"Somos todos responsáveis de tudo e de todos perante todos, e eu mais que os outros. A verdade supõe a Justiça" (LÉVINAS, Emmanuel. Étique et infini, p. 94).

 

A partir do século XX, os avanços tecnológicos transformaram a sociedade contemporânea, impactando-a em todos os aspectos éticos, jurídicos econômicos, filosóficos, políticos e literários. O principal fator que contribuiu para essa revolução foi o manejo da informação, em especial a Internet, no início do século XXI, na Quarta Revolução Industrial ou Industria 4.0.

Em desafio ponderativo, sustenta-se a Inteligência Artificial (IA) na agilidade e capacidade de manejo de dados e resolução de problemas que consomem tempo ou recursos humanos, são ‘as vezes indisponíveis’. Contudo, o ganho em efetividade, enfrenta problemas e efeitos negativos em relação aos Direitos Humanos, apesar dos benefícios trazidos, podendo afetar o equilíbrio nas relações sociais.

A IA pode ser um instrumento de vulnerabilidade de direitos, quanto instrumento de exercício de direitos. Os exemplos denunciam que o Direito dos robôs e a circunscrição do jurista numa perspectiva Humanismo 4.0 geram impactos no Direito de personalidade e no risco de concentração informacional. Na dimensão coletiva, a concentração de informações nas mãos de poucos é fator de aprofundamento das desigualdades, igualmente a concentração de mercado pelas Bigtechs. 

No panorama descrito, a regulação de uso de novas tecnologias, especialmente a IA, faz-se premente frente ao regime de proteção de dados e seus impactos em direitos especiais, como por exemplo no direito marítimo. Impactos na cidadania, na opinião pública e na democracia.

Na atualidade a sociedade é comunicação e a inteligência artificial tem o potencial de interferir de forma drástica na comunicação. Nesse sentido, ao combinar-se a informática com a comunicação nos espaços digitais mudamos vertiginosamente o manejo da informação, através das tecnologias de informação e comunicação (TIC).

Sem obstáculos de tempo e fronteiras, com métodos sincrônicos ou não, a comunicação chega a ser instantânea, difundindo-se sem barreiras. A ausência de barreiras geradas pela Globalização tecnológica, permitiu que às grandes empresas transacionais aproximarem-se de seus clientes ou em suas sedes principais com uma importante diminuição dos custos. A relocação se apoia nas TIC para o aproveitamento dos recursos humanos ao redor do mundo, convertendo as empresas em plataformas digitais de trabalho e comércio, o que alguns denominaram globótica. A competência permite que pessoas em todo o mundo tenham uma presença virtual em qualquer oficina.

Como paradoxo, a mudança rápida e constante em nossa sociedade torna a tensão entre o novo e a regulação jurídica e estatal cada vez mais aguda.

Por outro lado, as novas tecnologias podem ser vistas como o processo de aplicação da ciência para melhorar ou solucionar diferentes situações na prática. 

Por esta razão, a regulação em geral das novas tecnologias e o ciberespaço representam grande desafio para o século XXI.

O método utilizado neste estudo é o da revisão integrativa, que pertence à revisão sistemática da literatura pontuada pela Tópica aristotélica, na integração de conceitos, ideias, casos jurídicos e literários, leis, projetos etc. que possibilitem a análise e a síntese do conhecimento científico sobre o tema investigado.

Tem por objetivos: contribuir para a reflexão urgente e necessária de combate à violência disseminada pelas redes sociais; avaliar as responsabilidades das plataformas digitais, pelo uso indiscriminado de desinformações, fake news; analisar no Projeto de Lei 2630 de 2020 a questão da urgência de sua aprovação em virtude de significativos ataques à democracia brasileira e aos poderes constituídos, ocorridos no dia 8 de janeiro de 2023; propor sugestões para um marco regulatório que privilegie o denominado Humanismo 4.0 ou humanismo digital (uso humano da tecnologia para estender pontes, aumentar a comunicação e a colaboração entre os povos, respeitando os Direitos Humanos).

