formas de intervenção do “governo” no “mercado” que seriam a “monopolista”, a “concorrencial” e a “regulatória” (Controle concentrado de constitucionalidade e as contribuições de intervenção no domínio econômico. Contribuições de intervenção no domínio econômico e figuras afins, p. 95, nota 3); Eros Roberto Grau, ao tratar das formas de atuação estatal no domínio econômico em sentido estrito, defende, também, a existência de três modalidades: (a) intervenção por absorção ou participação, (b) intervenção por direção ou (c) intervenção por indução (A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 168). A só identificação de duas ou três formas de atuação do Estado no domínio econômico não é suficiente para isolar as atuações que ensejam a instituição de contribuições interventivas das demais. Por isso, no presente trabalho, não se adota integralmente qualquer dessas classificações. Para isolar a atuação estatal no domínio econômico referida no art. 149 da Constituição Federal, será necessário desdobrar várias outras modalidades. Para obter esse propósito analisaremos o tema com mais por menores, buscando espécies e subespécies de atuação, segundo os regimes jurídicos prescritos pelo direito positivo.
22Utilizar um critério para dividir as formas de atuação em dois grandes blocos não é novidade. Alberto Venâncio Filho aborda a questão referindo-se ao “Estado como norma” e ao “Estado como agente” (A intervenção no domínio econômico, p. 383). No primeiro caso, o Estado atuaria como agente normativo, “impondo regras de conduta à vida econômica”. Já no segundo caso, surge como agente do processo econômico, comprando e vendendo produtos ou prestando serviços. Esta também é a posição sustentada por José Afonso da Silva, que afirma existir na Constituição referência à “exploração direta da atividade econômica pelo Estado e do Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica” (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 683).
23Nesta direção, aponta José Afonso da Silva, quando afirma que “o tema da atuação do Estado no domínio econômico exige prévia distinção entre serviços públicos, especialmente os de conteúdo econômico e social, e atividades econômicas”. Indica ainda, como fundamento dessa distinção o art. 21, XI e XII e arts. 173 e 174 da Constituição Federal (Curso de direito constitucional, p. 681). A necessidade de separar a atividade econômica em sentido estrito daquela denominada serviço público é destacada, também, por Eros Roberto Grau: “insista-se em que atividade econômica em sentido amplo é território dividido em dois campos: o do serviço público e o da atividade econômica em sentido estrito.” A atividade econômica seria, pois, gênero que englobaria duas espécies: uma, desenvolvida sob regime de direito privado, e outra, de direito público (A ordem econômica na constituição de 1988, p. 135). Luís Roberto Barroso sustenta posição semelhante quando defende a necessidade de separar a “prestação de serviços públicos e a exploração de atividades econômicas” desenvolvidas pelo Estado. Modalidade de intervenção do estado na ordem econômica. Regime jurídico das sociedades de economia mista (Inocorrência de abuso de poder econômico, p. 92).
24Sobre essa forma de atuação no domínio econômico, Tércio Sampaio Ferraz Júnior observa: “’empresariar’ significa agir como empresário no lugar ou junto com a iniciativa privada” (Fundamentos e limites constitucionais da intervenção do estado no domínio econômico. Revista de direito público, n. 47-48 p. 266). Este também é o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de direito administrativo, p. 625) para quem “empresas públicas e sociedades de economia mista, que para tal fim sejam criadas, submeter-se-ão, basicamente, ao mesmo regime aplicável às empresas privadas”. O Estado, não só explora a atividade econômica, como atua em regime de direito privado.
25Na opinião de Celso Antônio Bandeira de Mello: “a lei a que se refere a parte final do art. 173 terá de ser necessariamente lei complementa, e enquanto esta não for editada não podem ser criadas empresas públicas, sociedades de economia mista ou quaisquer modalidades de pessoas estatais exploradoras de atividade econômica” (Curso de direito administrativo, p. 625). Com isso, o texto constitucional vincula esta forma de ação participativa do Estado à edição de lei complementar. Fábio Konder Comparato sustenta opinião análoga ao entender trata-se de lei complementar aquela referida no final do art. 173 (Ordem econômica na constituição brasileira de 1988. Revista de direito público, n. 93, p. 271).
