Charles Sanders Peirce (1839-1914) pode ser considerado o maior filósofo nascido no continente americano. Polímata, foi cientista por formação e profissão. Formou-se em química em Harvard, obtendo pela primeira vez a distinção summa cum laude, a mais alta da universidade. De 1859 a 1891, foi geofísico e astrônomo da United States Coast and Geodetic Survey, e, com suas pesquisas, inseriu definitivamente os EUA no cenário internacional das ciências físicas. Foi o primeiro a relacionar o comprimento do metro ao comprimento de onda da luz e também o primeiro a tentar definir a forma da Via Láctea pela medição do brilho das estrelas, apontando erros nas observações gravitacionais europeias e estabelecendo um novo modelo internacional para medições estatísticas. Foi demitido sem aposentadoria, o que lhe causou graves dificuldades financeiras na velhice. No único período (1878-1883) em que trabalhou numa universidade, a então recém-criada Johns Hopkins, elaborou a teoria da quantificação para a lógica dos predicados e uma teoria do contínuo baseada na diferença entre conjuntos finitos e infinitos. Da matemática à história da filosofia e da ciência, passando pela enologia e pela fonética da língua inglesa do período elizabetano, sua obra é imensa. Mas ele mesmo sempre se declarou acima de tudo um lógico. De fato, seu trabalho nessa ciência é prolífico e aparentemente inesgotável, com proeminência para a sua semiótica, ou teoria geral dos signos, pela qual ficou mundialmente conhecido. Sua filosofia é sistemática, abrangente, na qual despontam teses ontológicas sobre a evolução do universo e da continuidade psicofísica de todos os fenômenos. Além disso, recebeu de seu amigo William James o título de inventor do pragmatismo, que ele entendia primordialmente como um método lógico para a investigação científica. Seu pensamento exerceu profícua influência sobre vários pensadores do século XX, como Umberto Eco, Roman Jakobson, Gilles Deleuze, Alfred Tarski, Karl Popper e Juergen Habermas, dentre outros.

1.    Crítica à filosofia moderna


Já bastante precocemente, Peirce buscou superar um dos principais problemas da filosofia moderna, o qual seja, a separação de natureza entre sujeito e objeto. Ora, se o objeto for completamente diferente do sujeito, como seria possível o conhecimento? Para superar essa dificuldade, ele empreendeu uma severa crítica aos pressupostos epistemológicos da filosofia moderna.
O ponto de partida é a defesa de uma concepção radicalmente não-psicológica da lógica, quer dizer, não internalista, não mentalista e não subjetivista. Ao menos desde 1865, ele já criticava o problema de defender algum tipo de psicologismo na lógica, o que o faz anteceder em pelo menos um ano o próprio nascimento do termo.1 Para Peirce, a lógica não se restringe ao estudo de conteúdos mentais, mas transcende-o, estudando todo e qualquer tipo de signo, interno ou externo à mente humana, independente de ser pensado por alguma consciência, sem prejuízo de sua capacidade de se dirigir a alguma, que é anterior e necessária à significação [W 1: 306, 1865]. Nessa recusa encontramos, em germe, a ideia diretriz da semiótica peirciana.
Numa série de 3 artigos, conhecida como Série Cognitiva, publicada entre 1868 e 1869, Peirce resume os resultados a que chegou, na forma de crítica ao que chama de “espírito do cartesianismo”. Seus pontos principais são quatro negações:
1.    Não temos poder de Introspecção, mas todo conhecimento do mundo interno é derivado por raciocínio hipotético de nosso conhecimento de fatos externos.
2.    Não temos poder de Intuição, mas toda cognição é determinada logicamente por cognições prévias.
3.    Não temos poder de pensar sem signos.
4.    Não temos concepção do absolutamente incognoscível. [W 2: 213, 1868].
Ora, o legado do espírito do cartesianismo à filosofia é o da fundamentação última da ciência e da metafísica na certeza subjetiva de si, atingida introspectivamente, por um tipo de percepção fenomenológica imediata que a tradição chama de intuição. Com efeito, o cogito cartesiano é conhecido e definido pela percepção imediata e pontual de si mesmo. Peirce refuta essa posição: ao invés de postular um princípio fundamental e último de natureza subjetiva e privada, ele defende a hipótese de que toda nossa vida interna é resultado de inferências que fazemos a partir da percepção externa.
No primeiro desses artigos, “Questões concernentes a certas capacidades reivindicadas para o homem”, lemos que nossa autoconsciência – o que hoje chamamos de self – é um signo, porquanto é a concepção que dá consistência e “unifica” nossas experiências. Portanto, não é uma concepção primeira, a mais fundamental, mas a última, aquela à qual chegamos a posteriori, numa palavra, é a conclusão de um raciocínio cujas premissas baseiam-se em evidências que colhemos do mundo exterior. A experiência do que está fora força ao reconhecimento dos limites próprios de nosso mundo externo, pois o que se passa dentro de nós – e, por conseguinte, está sob nosso controle – é diferente do que se dá fora – e, portanto, independe de nós [W 2: 201-202, 1868]. Ora, desde os primeiros momentos da infância, usamos nossos próprios corpos para interagir com o mundo externo, sem diferenciar exatamente o que se passa conosco e o que é próprio dos objetos externos. Mas os objetos externos têm a característica de não se reduzirem às nossas internas idiossincrasias: se uma criança toca um ferro quente, essa experiência mostra a ela a diferença entre “eu” e “não-eu”. De maneira parecida, se outra pessoa se recusa a atender-lhe os desejos, ela começa a pensar na diferença entre a sua vontade e a vontade alheia. O reconhecimento da diferença entre ela mesma e outros objetos, seres vivos e humanos começa a se elaborar gradativamente, com base na interação e no reconhecimento de nossos limites, especialmente os corporais. Começa a formar-se, assim, a autoconsciência, a partir da ignorância e do erro, gradualmente percebidos. Não se trata de uma auto-percepção imediata e pontual, mas de um processo cognitivo, cuja forma é a de uma ilação lógica. Nesse sentido, então, todo pensamento só pode se dar relacionalmente: “Em nenhum instante único em meu estado mental há cognição ou representação, mas na relação de meus estados mentais em instantes diferentes há” [W 2: 227, 1868].
Assim, a autoconsciência é uma concepção à qual chegamos para significar o que se passa em nosso psiquismo interno, um signo, em suma, de natureza hipotética, que explica a diferença entre o interior e o exterior, sem separá-los em duas essências distintas. Na verdade, a autoconsciência é apenas uma parte de nossa vida mental, toda ela de natureza inferencial, fluida, contínua e processual, embora isso nos passe desapercebido (Peirce apoia-se, aqui, na teoria da visão de G. Berkeley: parece que ao vermos um objeto temos dele uma percepção imediata, mas o que se passa, na verdade, é uma série infinitesimal de experiências imperceptíveis). E, como esse fluxo contínuo de pensamento tem origem externa, quer dizer, dá-se dos signos de fora para os de dentro, ele afirma que “assim como dizemos que um corpo está em movimento, e não que o movimento está em um corpo, deveríamos dizer que estamos em pensamento, e não que os pensamentos estão em nós” [idem].
Não faz sentido, então, supor um fundamento primordial e ao mesmo tempo último, base absoluta do conhecimento (como o cogito, o eu transcendental, ou quaisquer primeiros princípios). A vida mental é um fluxo de signos situado física e corporalmente, cujo início não é identificável pontualmente, mas é um processo de começar, contínuo e indefinido enquanto vivermos, irrestrito ao mundo interno, conectando-nos ao mundo externo. Essa ideia é desenvolvida longamente no segundo artigo da Série Cognitiva, “Algumas consequências de quatro incapacidades”, na teoria do pensamento-signo. Em resumo, podemos dizer que toda nossa vida mental, por ser de natureza sígnica, implica que é impossível sairmos da linguagem e dos signos, pois o principal signo que usamos somos nós mesmos:
O homem faz a palavra, e a palavra não significa nada que o homem não tenha feito ela significar, e isso apenas para algum homem. Mas, já que o homem só consegue pensar por meio de palavras ou outros símbolos externos, esses podem se voltar a ele e dizer: “Você não significa nada que nós não tenhamos ensinado a você, e, então, só na medida em que você se dirige a alguma palavra como o interpretante de seu pensamento”. De fato, portanto, os homens e as palavras educam-se uns aos outros reciprocamente; cada aumento de informação de um homem envolve e é envolvido por um aumento correspondente de informação de uma palavra. [W 2: 241, 1868].
Perde sentido, com isso, a separação de natureza entre sujeito e objeto. Saímos do âmbito dos objetos da representação para o dos objetos de natureza representacional, que são eles mesmos signos, quer dizer, cuja natureza é semiótica. Inclusive os próprios seres humanos. Com efeito, não se trata mais de fazer a investigação das faculdades subjetivas, mas de proceder a um estudo das formas lógicas, efetiva e virtualmente significativas, pensadas ou não por algum sujeito humano. Disso, conclui-se também que a ideia de um incognoscível absoluto não faz sentido e torna-se, na verdade, um obstáculo ao conhecimento. Pois, se todo nosso saber é derivado da experiência do mundo externo, por meio de relações estabelecidas entre as cognições, mesmo o mais elevado e abstrato conceito alcançável está inserido no processo cognoscitivo e, portanto, é da natureza de uma cognição, numa palavra, é um signo. Supor um signo insignificável, incognoscível e ininteligível, é absurdo. Qual supositício objeto poderia servir de referência efetiva a esse signo é outra questão.

1.1.    Método e conhecimento


Boa parte dos artigos de 1868 era dedicada ao estudo das três formas de raciocinar ou argumentar que Peirce considerava básicas, quais sejam, a dedução, a indução e a hipótese. Nessa época, ele entendia a diferença principal da seguinte maneira: a dedução é a forma lógica do raciocínio necessário, e, portanto, não ampliativo do conhecimento; a indução e a hipótese são formas de raciocínio prováveis, e, portanto, capazes de ampliar o conhecimento, pois permitem correções. Posteriormente, ele modificou essa ideia, admitindo a probabilidade da dedução e a incapacidade da indução para produzir conhecimento. Para uma boa compreensão, é preciso apresentar o problema da validade da indução antes de explicar mais a fundo cada uma das formas de inferência.


1.1.1.     A validade da indução


No último artigo da Série Cognitiva, “Fundamentos de validade das leis da lógica”, Peirce toma como ponto de partida a filosofia kantiana e afirma que a pergunta importante a ser respondida não é a da possibilidade dos juízos sintéticos a priori, mas, na verdade, a de todos os juízos sintéticos [W 2: 267-268, 1869]. Em outras palavras, ele quer explicar como é possível o crescimento do conhecimento, sem pressupor, no entanto, nem uma faculdade especial de compreensão do universo, como uma intuição transcendental mais própria a divindades que a humanos, nem tampouco uma ordem predeterminada na natureza, pois isso significaria um determinismo absoluto, no qual não há lugar para a mudança e a liberdade. Sair desse dilema, para ele, é destrancar a porta da filosofia.
Todo nosso conhecimento, consequentemente, tem de se dar por meio de alguma daquelas formas de inferência, ou, ao menos, por meio de alguma combinação entre as formas conhecidas de raciocínio. A questão é mostrar a validade dessas formas, quer dizer, porque podemos confiar nelas, ainda que sejam falíveis. Para isso, seus argumentos contra a ideia de uma ordem da natureza preparam o terreno. Primeiro, ele lembra que as irregularidades na natureza são muito mais numerosas do que as regularidades [W 2: 264, 1868]. Segundo, mesmo que existisse uma ordem natural anterior aos próprios acontecimentos, ela jamais poderia ser conhecida, pois, se fosse uma característica do universo como o conjunto de todas as coisas, teríamos de conhecer uma grande parte dele para conseguir descrever essa ordem, mas quem pode determinar o quanto do universo conhecemos? E se fosse uma característica dos elementos do universo, isto é, pertencesse ao todo por pertencer às suas partes constituintes, só poderia ser conhecida como o são todas as características das coisas, por comparação entre as que a possuem e as que não a possuem. Se todas as coisas do universo a possuem, como seria possível a comparação? Como poderíamos, então, raciocinar do conhecido para o desconhecido? Não devemos, portanto, supor uma ordem preexistente na natureza para justificar a validade dos nossos raciocínios [W 2: 267, 1869]. O fato é que, no nosso mundo, nossas inferências às vezes são bem-sucedidas, às vezes não. E nenhuma outra forma de inferência exemplifica melhor essa falibilidade do que a indução. Segundo a lei dos grandes números, tudo que podemos afirmar é que, em longo prazo, nossos raciocínios apresentam tendências a certas conclusões serem validadas mais que outras. Está aqui afirmada a ideia principal de sua interpretação do método científico.
Diferente da dedução, uma indução não estabelece conclusões necessárias, apenas prováveis, mais ou menos fortes. A concepção de probabilidade adotada por Peirce é a de frequência relativa: “[probabilidade define-se como] a razão da frequência de ocorrência de um evento específico relativamente à de um mais geral que ele” [id.]. Em outras palavras, calcular a probabilidade de um evento é determinar, com base em quantas vezes ele já ocorreu, quantas ainda é possível que ocorra no futuro indefinido. É claro, essa predição só pode ser aproximada. O conhecimento é, todavia, justificado, porque o método pode, em princípio, ser levado ao infinito, o que garante a possibilidade de determinação de uma razão objetiva. Esse é o significado da expressão “em longo prazo”: se repetida indefinidamente, a indução levaria à determinação de uma probabilidade objetiva. Feita e refeita durante tempo o suficiente, ela conclui que, sob certo aspecto, os resultados tenderiam a se mostrar parecidos. Ela nada mais é, então, do que o raciocínio estatístico [W2: 266 seq., 1869].
Essa é uma ideia importante: a indução é um processo autocorretivo. Esse é o fundamento de sua validade: podemos confiar em conclusões indutivas para processos de longo prazo, nos quais a aproximação, dada sua natureza, ela corresponderia propriamente ao teste experimental das ideias e teorias, como forma de assegurar-lhes confiabilidade prognóstica. Por isso, diferentemente do que chegou a primeiro sustentar, ele apenas tardiamente abandonou a noção de indução como inferência ampliativa do conhecimento [HL 218, 1898; EP 2: 443, 1908]. Na verdade, ele passa a considerar dedução, indução e hipótese como mais do que meras formas ilativas, para entendê-las como estágios da investigação [stages of inquiry], distintos e conectados [EP 2: 441-442, 1908].


1.1.2.    Os métodos da ciência


Tradicionalmente, apenas a dedução e a indução, ou alguma forma de combinação entre elas, são usadas para descrever como funciona o trabalho científico. É comum também excluir das descrições dos métodos usados pelos cientistas a invenção de hipóteses, considerada um assunto mais adequado à psicologia, e não à lógica da ciência: cientistas imaginam hipóteses sem necessariamente seguir regra alguma, num processo que não pode ser formalizado, ou, se o for, não tem validade lógica. Peirce pensa de outra forma. Ele agrega ao debate uma original consideração sobre a retrodução, ou abdução, mostrando como as três formas de inferência se relacionam em três diferentes, porém integrados, estágios da investigação. Para ele, a dedução apenas explicita, a indução avalia e só a abdução amplia o conhecimento [EP 2.443, 1908]. Assim, sua teoria configura-se numa teoria dos métodos da ciência, melhor dizendo, uma teoria dos diferentes momentos investigativos, os quais mutuamente se implicam e fundem-se uns nos outros.2

1.1.2.1.    Abdução

A abdução é uma forma de raciocínio que torna possível imaginar, ou, ao menos, adotar hipóteses explicativas para fenômenos imprevistos. Às vezes, Peirce prefere o termo retrodução [EP 2: 441, 1908], para enfatizar a direção retroativa do pensamento, dos efeitos para as causas. Por isso, é a única forma de raciocínio que permite a continuidade da investigação, pois relaciona um evento atual, mas imprevisto, com outros virtuais, mas já conhecidos. Ela corresponde, assim, ao primeiro estágio da investigação científica: é a “invenção, a seleção e a utilização de uma hipótese” [HP 2: 895, 1901], a qual é adotada porque explica os fatos. O locus classicus da definição de abdução é o seguinte:
A forma da inferência, portanto, é esta:
O fato surpreendente, C, é observado;
Mas se A fosse verdadeiro, C seria uma coisa comum.
Por conseguinte, há razão para suspeitar que A é verdadeiro.
Assim, A não pode ser inferido abdutivamente, ou, se a expressão for preferida, não pode ser conjecturado abdutivamente até que todo seu conteúdo já esteja presente na premissa: “Se A fosse verdadeiro, C seria uma coisa comum”. [HL 245, 1903].
A abdução tem a forma de uma falácia dedutiva, qual seja, a da afirmação do consequente:
A ---> C
C
______
A
Veja-se o seguinte exemplo:
1.    Se você está lendo esta página, então não está com sono.
2.    Você não está com sono.
3.    Logo, você está lendo esta página.
Percebe-se a invalidade do raciocínio: a conclusão pode ser falsa mesmo que as premissas sejam verdadeiras. Ora, estar lendo esta página não é uma razão suficiente para não estar com sono, outros fatores podem explicar o fato de o leitor estar bem desperto; pode ter dormido muito bem, por exemplo, ou bebido uma boa quantia de café. Em suma, não há uma única causa para explicar qualquer fato, muitas são possíveis. Nem por isso deixamos de buscar explicar os fatos tentando adivinhar qual a causa mais plausível para sua ocorrência. Seja na experiência real, seja na matemática mais abstrata, recorremos ao raciocínio abdutivo, o qual nada mais é do que um mero palpite [CP 7: 219, 1901; HP 2: 898-900, 1901].
Podemos afirmar que o raciocínio abdutivo introduz um tipo de pensamento que atualmente é conhecido como contrafactual, quer dizer, contrário aos fatos, no sentido de pensar possibilidades alternativas que, se tivessem acontecido, teriam como resultado um certo estado de coisas, não necessariamente comum, mas perfeitamente compreensível. Por isso, o raciocínio abdutivo aumenta o conhecimento, abrindo o caminho da investigação: “É verdade que os diferentes elementos da hipótese estavam nas nossas mentes antes; mas é a ideia de juntar o que nunca antes sonhamos juntar que faz lampejar a nova sugestão à nossa contemplação” [CP 5: 181, 1903].
A sugestão que lampeja em nossas mentes, porém, só pode ser adotada cientificamente se puder ser testada. Na verdade, é impossível testar uma hipótese, a não ser por suas consequências, quer dizer, só podemos testar o que a hipótese diz que acontecerá ou aconteceria, se fosse verdadeira. Aqui, passamos ao segundo estágio da investigação científica, o dedutivo, pois é por meio de deduções que extraímos da hipótese suas consequências, prováveis ou necessárias.


1.1.2.2.    Dedução


Em 1878, Peirce publica uma série de cinco artigos chamada “Ilustrações da lógica da ciência”. No terceiro deles, “Dedução, Indução e Hipótese”, ele desenvolve a ideia de que há formas prováveis de dedução e mostra como, a partir delas, é possível derivar a indução e a hipótese [W 3: 325-326]. Essa é uma das marcas de seu falibilismo radical: todas as formas de raciocínio são prováveis, até a dedução.
Em seu vocabulário típico – regra, caso, resultado – ele define as seguintes formas conforme o quadro.



Uma dedução é uma inferência que demonstra que um resultado particular está necessária ou provavelmente entre os casos subsumidos por uma regra geral. Por isso, não amplia o conhecimento, quer dizer, a conclusão não modifica o universo de discurso definido pelas premissas. A indução e a hipótese, diferentemente, são prováveis e ampliativas. A primeira é, grosso modo, uma generalização, pois infere uma regra geral da comparação entre um caso e um resultado particulares e já conhecidos, quer dizer, diz qual é a propriedade característica de certo conjunto de itens para que possam ser considerados membros de uma coleção. A segunda, por sua vez, de um resultado e uma regra, infere algo sobre um caso particular não observado, quer dizer, diz quais objetos presumivelmente podem ser membros de certa coleção, quer dizer, talvez esses objetos possuam determinadas características. Veja-se o quadro a seguir:



Observe-se que a dedução provável não tem uma forma lógica exclusiva, mas é apenas um raciocínio que, de premissas particulares, conclui pela probabilidade da conclusão. Não há, de toda forma, contradição entre as premissas e a conclusão. O exemplo também evidencia que a dedução não é definida pela passagem do geral ao particular, como é erro comum pensar, pois as premissas são particulares. Na verdade, a definição do raciocínio dedutivo se dá pela passagem da contingência à necessidade, ou, no caso da sua forma provável, uma redução ou delimitação do âmbito de contingência, com a conclusão exprimindo uma possibilidade. Em outras palavras, a dedução só pode ser tão exata e necessária quanto o forem suas premissas.
Peirce sempre defendeu que a dedução é o raciocínio matemático por excelência: o matemático usa a dedução para demonstrar o que decorre ou não de certos diagramas representativos de estados de coisas hipotéticos. A natureza matemática do raciocínio dedutivo fica clara se considerarmos ainda um terceiro tipo de dedução, a dedução estatística, que trabalha com porcentagens definidas, por ele brevemente mencionada, embora não discutida a fundo. No entanto, é possível encontrar em seus escritos exemplos que nos ajudam a compreender as diferenças [EP 2: 298, 1901; NEM 3.I: 194-195, 1911]. Os tipos de dedução são apresentados no quadro a seguir:



Na pesquisa científica, a função da dedução é estabelecer a necessidade das conclusões previstas pela hipótese abdutiva (ou mostrar que não existe necessidade alguma). A dedução diz: de uma sugestão abdutiva, podemos tirar certas conclusões e não outras. Contudo, em aplicações sempre há margem para erros: se as conclusões que tiramos se assemelham ao que fora afirmado nas premissas, então a dedução é válida, mas nada impede raciocinarmos erroneamente [HL 225, 1903]. É “sua aplicação à experiência, ou à experiência possível, [que] abre a porta à probabilidade, deixando para fora a certeza e a necessidade absolutas, in toto” [CP 6.595, 1908]. Portanto, quando raciocinarmos dedutivamente, o erro é apenas teoricamente impossível.
Por isso, a dedução é também um método experimental, apesar de comumente não considerada como tal. O aspecto experimental da dedução é evidenciado por Peirce ao distinguir duas espécies de dedução, por ele chamadas de dedução teoremática e dedução corolarial, que ele considera constituintes essenciais do procedimento matemático. Aqui, não se trata de diferenciar aplicações da mesma forma lógica, mas duas formas distintas de raciocinar dedutivamente.
A dedução corolarial faz exatamente o que seu nome já indica, isto é, explicita um conteúdo não evidente apenas pelo exame daquilo mesmo que deve ser provado (por exemplo, uma tese ou proposição, um diagrama geométrico, um teorema): “se você tomar a tese de um corolário, isto é, a proposição a ser provada, e analisar cuidadosamente seu significado, substituindo cada termo por sua definição, descobrirá que sua verdade segue, de maneira direta e reta, de proposições anteriores analisadas de maneira parecida” [EP 2: 96, 1901]. A dedução teoremática, por sua vez, acrescenta algo de fora, produzindo, com isso, uma alteração na tese inicial. É um procedimento genuinamente experimental, pois modifica o estado de coisas inicial para observar o que possivelmente decorreria caso essa modificação acontecesse. Diz Peirce: “A Dedução Teoremática é aquela que, tendo representado as condições da conclusão num diagrama, realiza um engenhoso experimento sobre o diagrama e, pela observação, do diagrama assim modificado, determina a verdade da conclusão” [EP 2: 298, 1903; ver EP 2: 502, 1909]. Evidentemente, não se trata de mera observação passiva, mas de um procedimento ativo de construir raciocínios. Também é claro que há, aí, um aspecto abdutivo, sinal de que as formas de inferências descritas são, na verdade, diferentes aspectos de uma mesma atividade de pensar e pesquisar.
Assim, em princípio, a abdução abre o campo das possibilidades e a dedução não acrescenta nada, apenas infere, tomando uma hipótese como premissa, predições quanto a resultados experimentais. Ela pode até mesmo acrescentar algo à hipótese, como um experimento. Essas predições devem, não obstante, terem sido dedutivamente estabelecidas, ser testadas, quer dizer, comparadas com os resultados efetivos do experimento. Essa tarefa cabe à indução.