 Desde essa perspectiva está escrito o presente artigo. O primeiro Título é introdutório. Descreve características mais sobressalentes da tecnologia atual e o tipo de problemas levantados. O Título do segundo capítulo trata da decisão política e não técnica de suplantar mentes humanas por máquinas guiadas pelas tecnologias de informação. O terceiro título traz a análise da Verdade e das verdades informativa e factual. O quarto Título descreve o quadro normativo de caráter principiológico dos direitos à informação e a liberdade de expressão. O quinto Título traz a ideia do humanismo integral e o reconhecimento, sob o ponto de vista econômico, do capitalismo humanista. O último Título, segue a análise sobre o projeto de lei da lei brasileira de liberdade, responsabilidade e transparência na Internet.

1.   O uso da inteligência artificial, a robótica e a blockchain. Na indústria 4.0 a importância não se encontra nos dados de cada um dos usuários concretos, mas na agregação


Ferramentas, máquinas e planos racionais de ação existem na sociedade humana há milênios. Não obstante, o que hoje entendemos por tecnologia, e o papel que a técnica desempenha contemporaneamente é algo distinto e transcende o setor tradicional da produção de bens materiais para invadir a eletrônica digital, a informática e as tecnologias das telecomunicações. Seus efeitos afetam nossos sistemas de conhecimento, nossas pautas de comportamento e nossos sistemas de valores. E isto não de forma esporádica e acidental, mas de maneira sistemática, contínua, intensa e geral. São sistemas em desenvolvimento, nunca estão completos, ou melhor, nunca é possível controlar todas as variáveis que intervêm no sistema.

Os algoritmos, por exemplo, são imprescindíveis para a utilização dos dados digitais, são regras para que, de forma lógica e determinada, se executem tarefas. Os algoritmos transformam os dados de entrada em um resultado desejado com base em cálculos especificados. Eles promovem e regem os fluxos de informação dos quais se depende para ativar e atribuir significado e gerenciar como a informação é percebida pelos usuários.1

A Inteligência Artificial reproduz digitalmente as decisões similares à dos humanos, processando os problemas com a máxima autonomia possível.2 A associação de Inteligência Artificial e do uso dos algoritmos formam sistemas de aprendizagens de máquinas (machine learning) que acabam tomando decisões, tirando conclusões e realizando consequências, sem a necessidade de intervenção humana, principalmente o deep learning.

É criado, deste modo, outro fenômeno, a “regulação algorítmica” que são sistemas de governança regulatória, gerenciando riscos ou alterando comportamentos para atingir um objetivo.3 Essa regulação e a governança não são, a princípio, entendidas como tarefas governamentais, mas são promovidas por atores privados.

As empresas de mídias sociais, por exemplo, Facebook, regulam, a partir destes sistemas, o comportamento de postagem, visualização dos usuários, orientadas como critério os seus retornos financeiros e econômicos.  Essa regulação opera com a coleta e o monitoramento de dados digitais, para a criação de perfis em massa para interferir em comportamentos. A criação de perfil pode interferir no dia a dia das pessoas, realizando discriminações, sem critérios autorizados por lei e sem qualquer possibilidade de que pessoas atingidas pela decisão automatizada possam contestá-las.4

Isto remete à chamada injustiça algorítmica, uma vez que para estabelecer se uma decisão é justa e injusta não bastam os recursos estatísticos, mas há a necessidade de as razões das decisões serem explicitadas.  A cadeia de decisões deve detalhar critérios racionais sobre os motivos da tomada de uma decisão frente a outra.