26Sobre isso, Lúcia Valle Figueiredo afirma que o Estado intervém na atividade econômica “quando atua por meio de empresas estatais (art. 173), quando isso for necessário para implementar relevante interesse coletivo ou preservar a segurança nacional”. Trata-se de uma forma de restrição à iniciativa privada por parte do Estado na exploração da atividade econômica (Reflexão sobre a intervenção do estado no domínio econômico e as contribuições interventivas. Revista de direito tributário, n. 81, p. 249).
27Sobre a ambiguidade do conceito de “autorização” na Constituição ver: MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de direito administrativo, pp. 616-617.
28Cf. MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de direito administrativo, p. 630 e seguintes.
29Sobre a distinção entre esfera pública e privada, a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello não deixa dúvidas: “a separação entre os dois campos – serviço público, como setor pertencente ao Estado, e domínio econômico, como campo reservado aos particulares – é induvidosa”. No primeiro caso, a atividade é desenvolvida em regime de direito público, noutro caso a atividade é desenvolvida em regime de direito privado. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, p. 619.
30GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988, p. 142.
31Idem, p. 147.
32MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 600.
33VENÂNCIO FILHO, Alberto. A intervenção do Estado no domínio econômico, p. 383.
34Sobre esta função, Tércio Sampaio Ferraz Júnior acrescenta que por “regular (Estado regulador) entende-se a interferência do Estado, restringindo a liberdade econômica dos indivíduos, nos seus objetivos e instrumentos”. Regula-se, portanto, a atividade econômica por meio da edição de normas jurídicas que restringem a liberdade dos sujeitos que atuam no domínio econômico. (Fundamentos e limites constitucionais da intervenção do estado no domínio econômico. Revista de direito público, n. 47-48, p. 266) Numa síntese sobre esta forma de atuação, Norbert Reich (Intervenção do estado na economia (reflexão sobre a pós-modernidade na teoria jurídica). Revista de direito público, n. 94, p. 265) afirma: “neste contexto, o direito é utilizado como um instrumento destinado a impor imperativos sociais e políticos sobre a economia (privada)”. É o direito, ao positivar valores sociais e políticos, que torna cogente as prescrições dirigidas a atividade econômica. Sobre isso, a lição de Lourival Vilanova (Fundamentos do Estado de Direito. Escritos jurídicos e filosóficos, v. 1, pp. 24.) é esclarecedora: “sem a norma – sem lei constitucional, ou sem lei ordinária, sem decreto executivo – seja qualquer a espécie exigida, sem ela, plano nenhum de governo, programa nenhum de desenvolvimento econômico e social passariam ao campo concreto da realização”.
35Tratando deste tema, Luís Roberto Barroso (Crise econômica e direito constitucional. Revista trimestral de direito público, v. 6, pp. pp. 40-41) esclarece “o Estado disciplina a atividade econômica pelo desempenho de sua ampla competência normativa e pelo exercício do poder de polícia”.
36Dicionário Houaiss da língua portuguesa, p. 1367
37Ao tratar do fomento da atividade econômica Luís Roberto Barroso (Crise econômica e direito constitucional. Revista trimestral de direito público, v. 6, pp. 40-41) exemplifica: “o Estado fomenta a atividade econômica investindo em infraestrutura, concedendo financiamento e utilizando a política tributária para estimular ou desestimular comportamentos”. Esta seria uma atuação ampla a ser desenvolvida em várias frentes, seja pela edição de normas gerais e abstratas que prescrevam normas gerais à economia, seja pela criação de pessoas jurídicas ou fundos de recursos que atuem positivamente, no sentido de viabilizar as diretrizes propostas pelas normas gerais e abstratas.