1.1.2.3.    Indução


Peirce distingue três tipos de indução, conforme o quadro a seguir.



Essa diferenciação vem da aplicação da teoria das probabilidades à forma do argumento, tornando a noção de longo prazo essencial: se levado adiante indefinidamente, o método mostrará que as amostras têm uma tendência a mostrar certas características. Usando a teoria das probabilidades, torna-se possível determinar a frequência que essas características apareceriam em outras amostras, estabelecendo uma proporção entre as conhecidas e as desconhecidas, num número indefinido delas, isto é, para o que supomos ser o todo. Em outras palavras, num futuro indefinido a amostragem tenderia a convergir para algum valor definido e, então, podemos usar esse valor para fazer previsões sobre outras amostras. Essas previsões constituem o cálculo da probabilidade objetiva, e são apenas um conhecimento mais ou menos aproximado, um valor que seria verdadeiro sobre certo domínio limitado de fatos. É importante lembrar que Peirce enfatiza o futuro do pretérito (would be), pois só em situações ideais trabalhamos com valores exatos, na prática, sempre trabalhamos com percentuais [NEM 3.I: 186, 1911].
É isto que as diferentes formas de indução mostram: como, a partir de um procedimento de amostragem, “concluímos o que é verdadeiro sobre um todo com base no que é verdadeiro sobre uma parte dele” [NEM 3.I: 182, 1911], passando do raciocínio menos ao mais probabilístico.
A forma mais simples e mais fraca de indução é a crua, chamada também de “indução por simples enumeração” [NEM 3.I: 214, 1911]. Essa inferência apenas extrai uma regra geral com base em poucas observações da experiência comum. Observe-se ainda a proximidade dessa forma com a da dedução necessária: ambas utilizam uma proposição universal, não estatística ou porcentual. Por isso, essa indução é muito facilmente refutável, pois basta uma única amostra diferente para desmontar o raciocínio. Um exemplo conhecido é o dos cisnes brancos. Até o século XVII, a proposição “Todos os cisnes são brancos” era comumente considerada uma verdade necessária na Europa, pois não havia registros de cisnes negros. A existência de cisnes negros, dessa forma, era considerada uma impossibilidade, até que, em 1697, exploradores holandeses avistaram cisnes negros na Austrália. Se tivessem avistado apenas um único, isso já bastaria para a refutação.
A indução quantitativa busca tão-só determinar uma quantidade. Comparando-a com a dedução estatística, percebe-se claramente sua função, qual seja, medir o grau de concordância da teoria com os fatos. Nela, é importante a ideia de peso de evidência, a qual permite considerar em que medida as frequências observadas são representativas das frequências de fato numa dada coleção de itens. É com esse procedimento que fazemos o teste empírico efetivo das sugestões hipotéticas retrodutivamente excogitadas.
Para Peirce, essa é, de longe, a mais forte das formas de indução [NEM 3.I: 183, 1911]. Seguindo a lógica do longo prazo, o método fornece uma mensuração bem delimitada de uma probabilidade objetiva, aproximando-se estatisticamente de uma verdade, como uma assíntota se aproxima tangencialmente de uma curva, mas sem jamais tocá-la. Com o tempo, as inferências tornam-se mais e mais confiáveis, ainda que a certeza absoluta seja inatingível. A certa altura, ele diz preferir, por razões etimológicas, o termo adução a indução, pois aduzir significa pôr em discussão, trazer para o centro da discussão os casos problemáticos e as teorias. Numa palavra, adução é o método de ajuntar informações para averiguar as hipóteses sugeridas [NEM 3/I: 190].
A indução qualitativa, por sua vez, pode ser comparada com a dedução necessária. Trocando de posição as proposições II e III, temos um raciocínio que, se considerado dedutivamente, é falacioso, mas que também pode ser considerado uma forma de inferência provável, pois é a mesma que a de uma abdução. A principal diferença está em que, enquanto a abdução busca por uma explicação teórica para certo conjunto de fatos, a indução qualitativa busca fatos para corroborar a teoria. Ela é, assim, o inverso da abdução e pode ser aproximada à dedução provável propriamente dita:
Na abdução, a consideração dos fatos sugere a hipótese. Na indução, o estudo da hipótese sugere os experimentos que trazem à luz os próprios fatos que a hipótese indicou. O modo de sugestão pelo qual, na abdução, os fatos sugerem a hipótese, é por semelhança – a semelhança dos fatos com as consequências da hipótese. O modo de sugestão pelo qual, na indução, a hipótese sugere os fatos é por contiguidade – o conhecimento familiar de que as condições podem ser realizadas de certas maneiras experimentais. [CP 7.218, 1901].
Mas buscar fatos para comprovar uma teoria previamente adotada não é um raciocínio fingido? Sim, mas a indução não é isso. Ela busca elementos empíricos para testar hipóteses e ideias, sem ter qualquer espécie particular de fatos em vista. O intuito, assim, não é provar ou justificar uma teoria já aceita, mas justamente descobrir se ela é aceitável, quer dizer, se é capaz de fazer boas asserções quanto à conduta futura dos eventos.

1.1.2.4.    Pragmatismo como lógica da abdução


Em 1898, William James deu uma palestra na Universidade da Califórnia, intitulada “Concepções filosóficas e resultados práticos”, na qual ele dizia que “o princípio do pragmatismo” fora inventado por Peirce, que o publicara vinte anos antes, mas sem assim nomeá-lo, no artigo chamado “Como tornar claras nossas ideias” (1878), o segundo da série das “Ilustrações da lógica da ciência”. E, de fato, Peirce não usa o termo “pragmatismo” até James começar a falar dele. Em 1905, numa passagem irônica, ele diz preferir o termo “pragmaticismo” – “feio o bastante para manter-se a salvo de sequestradores” [EP 2: 335] – para distinguir suas ideias das de outros autores alegadamente pragmatistas.
O princípio de 1878, ao qual James remetia, foi originalmente defendido por Peirce como uma máxima para o esclarecimento de termos conceituais. Naquele escrito, ele discutia como proceder para esclarecer o significado de nossas ideias, visando eliminar confusões intelectuais de natureza puramente formal. É esse princípio que ficou posteriormente conhecido como a máxima pragmática. Alguns pontos são importantes.
O referido princípio decorre de uma teoria, atribuída ao filósofo e educador escocês Alexander Bain (1818-1903), segundo a qual uma crença é definida por uma predisposição a agir. Peirce afirma que o pragmatismo é quase apenas um corolário a essa tese [EP 2: 128, 1905]. Com efeito, no artigo antecedente, “A fixação da crença”, aparece que a dúvida é a força motriz da investigação, cujo objetivo é o estabelecimento da crença [W 3: 247 seq.]. A irritação da dúvida nos impele a pesquisar, insatisfeitos que ficamos com nossas opiniões, num processo só chega ao fim quando outra opinião capaz de sanar a dúvida é alcançada, seja ela verdadeira ou falsa. A verdade, por si só, não é capaz de nos impelir a investigar ou sanar nossas dúvidas, porque é independente de nós. Daí a importância do método: não basta fixar a crença, é preciso fixar crenças verdadeiras.
Essa concepção de pesquisa científica é muito distante do espírito do cartesianismo. Em primeiro lugar, a investigação não começa de qualquer maneira, arbitrariamente, mas apenas se houver um motivo real: “Tem de haver uma dúvida real e viva, sem a qual toda discussão é conversa fiada”; ou ainda: “Não finjamos duvidar na filosofia daquilo que não duvidamos nos nossos corações” [W 3: 248, 1878; W 2: 212, 1868]. Segundo, a certeza não é buscada como se estivesse no fim, pois está no começo: uma vez que fingir a dúvida é artificial, temos de iniciar a pesquisa com tudo o que temos, com todas as nossas opiniões, as quais só serão abandonadas se a investigação exigir, pois “se as premissas não são de fato absolutamente postas em dúvida, não podem ser mais satisfatórias do que já são” [W 3: 248, 1878]. Terceiro, não faz sentido continuar duvidando de uma ideia depois que ela foi investigada e coletivamente aceita: “Quando cessa a dúvida, a ação mental sobre o assunto chega a um fim; e, se continuasse, não teria propósito” [id.]. Nesse momento, é preciso seguir adiante. Só uma outra dúvida pode recomeçar o processo de investigação.
Ora, a essência da crença, diz Peirce, “é o estabelecimento de um hábito; e diferentes crenças são distinguidas pelos diferentes modos de ação que ocasionam” [W 3: 263, 1878]. A dúvida, por ser uma interrupção de nossos hábitos mentais, paralisa a ação. Uma crença, por restaurar um hábito, quer dizer, uma regra geral ou padrão ativo em nós, permite a retomada da ação. Se a função do pensamento, como ele diz, é guiar nossas ações, esclarecer hábitos de pensamento é esclarecer regras de ação: quais espécies de hábitos levam a quais modos ou espécies de ação? Aí está o problema central do pragmatismo para Peirce: determinar como agiríamos, não apenas em situações prováveis e factíveis, mas em quaisquer situações possíveis, inclusive nas mais improváveis [W 3: 265, 1878].
Consequentemente, “não há distinção de significado tão fina que não consista em algo mais do que tão-só uma possível distinção de prática” [idem]. A ação, nesse sentido, é o modo de ser externo e público do que se passa interna e privadamente “em nossos corações”. Para atingir o máximo grau de clareza nas nossas concepções, é necessário ver aonde nos levariam na prática, quer dizer, qual curso de ação possivelmente decorreria delas. Esse é o sentido da máxima, cuja primeira formulação é a seguinte: “Considerem-se quais efeitos, que poderiam concebivelmente ter consequências práticas, concebemos que tenha o objeto de nossa concepção. Então, nossa concepção desses efeitos é o todo de nossa concepção do objeto” [W 3: 266, 1878].
Lida assim, isoladamente, essa passagem é bastante difícil. Mas, pelo contexto, captamos a sugestão de um verificacionismo, pois logo em seguida o autor acresce: “nossa ideia de qualquer coisa é nossa ideia de seus efeitos sensíveis” [id.]. Esses efeitos sensíveis, junto ao uso reiterado de “conceber”, dá à máxima um tom psicologista que Peirce, posteriormente, buscará eliminar. Mas a expressão “consequências práticas” [practical bearings], relacionada à discussão sobre hábitos como regras de ação, deixa entender que as consequências práticas têm a ver com implicações para nossa conduta futura. Veja-se, por exemplo, uma reformulação de 1905: “O teor intelectual inteiro de qualquer símbolo consiste no total de todos os modos gerais de conduta racional que, condicionalmente sobre todas as possíveis e diferentes circunstâncias e desejos, decorreriam da aceitação do símbolo” [EP 2: 346]. Toda referência a uma consciência é eliminada, em nome da ênfase em um processo lógico e racional de produção de significação possível, conforme, inclusive, aos princípios estabelecidos nos anos de 1860. Além disso, fica clara a ideia de não se tratar apenas de mero critério verificacionista de significação, mas de uma máxima simultaneamente lógica e ética, pois versa sobre como deveríamos agir uma vez que aceitamos certos hábitos de pensamento ou convenções significativas.
Esse sentido fica mais claro quando Peirce retorna ao tema após James começar a falar do pragmatismo em suas palestras. Um ponto ele sempre defendeu, a saber, a máxima pragmática é primeiramente um princípio lógico relevante para o método científico, e não para a psicologia. A principal – senão a única – função da máxima é ajudar-nos a selecionar hipóteses, o que faz do pragmatismo uma lógica da abdução [HL 249, 1903]. O uso que ele faz da máxima, para esclarecer conceitos como verdade, realidade, probabilidade etc., é revelador disso. De fato, se testamos experimentalmente uma teoria que cremos verdadeira, esperamos acontecer certos efeitos, isto é, certas consequências práticas. Se nada do que esperamos ocorre, a máxima nos diz que há nas nossas concepções algo não condizente com o observado, e isso influencia não apenas nosso modo de pensar, mas sobretudo nosso modo de agir. Se lembrarmos que a abdução não possui segurança lógica alguma, a ligação com as outras formas inferenciais fica clara: a máxima permite distinguir os significados de duas diferentes sugestões abdutivas mostrando como cada uma poderia influenciar de maneira diferente nossa conduta prática. Esse é o sentido geral de sua filosofia, o qual se depreende desde seus primeiros escritos. Não à toa, Peirce insiste que chegou a formular o pragmatismo por uma via dupla: a filosofia kantiana (lembre-se, por exemplo, a distinção entre o imperativo prático e o pragmático), por ele conhecida desde a mais tenra juventude, e seu treinamento de cientista em laboratórios experimentais [EP 2: 330-333, 1905].

1.2.    Realidade e verdade


Desde seus primeiros escritos, Peirce já se proclamava adepto de um realismo escolástico inspirado em J. Duns Scotus (c. 1266-1308), considerado um dos mais importantes filósofos da Alta Idade Média, junto com Tomás de Aquino (1225-1274) e Guilherme de Ockham (1287-1347). Com efeito, ele não só foi um dos melhores intérpretes no século XIX da querela medieval dos universais, como pode ser considerado, até hoje, um dos maiores críticos do nominalismo na filosofia ocidental.
A questão sobre a realidade dos universais é claramente enunciada já no segundo artigo da Série Cognitiva, bem como a diferença entre as perspectivas nominalista e realista. Nominalistas e realistas aceitam haver uma realidade independente do saber humano, mas os nominalistas só reconhecem a realidade de entes individuais. Na famosa fórmula de Roscelino de Compiègne (c. 1050-c. 1125), um termo universal é um mero flatus vocis, um sopro ou emissão vocal, não é uma res, uma coisa. Assim, existem apenas homens reais, mas não a humanidade. O mesmo vale para todos os outros termos que designam os gêneros e as espécies, como “animalidade”, “corporeidade”, “substância” etc. Os realistas, diferentemente, afirmam que termos universais correspondem a genuínas realidades além de entes individuais, ou seja, há universais reais. [W 2: 239 seq., 1868].
Em 1871, Peirce escreveu uma resenha de uma edição das obras de G. Berkeley, na qual fazia uma genealogia da filosofia moderna, mostrando suas raízes na querela dos universais. Ali, desenvolveu melhor a crítica ao nominalismo já contida nos escritos anteriores. É o nominalista, na verdade, quem crê em ficções, justamente porque crê ser necessário apontar para entidades individuais referenciadas pelos termos universais [W 2: 467 seq., 1871]. Duas razões pelas quais ele considera o nominalismo equivocado merecem destaque. Primeiro, porque embora reconheça a existência de objetos externos, a teoria nominalista torna-os demasiado relativos a determinações internas privadas, quer dizer, às ideias na mente de algum sujeito. Segundo, por reconhecer apenas a realidade de entes individuais, acaba por reduzir a realidade à existência, confundindo-a com um agregado de indivíduos. Por conseguinte, a única concepção de verdade coerente com essa teoria é a de cópia (mental) de objetos singulares: a verdade está na adequação pontual dos termos, ideias ou concepções com os objetos externos. O que dizer, então, das leis da natureza, como, por exemplo, a da gravitação universal – é verdadeira ou não? Representa algo de real ou não?
Em primeiro lugar, realidade e existência são coisas diferentes. Recuperando uma noção que pode ser rastreada de volta pelo menos a Platão, Peirce lembra que “tudo que existe, ex-sists, quer dizer, age realmente sobre outros existentes, logo, obtém uma auto-identidade, e é definitivamente individual” [EP 2: 342, 1904; lembre-se a teoria do do self de 1868]. Já real, por sua vez, é uma noção bem mais recente: “realis e realitas [são termos] filosóficos inventados no século XIII”. É real “aquilo cujas características são independentes de o que qualquer pessoa possa pensar que sejam” [W 2: 469, 1878; ver também EP 2: 342], ou, em outras palavras, “um ens que permaneceria em longo prazo” [W 2: 239, 1868]. Mantendo essa definição durante toda a vida, Peirce a aperfeiçoa, de modo a enfatizar a irredutibilidade do real ao imediatamente existente. Esse é um ponto distintivo de seu realismo:
Dizer que uma coisa é Real é simplesmente dizer que certos predicados que são verdadeiros para ela, ou alguns deles, o são independentemente de o que qualquer pessoa ou pessoas existentes possam pensar acerca dessa verdade. Sob esse único aspecto, a incondicionalidade constitui o que chamamos Realidade [EP 2: 457, 1911].
A realidade, portanto, não se esgota num hic-et-nunc incontornável, estendendo-se ao âmbito das possibilidades. A realidade inclui o âmbito do que aconteceria, quer dizer, do que possivelmente teria certos predicados, independente do que qualquer um de nós pensemos efetivamente agora [EP 2: 456, 1911]. Essa é sem dúvida uma definição formal. Submetida ao método científico, porém, conseguimos entender o que ela significa na prática. Usando a máxima pragmática, descobrimos que o principal efeito concebível do real para nós é sua capacidade de nos obrigar a crer nele, isto é, de fixar certas opiniões. Ora, as crenças causadas pelo real remetem a algo que independe de determinações subjetivas individuais e, assim, exercem sobre nós um poder coercitivo. É claro que nossas ficções mentais podem ou não ser verdadeiras, mas a crença causada por um objeto externo e independente de mim não pode ser mudada por um ato de volição. A crença assim causada é verdadeira, porquanto o que ela representa, então, é o real.
Na história da filosofia, a definição de verdade pelo acordo entre os fatos e as representações dos fatos remonta pelo menos a Tomás de Aquino [De ver. Q. 1, a. 1]. De fato, Peirce não refuta essa noção, mas recusa-a por ser “apenas uma definição nominal” de verdade [EP 2: 379, 1906], quer dizer, afirmar que a verdade está no acordo da representação com o objeto representado é apenas um truísmo. Para ele, é preciso ir além e explicar como é possível conhecermos a verdade, interpretando o conceito do acordo entre fatos e representações de fatos teleologicamente:
A verdade é aquela concordância de uma declaração abstrata com o limite ideal para o qual a investigação infinita tenderia a trazer a crença científica, concordância esta que a declaração abstrata pode possuir em virtude de confessar sua imprecisão e unilateralidade, o que é um ingrediente essencial da verdade [CP 5.565, 1901].
Observe-se: não se trata de uma verdade “absoluta”, inatingível aos humanos. A definição de verdade como limite da investigação é justamente o contrário, pois admite correções e revisões. Compare-se essa ideia uma metáfora cara à crítica ao espírito do cartesianismo: “Os raciocínios [da filosofia] não devem formar uma cadeia que não é mais forte do que seu elo mais fraco, mas um cabo, cujas fibras podem até ser as mais finas, desde que sejam suficientemente numerosas e estejam intimamente entremeadas” [W 2: 212; 239, ambos de 1868]. Ora, embora alguns fios possam se romper, o cabo permanece. O mesmo se dá na investigação científica: qualquer investigador individual pode errar sem comprometer todo conhecimento produzido pela comunidade de investigadores, pois a verdade, se indeterminada presentemente, não obstante permanece determinável em algum ponto no futuro. Ela é, assim, como um ideal regulativo da investigação, condizente, aliás, com a regra primeira da razão, a saber, a vontade de aprender e corrigir os próprios erros:
Desta primeira, e, em certo sentido, única regra da razão, segundo a qual para aprender você deve desejar aprender, e, em assim desejando, não estar satisfeito com o que você já se inclina a pensar, decorre um corolário que por si só já merece ser inscrito sobre toda a muralha da cidade da filosofia: Não bloquear o caminho da investigação [EP 2: 48, 1898].
Por só poder ser conhecida no futuro, pela comunidade dos investigadores, a verdade “deve ser algo público”, quer dizer, cognoscível por qualquer investigador que siga os métodos corretos, embora nenhum investigador presente possa alegar conhecê-la definitivamente [SS 73, 1908]. Como como ideal regulativo para a comunidade de investigadores, a verdade também serve de norma para as ações dos investigadores atuais, que agem, assim, em função da continuação da pesquisa: se é possível determinar verdades parciais e prováveis, é possível confiar na resolução dos problemas pela investigação futura. Em tese, portanto, a investigação nunca terminaria, pois as opiniões alcançadas podem sempre ser revisadas em função de novas informações e da complexificação do conhecimento e dos métodos [EP 2: 379-380, 1905; 419, 1907].3 
Com o tempo, Peirce passou a formular seu pragmatismo de modo a eliminar alguns pontos fracos, principalmente, segundo sua autocrítica, o psicologismo contido na maneira como ele descrevia a relação entre crença e hábito e a dificuldade em entender a realidade das possibilidades [EP: 456-457]. Com efeito, esse é o ponto que ele considera mais importante e que define seu pragmatismo:
Ora, que o significado total da predicação de um conceito intelectual consiste em afirmar que, sob todas as circunstâncias concebíveis de certa espécie, o sujeito da predicação se comportaria (ou não) de certa maneira – quer dizer, ou seria ou não seria verdadeiro que sob dadas circunstâncias empíricas (ou sob uma dada proporção delas, consideradas conforme ocorreriam na experiência) certos fatos existiriam – essa proposição eu considero ser o cerne do pragmatismo [EP 2: 402, 1907].
Como se vê, a questão principal do pragmatismo peirciano sempre foi explicar a objetividade do nosso conhecimento [W 2: 271-272, 1869; 470, 1871; EP 2, 1907]. Não se trata de uma teoria da verdade ou de uma genérica filosofia de vida. Trata-se de uma questão de metodêutica, como ele dizia: a aplicação da máxima pragmática ao conceito de verdade mostra que o caráter de permanência do real força a convergência das opiniões para uma direção definida, desde que o método correto – o científico – seja empregado [EP 2: 347, 1905]. Por isso, o pragmatismo não é exatamente um positivismo, mas um prope-positivismo, quer dizer, um positivismo ampliado, sem limitações definidas [EP 2: 334, 339, 1905].
No artigo sobre a fixação da crença, ele distingue três métodos de apaziguar a irritação da dúvida e fixar nossas crenças [W 2: 249-254, 1878], antes de falar do científico.
A] O método da tenacidade consiste em apegar-se a uma opinião e não a abandonar, “reiterando-a constantemente para nós mesmos, radicando sobre tudo que possa conduzir a essa crença e aprendendo a olhar com desdém e ódio para qualquer coisa que possa perturbá-la” [W 2: 249, 1878]. Esse método é bastante comum, favorecido por “estados mentais indecisos, cujo exagero resulta num vago horror à dúvida” [id.]. No entanto, não resiste ao confronto com opiniões diferentes: “o impulso social é contra ele” [W 2: 250]. O reconhecimento de que as opiniões de outras pessoas podem ser tão boas quanto as próprias eleva a pessoa tenaz, quando estiver “num momento mais são”, a reconhecer que a adesão incondicional a uma opinião representa um perigo, o da extinção da própria espécie, e a relativizar suas opiniões.
B] O método da autoridade, “desde eras as mais primevas, sempre constou dentre os principais meios de sustentar doutrinas políticas e teológicas corretas, bem como de preservar sua natureza universal ou católica” [W 2: 250]. Usado por instituições para controlar indivíduos, esse método consiste em esconder informações, manter as pessoas na ignorância, perseguir as vozes polêmicas e proibir o dissenso, não raro perpetrando as mais terríveis crueldades. Peirce chega a dizer que, “para a massa da humanidade, talvez não haja método melhor” [W 2: 251]. Mas, embora seja coletivamente mais eficiente que o da tenacidade, ele falha por ser contrário ao “sentimento social” possuído por alguns indivíduos que se elevam acima da mediocridade da massa: nenhuma instituição consegue controlar todas as crenças, sobre todos os assuntos, durante o tempo todo, para todas as pessoas. Aos poucos, algumas delas vão tomando consciência das diferenças entre as crenças, em diferentes épocas e culturas, e, assim, começam “a somar dois e dois”, abandonando a disposição para as crenças impostas à força pelas instituições. Daí para essa desconfiança se alastrar a toda a coletividade basta um triz.
C] O método mais comum entre os diversos “sistemas de metafísica” é denominado a priori, pois tenta fixar as crenças que parecem mais “condizentes com a razão”, ou seja, ignorando a experiência efetiva. Por isso, o método a priori não apenas busca produzir uma disposição para certas crenças, como também estabelece um critério para decidir quais crenças devem ser adotadas. Mas, assim como as preferências estéticas – os gostos [tastes] – os critérios de racionalidade variam com o tempo. Além disso, o “choque de opiniões” [EW 2: 251] também leva ao enfraquecimento das crenças adotadas a priori, o que inevitavelmente leva à dúvida. Embora superior aos outros em alguns aspectos, esse método também é insatisfatório, pois é falacioso: nada garante que a verdade seja condizente com a razão de qualquer investigador ou época específicos.
D] De todos os discutidos, o método científico é, para Peirce, o mais eficiente na fixação de crenças, pela razão de que elas não são fixadas por fatores humanos, “mas por alguma permanência externa – por algo sobre o qual nosso pensar não tem efeito” [W 2: 253]. Não se trata, obviamente, de uma intuição mística, pois essa só se manifesta a alguns indivíduos. Trata-se de uma permanência externa capaz de afetar a todos, de tal modo que o método produza uma opinião coletiva. É claro que, aqui, Peirce está falando da realidade, tal como anteriormente definida.
Apenas o real fixa a crença satisfatoriamente; e o método científico é o único que leva isso em conta. No entanto, os outros métodos não são de per se inválidos. O método a priori pode gerar mais tranquilidade, pois é de sua natureza favorecer as crenças às quais já estamos inclinados. O método da autoridade sempre será preferido institucionalmente e talvez consiga por um tempo manter a paz e a estabilidade social. E o método da tenacidade é o mais direto e simples. Apenas o científico, no entanto, estabelece um critério objetivo, publicamente verificável, para distinguir entre raciocínios válidos e inválidos, deixando aberta a possibilidade de reconhecimento do erro. Nenhum dos outros métodos consegue garantir que seus resultados sejam capazes de coincidir com os fatos. O método científico, diferentemente, coloca a verdade como meta da investigação e a mudança de hábitos como seu motor.
Essa concepção de método científico levará Peirce, posteriormente, a formular melhor um realismo não de termos universais, mas de continuidades gerais. Com efeito, para ele, o próprio Duns Scotus “estava separado do nominalismo pela divisão de um fio de cabelo” [W 3: 466, 1871], presumivelmente por depender da lógica aristotélica, essencialmente uma lógica de termos categoriais. Por volta de 1898, depois de uma longa exposição de sua lógica dos relativos, ele apresentou a questão que considerava crucial para o debate: “Existem continua que são reais? ” [NEM 4: 343]. Defendendo que a noção de continuidade está intimamente ligada à de possibilidade, ele se esforça por fundamentar uma ontologia hipotética – “[a realidade] é apenas uma retrodução, uma hipótese de trabalho, nossa ligeira e desesperada esperança de conhecer qualquer coisa” [id.] – sobre uma nova lógica.