No campo diretamente ligado ao econômico, o Bitcoin aparece como uma espécie de moeda, um sistema monetário independente. Essa moeda com código aberto necessita do Blockchain para realizar o registro de transações de forma descentralizada. O registro é único e de alcance e conteúdo mundial. Assim, se registra todas as transações de bitcoins. O controle é feito pelos próprios usuários. A responsabilidade do blockchain no plano jurídico é praticamente inexistente, pois se trata de uma tecnologia, uma aplicação.5

Os desafios no campo econômico trazem a possibilidade de criação de economia colaborativa de um lado e uma ferramenta de criar “opacidade financeira” e a evasão fiscal, de outro. Contudo, se por uma parte a tecnologia nasceu como forma de contestação do sistema financeiro, em contrapartida, cada vez mais a tecnologia suscita interesse do referido sistema.6

Entre a pessoa e as coisas – o robô – do artifício informático ao artifício legal

Na Espanha, Miguel Lacruz Mantecón, em junho de 2020, publica a obra Robots e personas. Uma aproximação jurídica a la subjetividade cibernética, afirmando nela que os robôs apesar de possuírem inteligência artificial não são pessoas, nem merecem ser futuramente personificados. Contudo, o Parlamento Europeu, em sua Resolução de 16 de fevereiro de 2017, propõe criar, a longo prazo, uma personalidade jurídica eletrônica específica para os robôs, para tornar possível a responsabilidade pelos danos que possam causar, quando tomem decisões inteligentes e autônomas ou interagindo com terceiros de forma independente. A notícia alarmante lembra o conhecido relato fictício de Isaac Asimov, O homem bicentenário. Sabe-se que a literatura e o cinema revelam obras onde o ser humano mostra suas preocupações e seus medos, sobre suas próprias criações. Sufragamos a civilística pátria que os robôs são coisas, mas coisas singulares, que têm uma aparente e artificial inteligência.

A difusão das inovações tecnológicas depende de sua rentabilidade econômica e comercial, gerando processos de mudança social. O efeito da planetarização (globalização) é um efeito direto das inovações mais radicais de nossa época, as tecnologias da comunicação e transporte. Mas, quanto mais avança a tecnologia em um país desenvolvido, maior peso tem no conjunto da economia mundial em um círculo pernicioso em detrimento dos demais. O primeiro passo será o de buscar soluções conscientes, socialmente responsáveis, com tecnologias controláveis (quando um usuário humano, seja capaz de iniciar, corrigir ou deter o funcionamento do sistema se necessário).

 

1.1.  Os objetivos do milênio (ODS) e a Agenda 2030


O uso da tecnologia, a equidade e a distribuição em benefício de todos fazem parte dos Objetivos do Milênio e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) implementados pelas Nações Unidas na Agenda 2030. São 17 objetivos interconectados que abordam os principais desafios de desenvolvimento enfrentados por pessoas no Brasil e no mundo. São 1. Erradicação da pobreza; 2. Fome zero e agricultura sustentável; 3. Saúde e bem-estar; 4. Educação de qualidade; 5. Igualdade de gênero; 6. Água potável e saneamento; 7. Energia limpa e acessível; 8. Trabalho decente e crescimento econômico; 9. Indústria, inovação e infraestrutura; 10. Redução das desigualdades; 11. Cidades e comunidades sustentáveis; 12. Consumo e produção responsáveis; 13. Ação contra a mudança global do clima; 14. Vida na água; 15. Vida terrestre; 16. Paz, justiça e instituições eficazes e 17. Parcerias e meios de implementação.

Alcançá-los não só depende da vontade dos governos, instituições ou pessoas. É sumamente importante a aplicação de tecnologias que, com seu efeito multiplicador permitam cumprir as metas e objetivos de forma acelerada.

Nesse sentido, ensina Paloma de la Puente que a inovação tecnológica tem um papel determinante na evolução de um modelo para melhorar a sustentabilidade do planeta, diminuindo as desigualdades e as injustiças.7  São quatro blocos tecnológicos, que permitem abordar os cinco pilares em que se estrutura a Agenda 2030 ‒ pessoas, prosperidade, planeta, paz e alianças ‒ para o cumprimento dos 17 ODS supracitados.

A (IoTInternet das coisas se interconecta com os blocos seguintes:

(1) Bloco, máquinas inteligentes interconectadas e providas de sensores para vigiar o estado das pessoas e máquinas, assim como sua interação determinante ‒ internet das coisas (DT).