38BARROSO, Luís Roberto. Crise econômica e direito constitucional. Revista trimestral de direito público, v. 6, pp. 40-41.
39Idem, p. 41.
40Eros Roberto Grau (A ordem econômica na constituição de 1988, p. 316.), neste particular, ensina que: “fiscalizar no contexto deste art. 174, significa prover a eficácia das normas produzidas e medidas encetadas, pelo Estado, no sentido de regular a atividade econômica”. O exercício desta atividade pressupõe, também, a prerrogativa de o Estado editar sanções pelo descumprimento dos enunciados legais.
41Falar em poder de polícia no âmbito econômico não é novidade entre aquelas que tratam da matéria. Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de direito administrativo, p. 619) inclui esta modalidade com uma das espécies de intervenção no domínio econômico, que “dar-se-á através de seu ‘poder de polícia’, isto é, mediante leis e atos administrativos expedidos expedido para executá-las, como ‘agente normativo e regulador da atividade econômica’”. Há, pois, expressa referência ao exercício do poder de polícia. Tratando também da intervenção do Poder Público na esfera econômica do particular, Fernando Albino de Oliveira (Limites e modalidades da intervenção do Estado no domínio econômico. Revista de direito público, n. 37-38, pp. 63-4) afirma que o “Estado poderá traçar normas refratoras do direito à livre iniciativa, através do exercício do poder de polícia”. Segundo este Autor, sempre que o Estado ingerir-se no âmbito econômico por meio da edição de normas jurídicas, estar-se-á diante de do exercício do poder de polícia.
42Cf. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p. 115. No mesmo sentido, ver MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de direito administrativo, p. 623-4.
43No conceito de poder de polícia prescrito pelo art. 78 do Código Tributário Nacional, prescreve-se expressamente que o seu exercício deve ser feito nos limites da lei. Logo, uma coisa é a lei que contempla os direitos econômicos, outra, bem distinta, são os atos administrativos que fiscalizam o cumprimento da lei
44Entre os sujeitos competentes para o exercício dessa atuação, a extinta SUNAB, desempenhou papel relevante conforme atesta a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça: “Execução fiscal. SUNAB. Competência para fiscalizar Estabelecimento de ensino. Aplicação de multa. Constituição Federal (art. 173, § 4º). Leis Delegadas 4/62 e 5/62. Decreto-Lei 532/69. Lei 8.039/90. 1. A SUNAB tem competência para fiscalizar os valores das taxas e mensalidades fixadas pelos estabelecimentos de ensino, decorrente da aplicação da legislação de intervenção no domínio econômico na seara dos serviços essenciais, entre os quais se incluem os pertencentes à educação. 2. Precedentes jurisprudenciais. 3 Recurso provido”. REsp. N. 79.828-MG, relator Min. Milton Luiz Pereira, DJU de 07/10/96.
45SOUZA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária, p. 162.
46Luiz Emygdio F. da Rosa Júnior (Manual de direito financeiro e tributário, p. 49) vale-se da expressão “preço quase privado” para se referir ao “pagamento voluntário feito pelo particular ao Estado pela venda por este de um bem ou serviço, agindo o Estado não no exercício de uma soberania mas como se fosse uma pessoa privada, não se denominando de “preço privado” esta categoria apenas pelo fato de o Estado participar desta relação contratual”.; No mesmo sentido, Fábio Fanuchi, (Curso de direito tributário brasileiro, p. 48). Mantém-se, no entanto, a expressão “preço privado”, pois trata-se de uma prestação que, embora seja exigida por pessoa jurídica criada pelo Estado, em nada difere das prestações exigidas pelos particulares, por força de expressa previsão constitucional.
47Note-se que o elemento compulsoriedade integra o conceito de serviços. Com isso, distingue-se o tipo de remuneração a ser exigido com base no regime que se lhe aplica. O que se deve fazer é justamente o contrário. É a construção do conceito que permite saber qual o regime jurídico aplicável. Assim, o atributo “compulsório” é o elemento fundamental na determinação do regime jurídico aplicável.