2.    Uma nova lógica para uma nova metafísica


O devido lugar de Peirce na história da lógica ainda está para ser reconhecido. O que considera-se fora de discussão, porém, é que sua obra pode ser considerada no mesmo patamar que a de outros notáveis lógicos de sua época, como G. Boole, G. Frege ou G. Peano, seja em termos de influência ou de contribuições originais. Além disso, é certo que nenhum outro pensador do século XIX o ultrapassa em conhecimento histórico da disciplina.4
Peirce começa seus estudos de lógica bastante cedo. Segundo ele mesmo conta, apaixonou-se pela matéria ainda garoto, após conhecer o livro de R. Whately, Elements of logic (1821), e nunca mais deixou de estudá-la. Todavia, suas contribuições mais conhecidas podem ser encontradas num grupo de trabalhos circunscritos a um curto período de mais ou menos cinco anos (1879 a 1884/1885), coincidindo com o único período em que foi professor universitário, contratado – para lecionar física – na então recém fundada Universidade Johns Hopkins. Nesses anos, alcançou notáveis resultados de pesquisa em lógica e matemática, dentre os quais podemos citar: editou a obra de seu pai, Benjamin Peirce, Álgebra linear associativa, acrescentando uma demonstração de que qualquer álgebra linear associativa pode ser apresentada em forma relativa (matricial) [W 4: 319-322, 1881], além de uma outra, de que há somente três álgebras associativas nas quais a divisão não é ambígua [W 4: 322-327, 1881]; trabalhou sobre os fundamentos da teoria dos reticulados, defendendo que todos os reticulados são distributivos [W 4: 163-209, 1880]; demonstrou que a completude funcional do cálculo booliano pode ser obtida com um único conectivo, quer dizer, descobriu uma maneira de reduzir todos os conectivos lógicos a apenas um, ao qual chamou ambifaca [ampheck, do grego amphéchês, que corta de dois lados], posteriormente conhecido como flecha de Peirce5  [W 4: 218-221, 1880-1881]; desenvolveu uma bem sucedida axiomatização dos números naturais, na qual também chegou a uma definição de conjunto finito [W 4: 299-309, 1881]; fez importantes contribuições à estatística, trabalhando sobre a teoria das probabilidades e a teoria geral da indução [W 4: 408-450, 1883, cujos desenvolvimentos já foram aqui abordados]; elaborou um método de análise vero-funcional, descobrindo o que Lukasiewicz chamou lei de Peirce (cuja expressão pode ser a da fórmula ((P→Q)→P)→P ), no mesmo artigo em que deu sua versão final para o uso de quantificadores [W 5: 162-190, 1885], independente e apenas poucos anos depois de Frege, considerado o primeiro a definir a quantificação moderna.6 É impossível resumir todas essas contribuições aqui. Apenas o tema dos quantificadores será apresentado, não somente por sua importância histórica, como também para a concepção geral de lógica e a teoria das categorias de Peirce.
O contexto de Peirce é marcado por duas inovações importantes, a saber: a lógica das relações, inaugurada por A. De Morgan (1806-1871), a qual estuda todo tipo de relações, tais como identidade, diferença, afinidade, equivalência etc., entre termos (por isso, Peirce prefere dizer lógica dos relativos); e a invenção da álgebra da lógica, atribuída a G. Boole (1815-1864), o primeiro a usar o simbolismo e as operações da matemática para “calcular” a validade dos argumentos, dando à lógica suas feições atuais.
Comecemos pelo segundo. Para Peirce, Boole teria subordinado a lógica excessivamente à matemática. Com efeito, seus trabalhos mais importantes inserem-se no limiar entre as duas disciplinas. Para ele, o cálculo, na lógica, nada mais é que mero instrumento, pois inferências lógicas não são operações matemáticas. Se a álgebra se ocupa de equações, isto é, busca estabelecer a igualdade entre quantidades, a noção lógica fundamental é a de implicação (se..., então...), coisa bem diferente [Cf. W 4: 21-22, 1879]. Por isso, Peirce prefere seguir Schroeder e dizer “lógica exata” [EP 2: 31, 1898; EP 2: 79, 1901; EP 2: 198, 1903] em vez de “lógica matemática”, como hoje em dia é comum, aliás. Para ele, o uso de um simbolismo com significados definidos arbitrária e precisamente à maneira da matemática é apenas um meio, porquanto a finalidade precípua da lógica é estudar o processo de demonstração da conclusão da maneira mais exata possível. Para tanto, o uso de métodos matemáticos de raciocínio é sobremaneira profícuo. Daí que a lógica seja uma ciência quasi-necessária, quer dizer, como se fosse necessária, pois o objetivo não é, como pretendia Boole, construir um cálculo “semi-mecânico” de pensamento [CP 3.425, 1896; CP 3.616, 1902].7 
Já em 1870 [W 2: 359-429], ele inventa um símbolo novo para a relação lógica de ilação, ou inclusão (≺), em vez do signo de identidade (=) usado por Boole. Com ele, consegue definir a noção de produto relativo: o de “irmão de” e de “irmão do pai de” é “irmão do pai de”, quer dizer, “tio paterno”, uma noção nova não contida nas outras, mas inferida da relação entre elas. Depois, mostra como trabalhar com expressões do tipo “amante de toda mulher”, ou ainda, “amante de um servo de uma mulher”, combinando, dessa forma, relações entre termos que representam classes gerais e relações entre relações. Por fim, introduz expressões relacionais com três ou mais lacunas para inserção de variáveis, como, por exemplo “doador de ____ para ____” ou “comprador de____para____vindo de_____”. Ele chama essas expressões de “termos conjugativos”, dizendo que “consideram um objeto como um meio ou terceiro entre dois outros” [W 2: 365].
Com isso, ele consegue resolver um problema caro a De Morgan, o da quantificação do predicado. Mas ele faz isso mudando os próprios termos do problema, pois descarta a estrutura proposicional da lógica tradicional. Nisso, percebe-se claramente a influência de sua formação de químico: proposições são como moléculas e átomos e devem ser entendidas e classificadas segundo suas possibilidades combinatórias, isto é, de acordo com o número suas valências, ou, em outras palavras, segundo sua saturação. Numa proposição, nas lacunas disponíveis podemos inserir índices, ou signos cuja função é a de um dêitico, quer dizer, apontar para um item específico, o sujeito de discurso, aquilo de que se fala. A proposição toda passa a ser entendida como um predicado, isto é, ela é apenas a forma das relações entre diversos sujeitos possíveis. Na sua teoria plenamente desenvolvida, ele chega a uma classificação dos relativos segundo o grau de saturação, do grau zero numa expressão totalmente insaturada à polisaturação em expressões com mais de uma lacuna, ad infinitum [EP 2: 172-173, 1903; ver também p. 221, 1903]. Como exemplo, as estruturas proposicionais básicas são apenas três:
A)    Uma mônada é uma expressão ou termo com uma única valência. Exemplo: “A dá ___ a C”; “___ dá B a C”; “A dá B a ___”.
B)    Uma díada é uma expressão ou termo com duas valências. Exemplos: “___ dá ___ a C”; “A dá ___ a ___”; “___ dá B a ___”.
C)    Uma tríada é uma expressão ou termo com três valências. Exemplo: “___ dá ___ a ___”.
Quando completamente saturadas, qualquer uma dessas estruturas torna-se uma médada (do grego méden, nada), isto é, uma expressão ou termo sem lacuna, por exemplo: “A dá B a C” ou “A é B”.
Em 1870, Peirce já sabia como lidar com a quantificação em expressões insaturadas, mas ainda não tinha signos específicos para quantificadores. Quer dizer, ele ainda não conseguia exprimir simbolicamente, de maneira adequada, proposições hipotéticas e particulares, como “Se Sócrates é homem, então é mortal”, por exemplo. Para tanto, ele precisava simbolizar adequadamente termos relativos monádicos, quer dizer, com apenas uma única lacuna, a partir do que conseguiria simbolizar relativos de adicidade superior, quer dizer, expressões com duas ou mais valências a ser preenchidas por índices. Ele chega a esse simbolismo em 1883 [W 4: 454-455].8
No simbolismo peirciano, os índices podem ser relacionados para significar exatamente em qual relação estão e qual ordem. Assim, por exemplo, se a designa a relação de “amar”, ele escreve aij para “i ama j”, onde i e j são índices numa díada, isto é, indicam os sujeitos numa relação dual. Ele consegue, então, exprimir facilmente certas situações: relações de reflexividade, ou, em vocabulário mais atual, simétricas (aii vale para “a se ama a si mesmo”); suas inversas (a equação bji = aij vale para “j é amado por i”); a visualização de relações, ou predicados, binários ou superiores (cijk representa “i dá j a k”, seu exemplo predileto). Com isso, fica definitivamente incorporada à lógica a noção algébrica de variável individual.

Mas como simbolizar proposições do tipo “Todo mundo ama Chaplin” ou “Todo mundo ama alguém”? Índices podem significar itens específicos, mas “todo” é geral e “algum” é vago. Para resolver a dificuldade, ele inventa símbolos para os quantificadores. Na sua notação, as letras gregas P – inicial de “produto” – e S – inicial de “soma” – significam, respectivamente, o quantificador universal e o quantificador existencial. O primeiro é definido com a ajuda da conjunção, ou produto lógico, e o segundo com a ajuda da disjunção inclusiva, ou soma lógica. Por exemplo, se x designa uma propriedade qualquer:

1.    Seja Pixi = xjxkxl..., Pixi significa que x é uma propriedade de todos os indivíduos designados por i. Por exemplo, “Todos os homens são mortais” significa que Sócrates e Platão e Chaplin e eu e vocês... somos todos mortais.
2.    Seja Sixi = xj + xk + xl + ..., Sixi significa que x é uma propriedade de pelo menos um dos indivíduos designados por i. Por exemplo, “Alguns homens são filósofos” significa que Sócrates ou Platão ou Descartes ou Mozart ... são filósofos.
As proposições “Todo mundo ama Chaplin” e “Todo mundo ama alguém” podem então ser expressas respectivamente por iaic (c designa o indivíduo Chaplin) e ijaij (j para jemand, alguém, em alemão; mas é claro que qualquer outra letra funcionaria como um índice). O simbolismo de Peirce, apesar de muito efetivo, não foi conservado, e suas ideias podem mesmo ser consideradas heterodoxas hoje em dia, porquanto ele enfatiza as propriedades numa lógica de predicados.
Com esses argumentos e definições, Peirce abandona definitivamente a lógica baseada em relações de oposição pura e simples, como a silogística tradicional, bem como reconhece que há diferentes maneiras, de utilidade relativa, para representar relações lógicas. Ele prefere, em vez da notação algébrica, uma representação visual, a qual deixa ver claramente o tipo de irredutibilidade que ele se esforça por explicar. É o que mostra a figura 1:



Figura 1: Formas de representação gráfica de relações desenhadas por Peirce. EP 2: 364, 1905.


O propósito por ele atribuído à representação gráfica é dar “uma figuração em movimento do pensamento [...] na sua essência, livre de acidentes fisiológicos ou outros” [CP 4.8, c. 1906]. Esse é o princípio de sua teoria dos grafos existenciais, um sistema gráfico de diagramas lógicos que ele considera muito superior em expressividade à notação algébrica [CP 4.617, c. 1905]. A principal razão alegada em favor dos grafos é que, construídos segundo certas regras, esses diagramas permitem a visualização de passos inferenciais do raciocínio necessário, ou, em outras palavras, permitem a visualização da operação de implicação lógica nos passos do raciocínio [CP 4.424, 435, 1903]. Com apenas duas regras básicas de inferência – inclusão e corte – ele conseguiu construir: a) um sistema adequado para a lógica sentencial (sistema Alfa); b) um sistema adequado para o cálculo de predicados de primeira ordem (sistema Beta); e c) um sistema de lógica modal (sistema Gama). É impossível aprofundar o assunto aqui, mas pode-se ter uma ideia da representação do movimento do pensamento com o diagrama a seguir:9



Com isso, Peirce ainda crê ter recusado o psicologismo na lógica de maneira mais adequada, pois a representação gráfica do pensamento evidencia que um suporte fisiológico ou humano é prescindível para sua manifestação – signos externos, materialmente instanciados, bastam [ver seção 3.2.3.1]. De fato, pelo estudo de sua lógica conseguimos ver suas preocupações ontológicas de fundo: os grafos permitem exprimir não apenas objetos, mas também as relações entre eles, a continuidade de seus vínculos uns com os outros. Essas questões ficarão mais claras na discussão sobre as categorias.