(2) Bloco, a IA nos brinda a possibilidade de tomar melhores decisões – automação e inovação

(3) Bloco, a Robótica Avançada ‒ os robôs serão utilizados cada vez mais em serviços na economia de alta tecnologia para análises legais, diagnósticos médicos e outras áreas de solução de problemas complexos. 

(4) Bloco, Big Data, permite o processo e análise de grande volume de dados, sua obtenção em tempo real e com qualidade de estatísticas vitais, indicadores de saúde, educação e meio ambiente.

Em termos de gestão de crises, ajuda humanitária e consolidação da paz, a utilidade da tecnologia vem demonstrando ser uma poderosa ferramenta. Erradica a pobreza, melhora o acesso sanitário, educativo e o uso da água, trazendo maiores benefícios para as pessoas.  As tecnologias baseadas em renováveis permitem ampliar o acesso a fontes de energia acessíveis como a eólica, solar, hidráulica, geotérmica, biomassa e outras. Quanto ao Planeta, as cidades se tornam mais sustentáveis, têm um consumo mais responsável, frente a emergências climáticas que vivemos nos ecossistemas marinhos e terrestres. Desenvolver tecnologia é fazer alianças e contribuir para objetivos comuns da humanidade.

A transparência da informação e a colaboração on line resultam chave para uma industrialização inclusiva e sustentável.  Para ajudar a reduzir a desigualdade dentro e entre os países, trazendo conhecimento e informação, é preciso acesso (access), promover a industrialização inclusiva e sustentável e construir infraestruturas resilientes. 

 

2.   A busca de uma sociedade mais justa. A decisão de suplantar mentes humanas por máquinas não é tecnológica, mas política.


Usamos Inteligência Artificial para tomar decisões que afetam nossas vidas diárias. É necessário assegurarmos de que essas decisões se baseiem não só em dados fiáveis, mas que sejam justas. A regulação, a autorregulação e a corregulação são ferramentas para perseguir uma sociedade mais justa.

A autorregulação estabelece códigos de conduta de maneira unilateral por diversos atores, sendo que esses códigos afetam distintos interesses.  A regulação por terceiros, como o Estado e os organismos internacionais, tem a vantagem de manter a ideia ou, pelo menos de forma declarativa, o “bem comum”. Mas, há desvantagem, pois em ambientes e sistemas dinâmicos, nem sempre há o conhecimento específico para a regulação de forma eficiente.

Ainda, em um mundo global e transnacional, e dada a especificidade do Ciberespaço, a regulamentação, por si só, é insuficiente. É de se constatar que estamos diante de uma forma de regulação híbrida que dificilmente terá sua natureza alterada, prevalecendo, principalmente na arquitetura, a autorregulação.

A corregulação é vista como uma alternativa para lidar com algumas incertezas e tem como escopo a autorregulação regulada, procurando, desse modo, trabalhar com duas formas: a regulação por um terceiro e a busca pelos chamados “interesses públicos” e “bem comum” e vantagem da autorregulação: maior eficiência.

Em 2020, no Brasil, foi apresentado o Projeto de Lei 2.630/2020, para disciplinar regras de transparência para provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada, com a finalidade de garantir segurança e ampla liberdade de expressão, comunicação e manifestação do pensamento. Durante o ano de 2021, aconteceram 15 audiências públicas para a criação da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência. O contexto atual é favorável a sua aprovação.

Os acontecimentos do dia 8 de janeiro de 2023 e os ataques às escolas ocorridos nos meses de maio e abril que levaram a morte de 4 crianças em uma creche em Santa Catarina e uma professora em uma escola em São Paulo, precipitaram a tramitação do Projeto de Lei 2.630/2020 na Câmara dos Deputados. Em abril de 2023, foi aprovado o regime de urgência para a tramitação do projeto na Câmara dos Deputados Federais. Desde 2002, o Brasil registrou 23 ataques a escolas, destes 10 nos últimos 2 anos e em 2023, a média é de um por mês.