48Esse critério de distinção é destacado por Hugo de Brito Machado ao afirmar que: “o que caracteriza a remuneração de um serviço público é a compulsoriedade, para a taxa, e a facultatividade, para o preço”. Mas o que se deve entender por um serviço compulsório? A resposta é oferecida por esse Autor: “compulsório é o serviço que não se pode deixar de utilizar. Não há margem de escolha para a sua fruição” (Curso de direito tributário, pp. 378-379).
49Para estes casos, como assinala Paulo de Barros Carvalho (Curso de direito tributário, p. 40), “a mais da prestação de serviços públicos, as taxas podem ser cobradas sempre que o Estado (acepção lata) exercitar o poder de polícia”.
50Luciano Amaro (Conceito e classificação dos tributos. Revista de direito tributário, v. 15, n. 55, p. 251) expõe as razões de cobrança da taxa de polícia: “a atuação estatal nesses casos, embora provocada pelo contribuinte da taxa de polícia, não representa um serviço por ele fruído; a atuação fiscalizadora do Estado, a rigor, visa ao interesse da coletividade e não daquele contribuinte isoladamente; é ele, porém, que provoca a atuação do Estado, e é isto que justifica a imposição da taxa”.
51Roque Carrazza (Curso de direito constitucional tributário, p. 367) esclarece: “estamos convencidos de que as ‘contribuições de intervenção no domínio econômico’ são tributos qualificados pela finalidade constitucional que devem atingir”.
52No julgamento da constitucionalidade do ATP – Adicional de Tarifa Portuária –, o Supremo Tribunal Federal se manifestou sobre a necessidade de prévia identificação do setor da economia que sofrerá intervenção: “O problema da reserva absoluta da lei impede a instituição de qualquer gravame sem que no próprio texto da lei instituidora estejam explicitados todos os elementos do tipo tributário de que se trata, sendo certo que, no caso de uma contribuição interventiva, a finalidade deveria vir expressa e especificada em sua materialidade, ou seja, o setor a ser beneficiado não poderia deixar de estar definitiva e concretamente organizado contemporaneamente ao início da cobrança dos recursos financeiros que em seu benefício seria arrecadados. STF, RE n. 218.061-5, rel. Ministro Carlos Veloso, DJ. 08.09.2000.
53Luciano Amaro (Conceito e classificação dos tributos. Revista de direito tributário, v. 15, n. 55, p. 268), abordando as contribuições interventivas, assevera: “trata-se de contribuições que, à vista do próprio art. 149, só podem destinar-se a instrumentar a atuação da União no domínio econômico, financiando os custos e encargos pertinentes”.
54Não é divergente a opinião de Lúcia Valle Figueiredo (Reflexões sobre a intervenção do Estado no domínio econômico e as contribuições interventivas. Revista de direito tributário, n. 81, p. 248.): “verifica-se, pois, que a intervenção do Estado na ordem econômica justifica-se na medida da consagração dos valores assinalados no texto constitucional e pertinentes, sobretudo, à ordem econômica”. Se violar qualquer dos valores positivados na Ordem Econômica, o tributo poderá ser considerado inconstitucional, seguindo a sorte da intervenção que ensejou a sua criação.
55A importância dessa matéria não passou despercebida a Misabel Derzi (vide: BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, p. 596), enfática ao registrar que “as finalidades da intervenção devem perseguir aqueles princípios arrolados na Constituição, tais como assegurar a livre concorrência, reprimir o abuso do poder econômico, reprimir o aumento arbitrário do lucro, etc...”. Se a finalidade é inconstitucional, o tributo criado para custeá-la também o será.
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Citação
GAMA, Tacio Lacerda. Ordem econômica e domínio econômico: competências e contrapartidas. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Econômico. Ricardo Hasson Sayeg (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/587/edicao-1/ordem-economica-e-dominio-economico:-competencias-e-contrapartidas
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Tomo Direito Econômico, Edição 1,
Março de 2024