2.1.    Categorias


No contexto jurídico em que nasceu, a palavra grega kategorein significava acusar alguém de algo. Disso, passou ao vernáculo e, dele, ao vocabulário filosófico, significando algo como possuir a propriedade de. Aristóteles, o primeiro filósofo a sistematizar o estudo das categorias, trabalha com essa concepção: categorizar é predicar, dizer de algo que é ou não é de certa maneira, que possui ou não possui certo atributo. Em outras palavras, o estudo das categorias é o estudo das diferentes maneiras pelas quais um predicado – um atributo, uma qualidade, um acidente – pode ser relacionado com um sujeito. Daí que a forma lógica da proposição categórica aristotélica seja “S é P”: se digo “o homem é animal”, estou dizendo que há um ser que pode ser categorizado genericamente como animal, ou, dito diferentemente, que há ao menos um indivíduo que pertence à classe dos animais; se digo “Sócrates corre”, digo que há um ser, neste caso especificamente denominado, que realiza uma ação. Proposições categóricas, portanto, mostram uma correspondência entre a linguagem e o mundo: a cada termo da linguagem, corresponderia um ente no mundo.
Mas, o que dizer de termos que nada nomeiam no mundo, como todos, e, se, necessariamente, talvez, nem sempre etc.? Na Idade Média, esses termos foram chamados sincategoremáticos, ou cossignificantes, isto é, só têm significado quando ligados a outros no discurso, não são categoremáticos, não remetem ao mundo. Apenas termos capazes de significar entes ou classes de entes específicos podem ser categoremáticos. Como se vê, a discussão sobre as categorias aristotélicas é fundamental para o debate entre nominalistas e realistas.
Na filosofia moderna, o interesse pelas categorias ressurge fortemente com a filosofia de Kant, o qual criticava duramente Aristóteles, pois este teria feito uma lista meramente arbitrária de categorias. Seu método seria muito mais seguro: derivar as categorias das formas dos nossos juízos. Quer dizer, da estrutura lógica do ato de julgar, considerado o ato mental mais elementar, originam-se categorias, as quais nada mais são do que formas mentais mais elementares de relacionar os objetos de conhecimento. Elas não são ideias inatas, mas formas puras e abstratíssimas de pensar, de ligar conceitos que tiramos da experiência. Sua natureza é puramente ideal, quer dizer, subjetiva e interna, e não objetiva. Kant, como praticamente todos os filósofos modernos, é um mentalista.
Todo o esforço de Peirce está em afastar-se dessa concepção. Se, por um lado, é correta a ideia de fazer da lógica a base da metafísica, buscando derivar as categorias de formas lógicas universais [W 1: 490, 1866; EP 2: 30-31, 1898], por outro, porém, as categorias kantianas não conseguiriam garantir a objetividade do conhecimento por serem derivadas de formas subjetivas do juízo. Na verdade, ele censurava a todos os lógicos da “escola alemã”, quer dizer, praticamente todos os lógicos e filósofos alemães seus coetâneos, por confundirem juízos com proposições [EP 2: 424, 1905; CP 8.189, 1904; EP 2: 311, 1904]. Daí a necessidade de mudar de estratégia.
A estratégia de Peirce tem dois movimentos. Primeiro, como dito, ele busca fundamentar logicamente as categorias, mostrando como elas derivam de formas lógicas objetivas. No entanto, a demonstração lógica das categorias nunca chegou a ser completada a contento do próprio Peirce, que parece ter conseguido dar uma demonstração gráfica, mas não algébrica, de suas teses.10  Em função disso, ele tenta uma validação ou justificação fenomenológica, quer dizer, empírica, das categorias, no que foi mais bem-sucedido.
Sendo assim, sua primeira tentativa de derivar as categorias da forma lógica proposicional assume forma definitiva em 1867, no artigo “Sobre uma nova lista de categorias”. Nesse artigo, ele identifica cinco categorias, a saber, da mais mediada à mais imediata: ser, qualidade, relação, representação, substância [W 2: 54]. Posteriormente, ele abandonou a primeira e a última, mantendo apenas as três categorias intermediárias, “formas elementares de predicação ou significação” [EP 2: 424].
Nesse escrito, estrutura de sujeito e predicado da lógica aristotélica ainda é utilizada. Mas, conforme aprofunda o estudo sobre lógica dos relativos, Peirce passa a defender, cada vez com mais convicção, a necessidade de ampliar a lógica, de modo a considerar as mais fundamentais formas de inferência, bem como “todas as elementares e significativas diferenças de forma entre signos de toda sorte” [EP 2: 424] possíveis de ser usadas na construção de raciocínios. Mas como abandonar a lógica tradicional sem perder as categorias?
Como vimos, a lógica dos relativos é composta por termos conjugativos, ou, simplesmente, relacionais. Assim, por exemplo, uma mônada – “___ é azul” ou “todo homem ama ___” – pode exprimir uma qualidade, uma propriedade de algo. Por ter uma única lacuna, só pode representar uma relação de singularidade, e pode ser preenchida por um nome próprio ou qualquer outro signo de natureza indicial. Uma mônada representa, assim, “algo que é o que é sem referência a qualquer outra coisa dentro ou fora dela, independente de toda força e toda razão” [CP 2.85, 1903].
O leitor já pode antecipar, então, que uma díada representa uma relação binária, ou diádica, como prefere Peirce. Assim, por exemplo, “___ ama ___ ” permite relacionar dois itens segundo a relação de amar. Essa é, para ele, a forma de uma proposição, passível de representar um fato específico, no qual dois sujeitos estão relacionados. Tome-se o exemplo “A ama B”: se for invertida a ordem dos termos, a relação não necessariamente se mantém (“A ama B” não necessariamente implica que “B ama A”). Essa é uma díade genuína, quer dizer, se sua forma for modificada, ela torna-se degenerada porque o fato representado não necessariamente subsiste na realidade e a relação é falsa, embora possível.
Por fim, uma tríada permite estabelecer uma relação ternária, ou, melhor, mediadora, por exemplo, “___ finge ___ para ___”. Uma tríade também pode ser degenerada, se for redutível a relações singulares ou binárias. Uma relação genuinamente triádica só se dá quando algo de racional, ou de intencional, subsiste entre os itens relacionados. Ao contrário de uma relação diádica, para a qual bastam oposições “mecânicas”, uma relação genuinamente triádica envolve essencialmente uma finalidade, uma ligação proposital entre os relativos [CP 2.86, 1903; EP 2: 273, 290, 1903]. Nenhuma relação dessa natureza, genuinamente mediadora, genuinamente intencional, é redutível a relações de aridade inferior. Seu exemplo preferido é o da relação de causalidade final [EP 2: 425-427, 1905], na qual estão compreendidas a intencionalidade e a mediação entre, no mínimo, dois fatos isolados [CP 2.86, 1903].
A ideia da irredutibilidade da relação triádica genuína constitui o cerne do que ficou conhecido como teorema notável de Peirce, ou tese peirciana da redução. A tese é composta, na verdade, por três ideias complementares. As duas primeiras já foram vistas: a) relações triádicas são necessárias a qualquer sistema lógico completo, pois somente uma relação triádica consegue exprimir corretamente uma mediação, e b) também são primitivas, quer dizer, quaisquer relações de grau inferior de saturação podem ser tiradas delas, mas nem todas as relações ternárias são analisáveis em termos singulares ou binários. A terceira ideia é mais problemática: relações triádicas são não apenas necessárias, como também suficientes para construir um sistema formal completo, quer dizer, não são necessárias relações de ordem superior, podendo quaisquer delas ser reduzidas a relações ternárias, e não bastam relações binárias, embora seja possível extraí-las das ternárias.11 
Peirce trabalhou incessantemente sobre a teoria das categorias até mais ou menos o ano de 1890, buscando, sobretudo, justificar empiricamente sua alegação de suficiência. Com efeito, seus estudos lógicos mostraram quais formas lógicas são elementos da nossa cognição e estão presentes na nossa experiência, ou menos na parte intelectual dela. Pela lógica apenas, porém, não é possível mostrar que as formas identificadas são necessárias para toda experiência, intelectual ou não, efetiva ou apenas possível, imaginável ou concebível. De fato, a ambição de Peirce é chegar a categorias capazes não apenas de descrever o que “efetivamente [actually] força-se sobre a mente”, mas de recensear “todos os aspectos comuns a tudo que é experimentado ou poderia concebivelmente ser experimentado ou se tornar um objeto de estudo, de qualquer maneira, direta ou indireta” [EP 2: 143, 1903]. Nesse estudo foi que chegou à definição das suas categorias universais da primeiridade [firstness], da segundidade [secondness] e da terceiridade [thirdness]. Essas categorias são denominadas ceno-pitagóricas, “por causa de sua ligação com os números” [CP 2.87, 1902], e, como indica o prefixo latino, por serem comuns a todos os fenômenos, internos ou externos, numa palavra, são universais (ou, ao menos, ele pretende que sejam).12
Com efeito, no projeto inacabado de um livro que se chamaria “Um palpite para o enigma”, Peirce esboçou como suas categorias conseguiriam explicar fenômenos na psicologia, na fisiologia, na biologia, na física e na metafísica [W6: 166-210, 1887-1888]. Mesmo que ele não tenha realizado o que tencionava, ali ele conseguiu estabelecer, pela primeira vez, uma descrição bastante definida, ainda que incipiente, das categorias em termos fenomenológicos, tendo em vista a unificação dessas concepções.
Conforme as formas lógicas identificadas, a primeiridade é categoria do elemento monádico da experiência, quer dizer, ela é a categoria do que é primeiro, no sentido de ser independente de qualquer outra relação com qualquer outra coisa, como um sentimento, ou, melhor dizendo, uma qualidade de sentimento (a cor, o odor etc.). A ideia de ser primeiro é a de uma pura possibillidade, portanto. Peirce a explica assim:
Pare para pensar nela, e ela já fugiu! O que o mundo foi para Adão no dia em que abriu os olhos para ele, antes de ter traçado quaisquer distinções ou mesmo de ter se tornado consciente da própria existência – isto é primeiro, presente, imediato, fresco, novo, inicial, original, espontâneo, livre, vívido, consciente e evanescente. [W 6: 171, 1887-1888].
A segundidade é a categoria do elemento diádico ou dual na experiência, quer dizer, aquilo que só é em virtude de alguma relação com um outro, como ação e reação. Em outras palavras, não pode haver segundo sem antes haver primeiro. A ideia de ser segundo “é eminentemente dura e tangível”, pois “é forçada cotidianamente sobre nós; é a principal lição da vida. Na juventude, o mundo é fresco e parecemos livres; mas a limitação, o conflito, a constrição e a segundidade geralmente constituem o ensinamento da experiência” [id.]. É a categoria do absolutamente determinado, a pura contingência, da individualidade existente, cuja natureza é definida por sua istidade [thisness], ou ipseidade, termos derivados de haecceitas, do latim filosófico medieval , para referir às características próprias de um item que o tornam singular e único [CP 3.434, 460, 1896; EP 2: 310, 1904].
Por fim, e conforme as formas lógicas identificadas, a terceiridade é a categoria da relação, da mediação entre primeiro e segundo: “O Terceiro é a concepção que faz a ponte sobre o abismo entre os absolutos primeiro e último, pondo-os em relação” [W 6: 172, 1887-1888]. A ideia de ser terceiro significará então, o elemento especificamente triádico nos fenômenos, podendo ser encontrada em tudo que for da natureza de um pensamento, uma lei, uma convenção, uma representação, etc. É a categoria da própria necessidade e da generalidade lógicas, irredutíveis a formas mais elementares de combinação, segundo a lógica do teorema notável [seção 2.1]. Como o próprio Peirce explica à plateia de uma palestra dada em Harvard, em 1903:
Tome-se, por exemplo, dar. A mera transferência de um objeto que A deixa e C pega não constitui o ato de dar. Tem de haver uma transferência de posse e a posse é uma questão de Lei, de fato intelectual. Vocês agora começam a ver como a concepção de representação é tão peculiarmente adequada a tipificar a categoria da Terceiridade [EP 2: 171].     
Após essa definição de suas categorias, Peirce usou-as para estabelecer uma classificação das ciências bastante original, e, assim, dar um acabamento mais bem sistematizado ao seu pensamento.


3.    Conceito e classificação das ciências


O avanço do conhecimento científico no século XIX foi imenso. A própria palavra “cientista” foi inventada em 1833 em substituição a “filósofo natural”, por W. Whewell (1794-1866), autor que Peirce conhecia muito bem [por exemplo, EP 2: 584]. De fato, a própria profissão cientista surgiu nesse século. Dentre os acontecimentos científicos e tecnológicos mais importantes, podemos mencionar, sem nenhuma pretensão de fazer uma lista completa: a publicação, em 1859, de Sobre a Origem das Espécies, de C. Darwin (1809-1882), livro que Peirce considerava o mais importante para a sua geração de cientistas; a tabela periódica dos elementos de D. Mendeleev (1834-1907), publicada em 1869; os experimentos e descobertas de M. Faraday (1791-1867), A.-M. Ampère (1775-1836) e J. C. Maxwell (1831-1879), em física, definiram o eletromagnetismo como campo de estudos; a definição da termodinâmica, em 1854, por William Thomson, Lord Kelvin (1824-1907); as pesquisas de Louis Pasteur (1822-1895) na química e na medicina; e os estudos sobre radiação do casal Curie, Pierre (1859-1906) e Marie (1867-1934). Todas essas pesquisas, dentre muitas outras, possibilitaram invenções e conquistas materiais que transformaram a vida humana e a face da Terra: a vacina contra a raiva e a descoberta (no século XX) da penicilina; a invenção da lâmpada elétrica, do telégrafo e do telefone; o rádio e o cinematógrafo; o avião; etc. etc. etc. Nesse contexto, uma classificação das ciências torna-se, portanto, não apenas desejada como necessária.
Peirce, ele mesmo, foi cientista muito ativo: além de graduar-se em química e ser matemático e lógico, foi por oito anos astrônomo do Observatório de Harvard – atividade pela qual ganhou reconhecimento internacional – e por 24 anos foi físico e geógrafo pela U.S. Coast and Geodetic Survey. Foi até psicólogo experimental, tendo sido orientador de J. Jastrow quando lecionou na Johns Hopkins.14
É de sua própria experiência que Peirce extrai a sua concepção de ciência. Para ele, a ciência é um “modo de vida”, “uma entidade histórica viva”, cujo impulso primordial é dado pelo objetivo de descobrir a verdade [CP 7.54, sd.; CP 1.44, c. 1896; ver seção 1.2]. É, portanto, uma atividade viva, orgânica e natural, algo que praticamos. Não é, porém, qualquer atividade, pois seus métodos são bem definidos (ver seção 1.1.2), e, devido a eles, ela é uma atividade social, isto é, praticada coletivamente. A teoria pragmatista da verdade é coerente com essa ideia: ciência é uma atividade social e coletiva, na qual os cientistas colaboram comunicativamente, engajados numa investigação virtualmente infinita e sem limites precisos, já que com vistas a determinar uma opinião passível de consenso num futuro indefinido [EP 2: 85, 1901]. Essa definição funciona bem como uma descrição, pois, de fato, a opinião de apenas um pesquisador individual não tem muito peso como evidência ou validade de teoria alguma. O conhecimento científico, dessa maneira, é uma construção coletiva. Apenas depois da comunidade (ou parte dela) dos pesquisadores se pronunciar sobre um assunto é que ele começa a ser considerado na pesquisa.
Essa ideia é uma consequência do realismo [W 2: 239, 1868]. Peirce chega mesmo a afirmar que o princípio social está “intrinsecamente enraizado na lógica”, vez que a lógica – especificamente, a teoria da indução – exige reconhecer que nenhum indivíduo jamais conhecerá a verdade definitiva, apenas pode alimentar a esperança de que, se indefinidamente continuada, a investigação produzirá algum consenso sobre algumas opiniões. Daí ele fazer uma afirmação bem adequada, aliás, ao momento imediato pós-Guerra de Secessão, no qual a formação nacional dos E.U.A era uma questão premente: “Aquele que não sacrifica sua alma para salvar o mundo todo é ilógico em todas as suas inferências, coletivamente” [W 2: 271-272, 1869]. A metáfora da colônia de insetos dá uma boa ilustração para o que ele quer dizer:
O mundo científico é como uma colônia de insetos, na qual o indivíduo luta para produzir o que ele mesmo não pode esperar desfrutar. Uma geração coleta as premissas para que uma geração distante possa descobrir o que significam. Quando um problema chega ao mundo científico, uma centena de homens imediatamente devotam todas as suas energias para trabalhar sobre ele. Um contribui com isto, outro com aquilo. Outra companhia, apoiando-se sobre os ombros da primeira, atingem um pouco mais alto, até que por fim o parapeito é alcançado [CP 7.87, 1902].
Para explicar como esse complexo trabalho coletivo se organiza, Peirce buscou durante décadas estabelecer uma classificação das diferentes atividades científicas, buscando mostrar como cada ciência se relaciona com as outras, suas origens e seus objetivos. Apenas tardiamente, por volta da virada do século XIX para o XX, ele chegou a um resultado que considerou minimamente satisfatório, e, mesmo assim, fez e refez numerosas revisões, principalmente de nomenclatura e posicionamento de ciências específicas, sem jamais dar o trabalho por definitivamente terminado. Isso se deu logo depois da definição de sua teoria das categorias, por volta de 1890. Com isso, ele conseguiu estabelecer alguns princípios bastante claros e que elucidam satisfatoriamente suas intenções.
Para ele, a melhor maneira de classificar as ciências seria construir um diagrama que permitisse visualizar as interrelações mutáveis entre as ciências, isto é, como elas se originam umas das outras e como respondem a problemas específicos, das mais gerais às mais particulares. Esse diagrama seria “um esquema parecido com uma escada, na qual cada degrau é ele mesmo uma escada de degraus, de modo que o todo é mais como uma sucessão de ondas, cada qual trazendo outras ondas, e assim sucessivamente, até que chegamos às investigações singulares” [NEM 4: 227-228, c. 1905].15
Nesse esquema, cada ciência deveria ser representada como o resultado de três atividades especiais, simultaneamente organizadas. A atividade da descoberta, a pesquisa propriamente dita, é primeira, ou seja, cientista é quem em primeiro lugar investiga para saber. Essa é a fase abdutiva da investigação, própria às ciências da descoberta, ou heurísticas, cuja finalidade precípua é o conhecimento em si. A própria atividade classificatória é segunda, ou seja, é a fase dedutiva da investigação, na qual o cientista organiza o conhecimento, tirando conclusões das hipóteses aventadas na primeira fase. Essa fase é própria às ciências retrospectivas ou da revisão, identificadas por Peirce, sob o rótulo de filosofia sintética, a trabalhos de F. Bacon, A. Comte e J. Bentham [EP 2: 373, 1906]. E a atividade prática, quer dizer, a da aplicação da pesquisa, é a fase indutiva, terceira, da investigação. É a fase dos testes e das aplicações que relacionam o que se sabe com o que se faz. Assim, a divisão proposta relaciona as ciências, com aquelas orientadas às classificações e à organização do saber, chamadas da revisão, e com as orientadas à aplicação do conhecimento ou à realização de um fim particular e específico, as chamadas práticas, as quais Peirce chama de artes por respeito à etimologia do latim ars, -tis (nós diríamos, hoje, técnicas) [ver HP II: 831, c. 1904).
Peirce, no entanto, nunca elaborou tal diagrama e só conseguiu definir parâmetros precisos para classificar as ciências heurísticas, as quais correspondem à sua definição de ciência em primeiro lugar. A partir de seus escritos, podemos, todavia, chegar a uma sugestão:16

A. Ramo: Ciência teórica
A.1. Sub-ramo: Ciência da descoberta ou Heurística.
        A.1.1. Classe: Matemática
            A.1.1.i. Subclasse: Matemática da lógica
            A.1.1.ii. Subclasse: Matemática das séries discretas
            A.1.1.iii. Subclasse: Matemática de continua e pseudocontinua.
A.1.2. Classe: Filosofia, ou Cenoscopia
            A.1.2.i. Subclasse: Categórica, fenomenologia ou faneroscopia
            A.1.2.ii. Subclasse: Ciências normativas
                A.1.2.ii.a. Ordem: Estética
                A.1.2.ii.b. Ordem: Ética, ou Prática
                A.1.2.ii.c. Ordem: Lógica, ou Semiótica
            A.1.2.iii. Subclasse: Metafísica
A.1.2.iii.a. Ordem: Metafísica geral, ou Ontologia
                A.1.2.iii.b. Ordem: Metafísica psíquica ou religiosa
                A.1.2.iii.c. Ordem: Metafísica física
A.1.3. Classe: Ciência específica ou idioscopia
A.1.3.i. Subclasse: Ciências físicas
                A.1.3.i.a. Ordem: Nomológica
                A.1.3.i.b. Ordem: Classificatória
                A.1.3.i.c. Ordem: Descritiva
            A.1.3.ii. Subclasse: Ciências psíquicas
A.1.3.ii.a. Ordem: Nomológica
                A.1.3.ii.b. Ordem: Classificatória
A.1.3.ii.c. Ordem: Descritiva
B. Ramo: Ciência da revisão, ou retrospectiva
C. Ramo: Ciência prática, ou artes

Observe-se como a estrutura da classificação obedece recursivamente à relação entre as três categorias: as mais específicas supõem as mais gerais, aquelas como condições suficientes destas, e estas como condições de possibilidade para aquelas. As categorias, assim, informam todas as divisões e subdivisões do diagrama, segundo um princípio de condicionalidade que pode ser identificado já em 1867, no artigo sobre a nova lista de categorias, denominado prescisão [prescision]. A prescisão é então definida como um tipo de método para definir conceitos. Permitindo discriminar uma coisa de outra sem dissociá-las totalmente, ela é uma espécie de abstração mental não recíproca, quer dizer, que opera apenas numa direção. Por exemplo, é possível dissociar azul de vermelho, bem como discriminar cor de espaço, mas não é possível prescindir azul de cor, nem cor de espaço, embora o contrário seja possível: um espaço incolor é perfeitamente concebível, mas não uma cor sem extensão [W 2: 51]. Com as categorias, dá-se o mesmo: a terceiridade necessariamente pressupõe a segundidade, a qual necessariamente pressupõe a primeiridade. Esta, por sua vez, pode ser prescindida da segundidade e da terceiridade; a segundidade pode ser prescindida da terceiridade, a qual não pode ser prescindida das outras duas, embora possa delas ser discriminada. Isso quer dizer que, na classificação das ciências, as mais gerais podem ser prescindidas das mais específicas, pois são necessariamente pressupostas por elas.
Com esse esclarecimento, outros pontos ficam mais claros. A classificação pretende ser genealógica, quer dizer, ela deve mostrar como as diferentes ciências se originam umas das outras e como depois de existirem alimentam-se reciprocamente. O princípio da classificação, o próprio Peirce diz, é tirado de A. Comte: as ciências mais abstratas fornecem princípios, as menos abstratas fornecem informações e exemplos. Mas, ao contrário de Comte, a classificação peirciana não pretende retratar o suposto desenvolvimento histórico do saber humano. Muito menos é hierárquica, no sentido de tentar estabelecer uma ordem de valor ou importância entre as áreas científicas: nenhum ramo é mais ou menos importante que outro. A classificação peirciana é lógica, segundo o princípio que relaciona a finalidade à generalidade da seguinte maneira: “uma ciência é definida por seu problema e seu problema é claramente formulado na base da ciência mais abstrata” [ EP 2: 127, 1902]. Conforme o princípio explicado, isso quer dizer que as todas as ciências podem ser discriminadas umas das outras, embora não possam ser completamente dissociadas: umas prescindem de outras, outras podem ser prescindidas de umas, mas nunca estarão em completa dissociação, pois partilham princípios e se retroalimentam.
Observe-se que não interessa a espécie de objetos a serem tratados, mas como as ciências se intercomunicam, com o uso de ideias e métodos umas das outras, na investigação efetiva de quaisquer objetos. Isso funciona para explicar o que a definição de ciência como atividade coletiva apresenta: cada cientista emprega, conforme suas necessidades e interesses, ideias disponíveis às quais tiver acesso, de todas as áreas, para analisar problemas que surgem inevitavelmente durante a pesquisa e para os quais ainda não tem explicações. Assim, independentemente de certos objetos ou fatos serem estudados por algumas ciências, novas investigações podem surgir. O que é ou não objeto de pesquisa não pode ser definido, portanto, sobre bases puramente teóricas, a priori – apenas a própria investigação pode dizer – e tampouco em termos de sua suposta maior ou menor dignidade. O resultado é que a classificação não é uma norma rígida para separar teoria e prática, ou para especificar campos ou áreas, mas um mapa que nos permitiria ver como práticas investigativas se constituem.17