Os meios de comunicação tradicionais divulgaram matérias em que professores e até Ministros do Supremo Tribunal Federal associavam os ataques às escolas e à democracia promovido em 8 de janeiro à disseminação de fake news.  Pablo Ortellado, acadêmico e pesquisador, considerou ser uma resposta direta à crise vivida com os ataques das escolas.  Segundo o pesquisador, "o que a gente viu aí nessa onda de ataques das escolas é que eles são estimulados por comunidades que cultuam massacres no passado. Essas comunidades, no passado, estiveram bem escondidas em canais de difícil acesso, mas até um mês atrás estavam operando à luz do dia no Twitter, no TikTok, no Discord. É bem importante que nessa regulação exista uma disposição entre as leis e as empresas passem a ter de fazer esforços para moderar esses conteúdos que estimulam esses massacres."

O Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes considerou que os atos de 8 de janeiro “de alguma forma guardam conexão direta com o uso abusivo da internet”. Na mesma linha de pensamento, o Ministro, Alexandre de Moraes afirmou que a forma de disseminação de discursos de ódios e fake news nas plataformas que incentivaram os dois referidos ataques foram idênticas “O modus operandi dessas agressões instrumentalizadas, divulgadas, incentivadas pelas redes sociais em relação às escolas é exatamente idêntico ao modus operandi que foi utilizado contra as urnas eletrônicas, contra a democracia, o modus operandi instrumentalizado para o dia 8 de janeiro. Não há nenhuma diferença”.

O Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida pelo Ministro Alexandre de Moraes, nos autos do inquérito 4.781, determinou a suspensão temporária das atividades de mensageira da empresa Telegram, por considerar que as mensagens eram flagrantemente ilícitas disseminando a desinformação porque induziam e instigavam todos os seus usuários a coagir os parlamentares a não votarem favoravelmente ao Projeto de Lei 2.630/2020, como se nota, especialmente, nos seguintes trechos:

“A democracia está sob ataque no Brasil. Caso seja aprovado, empresas como o Telegram podem ter que deixar de prestar serviços no Brasil. Esse projeto de lei permite que o governo limite o que pode ser dito online. Transfere Poderes Judiciais aos Aplicativos. O projeto de lei exige que as plataformas monitorem as comunicações e informem as autoridades policiais em caso de suspeita de que um crime tenha ocorrido ou possa ocorrer no futuro. Isso cria um sistema de vigilância permanente, semelhante ao de países com regimes antidemocráticos. O novo projeto de lei visa burlar essa estrutura legal, permitindo que uma única entidade administrativa regule o discurso sem supervisão judicial independente e prévia. Você pode falar com seu deputado aqui ou nas redes sociais hoje”.

Para o Ministro, são inconstitucionais os conteúdos disseminados pela plataforma e caracterizavam abuso de poder econômico.  Como caracterizar a ilícita contribuição com a desinformação, uma vez que a Constituição. Federal traz os seguintes binômios “liberdade e responsabilidade”. Portanto, não permite a irresponsabilidade ou abuso no exercício de um direito constitucionalmente consagrado, como é a liberdade de expressão. A “liberdade de expressão”, segundo o Ministro, não pode ser escudo protetivo para a prática de discursos de ódio, antidemocráticos, ameaças, agressões, infrações penais e toda a sorte de atividade ilícita.

Um dos pontos chave do Projeto de Lei, que cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet é a fixação de medidas jurídicas para o combate de conteúdos falsos e de desinformação. As medidas jurídicas a serem implantadas não são uma decisão técnica ou tecnologia, mas uma decisão política, que deve ser baseada em uma compreensão sobre as vantagens e os dilemas postos por esses novos meios de comunicação.

 

3.   A verdade e fake news 


O tema da verdade é um dos problemas centrais da filosofia. Em sua origem remonta a palavra grega aletheia, significando a verdade como descobrimento do ser. Comumente o vocábulo “verdade” é usado em dois sentidos, para se referir a uma proposição e uma realidade. No primeiro caso, se diz de uma proposição que é verdadeira a diferença de falsa. No segundo, se diz de uma realidade que é verdadeira a diferença de aparente, ilusória, irreal, inexistente.