3.1.     Matemática como ciência heurística


Para Peirce, a matemática é a mais abstrata e a mais geral das ciências. Por isso, ela é a primeira das ciências heurísticas. É a mais abstrata, quer dizer, é a mais básica, a ciência da qual todas as outras emprestam princípios e que não tira seus princípios de nenhuma outra, tirando os seus princípios de si mesma. Por isso, a matemática é uma ciência que se autofundamenta e, por isso, é primeira relativamente a todas as outras. Ela é a mais geral das ciências, pois suas descobertas podem dizer respeito às descobertas de todas as outras ciências, ao mesmo tempo em que não dizem respeito a nenhum estado de coisas em particular. Nem por isso, a matemática deixa de ser experimental e heurística.
Essas afirmações se esclarecem na base da definição peirciana da matemática, que articula duas características principais da atividade do matemático, a saber: a construção das hipóteses por abstração e a dedução das suas consequências necessárias [CP 1.240, 1902]. Veja-se a seguinte citação:
"Ora, um matemático é um homem cujos serviços são convocados quando o médico, ou o engenheiro, ou o inspetor de seguros etc., se encontra confrontado com um estado de relações entre os fatos extraordinariamente complicado e está em dúvida se esse estado envolve necessariamente ou não uma outra relação entre os fatos; ou quando ele deseja saber que relação de uma dada espécie está envolvida. Ele conta o caso ao matemático. Este último não é responsável pela verdade daquelas premissas, absolutamente. Isso, ele deve aceitar. A primeira tarefa que ele tem pela frente é substituir a intrincada e frequentemente confusa massa de fatos colocada diante dele por um estado imaginário de coisas, que envolva um sistema comparativamente ordenado de relações, o qual, à medida que adere tão proximamente quanto possível ou desejável às premissas dadas, deve estar ao alcance de seus poderes, como matemático, lidar com ele. A isso ele chama sua hipótese. Feito esse trabalho, ele passa a mostrar que as relações explicitamente afirmadas na hipótese envolvem, como uma parte de qualquer estado imaginário de coisas em que elas sejam incorporadas, certas outras relações não explicitamente afirmadas. [NEM 4: 267]."
A passagem mostra, em primeiro lugar, que não há um domínio especial de entidades especificamente próprio à matemática, como acontece com todas as outras ciências menos gerais e menos abstratas que ela no esquema classificatório. Um matemático, na verdade, nada tem a dizer sobre a verdade de fato porque lida com hipóteses e abstrações que ele mesmo constrói, isto é, seus objetos são entia rationis [EP 2: 352]. Por isso, não faz ciência positiva, isto é, ciência da realidade efetiva [EP 2: 259, 1903]. Nesse sentido, o matemático estuda o que é ou não logicamente possível, sem se pronunciar sobre a verdade de suas conclusões. Essa é a primeira característica fundamental da concepção peirciana da matemática.
O matemático constroi suas hipóteses e esquemas imaginários por abstração. Peirce considerava a capacidade de abstração “o principal estratagema do pensamento matemático” [CP 2.364, 1902]. Há dois tipos elementares de abstração, a precisiva e a hipostática. A abstração precisiva é somente um ato de atenção, em que certos aspectos são observados e outros negligenciados, e que nada tem de especial [HP 2: 739, 1901]. A abstração própria da matemática é a hipostática. Sua peculiaridade lógica está em que o sujeito da conclusão não é expresso nas premissas e, no entanto, a conclusão permanece necessária [CP 4.463, 1903].
O exemplo preferido de Peirce para ilustrar essa espécie de abstração é tirado do terceiro intermezzo de O Doente Imaginário, de Molière [1622-1673].18  A cena representa um exame oral, no qual um doutor em medicina pergunta a um bacharel qual “a causa e a razão” de o ópio fazer as pessoas dormirem. Confiante e cheio de certeza, o bacharel responde com o seu melhor latim: “Quia est in eo virtus dormitiva”, isto é, “Porque há nele uma força que faz dormir”. Ele é então aplaudido pelo coro e aceito como membro no corpo dos doutores. Molière pretendia fazer uma sátira e criticar a pretensão de explicar com palavras belas, porém vazias, o que na verdade não se sabe como explicar: dizer que o ópio faz dormir porque possui uma característica que faz dormir é chover no molhado, como se diz.
Mas Peirce afirma que de uma declaração como essa é possível extrair algum conhecimento, já que ela afirma que há ali, além do próprio fato, alguma explicação para o fato, isto é, que “há alguma peculiaridade no ópio a que o sono tem de ser devido, e isso não é sugerido meramente ao se dizer que o ópio faz as pessoas dormirem. ” [CP 5.534, 1901; NEM 4: 11, 1901]. A abstração hipostática permite formular uma concepção geral de uma realidade que, embora presente no fenômeno individual, não se esgota nele e não está explícita. Por exemplo, quando “transformamos a proposição ‘o mel é doce’ em ‘o mel possui dulçor’ [...] consideramos o fato de o mel ser doce sob a forma de uma relação” [CP 4.235, 1902], isto é, identificamos uma propriedade real inerente ao mel. Essa propriedade identificada – o dulçor do mel, a virtus dormitiva do ópio, ou qualquer outra – não é mera suposição fictícia, mas não é evidente. Na abstração, ela é hipostasiada, quer dizer, ela é posta como uma entidade. Assim, um predicado – um adjetivo, se tomarmos a forma proposicional da linguagem natural – é transformado em um sujeito, o que aumenta a adicidade do predicado principal: “S é P” torna-se “S tem a propriedade da P-dade”. Esse raciocínio permite a abdução.
Noções matemáticas, tais como coleção e número, são resultados da abstração hipostática, e não de generalizações, pois a hipóstase resultante é uma significação considerada ela mesma como objeto de investigação, e não como representação de algum objeto: “Assim, o matemático concebe uma operação como alguma coisa, ela mesma, sobre a qual fazer operações. ” [CP 1: 83, 1896]. Quando o matemático submete operações a outras operações, o que se realiza é o isolamento de certas relações gerais. O matemático, assim, não trabalha com objetos de discurso, mas com objetos de natureza discursiva, melhor dizendo, de natureza puramente simbólica e sem conteúdo, que nada mais são do que as formas lógicas das relações [seções 2 e 2.1], as quais, agora sabemos, são estudadas pela subclasse da matemática da lógica. A abstração possibilita tomar como sujeito um esquema de relações sobre o qual experimentos são feitos e, daí, inferir conclusões sobre outras relações. Por exemplo: “Uma partícula está em algum lugar, de maneira muito bem definida. É por abstração que o matemático a concebe como se ocupasse um ponto. ” [NEM 4: 11, 1901]. Isso nos leva às outras características definidoras da matemática.
A segunda delas é que, seguindo seu pai, Benjamin Peirce [1809-1880], o filho Charles defendia que a matemática é a ciência que extrai conclusões necessárias. Com efeito, raciocinar dedutivamente é uma especialidade do matemático, já que todo raciocínio necessário é matemático [NEM 4.47, 1902]. Ora, essa é uma parte fundamental da matemática: deduzir conclusões das hipóteses imaginadas. Um corolário disso, então, é que nada pode previnir o erro, nem que seja simplesmente por um tropeço no raciocínio [CP 1.149, c. 1897; 7.108, 1892; 1.248, 1902; NEM 4: 210, 1904]. Este é um traço característico do falibilismo de Peirce.
A isso, está ligada uma terceira característica da matemática, a qual seja, ela também é, como toda ciência moderna, experimental. Embora hipotética e abstrata, nem por isso a matemática depende menos de observações e experimentos, apenas que essas operações são feitas mentalmente. Na verdade, o matemático faz uso de duas espécies caracteristicamente matemáticas de dedução, a teoremática e a corolarial [NEM 4: 49, 1902. Ver seção 1.1.2.2]. O uso dessas duas formas de raciocínio dedutivo mostra que o raciocínio matemático não é somente a observação daquilo que é evidente numa representação formal de um estado de coisas, mas é também uma atividade criativa, que transforma experimentalmente seus objetos. Se um matemático não se preocupa com a verdade de fato de suas conclusões, apenas com sua verdade hipotética, isto é, com o que poderia ser concluído com base nas hipóteses imaginadas, isso não quer dizer que sua atividade não leve a novas descobertas. Conforme a citação, vemos que o procedimento do matemático consegue não só evidenciar certas relações que possam estar obscuras, como também permite encontrar relações “não especificadas no preceito da construção” [CP 1.240, 1902]. Junto à abstração hipostática, essas operações complementam a natureza heurística da matemática, envolvendo claramente um raciocínio abdutivo, fazendo-nos ver algo não inicialmente implicado nas premissas.


3.2.     A filosofia como cenoscopia


A filosofia é a segunda das ciências da descoberta, e, como tal, utiliza princípios matemáticos, ao mesmo tempo em que suas conclusões podem ser formalmente transformadas em hipóteses e abstrações matemáticas. Pela sua posição na classificação, a filosofia então se beneficia da precisão e da acuidade do pensamento matemático, usando-as para compreender a experiência humana. De fato, esse é o sentido mais importante que Peirce lhe dá: a filosofia é uma ciência positiva porque se ocupa da experiência humana em seus aspectos mais gerais. Por isso, a denominação de J. Bentham, cenoscopia, isto é, visão do comum, é acertada: a experiência que serve de objeto à filosofia é a experiência comum da vida, aquela que julgamos não ter valor especial algum. A tarefa da filosofia é, partindo do escrutínio da experiência nesses termos, “construir, o melhor que se possa, uma verdadeira compreensão do omne – e, se possível, do totum – de ser e de não-ser, e das principais divisões deste omne” [EP 2: 374, 1906]. Já as ciências especiais deveriam valer-se dos princípios da filosofia e tomar por base as suas conclusões como se constituíssem uma Weltanschauung, “ou concepção do universo” [HL 151, 1903].
Para fazer filosofia, então, não se deve proceder, como outros cientistas, a experimentos específicos, mas tomar como ponto de partida o simples estar no mundo da pessoa comum. A investigação filosófica visa diretamente a experiência do senso-comum, baseando-se em observações que, de tão corriqueiras, “permeiam completamente nossas vidas, assim como um homem que nunca tira seus óculos azuis logo cessa de ver o tom de azul. Evidentemente, portanto, nenhum microscópio ou filme sensível teriam o menor uso nessa classe [de ciência]”[CP 1.241, 1902]. Pela posição na classificação das ciências, vemos, então, que as experiências do senso-comum constituem o ponto de partida de todas as investigações científicas ulteriores sobre os fatos.

3.2.1.    A filosofia crítica do senso-comum


A filosofia do senso-comum pode remontar ao menos até Aristóteles, mas sua origem e difusão na filosofia moderna deve-se principalmente um grupo de filósofos escoceses defensores de certo realismo e críticos do empirismo de J. Locke [1632-1704], G. Berkeley [1685-1753] e D. Hume [1711-1776]. Dentre seus principais representantes, Peirce cita principalmente D. Stewart [1753-1828], e, com mais frequência, T. Reid [1710-1796] e W. Hamilton [1788-1856]. É deles que Peirce tira a inspiração, temperando-a com a influência do pensamento de I. Kant [1724-1804], adotando o rótulo de filosofia crítica do senso-comum [EP 2: 347, 1905; CP 5.505, 1905]. Com isso, ele busca evidenciar ser sua doutrina uma tentativa de equilíbrio entre as exigências empiristas de adesão da teoria aos fatos e o rigor normativo da filosofia crítica. Assim, sua doutrina crítica do senso-comum assume o falibilismo e a vontade de aprender típicos do método experimental como constitutivos, sem deixar de lado a função crucial das nossas crenças como regras de conduta. Seus pontos básicos são os seguintes:
1] O conhecimento do senso-comum não é composto somente de crenças e proposições acríticas e indubitáveis, mas também de inferências, quer dizer, padrões e hábitos de pensamento e raciocínio.
2] As crenças e hábitos de pensamento do senso-comum não são absolutamente indubitáveis e acríticas. Podem, de fato, assim permanecer por muito tempo – por gerações, diz Peirce – de modo que os indivíduos não percebam possíveis mudanças no seu conjunto. Isso quer somente dizer que não nos ocorre duvidar do senso-comum: “tais crenças não são ‘aceitas’. O que passa é que uma pessoa reconhece que teve a crença-hábito desde quando pode se lembrar” [CP 5.523, 1905].
3] Esse conjunto de conhecimentos é vago, quer dizer, é impossível torná-los precisos sem pô-los em dúvida. A vagueza é uma característica lógica oposta à generalidade. Sua diferença, assim, compreende-se pela comparação dos quantificadores universal e particular [ver seção 2]. Esse assunto será explicado adiante, quando for abordado o tema da continuidade.
 4] A doutrina crítica do senso-comum faz par com uma interpretação “moderna” da evolução. Crenças e inferências do senso-comum são como instintos, quer dizer, são o resultado da evolução coletiva da humanidade, embora tenham origem em “um modo primitivo de vida” [EP 2: 349, 1905; ver CP 5.513, 1905]. Por isso, num mundo completamente transformado pela ciência moderna, funcionam imprecisamente como guias de conduta, e isso apenas “para a raça, ao surgirem na consciência somente em ocasiões de aplicabilidade [e] por serem acompanhadas por sentimento profundo inexplicável” [L 80, 1905].19
5] Como tais, só podem ser criticadas e duvidadas quando surgir um motivo empírico real. Por um lado, o indivíduo que duvidar fantasiosamente do senso-comum pode arriscar a própria vida. Por outro, porém, como não vivemos mais como homens primitivos, “surgem ocasiões de ação relativamente às quais as crenças originais, se esticadas para cobri-las, não têm autoridade suficiente”[CP 5.511, 1905]. Por isso, viemos a desenvolver graus de autocontrole desconhecidos das gerações passadas, tornando-nos capazes de revisar o senso-comum quando para nos adaptar às novas circunstâncias. Com isso, nossas crenças-hábitos se complexificam e se modificam: “Então, eletricidade não quer dizer mais agora do que nos dias de [Benjamin] Franklin? ” [W 2: 241, 1868].
Isso não significa, evidentemente, uma melhoria moral. O argumento de Peirce em favor do senso-comum crítico pressupõe uma evolução, mas de modo algum implica melhoria: ninguém pode afirmar que nossas crenças são melhores do que as de nossos antepassados primitivos. Há certamente uma complexificação, o que absolutamente significa que somos melhores do que nossos antepassados por saber mais ou raciocinar com mais exatidão. Toda sua argumentação parece indicar, aliás, justamente o contrário: as características que mais admiramos nas pessoas, diz ele, são “as heranças que chegaram a nós do bípede que ainda não falava; enquanto as que mais desprezamos têm sua origem no raciocínio. O próprio fato de todos superestimarem tão ridiculamente o próprio raciocínio é suficiente para nos mostrar quão superficial é essa faculdade. ” [EP 2: 31, 1898]. Por isso, ele também caracteriza sua doutrina como um sentimentalismo moral, para opor-se ao excessivo racionalismo moral dominante na nossa época científica: os instintos e sentimentos, profundamente arraigados em nossas almas durante nossa história evolutiva, adentram fundo em nossa alma e são, em geral, muito melhores guias de conduta prática do que a racionalidade. É deles, na verdade, que ela brota e é a eles que ela se reporta quando tropeça [id.].
Essa teoria explica a relação entre vida prática e ciência. É conhecida a ideia de que Peirce separava radicalmente moral e ciência. Isso se deve a que, numa conhecida palestra sua, pronunciada em Harvard em 1898, ele atendeu ao convite de William James para falar didaticamente de “tópicos de importância vital”. Esforçando-se para atender ao pedido de seu amigo, Peirce acabou por enfatizar de maneira exageradamente rígida uma separação entre ciência e moral que pode perturbar o leitor comum.
Em resumo, na vida prática, frequentemente nos encontramos em situações críticas – vitais, diz ele – nas quais é necessário agir sem titubear, com firmeza e certeza. De acordo com o pragmatismo do autor, isso só é possível se as crenças adquiridas não forem questionadas, pois a dúvida paralisa o agente. Todo e qualquer exercício especulativo, em situações dessa natureza, pode levar a consequências desastrosas [HL 162, 1903]. As crenças científicas, diferentemente, não podem ser consideradas nesse mesmo sentido forte. O cientista só provisoriamente adotaria crenças e padrões de pensamento, e isso apenas enquanto não se mostrarem falsos:
"[...] não importa o quanto a ciência avance, as mais proeminentes inferências na mente do investigador são muito incertas. Elas estão em estado probatório. Elas precisam de um julgamento justo e não podem ser condenadas até se provar estarem além de toda dúvida razoável. E, no momento em que essa prova é alcançada, o investigador tem de estar pronto a abandoná-las sem a menor ternura para com elas [EP 2: 25, 1895]."
Assim, na vida científica não deve haver dogmatismos, e todo conhecimento é somente ponto de partida provisório, passível de ser abandonado. Antes de pronunciar uma palavra de certeza sobre as teorias, o cientista deve esperar para ver aonde a continuação da investigação pode levar. Na vida prática, ao contrário, não temos tempo para esperar, pensar e testar alternativas, pois as situações são prementes: trata-se de agir aqui e agora.
Essa rígida dualidade entre vita activa e vita contemplativa, porém, é incoerente com a lógica peirciana da mediação e das relações triádicas.20 A passagem citada afirma que o cientista deve ser capaz de abandonar suas teorias e dar razão aos fatos. No entanto, isso pode ser muito difícil, e o próprio Peirce reconhece que “certo grau de heroísmo é necessário para manter essa atitude” [id.]. O contraste entre ciência e vida prática não é, então, tão simples e direto quanto pode inicialmente parecer. Na verdade, à exceção do matemático, todo o conhecimento científico é construído sobre as experiências do senso-comum – crenças, modos de pensar, raciocínios e certezas da vida prática – como evidenciado pela posição da filosofia na classificação das ciências. Isso indica que a posição de Peirce acerca das relações entre ciência e vida comum é muito mais sutil do que seu didatismo deixa perceber.
A relação entre ciência e vida prática deve ser entendida no contexto do naturalismo evolucionista de Peirce. Os seres humanos, assim como os animais, desenvolveram instintos para a conservação da espécie, sendo o mais notório deles a racionalidade, entendida como uma capacidade instintiva de adivinhar corretamente [CP 8.223, c. 1910]. Essa capacidade tem origem em dois instintos e, por isso, se desenvolve em duas direções diferentes, as quais sejam:
A] Do instinto de alimentação, quer dizer, de algumas noções elementares e precárias de força, matéria, espaço e tempo, desenvolveu-se a capacidade humana de adivinhar os caminhos da natureza: “Os instintos ligados à obtenção de comida requerem que todo animal deva ter algumas ideias sobre a ação de forças mecânicas”, como, por exemplo, a velocidade com que a presa se movimenta de um lugar a outro e coisas do tipo. Com base nessas idéias primárias, a ciência da estática, e depois a da mecânica, se desenvolveram [NEM 3/1: 158, 1909; HP II: 900, 1901].
B] Dos instintos reprodutivos, quer dizer, de “alguma compreensão de o que está passando na mente do seu próximo” [NEM 3/1: 158], como os outros se sentem e agem em certas situações, originaram-se nossos sentimentos morais, isto é, a capacidade de adivinhar como agir relativamente ao outro, tentando adivinhar suas reações [HP II: 900]. Essas ideias sobre o que é a natureza humana, Peirce chama em certo momento de “antropológicas” [W 4: 450, 1883] e estão na base do “lado psíquico da ciência – em estudos tais como, por exemplo, a psicologia, a linguística, a etnologia, a história, a economia etc”, isto é, o que hoje chamamos de ciências humanas [HP II: 900].
Ora, se todo conhecimento humano tem origem em instintos naturais, não pode haver oposição inflexível ou distinção de natureza essencial entre um conhecimento científico e um conhecimento comum. Se a atividade científica pressupõe o conhecimento acumulado, é também verdade que a experiência, para ela, é algo a ser analisado e investigado para tornar preciso o que é vago. A atividade científica só pode começar com o senso comum, é impossível rejeitá-lo a priori, pois pretender duvidar do que se crê de facto é uma forma muito perniciosa de autoengano, não basta querer duvidar do que não duvidamos, é preciso ter razões para isso.
Peirce ainda dá uma justificativa evolucionista e falibilista para essa teoria. Segundo ele, em conformidade com o princípio explicativo geral de toda sua filosofia, a mente humana é capaz de fazer conjecturas corretas sobre os acontecimentos por ter sido evolutivamente treinada para isso: desde o mais remoto ancestral, a humanidade constrói uma “ponte em balanço” de induções, escorada por deduções e orientada para as mais novas e ousadas descobertas científicas. Esse avanço impulsionado apenas por raciocínios retrodutivos, os mais falíveis, mas que constituem “as conjecturas espontâneas da razão instintiva”. O fato de que, ao longo do tempo, nossas conjecturas tenham se mostrado bem-sucedidas     – que erros individuais tenham sido corrigidos coletivamente – só pode ser explicado, segundo ele, porque a mente humana está “afinada com a verdade das coisas”. Daí que o apelo de certa forma irresistível de certas hipóteses explicativas, sua plausibilidade, só possa ser explicado pela natureza instintiva da nossa própria capacidade de fazer abduções [EP 2: 443-444, 1908]. Formando o contexto incontornável no qual todas as dúvidas, hipóteses e questionamentos são unicamente possíveis, o senso-comum constitui o duro chão de pedras sobre o qual corre o rio da investigação científica.

3.2.2.    Fenomenologia


A ideia de uma fenomenologia como escrutínio das formas mais elementares da experiência humana não é original de Peirce, é claro. Ele mesmo reconhece sua dívida, principalmente a G. W. F. Hegel [1870-1831], ao qual critica, não obstante, a excessiva idealização da experiência e a restrição das categorias à consciência humana [EP 2: 267 seq., 1903; CP 2.79, 1902; EP 2: 180, 1903].21
Dentre as atividades investigativas da filosofia, a fenomenologia é primeira. Isso significa que ela abre o campo de possibilidades de estudo, é a mais universal e também a mais indeterminada. Isso se percebe pelas distinções conceituais que Peirce elabora.
 A fenomenologia é denominada faneroscopia, quer dizer, uma investigação do fenômeno ou faneron, substantivo grego preferido por Peirce, que significa tudo que é manifesto, evidente, que está dado à vista, o que se mostra. Além disso, um faneron é qualquer coisa que apareça ao campo da atenção consciente:
A faneroscopia é a descrição do faneron; e, pelo [termo] faneron, quero dizer o total coletivo de tudo que de alguma maneira ou em qualquer sentido está presente à mente, completamente indiferente se corresponde ou não a qualquer coisa real. Se você perguntar presente quando, e à mente de quem, respondo que deixo essas perguntas sem resposta, jamais tendo duvidado de que esses aspectos do faneron que encontrei na minha mente estão presentes em todas as épocas e a todas as mentes. Até onde desenvolvi essa ciência da faneroscopia, ela preocupa-se com os elementos formais do faneron [CP 1.284, 1905].
Assim concebida, a investigação faneroscópica desconsidera toda e qualquer remissão à psicologia, pois não interessa se o faneron é pensado ou concebido, nem por quem. O estudo deve, em primeiro lugar, descrever formalmente o que se mostra, o que aparece e o que parece ser, em seus aspectos mais gerais, sem se preocupar com a realidade dessa mera aparência [EP 2: 362, 1905].22 A fenomenologia, assim, engloba o estudo das categorias, ao qual Peirce vinha se dedicando há décadas, como vimos. Ela tem uma dupla tarefa, a saber, em primeiro lugar, identificar as categorias, agora entendidas como aspectos universalmente presentes em todos os fenômenos, e, em segundo, descrever esses elementos, quer dizer, “todos os aspectos que são comuns a o que quer que seja experimentado, ou poderia concebivelmente ser experimentado, ou se tornar objeto de estudo, de qualquer maneira, direta ou indiretamente” [HL 120, 1903].
As categorias identificadas pela fenomenologia são meramente formais, e, como tais, demarcam apenas possibilidades para a experiência efetiva. Aqui, vale lembrar que a fenomenologia é menos abstrata apenas que a matemática, o que significa que as formas de relações às quais o matemático chega por abstração [ver seção 3.1] são verificadas fenomenologicamente pelo estudo do faneron, quer dizer, de alguma maneira a fenomenologia identifica conteúdo possíveis para as formas identificadas pela matemática da lógica ao estudar as “Qualidades universais dos Fenômenos, no seu caráter fenomênico imediato”, quer dizer, em sua primeiridade [EP 2: 197, 1903].23  As categorias, dessa maneira, atingem um grau de universalidade que ultrapassa distinções instrumentais, como entre fatos e valores, natureza e cultura, subjetivo e objetivo, de modo a abarcar toda e qualquer espécie concebível de experiência fenomênica [EP 2: 147, 1903]..

3.2.3.    Ciências normativas


As ciências normativas são três, as quais sejam, segundo a ordem das categorias ceno-pitagóricas: a estética, a ética e a lógica. Juntas, elas constituem a segunda subclasse da filosofia, quer dizer, estudam os fenômenos em sua segundidade [EP 2: 197], isto é, não em seu parecer ser, mas em seu caráter existencial de reatividade relativamente a nós. Por isso, as ciências normativas voltam-se à ação: agimos sobre os fenômenos, reagimos a eles, e vice-versa. Elas analisam as “condições de obtenção de algo que tenha como um de seus elementos essenciais o propósito” [CP 1.575, 1902]. Assim, “a estética considera aquelas coisas cujos fins são incorporar qualidades de sentimento, a ética, aquelas cujos fins estão na ação, e a lógica, aquelas cujo fim é representar algo” [EP 2: 200, 1903]. Sua denominação de normativas justifica-se, então, porque, investigando as leis da conformidade dos fenômenos a fins, estabelecem condições para a ação controlada, isto é, segundo uma norma, para a obtenção desses fins. São, de fato, teleonormativas, e, por isso, ocupam-se em traçar o limite entre o que deveria e o que não deveria ser [EP 2: 259, 1903].
Essas investigações filosóficas tentam definir como deveríamos responder à experiência fenomênica usando nosso autocontrole, isto é, como e sob quais condições conseguiríamos exercer nossa autocrítica para atingir o que consideramos ser nosso propósito último, nosso ideal admirável em si e por si mesmo, o qual só pode ser de natureza estética: “A Ética tem de recorrer à Estética para formar sua concepção do summum bonum; e a Lógica, como a ciência do pensamento controlado, o qual é apenas um caso específico de conduta controlada, tem de se basear na ciência desse tipo de conduta” [EP 2: 272, 1903].
As ciências normativas são genuínas ciências dos fins, pois questionam a própria natureza deles, e não simples técnicas para a instrumentalização de meios em vista de quaisquer objetivos particulares. Peirce, marcando seu falibilismo, diz que “talvez” esses fins sejam a Beleza, o Correto, e a Verdade. Assim como na faneroscopia não interessa descobrir novos fenômenos, mas apenas descrever as características mais gerais das aparências, também aqui não se trata de descobrir o que de fato é ou não bom, belo e verdadeiro, mas de estabelecer seu dever ser na nossa conduta, segundo o princípio das categorias fenomenológicas: “Essas três ciências normativas correspondem às minhas três categorias, as quais, em seu aspecto psicológico, aparecem como Sentimento, Reação, Pensamento” [CP 8.256, 1902]. Em outras palavras, as ciências normativas visam descobrir o que nos fenômenos motiva a conduta, atraindo-a para si, numa palavra, o que podemos ter como ideais de conduta [CP 1.591, 1903], isto é, como algo causador de uma tendência geral em nossa conduta na sua direção.
Peirce considerava essa investigação extremamente importante, pois com o declínio de antigos modos de vida, os tradicionais fins e critérios de ação perderam validade, sem que outros surgissem em seu lugar. Longe de exprimir uma nostalgia de valores perdidos, Peirce argumenta em favor de um estudo crítico dos valores conhecidos para podermos renovar as ciências normativas, abandonando as maneiras antiquadas de estudá-las em vista das transformações causadas pela ciência moderna, como se vê pela passagem a seguir:
"Acima de tudo, é para as ciências normativas – a estética, a ética e a lógica – que os homens urgentemente precisam de uma severa crítica, na sua relação com o novo mundo criado pela ciência. Infelizmente, essa necessidade é tão inconsciente quanto é grande. Os males são de alguma maneira superficialmente reconhecidos; mas nunca ocorre a ninguém que o estudo da estética, da ética e da lógica podem ser seriamente importantes, porque essas ciências são concebidas por todos, exceto por seus mais profundos estudantes, à maneira antiga. [...] A nova crítica necessária precisa saber onde se apoia; a saber, sobre as crenças que permanecem indubitáveis [CP 5.513, 1905, ênfase adicionada]."
Isso significa, em primeiro lugar, que as ciências normativas não se confundem com uma fundamentação racional, nem com uma pesquisa indutiva cuja finalidade é criar generalizações da experiência. Elas são ciências da descoberta, bastante diferentes de disciplinas especiais que buscam os princípios para justificar ou explicar ações específicas na vida prática. Nela, agimos com base em crenças e raciocínios particulares, em instintos e sentimentos do senso-comum. De fato, as ciências normativas tomam o senso-comum como objeto de investigação crítica, como a citação evidencia: mais do que estabelecer crenças ou regras morais, elas investigam para saber o que, na nossa experiência, ainda pode valer como uma finalidade que deveria ser adotada e o que não, devendo, portanto, ser substituído por novos ideais de conduta. Cabe lembrar ainda que, conforme ao realismo e ao falibilismo do autor, “um fim é uma ideia intelectual” apenas, uma forma geral, portanto, e, como tal, capaz apenas de direcionar tendencialmente a conduta [NEM 4: 65-66, 1902]. Assim, as ciências normativas indicam apenas a possibilidade de nossa conduta guiar-se por tais fins, e não a obrigatoriedade de segui-los, uma vez descobertos. Tudo isso ficará mais claro a partir da compreensão do conceito de cada uma das ciências normativas.

3.2.3.1.     Estética

A primeira, imediatamente seguinte à fenomenologia, é a estética. Seu objetivo é estabelecer o summum bonum para a percepção, quer dizer, o que é admirável em si mesmo. Peirce usou esse termo por falta de outro melhor. Seguindo sua teoria da ética da terminologia, segundo a qual para cada novo conceito deve ser inventado um novo termo [EP 2.163-167, 1903], ele evita usar o tradicional belo, por ele considerado insuficientemente geral [CP 1.299, 1903]. A estética busca determinar o que, livre de todo esforço e toda reatividade, inclusive os sentimentos de prazer e dor, por si mesmo se nos apresenta como “um estado de coisas que racionalmente [reasonably] recomenda-se de per se em si mesmo à parte de qualquer consideração ulterior. Isso tem de ser um ideal admirável, possuidor da única bondade que tal ideal é capaz de ter, a saber, a bondade estética” [EP 2: 201, 1903; ver também EP 2: 379, 1906]. Para tentar vislumbrar que ideal é esse, cabe perguntar: o que desejaríamos experimentar e sentir em si mesmo, independentemente de ser belo ou feio, prazeroso ou dolorido? A tarefa da estética é determinar a natureza desse admirável, de modo a ser possível identificar, dentre as incontáveis qualidades de sentimento por si mesmas atrativas, qual é a mais admirável em si mesma. Existiria algo assim? Peirce dá uma resposta hipotética, que revela certo platonismo: “um objeto, para ser esteticamente bom, tem de ter uma miríade de partes de tal modo relacionadas umas às outras que uma qualidade positiva seja conferida à sua totalidade, [...] e não interessa qual possa ser a qualidade particular do todo” [EP 2: 201, 1903, ênfase adicionada]. A ênfase foi adicionada para chamar a atenção à irredutibilidade do bem estético à nossa capacidade de percebê-lo e à nossa tendência de julgá-lo moralmente, como a sequência do texto sugere: se o admirável nos causa náuseas, se nos assusta ou perturba de qualquer maneira, nem por isso deixa de ser o que é. Assim, em certo sentido, talvez a única maldade estética concebível esteja na ausência de qualidades de sentimento, o que é algo muito difícil de imaginar, pois, de fato, se os fins estéticos são qualidades de sentimento, a questão principal é em que grau nos afetam, e não como nos afetam.

3.2.3.2.     Ética


Como segunda ciência normativa, a ética depende em seus princípios da estética, quer dizer, é o estudo do que é em si admirável na ação, quer dizer, quais fins deliberadamente podemos adotar como admiráveis em si, e não por causa de alguma outra coisa. Ela é a ciência normativa par excellence, pois investiga os fins mais essenciais à ação voluntária, aqueles que, por serem esteticamente admiráveis, recomendam-se racionalmente à ação, o que faz do bem moral apenas uma espécie do bem estético. Por isso, a ética “é a teoria da conduta autocontrolada, ou deliberada”, a única forma de conduta, aliás, que pode ser julgada por critérios éticos, precisamente por estar sujeita à aprovação ou reprovação racionais [EP 2: 337, 1905]. Peirce também denomina a ética de prática [practics], enfatizando, com isso, a dimensão que ao mesmo tempo a aproxima e a diferencia da estética.
Para bem compreender o ponto, é preciso considerar como a dimensão das escolhas e ações individuais imbricam-se com a vida coletiva no sentido mais geral possível, o da própria humanidade. Uma questão se coloca para o cientista da ética: como é possível sentir o admirável em si sem querer ao mesmo tempo que ele seja o propósito de nossas ações, quer dizer, sem tentar realizá-lo em nossas vidas? De um lado, individualmente e isolados, somos “meras células num organismo social que é ele mesmo uma coisa bastante pobre e pequena”; por outro, e talvez por isso mesmo, a premência da ação controlada faz-se tanto mais forte, “obrigados que somos a tentar entender qual é a ínfima e definida tarefa a fazer, estabelecida pelas circunstâncias desse mundo de fardo cotidiano perante nossas pequenas forças” [EP 2: 40, 1898].
Nesses termos, o problema a resolver é qual escolha devemos fazer. No entanto, se a escolha for totalmente egoísta, ou totalmente altruísta, o problema permanece. Peirce parece recomendar que devemos escolher a forma de conduta que privilegie a continuidade, a mediação, entre as esferas individual e coletiva, mesmo que isso signifique, para o indivíduo, agir contra seus interesses ou satisfações imediatos. Vejamos.
Por um lado, adoção de um fim é algo que envolve uma aprovação qualitativa, uma escolha, em suma. Essa escolha, portanto, supõe algum grau de auto-controle, o que faz da ética “o estudo de quais fins estamos deliberadamente preparados a adotar." É correta a ação que está em conformidade com fins que estamos deliberadamente preparados a adotar. Isso é tudo que pode existir na noção de retidão [righteousness], conforme me parece” [EP 2: 200, 1903]. Por outro, a relação entre estética e ética é descrita em termos de um imperativo categórico: “no instante em que um ideal estético é proposto como um fim último de ação, nesse instante um imperativo categórico se pronuncia a favor ou contra ele” [EP 2: 202, 1903]. A referência à ética kantiana pode confundir o leitor, mas a diferença surge tão logo recorde-se que, como uma ciência, a ética é uma atividade investigativa, cujos resultados só podem ser afirmados a posteriori, isto é, depois do exame da experiência qualitativa de natureza estética. Vejamos.
Em primeiro lugar, a preeminência da estética sobre a ética faz com que o âmbito de segundidade da ação e da reação seja infundido de valor: a ação é logicamente posterior à adoção deliberada de certos ideais de conduta de natureza estética, na verdade, ela os pressupõe. Em segundo, se o esteticamente admirável nos afeta incontornavelmente, é pelo exercício do autocontrole que adotamos um ou outro curso de conduta relativamente a ele. Também aqui, é uma questão de grau saber o quanto somos capazes de ceder ou resistir aos apelos qualitativos da experiência: “O homem correto é aquele que controla suas paixões, fazendo-as conformes aos fins que está deliberadamente preparado para adotar como últimos” [EP 2: 200]. Assim, se Kant postulava que o único imperativo genuinamente ético é o incondicional, relegando o imperativo condicional – por ele chamado pragmático, aliás – às meras regras da prudência, Peirce preconiza, diferentemente, que a ética deve estudar se e quais fins devem ser considerados admiráveis para a conduta, isto é, quais fins estamos deliberadamente prontos a adotar, sabendo que, quaisquer que sejam, haverá mandamentos incondicionais contra e a favor deles [CP 1.600 e 5.130, ambos de 1903].
Com efeito, é uma reabilitação do imperativo hipotético-pragmático que aqui opera. Em outras palavras, se se quiser falar dessa maneira, trata-se de baixar a ética de alturas transcendentais à terra mais chã da experiência humana. A ênfase no autocontrole como fator essencial à ação ética indica que, para Peirce, a ação correta ganha importância em face do admirável estético, uma vez que, embora o admirável em si não tenha um valor em especial, nossas reações a ele sim: variando conforme a formação de nossa sensibilidade, nossos juízos perceptivos dão aprovações variadas, em variados graus, a diferentes qualidades de sentimento.  Qual, então, deve ser a norma ideal para nossa conduta, quer dizer, a qual propósito de ação conferir aprovação? Peirce sugere que a ação correta leva à continuidade da experiência coletiva, nos seguintes termos: “o progresso vem de cada indivíduo mesclar sua individualidade em solidariedade [sympathy] com seus próximos” [EP 2: 357, 1906]. Esse seria o summum bonum ético, aquele que racionalmente sugere-se ao indivíduo como fim admirável em si da conduta, um ponto que ele defendeu, aliás, desde os primeiros escritos da Série Cognitiva: “Quem não sacrificar sua própria alma para salvar todo o mundo é ilógico em todas as suas inferências, coletivamente. Então, o princípio social está intrinsecamente enraizado na lógica” [W 2: 271, 1869; ver também W 8: 185, 1892]. Com isso, chegamos enfim à lógica.

3.2.3.3.     Lógica: normatividade e semiótica

A terceira ciência normativa é a lógica, ou semiótica, já mencionada anteriormente. Com sua classificação das ciências, ele conseguiu distinguir mais precisamente a lógica da matemática da lógica. Essa subclasse da matemática investiga estruturas e relações meramente formais, independentemente de qualquer aplicação [seção 2]. Como ciência normativa, a lógica deve investigar a finalidade à qual dirige-se o pensamento autocontrolado, seu summum bonum. Por isso, ela depende da estética e mais diretamente da ética, pois o pensamento é algo que fazemos, uma forma de ação. É claro que há processos mentais que estão fora nosso controle racional, como “o crescimento dos nossos cabelos”, diz Peirce. No entanto, “quando instituímos um experimento para testar uma teoria, ou quando imaginamos uma linha extra a ser inserida num diagrama geométrico para determinar uma questão de geometria, esses são atos voluntários que nossa lógica, seja a de tipo natural ou a científica, aprova” [EP 2: 200]. Daí, fica clara a dependência relativamente à ética, bem como o próprio objeto de estudo da lógica.
Para o lógico, um simbolismo de feitio matemático é apenas uma ferramenta. Se o matemático extrai conclusões necessárias de hipóteses abstratas, isto é, se ele raciocina com símbolos, um lógico, diferentemente, estuda o raciocínio, quer dizer, examina como extrair conclusões necessárias: “faço a atividade da lógica ser a análise e a teoria do raciocínio, e não a prática dele” (CP 4.134, 1893). Ora, como raciocinar é uma forma de agir “de maneira controlada e deliberada”, quer dizer, “tendo em vista fazer o pensamento se conformar a algum propósito ou ideal”, a lógica deve se ater apenas à crítica e à análise do raciocínio deliberado e autocontrolado. Daí a utilidade do simbolismo, como instrumento para melhor representar as formas de raciocínio mais importantes na investigação científica (CP 5.534, 1905; 1.615, 1903).
Assim, o objeto privilegiado da lógica são as próprias formas de inferência e métodos de raciocínio, entendidas como formas de conduta deliberada, isto é, ações racionalmente autocontroladas. A pergunta fundamental a ser respondida é: a que fins devem nos levar o raciocínio? O que é admirável ao pensamento autocontrolado? Nada mais do que uma espécie do bem ético: “O bem e o mal lógicos [logical goodness and badness], os quais descobriremos serem simplesmente a distinção entre a Verdade e a Falsidade em geral, são, no fim das contas, nada mais do que uma aplicação particular da distinção real geral do Bem e do Mal Morais, ou da Retidão e da Malignidade [Righteousness and Wickedness]” [EP 2: 188, 1903; ver CP 5.130, 1903]. Cabe à lógica, então, estudar o que nos leva a adotar deliberadamente certos pensamentos e não outros, considerando que o pensamento tem como fim a Verdade, que é uma espécie de Retidão, e, portanto, de Admirável. Se o bem prático, ou ético, está nas ações admiráveis que levam à adesão à vida coletiva, então o bem lógico está nas formas admiráveis de pensar, “na excelência de argumento” [EP 2: 205, 1903], cuja meta é a verdade idealmente pública e coletiva [seção 1.2].
Assim concebida, a lógica é bastante diferente do que atualmente é comum entender. A maioria dos livros de lógica, ao menos os mais comuns, dedicam-se mormente à lógica dedutiva, senão à lógica dedutiva simbólica. Na classificação peirciana, a investigação lógica é bem mais ampla, tomando como objeto de estudo tudo o que possa exercer a função simbólica:
Ora, pode ser que a lógica deva ser a ciência da Terceiridade em geral. Mas, segundo eu a estudei, ela é simplesmente a ciência de o que tem de ser e o que deveria ser a verdadeira representação, na medida em que a representação pode ser conhecida sem qualquer recolhimento de fatos específicos além de nossa vida cotidiana ordinária. Em suma, ela é a filosofia da representação [CP 1.539, 1903].
Assim, a lógica não se confina apenas ao estudo dos argumentos válidos e, consequentemente, também os inválidos. Essa seria apenas uma parte da lógica peirciana. Na verdade, cabe ao lógico estudar todas as formas concebíveis de relações racionalmente harmônicas entre todos os tipos de signos. Daí que ela seja fundamentalmente semiótica.

3.2.3.3.1.    A teoria geral dos signos

Para Peirce, a lógica pode ser concebida de maneira estreita e de maneira ampla. A maneira estreita é justamente a lógica matemática, ou matemática da lógica, a lógica escrita com linguagem matemática que é a primeira subclasse da matemática como ciência heurística. Concebida de maneira ampla, a lógica seria a terceira ciência normativa, a doutrina formal e quasi-necessária do estudo dos signos. O prefixo latino quasi pode ser traduzido, aqui, de duas maneiras: a lógica é uma ciência como que necessária, a modo de necessária. Isso quer dizer basicamente duas coisas: primeiro, procedendo a análises puramente formais, ela estuda os signos com o intuito de dizer quais devem ser suas características para que possam ser usados cientificamente, e, segundo e consequentemente, ela toma para si a tarefa de elaborar uma representação simbólica eficiente para os mais diversos fins, inclusive o do cálculo, sem, no entanto, confundir com a ciência matemática do cálculo. Por essas razões, a lógica é semiótica ou semeiótica [semeiotics], como o rigor etimológico de Peirce o impele a escrever [CP 2.227, c. 1897; 4.373, 1902].
Como tal, ela estuda os signos, visando classificá-los e defini-los, bem como mostrar como eles agem e interagem, quer dizer, como acontece a semiose [CP 5.484, 1906], a qual nada mais é do que uma relação triádica entre o signo que representa, o objeto representado e o interpretante do signo. O interpretante pode ser grosseiramente definido como algum efeito na pessoa que interpreta (uma ideia em sua mente, ou uma emoção, por exemplo), embora uma pessoa efetiva seja desnecessária ao processo – o interpretante é outro signo, como numa máquina, ou computador, por exemplo, um comando é interpretado para dar continuidade a certo processo. Ao usar o termo, Peirce estava ciente das implicações psicologistas indesejadas que poderia suscitar, e reconheceu usá-lo apenas por fins didáticos, “como um pedaço de pão jogado a Cérbero”, por temer não ser compreendido [EP 2: 478, 1908]. É sempre claro, porém, em seus escritos, que o interpretante não se confunde com um intérprete de fato: assim como a semiótica é uma ciência quasi-necessária, a semiose só precisa de quasi-mentes para se dar [CP 4.551, c. 1905].
Há inúmeras definições de signo na obra de Peirce.25  Duas das mais famosas são as seguintes:
A] Um signo, ou representamen, é algo que representa algo para alguém sob algum aspecto ou capacidade. Ele se dirige a alguém, isto é, ele cria na mente dessa pessoa um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido. Esse signo que ele cria, chamo de interpretante do primeiro signo. O signo representa algo, seu objeto. Ele representa esse objeto não sob todos os aspectos, mas em referência a certa sorte de ideia, que denominei, às vezes, o fundamento do representamen [CP 2.228, 1897].
B] Um Signo, ou Representamen, é um Primeiro que entretece uma tal relação genuína com um Segundo, chamado seu Objeto, de modo a ser capaz de determinar que um Terceiro, chamado seu Interpretante, assuma a mesma relação triádica para com seu Objeto na qual ele mesmo está para o mesmo Objeto. A relação triádica é genuína, ou seja, seus três membros estão atados por ela de um jeito que não consiste em qualquer complexo de relações diádicas [EP 2: 272].
As duas citações deixam claro que um signo é uma estrutura triádica, e, como tal, capaz de exercer genuinamente a função de representação. De fato, dado o grau de generalidade das definições, é uma função sígnica, ou significativa, que Peirce circunscreve, fazendo com que signo, objeto e interpretante sejam funções lógicas, e não essências ontológicas. E, segundo o teorema notável, só é signo a função lógica genuinamente triádica. Em outras palavras, só uma genuína relação lógica entre três correlatos pode ser considerada um signo. Uma mera potencialidade, uma relação dual, não conseguem estabelecer mediações, para as quais é necessário relacionar no mínimo três correlatos. Assim, estabelecida essa relação, qualquer coisa pode ser um signo, bem como objeto ou interpretante de outros signos. Com efeito, Peirce arduamente defendeu que o universo está infundido de signos, “se não for exclusivamente composto de signos”, de modo que a quasi-mente faz parte de todos os processos naturais (físico-químico-biológicos etc.) [CP 5.448 n. 1, 1905]. Essa é a tese da realidade da terceiridade, que será explicada na próxima seção.
Segundo os princípios da fenomenologia, podemos identificar cada um dos correlatos do signo às categorias, chegando a uma melhor compreensão. Assim, o signo ele mesmo, ou representamen, como primeiro, é apenas signo em potencial, mera possibilidade de representação. O objeto, como segundo, determina o signo, é aquilo a que o representamen se refere, a alteridade a ele exterior da qual ele busca dar conta. Por isso, Peirce distingue dois sentidos de objeto, a saber, o objeto dinâmico, o objeto objetor em sentido forte, externo à representação, da qual é independente; e o objeto imediato, que é o objeto tal como o signo o representa, o que imediatamente aparece no signo. Tome-se o exemplo de uma fotografia de uma pessoa. A pessoa real e efetivamente existente pode ser muito diferente da imagem fotográfica. Ela é dinâmica, muda com o tempo, assume diferentes aspectos e feições com seus movimentos, conforme o tempo etc. A fotografia, no entanto, a representa sempre da mesma maneira. A pessoa, tal como representada na fotografia, é um objeto imediato, não uma coisa específica externa ao signo, mas uma ideia do objeto, construída no signo, pelo signo [EP 2: 407-409, 1905]. Já o interpretante, como terceiro, é o correlato que permite que a relação da representação com o objeto seja interpretada de certa maneira. Em outras palavras, o signo cria na mente do intérprete um outro signo do objeto, que será usado pelo intérprete para se referir ao objeto de certa maneira. Mas, o intérprete é necessário ou não? De modo algum, um intérprete humano é necessário, como já dito. Mas, mesmo que nenhum intérprete exista, “o interpretante [do signo] é uma ‘possibilidade’ [a ‘would-be’], isto é, é o que o signo determinaria no intérprete se houvesse um” [EP 2: 409, 1905]. Assim, no exemplo da fotografia, para relacionar o retrato com a pessoa retratada, é preciso que a fotografia seja interpretada como um retrato daquela pessoa. Isso é o que faz o interpretante: relacionando o objeto com a representação, o signo estabelece um sentido para a relação entre eles. Como o interpretante também pode ser interpretado, quer dizer, tomado como um objeto passível de representação, esse processo pode continuar ad infinitum. Com essa ideia, Peirce marca o caráter essencialmente intencional e potencialmente indeterminado do processo semiótico, quer dizer, ele é direcionado, no sentido de almejar um propósito, mas esse propósito não é dado, é indeterminado, o que faz da semiose uma ação que se espalha em todas as direções, sem bem começo nem fim. De fato, o signo só pode ser genuinamente signo se for interpretado como tal, e, se nem todas as interpretações tem o mesmo valor ou estão no mesmo nível, pois há um objeto (que pode ser outro signo) dinâmico, o fim do processo interpretativo é indeterminável. Assim como o objeto, também o interpretante pode ser entendido como dinâmico e imediato, mas também como final, e ainda como emocional, energético e lógico [EP 2: 409-415, 1905; 496-502, 1909]. Para enfatizar a possibilidade de continuação indefinida de um processo semiótico objetivo, ele ainda definiu um interpretante comunicativo, ou cominterpretante, como uma co-mente, isto é, uma mente coletiva ou comum, presumivelmente de natureza externa, na qual fundem-se as determinações da mente do emissor (o interpretante intencional) e do intérprete (o interpretante efeitual [effectual]) para que qualquer comunicação aconteça [EP 2: 478, 1906].  Essas classificações foram desenvolvidas por Peirce apenas no final de sua vida, culminando investigações que se estenderam por muitos anos, o que torna impraticável explicá-las todas aqui.26
Cada uma das funções sígnicas suscita um tipo de investigação diferente, quer dizer, uma maneira própria de estudar os signos, sempre segundo o princípio das categorias. Com efeito, Peirce consistentemente dividiu a semiótica em três subordens, embora nem sempre tenha consistentemente mantido as mesmas definições para elas.27 A divisão mais conhecida talvez seja a seguinte:

A.1.2.II.c.i] Gramática Especulativa, ou estudo das formas de semiose;
A.1.2.II.c.ii] Lógica propriamente dita, ou estudo das condições de verdade dos signos;
A.1.2.II.c.iii] Retórica especulativa, ou lógica objetiva, estudo das condições de transmissão dos signos.


Após 1902, Peirce modificou essa classificação, descontente com a falta de lugar para o pragmatismo nela, bem como por considerar que ela não representava precisamente a distinção entre a lógica em sentido amplo e a lógica em sentido restrito, conforme a divisão de matemática da lógica e lógica como semiótica já mencionada. Assim, ele teria chegado a algo próximo da seguinte divisão, na qual trabalhou de 1902 em diante, até próximo de sua morte:


Semiótica, ou lógica em sentido amplo:     
A.1.2.II.c.i. Lógica dos ícones;
        A.1.2.II.c.ii. Lógica dos índices;
        A.1.2.II.c.iii. Lógica dos símbolos:
A.1.2.II.iii.i. Estequiótica: estudo da natureza e do significado dos signos;
A.1.2.II.iii.ii. Crítica lógica, ou lógica em sentido estrito: estudo dos elementos, formas e eficácia dos argumentos em vista da verdade;
            A.1.2.II.iii.iii. Metodêutica: estudo dos métodos (pragmatismo).

Para compreender essa classificação, é necessário recorrer à classificação dos signos, que seria objeto de estudo da gramática especulativa, na divisão anterior.
A classificação dos signos combina dois princípios: primeiro, os signos são classificados segundo as categorias fenomenológicas, isto é, como representativos de qualidades de sentimento, de ações e reações e de representações de toda ordem, ou pensamentos; então, são classificados conforme forem considerados em si mesmos, conforme a relação com o objeto e conforme a relação com o interpretante. Veja-se o quadro a seguir:




Todo signo envolve, de alguma maneira, um objeto, a representação desse objeto – o fundamento – e o interpretante, isto é, a maneira como representação e objeto representado se relacionam segundo um ato interpretativo. No entanto, nem todas as combinatórias de objeto, representamen e interpretante são possíveis, pois, conforme a ordem das categorias, há uma condicionalidade operante nessas relações: o objeto determina o signo, o qual, por sua vez, pelas suas características formais próprias, só é capaz de representar alguns outros objetos, determinando, assim, o âmbito dos interpretantes (CP 8.177, sd.). Se todas as combinações fossem possíveis, teríamos vinte e sete tipos diferentes de signos.28 No entanto, pelas limitações apresentadas, Peirce distinguiu inicialmente apenas 10 classes de signos, posteriormente chegando a 66 classificações, o que torna impossível resumir suas pesquisas aqui.  No entanto, um princípio fica claro já aqui: ao organizar os signos segundo as categorias, vê-se que o possível (o que está sob a primeiridade) pode ser prescindido do existente (segundidade) e não é determinado por ele, mas não vice-versa; e o existente pode determinar o geral (terceiridade), mas ambos não podem ser completamente dissociados, pois uma lei geral só é real se houver alguma instância particular por ela regulada, e para todo caso particular é possível encontrar uma lei geral. Com isso, chegamos à metafísica, a terceira das atividades investigativas da filosofia.


Figura 2: Diagrama das 10 classes de signos desenhado por Peirce num esboço de carta para Lady Welby, 24-25/12/1908 (L 463: 146). Observe-se a numeração das categorias.


3.2.4.    Metafísica


De acordo com seu realismo, Peirce sustenta que a característica essencial das relações genuinamente triádicas não é apenas um fruto da mente humana, mas está realmente presente nos fatos e fenômenos do mundo externo. Essa é a ideia da realidade da terceiridade, uma das pedras de toque da filosofia peirciana, assentada na terceira ciência filosófica, a metafísica. A metafísica é, de fato, um dos temas preferidos de Peirce, ao qual ele dedicou muito de seu esforço intelectual, combinando elementos de matemática, semiótica, física, ontologia e cosmologia. Por isso, é muito difícil resumir suas ideias, e a caracterização aqui apresentada é apenas uma brevíssima introdução apenas aos seus principais delineamentos.29 
O objetivo da metafísica é dar uma explicação completa e crítica “dos aspectos mais gerais da realidade e dos objetos reais”, preparando o caminho, com isso, para que as ciências especiais descrevam como as leis físicas e psíquicas operam no mundo [CP 6.1-5, 1898; CP 6.6, 1903]. Mas, para ele, isso só seria possível a uma metafísica renovada, baseada na semiótica, capaz de superar o estado atrasado em que estancara por muito tempo. De fato, a base semiótica da metafísica peirciana é um de seus pontos mais originais:
"[...] o universo inteiro – não apenas o universo dos existentes, mas todo esse universo mais amplo, compreendendo o universo dos existentes como uma parte, o universo ao qual estamos todos acostumados a referir como “a verdade” – todo esse universo está permeado de signos, se não for composto exclusivamente de signos [EP 2: 394, 1906]."
Isso quer dizer, em primeiro lugar, que a semiótica fornece a base sobre a qual a metafísica peirciana se desenvolve. Ao tentar compreender a realidade dos fenômenos, a metafísica lança uma hipótese sobre a natureza deles que os considera como fenômenos semióticos, isto é, essencialmente triádicos e teleológicos. Por isso, metafísica peirciana é um idealismo objetivo, quer dizer, ela considera que há uma conaturalidade de natureza eidética30 entre ser e ser representado. O idealismo objetivo é a melhor – talvez a única aceitável – hipótese sobre a inteligibilidade do universo. Ao menos a única que, para Peirce, considera seriamente a teoria da evolução: se, no início, mente e matéria formavam uma única substância primordial, por que supor que agora estariam separadas? Ele de fato sustenta, seguindo F. W. J. von Schelling (1775-1854), que “a matéria é mente efetivada, hábitos inveterados tornando-se leis físicas” [W 8: 106, 1890], recuperando com isso a tese da continuidade entre ser e pensamento como resposta à querela dos universais [seção 1.2].
A semiótica, então, permite ao metafísico formular uma hipótese sobre a constituição da realidade como um fenômeno de terceiridade, aquilo que Peirce chama de “razoabilidade”, afirmando que a semiose, como ação do pensamento, “é o espelho do ser” [CP 1.487, 1896]; ou, ainda, que a questão mais importante da metafísica é explicar, contra os nominalistas, como a realidade pode ser “uma questão de Terceiridade como Terceiridade” [EP 2: 197, 1903]. Assim, a semiose é usada como um modelo para descrever a realidade como um processo mental contínuo e teleológico [EP 2: 24-25, 1898; NEM 4: 343-344, c. 1898]. Essa ideia é essencial ao sinequismo do autor, um princípio lógico de explicação da realidade, para o qual a hipótese da continuidade real é fundamental em filosofia, uma vez que supor que os fatos são em última instância completamente isolados uns dos outros é supor que a mediação e a relação são impossíveis, quer dizer, que os fatos são inexplicáveis, um contrassenso lógico que apenas bloqueia o caminho da investigação [W 6: 178-179, 1887-1888; EP 2: 356, 1905; W 8: 192-193, 1892; EP 2: 48, 1898; CP 6.173, 1902; CP 5.4, 1902].
A teoria do sinequismo é desenvolvida numa série de 5 artigos escritos por Peirce para a revista filosófica The Monist, uma publicação dedicada à reconciliação entre ciência e religião. Por esse motivo, talvez, Peirce enfatiza o diálogo entre ciência e religião como em poucas vezes em sua obra, chegando a afirmar que sua metafísica permite “retornar ao princípio da Cristandade” [W 8: 126, 1892].31  Nesses artigos, ele se esmerou em fundamentar algumas de suas mais profundas especulações filosóficas, usando toda sua erudição científica, filosófica e literária em seus argumentos. Mesmo a quem discorde de suas ideias, o resultado é impressionante.
O ponto inicial é a tentativa de explicação dos fenômenos a partir da hipótese da continuidade. Especificamente, o metafísico sinequista deve poder afirmar que as mesmas leis do universo físico valem para o universo psíquico, com a preeminência deste sobre aquele. Por isso, a suposição mais plausível é a de que a realidade é governada pela lei da mente, cuja definição é dada no seguinte enunciado:
"A análise lógica aplicada aos fenômenos mentais mostra que não existe senão uma lei da mente, a saber, que as ideias tendem a difundir-se continuamente e a afetar certas outras que se encontram em relação a elas numa peculiar relação de afetibilidade. Nessa difusão elas perdem intensidade, e, principalmente, o poder de afetar outras, mas adquirem generalidade e fundem-se com outras ideias [W 8: 136, 1892, trad. port. ligeiramente modificada]."
Entendamos bem o que isso quer dizer. Por um lado, o crescimento da lei da mente, entendido evolutivamente, significa passar da disformidade à uniformidade [CP 6.101, 1902], quer dizer, a lei da mente é a lei da tendência à consolidação do hábito. Na cosmogonia peirciana, isso significa que, de um estado de caos absoluto, o universo demonstra a tendência a um estado final de estase quasi-absoluta, no qual a mente se consolidaria completamente na matéria inerte (essa é a tese do idealismo objetivo entendida evolutivamente) [W 8: 155-156, 1892]. Por outro, a lei da mente é a lei do afeto, palavra que, em inglês, pode ser entendida conforme ao menos duas acepções, quais sejam, afetar e afeiçoar(-se):32 as ideias só se afetam mutuamente por entreterem relações contínuas entre si, nas quais não apenas o mecanicismo atua, mas, também e sobretudo, o afeiçoamento recíproco por serem da mesma natureza, o que leva diretamente ao partilhamento de características comuns, num processo tendencial à aquisição de hábitos [W 8: 148-149, 1892; 185-186, 1892]. Disso, Peirce conclui que a terceiridade é real, e, consequentemente, também o são a segundidade e a primeiridade, pois, como toda semiose, a lei da mente operativa na realidade envolve processos triádicos, diádicos e monádicos [W 8: 135-157, 1892; CP 2.295, 1895]. Cabe ao metafísico propor explicações para esses processos, supondo sua continuidade na realidade.
A continuidade real suposta pelo princípio do sinequismo é explicada por Peirce como um amálgama das características da aristotelicidade e da kanticidade: “[...] A kanticidade é ter um ponto entre quaisquer dois pontos. A aristotelicidade é ter todo ponto que é um limite para uma série infinita de pontos que pertencem ao sistema” [CP 6: 166, 1903]. Assim, a definição peirciana do genuíno contínuo pode ser expressa da seguinte maneira: a continuidade verdadeira é definida pela divisibilidade infinita, em que as partes partilhem limites comuns. A essa noção, Peirce dá uma sofisticada prova matemática, na qual critica tanto a tese de G. Cantor (1845-1918) sobre o infinito quanto tenta superar a fundamentação do contínuo na noção de infinitesimal, da qual não é possível dar aqui uma explicação pormenorizada, apenas a ideia geral.33  A tese peirciana diz, grosso modo, que uma coleção contínua não pode ser um agregado de partes distintas entre si. Justamente pelo fato de que há uma relação triádica entre as partes a definir sua inclusão na coleção, a continuidade vem do fato de que é possível marcar distinções, determinando e dividindo a continuidade, sem que as partes tenham preeminência sobre o todo. Uma continuidade verdadeira, por conseguinte, não tem partes, mas pode vir a ter partes. Dessa maneira, em um contínuo verdadeiro a distinção entre as partes individuais é ausente, pois essa distinção é meramente possível, e não efetiva. Além disso, a infinita – e não infinitesimal – divisibilidade é também aplicável às partes do todo, e, assim, nunca há uma parte constituinte derradeira que seja indivisível – não há átomos. Aplicando essa conclusão à experiência, podemos supor, então, que não há fatos isolados na realidade [W 5: 162-163, 1885; EP 2: 94, 1901; EP 2: 356, 1905].
No entanto, que a segundidade seja real é fácil explicar, pois o elemento de dualidade na experiência, a pura contingência mecânica, é facilmente experimentado em fatos brutos (ações e reações). A dificuldade está em explicar a regularidade, quer dizer, a realidade do elemento de primeiridade, a espontaneidade real, bem como o elemento teleológico de generalidade, a terceiridade real. Para Peirce, isso é necessário porque a hipótese de que todo evento real é redutível a algum tipo de processo mecânico é incapaz de explicar como mudanças qualitativas na realidade podem ser descritas quantitativamente, como, por exemplo, no caso das leis da termodinâmica, conforme a paráfrase na enunciação da lei da mente declara.
Com base nas categorias cenopitagóricas, Peirce defende que todo fenômeno apresenta um elemento de espontaneidade, um elemento de alteridade absoluta e um elemento de generalidade, os quais, traduzidos ontologicamente em aspectos da realidade, significam acaso, alteridade e capacidade de adquirir hábitos ou regularidade, os quais nada mais são do que a manifestação externa do sentimento, da reação e do pensamento, respectivamente [CP 1.409, 1895; seção 3.2.3]. Nunca é demais lembrar que a metafísica peirciana não postula que todos os fenômenos são contínuos, mas considera a continuidade como uma hipótese explicativa sem a qual seria praticamente impossível fazer sentido da realidade, como já enfatizado.

3.2.4.1.    Continuidade, lógica e evolução

A continuidade verdadeira pode ser entendida segundo as duas categorias da primeiridade e a da terceiridade. Por um lado, a expressão lógica da continuidade sob a primeiridade é a vagueza, para a qual não vale o princípio de não-contradição; por outro, a continuidade sob a terceiridade é expressa pela generalidade, para a qual não vale o princípio do terceiro excluído [EP 2: 351, 1906]. O que isso significa?
O entendimento peirciano dos princípios lógicos citados difere das suas interpretações contemporâneas na lógica sentencial. Nos termos desta, o princípio de não-contradição diz que nenhuma sentença bem formada pode ser simultaneamente verdadeira e falsa, e o de terceiro excluído diz que uma sentença bem formada ou é verdadeira ou é falsa e não há outra possibilidade. A lógica de Peirce, diferentemente, enfatiza as propriedades na lógica de predicados, e não o valor-de-verdade das sentenças [seção 2 e seção 3.1]. Assim, ele entende que o princípio da não-contradição diz que, para todas as propriedades p, nenhum sujeito tem ambas as propriedades p e não-p, quer dizer, ele faz a negação conjunta de “S é P” e “S não é P” [seção 2]. Quanto ao princípio do terceiro excluído, ele entende que, para todas as propriedades p, qualquer sujeito tem ou a propriedade p ou a propriedade não-p, quer dizer, ele faz uma disjunção exclusiva, ou “S é P” ou “S não é P”. Esse é um entendimento tipicamente peirciano: usar uma interpretação ontológica de princípios lógicos para definir a natureza metafísica, no caso, das possibilidades.34
Assim, os princípios evocados valem somente para sujeitos determinados, isto é, para o que possa ser objeto representado por um índice. Contudo, tanto num estado de primeiridade, pleno de qualidades indeterminadas de sentimento, quanto num estado de terceiridade, onde vige a perfeita lei lógica, esses sujeitos de fato inexistem, embora nada impeça que possam vir a ser.
Por um lado, a primeiridade circunscreve o âmbito da pura possibilidade, a qual, ontologicamente falando, inclui até mesmo seu contrário – se tudo é possível, então nada é igualmente possível. Em outras palavras, se qualquer sujeito singular é ou não um caso específico de certa possibilidade, isso só pode ser decidido a posteriori, e não na base da própria possibilidade. Por isso, Peirce afirma que um signo vago “reserva a algum outro signo ou experiência a função de completar a determinação” do sujeito de que se fala, a qual ele deixa em aberto [CP 5.505, 1902]. O princípio de não-contradição não vale aqui, pois as entidades são categorizadas como primeiras, quer dizer, sua modalidade é a vagueza: como dizer qual delas é verdadeira e qual é falsa, qual pode ser e qual pode não ser? Ora, “’Este mês’, diz o oráculo-almanaque, ‘um grande evento deve ocorrer’. ‘Que evento? ’ ‘Ah, veremos. Isso o almanaque não conta’” [idem].
A interpretação do princípio do terceiro excluído segue linhas parecidas. Um sgino geral deixa “sua interpretação efetiva indeterminada, cedendo ao intérprete o direito de completar a determinação para ele mesmo” [id.]. A modalidade, aqui, é a da generalidade própria da terceiridade, isto é, a da normatividade da lei que vale para todo e qualquer sujeito por ela regulado, atribuindo-lhe uma propriedade que o insere num dado conjunto: “‘O homem é mortal’. ‘Qual homem? ’ ‘Qualquer homem que desejes’” – exista ele de fato ou apenas potencialmente [id.]. Novamente, as entidades categorizadas como terceiras não obedecem ao princípio de terceiro excluído: ser terceiro é ser da natureza de um would-be, uma possibilidade condicional, tão real quanto qualquer fato concreto [EP 2: 457; 501, ambos de 1909]. No exemplo dado, Peirce quer dizer “Todo homem é mortal”, e por isso a possibilidade geral é condicional, pois dizer que todo homem tem a propriedade de ser mortal é o mesmo que dizer que, se houver um indivíduo com a propriedade de ser homem, então esse indivíduo também terá a propriedade de ser mortal. Como a proposição refere a uma sem número possível de indivíduos, isso se dá sem prejuízo, é claro, da especificação ulterior de outras propriedades: não importa quantos homens possam ter sido examinados, a possibilidade de haver outros que não o foram tem necessariamente de permanecer aberta [W 2: 208, 1868 e 391, 1870; EP 2: 209-211, 1903]. Assim, é uma evidente falsidade que “Todos os homens ou são mortais ou não são mortais” [EP 2: 168, 1903; mas ver NEM 4: 168, c. 1901, para uma posição diferente], e, com isso, perde vigência o princípio do terceiro-excluído.
Por um lado, então, a vagueza significa que o continuum qualitativo do real jamais será exaurido, restando sempre algo de indeterminado. Por outro, a vagueza pode ser reduzida pela generalidade, a qual, por sua vez, pode sempre e cada vez mais ser especificada em suas instâncias particulares concretas, categorizadas pela segundidade. E, de fato, a única modalidade para a qual valem todos os princípios da lógica clássica é a da individualidade atual e efetiva, explicitamente determinada, dos itens categorizados como segundos. Ora, indivíduos específicos têm todas as propriedades que têm, e é impossível não tê-las ou ter propriedades contraditórias sem perder sua ipseidade, quer dizer, sem deixar de ser eles mesmos [CP 3.434, 1896]. No entanto, dado que os indivíduos podem sempre fazer parte de um ou outro grupo, ser categorizados de uma ou outra maneira – estão inseridos num continuum de possibilidades – a determinação absoluta é possível apenas idealmente, uma vez que a própria existência individual é definida em termos relacionais: ser isto ou aquilo é reagir de uma maneira ou de outra, é permanecer em estado de alteridade [CP 1.341, c. 1895; NEM 4: 135, c. 1902; ver seção 1.2].
Dessa base, Peirce extrai uma hipótese sobre o processo de formação e evolução do cosmos, na qual a origem do universo é supostamente um estado de primeiridade, de nada absoluto, a partir do qual, pela lei da mente, surgem processos específicos que redundam num estado de segundidade, mas não absoluta, pois, nele, a transmutação das formas prossegue na formação de hábitos, num crescimento da terceiridade, caminhando então para o enrijecimento total da lei da mente. Esse estado final, porém, só é assintoticamente atingível, ou seja, é o limite da evolução cósmica, pois a própria tendência à aquisição de hábitos é um hábito que só pode surgir com o tempo a partir da quebra de outros hábitos: “é a catástrofe, o acidente, a reação que põem o hábito numa condição ativa e criam um hábito de mudar hábitos” [NEM 4: 142, c. 1902]. O elemento de acaso no universo, dessa maneira, nunca se esgota e é ontologicamente constitutivo da evolução; e a necessidade rigorosa, por conseguinte, não é originária, mas originada.  
Em importante artigo de 1893, “Amor evolucionário”, Peirce identifica, nesse processo cósmico,35 três modos específicos de evolução: evolução por acaso, ou ticástica, evolução por necessidade estrita, ou anancástica, e evolução pelo princípio cósmico do amor, ou agapástica.
A doutrina do tiquismo, do grego tychê, acaso, explica o primeiro modo de evolução. Segundo essa doutrina, opera no cosmos um acaso absoluto como força propulsora da evolução, como elemento real dos fenômenos, e não como um fator devido meramente à nossa ignorância ou incerteza quanto ao comportamento dos fatos. O evolucionismo de C. Darwin (1809-1882), para Peirce, é dessa segunda estirpe: explicando o desenvolvimento orgânico segundo o princípio da variação fortuita, a teoria da seleção natural não refuta o “individualismo mecânico”, ao contrário, faz dele o princípio do acaso [W 8: 189-191, 1892]. Para Peirce, apenas o acaso absoluto impede a completa efetivação da mente em matéria morta, mantendo vivo um contínuo de possibilidades reais de natureza vaga, numa inesgotável indeterminação própria à “lógica dos eventos” [NEM 4: 344]. Essa vagueza, prenhe de possibilidades, é própria da primeiridade e está presente em todos os eventos, como um resíduo de possibilidades inesgotável por qualquer determinação – em lances de dados, por exemplo, é possível determinar o caráter geral dos resultados, quer dizer, é certo que os resultados estarão dentro do espectro de 1 a 6; mas qual número específico, em qual lance especifico, é praticamente impossível determinar [W 4: 549, 1893]. Esse argumento permite a introdução da ideia da espontaneidade em todos os fenômenos, numa radical recusa do determinismo.
A doutrina do anancismo explica o modo de evolução por necessidade mecânica e é ligada, evidentemente, à segundidade. Contrária à tese da evolução por acaso (fortuito ou absoluto), a doutrina defende a preeminência da necessidade sobre a possibilidade, de maneira a postular determinação de todos os eventos naturais previamente a eles acontecerem, o que Peirce considera ilógico: como poderia a ordem originar o caos? Não é mais razoável supor o contrário? [W 8: 191-192].
Como preâmbulo à doutrina do agapismo, Peirce discute o evolucionismo de J.-B. de Lamarck (1744-1829), dando-lhe uma interpretação bastante original. Como se sabe, a teoria de Lamarck defende que o desenvolvimento orgânico obedece a duas leis, a saber, a do uso e da falta de uso de certas partes do corpo em virtude de interações com o ambiente, e a de que mudanças fisiológicas adquiridas na vida de um organismo podem ser transmitidas às gerações posteriores, a famosa hipótese da herança de características adquiridas. Esta última é que interessa a Peirce: para ele, essa transmissão tem a forma de uma aquisição de hábitos, e, como tal, é um processo teleológico passível de interpretação semiótica. A bem dizer, a exclusão da teleologia de todo processo evolutivo é a principal falha por ele identificada no tiquismo, ao passo que no anancismo o problema é a postulação ab ovo do telos, o que o torna uma determinação essencial imutável de uma evolução mecânica.
A hipótese peirciana deve, então, explicar que o acaso realmente opera no cosmos, mas sem descartar completamente um telos evolutivo, uma vez que isso tornaria impossível explicar a regularidade e a uniformidade na natureza (a realidade da terceiridade, em suma). Por isso, ele excogita que a evolução se dá segundo um princípio cósmico de aquisição de hábitos tendencialmente direcionada a uma harmonia final, na qual a inclusão das divergências obedece a lei da mente [W 8: 203, 1892]. Assim, o telos ele mesmo não está dado, mas constitui-se e também evolui no processo, o que significa que os hábitos não se repetem identicamente, mas incorporam-se num movimento que permite o surgimento do novo e sua integração no continuum absoluto (cuja imagem perfeita é a do tempo [W 8: 238, 1903]), o qual é marcado pelo desenvolvimento eidético na direção da estase ideal última. A esse princípio do amor evolutivo ele nomeia com o substantivo feminino grego ágape, o qual contrasta com o princípio do amor individualista, direcionado a interesses particulares, nomeado pelo substantivo masculino grego eros. Ágape é o termo que designa o amor de Deus pelos humanos e dos humanos por Deus, segundo o evangelho de João (Jo 13: 34; 15: 12): amai-vos uns aos outros como eu vos amei. Peirce usa o termo intencionalmente, parafraseando o mandamento de Jesus como uma expressão da Regra de Ouro, a qual “evidentemente, não diz ‘faz todo o possível para gratificar os impulsos egoístas do teu próximo’, mas diz ‘sacrifica tua própria perfeição em favor do aperfeiçoamento do teu próximo’” [W 8: 185, 1903]. Com isso, ele pode concluir:
“Eis, pois, o problema. O evangelho de Cristo diz que o progresso provém do fato de cada indivíduo fundir a sua individualidade em simpatia com a de seu próximo. De maneira oposta, a convicção do século dezenove é a de que o progresso se dá em virtude de cada indivíduo lutar com todas as suas forças pelo seu próprio bem, mesmo pisando sobre o próximo sempre que puder. Seria bastante adequado dar a isso o nome de Evangelho da Ganância ”. [W 8: 189, 1892, trad. bras. ligeiramente modificada].
A metafísica peirciana, assim, representa o ponto culminante de suas preocupações filosóficas. Nela confluem seus argumentos filosóficos, suas hipóteses científicas e sua fé religiosa. De fato, Peirce concebe a ciência como uma atividade quasi-religiosa: a verdade almejada pelos cientistas é praticamente a verdade de Deus, talvez até mesmo confundindo-se com ele – Deus é a abdução suprema, a terceiridade real idealmente concretizada, conforme pode-se supor por um de seus mais elaborados artigos, “Um argumento negligenciado para a realidade de Deus” [EP 2: 434-450, 1908] .36
Em certo momento, ele afirma que alguns sentimentos anímicos do cientista são “exigências indispensáveis da lógica”, quais sejam, “o interesse numa comunidade indefinida, o reconhecimento da possibilidade desse interesse ser tornado supremo e a esperança na continuação ilimitada da atividade intelectual”. Esses sentimentos nada mais são do que a versão para a atividade científica das três virtudes paulinas da fé, da esperança e da caridade, esta última denominada ágape [W 3: 284-285, 1878]. De fato, ele não entendia a vida científica antagonicamente a religião alguma [W 3: 321, 1878]. A diferença entre ciência e religião é que esta nos conta nosso lugar no cosmos, ao passo que aquela nos impele na busca da verdade. Consideradas como atividades complementares, uma não pode viver sem a outra: a busca da verdade só tem sentido coletivamente, e o sentimento religioso no indivíduo impele-o a buscar integrar-se ao todo [CP 6.428-434, 1893]. Mais uma vez, recusando polarizações e dicotomias simplistas, a filosofia de Peirce enfatiza a continuidade e a mediação entre o que o senso-comum talvez entenda como discrepante.

Notas

1 Segundo M. Kusch [1995, p. 101], o termo “psychologismus” foi usado pela primeira vez em 1866, por Johann Eduard Erdmann.

2 Para um aprofundamento do tema, especialmente com ênfase na abdução, ver Rodrigues [2011].

3 Ver K.-O. Apel [1995], p. 87; C. Delaney [2002].

4 Uma justa avaliação das contribuições de Peirce à lógica, em toda sua extensão, é algo impossível para um único artigo e ainda está para ser feita. Sem deixar de ser sistemática, sua obra é multifacetada, extensa e profunda. Para aprofundamento, ver os artigos em N. Houser, D. D. Roberts and J. van Evra (eds.) [1997], sobre os vários aspectos da lógica de Peirce, especialmente a lógica dedutiva formal.

5 Trata-se do conectivo da negação conjunta, ou porta NOR (de not or), como se diz atualmente em teoria da computação, ou, um pouco mais raro, adaga de Quine. Peirce antecedeu em mais de trinta anos o conhecido trabalho de Henry M. Sheffer [1913], usado por Wittgenstein no Tractatus logico-philosophicus, e conhecido por chegar às mesmas conclusões para o conectivo da negação da conjunção, ou porta NAND (de not and).

6 Todavia, H. Putnam [1982] defende que, apesar da prioridade cronológica de Frege, é a Peirce que a história dos quantificadores na lógica contemporânea deve remontar. A respeito, cf. N. Houser [1997], p. 5; G. Brady [2000] parece dar robusto sustento à mesma ideia, embora sem enunciá-la da mesma maneira. Atualmente, aceita-se que Peirce e Frege trabalharam independentemente, e Frege teria publicado seus resultados primeiramente em 1879, ao passo que Peirce apenas depois de 1880. Todavia, não pode ser descartada completamente a conjectura de que ao menos tinham notícia dos trabalhos um do outro, conforme argumenta Hawkins Jr. [1997], pp. 134-137. Indo além da pura especulação, parece mais interessante a abordagem de I. Anellis [2012], buscando mostrar como a lógica de Peirce possui todos os requisitos de superação da lógica tradicional considerados originários e exclusivos, no século XIX, da de Frege. Sobre o livro editado por Peirce, ver a introdução de N. Houser a W 4, p. lix.

7 Ver C. Tiercelin [1991]. Esse ponto será retomado na seção 3.2.3. Na seção 3, veremos que Peirce reserva um lugar específico para a matemática da lógica na sua classificação das ciências.

8 Com base num artigo escrito por seu orientando O. H. Mitchell, On the algebra of logic, publicado em Studies in logic by members of the Johns Hopkins University, livro editado por Peirce com textos seus e de seus estudantes. Peirce escreveu duas “notas” finais ao livro: a “Nota A”, sobre o silogismo, não versa sobre quantificação; e a “Nota B”, na qual, a partir de Mitchell, ele introduz os quantificadores, embora de maneira própria. Explorar aqui as diferenças entre os métodos do mestre e do aluno é impossível. Para tanto, consultar Brady [1997], especialmente pp. 180-185. Ver também as referências da nota 4.

9 O interesse pelos grafos existenciais aumenta cada vez mais, e, com isso, surge significativa bibliografia sobre o assunto. Para uma introdução aos sistemas alfa e beta, ver L. de Moraes e J. Queiroz [2001] e [2004]; organizado pelos mesmos autores, consultar o volume A lógica de diagramas de Charles Sanders Peirce [2013], para artigos sobre diversos aspectos da teoria. Ver ainda J. Jay Zeman [1964]; D. D. Roberts [1973]; C. Tiercelin [1991]; S.-J. Shin [2002]; F. Stjernfelt [2007]; J. Sowa [2011].

10 Conforme a opinião de C. Hookway [1985, p. 107 seq.].

11 O título “teorema notável” é dado por Herzberger [1981]; cf. ainda Hookway [1985]; Burch [1991], a primeira demonstração matemática da validade do teorema, e [1997], para um desenvolvimento dessa prova; Anellis [1997]; Brunning [1997]; Parker [1998], cap. 3; Pietarinen [2006], cap. 6; Bergman [2009], cap. 4. Na verdade, como se sabe, W. v. O. Quine demonstrou que bastam relações binárias para contruir um sistema formal completo, podendo todas as demais de aridade superior ser derivadas delas. Isso não prova, no entanto, que Peirce estava errado, pois Quine trabalhou com outra lógica. Como diz Burch [1997], ambos estão corretos.

12 Para aprofundar o assunto, ver I. A. Ibri [1992], cap. 2.

13 Com efeito, sabe-se que Peirce adotou o termo de J. Duns Scotus. O principal trabalho acerca da influência dos filósofos medievais sobre Peirce ainda é de J. Boler [1963]. Ver ainda M. Murphey [1961], p. 300; R. H. Pich [2005].

14 A biografia de Brent [1998] dá uma boa ideia da variedade de atividades científicas exercidas por Peirce. Para uma visão rápida de sua carreira científica profissional, ver o esboço biográfico em <https://www.nps.gov/dewa/learn/historyculture/upload/cmscsppeikj.pdf>. Isso é algo que todos os comentadores de sua obra não deixam passar despercebido. No sítio virtual do Peirce Edition Project <http://peirce.iupui.edu/peirce.html#biography> podem ser lidas todas as introduções, escritas por diversos autores, para a edição crítica de seus escritos, os Writings of Charles S. Peirce: A chronological edition. As introduções aos volumes 3, por M. H. Fisch, 4 e 5, por N. Houser, são especialmente elucidativas quanto à atuação profissional de Peirce como cientista. Não se pode esquecer os dois volumes organizados por C. Eisele, com escritos de Peirce sobre filosofia e história da ciência: Historical perspectives on Peirce’s logic of science, 1985.

15 Cf. K. Parker [1998], pp. 28 seq., para uma sucinta e didática apresentação. B. Kent [1987] traz algumas representações gráficas para ilustrar essa citação, sem, infelizmente, aprofundar os argumentos do autor. Para tanto, ver Santaella [1992], para quem a classificação das ciências de Peirce é como uma “cartografia das ciências”. Até hoje, esse livro está seguramente entre o que melhor se produziu sobre o tema no mundo.

16 Ver NEM 4: 17, para uma diferente colocação das ciências práticas. Ver ainda EP 2: 258, 1903.

17 Ver L. Santaella [1992].

18 O texto desse intermezzo está disponível, em francês, em hipertexto, em vários sítios da Internet, por exemplo: <http://www.toutmoliere.net/le-malade-imaginaire,51.html >

19 Apud Brent [1998], pp. 300-301.

20 Essa posição é defendida por praticamente todos os comentadores do autor. Citamos apenas alguns, dos quais outros podem ser buscados: C. Misak [2013], pp. 45-47 e [2002]; H. Boero [2013]; K. Parker [2003]; L. G. Valldejuli e J. Nubiola [2016].

21 Para entender a crítica de Peirce a Hegel, é fundamental conhecer as primeiras objeções que ele dirigiu a J. Royce [1855-1916], numa resenha crítica de The world and the individual [O mundo e o indivíduo] [W 5: 221-234, 1895]. O ponto central da crítica é que Royce desconsidera o elemento bruto da experiência, o “choque externo” [outward clash], tendendo a reduzi-lo a uma idealidade. Essa é uma atitude tipicamente hegeliana, para Peirce.

22 Esse ponto lembra imediatamente a redução fenomenológica de E. Husserl [1859-1938], com a qual mantém semelhanças, mas também importantes diferenças. Há diversos estudos sobre as relações entre Peirce e Husserl, e hoje sabe-se que os autores tinham conhecimento um do outro, embora permaneça incerto o quanto conheciam da obra de cada um. Sobre o assunto, ver A. A. Mulin [1966]; H. Spielberg [1981]; J. Ransdell [1989]; R. Walton [2006]; F. Stjernfelt [2007]; C. de Waal [2015].

23 Ver I. A. Ibri [1992], cap. 2.

24 Revela-se, aqui, a profunda e douradoura influência das Cartas sobre a educação estética da humanidade, de Friedrich von Schiller [1759-1805], sobre Peirce. Ver, particularmente, J. Barnouw [1994].

25 R. Marty contou setenta e seis (76) definições, às quais A. Lang acrescentou mais doze (12). Elas foram agrupadas e comentadas e podem ser examinadas aqui: <http://www.iupui.edu/~arisbe/rsources/76DEFS/76defs.HTM>.

26 Consultar D. Savan [1987-1988]; L. F. B. da Silveira [2007]; T. Short [2007]; L. Santaella [2012].

27 Para uma explicação analítica de como Peirce trabalhou essa classificação ao longo dos anos, ver K. Parker [1997], pp. 136-143.

28 Para aprofundamento, ver K. Parker [1998], p. 157-163; P. M. Borges [2015]. V. Romanini mantém um website, no qual, além de apresentar as classificações peircianas, ele propõe uma continuação pesquisa semiótica a partir delas, na tentativa de “elaborar uma completa descrição das classes de signos e suas mútuas relações”, com ênfase na teoria da comunicação: <http://www.minutesemiotic.org>.

29 Para uma sucinta visão geral, ver C. Delaney [2002].

30 Conforme a expressão de I. A. Ibri [2005], p. 191.

31 Os artigos são: The architecture of theories, The doctrine of necessity examined, The law of mind, Man’s glassy essence, e Evolutionary love. O terceiro artigo, A lei da mente, foi traduzido por António M. Rosa e publicado numa coletânea de artigos de Peirce intitulada Antologia filosófica [1998], pp. 243-266. Do último, Amor evolucionário, há uma excelente tradução ao português, por Basílio J. S. Ramalho Antônio, publicada em Cognitio: revista de filosofia, vol. 11, n. 1, jan./jun. 2010, pp. 162-182 (parte I) e vol. 11, n. 2, jul./dez. 2010, pp. 347-360 (parte II). As citações desse texto aqui utilizam essa tradução.

32 Conforme interpretação de I. A. Ibri [2005], a qual seguimos aqui.

33 A sofisticada e difícil matemática do contínuo peirciano é discutida por K. Parker [1998], cap. 4. Ver também I. A. Ibri [1992], p. 66; A. M. Rosa [2003].

34 Na verdade, cada descoberta em lógica exata feita por Peirce leva a uma reorganização de seu sistema filosófico, de modo a sustentar toda sua metafísica um rigoroso estudo formal das modalidades, conforme mostra M. Murphey [1961], p. 3. Sobre a vagueza, ver R. F. Leo [2001]; C. Tiercelin [1993].

35 Para aprofundamento, ver T. L. Alborn [1989], I. A. Ibri [1992], Parte II; J. R. Salatiel [2009], excelente trabalho, especificamente sobre o acaso; C. Hookway [1985], cap. IX e [2000], cap. 6.

36 Traduzido para o português pelo autor deste artigo, em Cognitio: Revista de Filosofia, vol. 4, n. 1, jan./jun. 2003, pp. 98-113. Para o conceito de Deus como hipótese e a lógica da vagueza, ver C. T. Rodrigues [2017].

37 Para uma introdução à questão de como é difícil editar as obras de Peirce, ver N. Houser [1992]. O artigo foi escrito quando o autor ainda era editor do Peirce Edition Project, cujo projeto inicial era publicar 30 volumes da Chronological edition das obras de Peirce. Até hoje, 7 volumes foram publicados (1 a 6, e 8).


Referências

De Charles Sanders Pierce

Por diversas razões, Peirce nem sempre conseguiu levar a cabo seus projetos de escrita, e grande parte de sua obra – em todas as áreas – permanece ainda hoje praticamente inédita, o que dificulta uma avaliação justa de muitas de suas contribuições.37 Daí que certos textos conheçam mais de uma edição, por diferentes editores, e, para citá-las, um peculiar sistema de siglas tenha se consolidado mais pelo uso dos pesquisadores de sua obra do que por convenção dos editores. Estão listadas a seguir: a) as edições principais, inclusive, mas não só, as citadas aqui, com a explicação do sistema de referenciação; b) as traduções mais importantes publicadas em língua portuguesa.

CP, seguido dos números do volume e do parágrafo: Collected papers of Charles Sanders Peirce. Ed. by: C. Hartshorne & P. Weiss (v. 1-6); A. Burks (v. 7-8). Cambridge, MA: Harvard University Press, 1931-58. Volume 8.

EP, seguido dos números do volume e da página: The essential Peirce: selected philosophical writings. Ed. by: N. Houser & C. Kloesel (v. 1: 1867-1893); “Peirce edition project”. Bloomington; Indianapolis: Indiana University Press, 1992-98. Volume 2.

HL, seguido do número da página: Pragmatism as a principle and method of right reasoning: the 1903 Harvard “lectures on pragmatism”. Ed. and Introduced with a commentary, by Patricia Ann Turrisi. Albany, NY: The State University of New York Press, 1997. 

HP, seguido dos números do volume e da página: Historical perspectives on Peirce’s logic of science: a history of science. Ed. by Carolyn Eisele. Berlin; New York; Amsterdam: Mouton Publishers, 1985, 1 v. em 2 tomos.

MS, para manuscrito, e L, para carta, seguido do número conforme a catalogação feita por R. Robin [1967] e do número da página.

N, seguido dos números do volume e da página: Charles Sanders Peirce: contributions to the nation. compiled and annotated by Kenneth Laine Ketner and James Edward Cook. Lubbock, Texas: Texas Tech Press, 1975.

NEM, seguido dos números do volume e da página: The new elements of mathematics. Ed. by Carolyn Eisele. Haia; Paris: Mouton Publishers; Atlantic Highlands, NJ: Humanities Press, 1976.

RLT, seguido do número da página: Reasoning and the logic of things: The Cambridge conference lectures of 1898. Ed. by Kenneth Laine Ketner with and introduction by Kenneth Laine Ketner and Hilary Putnam. Cambridge, MA; London: Harvard University Press, 1992. 

SS, seguido do número da página: Semiotics and significs: The correspondence between Charles S. Peirce and Victoria lady Welby. Ed. by Charles S. Hardwick. Bloomington: Indiana University Press, 1977.

SL, seguido do número da página: Studies in logic by Members of the Johns Hopkins University - 1883 (1983). Ed. by Charles S. Peirce. With and introduction by Max H. Fisch and a Preface by Achim Eschbach. Amsterdam; Philadelphia: John Benjamins Publishing Company.

W, seguido dos números do volume e da página: Writings of Charles Sanders Peirce: A chronological edition. Ed. by “The Peirce Edition Project”. Bloomington; Indianapolis: Indiana University Press, 1982-2000.

B)    Traduções para a língua portuguesa

Escritos coligidos. Seleção de Armando Mora D’Oliveira. Tradução de Armando Mora D’Oliveira e Sérgio Pomerangblum. 1. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1974. Coleção Os Pensadores, v. XXXVI (Peirce/Frege).

Semiótica e filosofia. Tradução Leônidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota. São Paulo: Cultrix, 1975.

Semiótica. Tradução José Teixeira Coelho Neto. São Paulo: Perspectiva, 1977.

Antologia filosófica. Prefácio, selecção, tradução e notas de António Machuco Rosa. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1998.

Ilustrações da lógica da ciência. Tradução e introdução Renato R. Kinouchi. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2008.

Um Argumento Negligenciado para a Realidade de Deus (1908). Tradução Cassiano Terra Rodrigues. Cognitio: revista de filosofia, São Paulo, vol. 4, n. 1, jan./jun. 2003

Leis da natureza (1901). Tradução J. R. Salatiel. Trilhas filosóficas, Caicó-RN, Ano III, n. 2, jul./dez. 2010.

Amor evolucionário (1892). Tradução Basílio J. S. Ramalho Antônio. Cognitio: revista de filosofia, São Paulo, vol. 11, n. 1, jan./jun. 2010 e v. 11, n. 2, jul./dez. 2010.

Máquinas lógicas (1887). Tradução Guilherme H. de O. Cestari, Ricardo M. Gazoni e Winfried Noeth. Teccogs: revista digital de tecnologias cognitivas, São Paulo, TIDD | PUC-SP, n. 10, pp. 20-7, jul./dez. 2014.


Sobre Charles Sanders Pierce

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Citação

RODRIGUES, Cassiano Terra. Peirce, Charles Sanders. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/58/edicao-1/peirce,-charles-sanders

Edições

Tomo Teoria Geral e Filosofia do Direito, Edição 1, Abril de 2017