Pós- Verdade e Fake News são dois termos que ganharam notoriedade no final de 2016. Criados para dar sentido a dois fenômenos que surpreenderam a opinião pública, entre outras razões. O primeiro deles foi a decisão do Reino Unido de sair da União Europeia, conhecido como “Brexit” (de Britain e Exit). O referendum que aprovou a saída foi realizado em 23de junho de 2016. O segundo, foi a eleição de Donald Trump para presidente dos Estados Unidos, em 8 de novembro do mesmo ano. Em seguida, o Dicionário Oxford definiu “pós-verdade” como a palavra do ano. Significando “um adjetivo relacionado ou evidenciado por circunstâncias em que fatos objetivos tem menos poder de influência na formação da opinião pública, do que apelos por emoções ou crenças pessoais”.

A partir daí as Fake News, impropriamente traduzidas por notícias falsas ( em inglês Fake não é bem False, mas made presentable or specious- ilusória, espalhou-se como um desafio para a democracia liberal no ocidente. Reporta-se a distribuição de estórias por indivíduos, organizações e exércitos de boats, robôs, através das mídias sociais  como Faceboock e Twitter.

Hunt Allcott e Matthew Gentzkow definem fake news como artigos e notícias que são intencional e verificadamente falsos tendo potencial para enganar leitores.8 Essas notícias com objetivo claro de manipulação parecem confluir com a tese de Bauman (2017): quem detém o estandarte da verdade, detém o poder. A produção das fake news sob uma análise do ponto de vista econômico, ressalte-se que fake news são considerados sinais distorcidos não relacionados com a verdade que são propagadas velozmente porque custam menos para serem produzidas, pois não há checagem, editoração, cotejamento. Nada. Basta a simples produção. 

Além disso, Allcott e Gentzkow apontam que consumidores não podem aferir a acurácia das notícias recebidas pelas mídias sociais sem custos. Nesse sentido, é interessante observar que os planos de operadoras de internet no Brasil em regra disponibilizam redes sociais de modo gratuito, enquanto o uso da internet para navegadores é cobrado.

Outro ponto apontado pelos autores Allcott e Gentzkow é que fake news podem, e esse é um aspecto a ser destacado, gerar utilidade para alguns consumidores interessados em propagar determinada informação, visando a algum benefício. Entretanto, os autores alertam que ao mesmo tempo que geram utilidade, fake news impõem custos privados e sociais.9    

O dano experimentado pelos que foram atingidos pelos danos econômicos ou políticos pela veiculação, concertada e conspirada de notícias falsas tem seu regramento previsto de forma tradicional pelo sistema de responsabilidade civil e penal. Ainda que se tenha de enfrentar a tormentosa questão de discutir-se a imputabilidade ou não dos veículos de propagação de notícias pela mídia virtual, a matéria de prova conduzirá a questão para a solução tradicional. 

Coisa adversa se acontece no uso de notícias falsas para fins de manipulações políticas, econômicas e ideológicas. Trata-se de um ardiloso conjunto de fatos verdadeiros, que desmerecem uma afirmação também verdadeira, mas que se quer seja recebida como falsa. Cria-se, deste modo, a certeza de que essas meia-verdades, repetidas por várias vezes levam o destinatário a certeza de que essas constituem a nova verdade.

Essas estórias parecem projetadas para semear confusão e desinformação, atingindo de perto a liberdade de expressão. Não se trata apenas de um problema de divulgação abrangente e veloz, mas de cooptar seguidores, frequentadores das mídias sociais.

A(s) Verdade(s) quase sempre são subjetivas e não conhecíveis.

Ninguém discorda de que ao menos uma parte da desvalorização da verdade factual cabe às plataformas digitais e à internet, onde se instalam as forças dedicadas à produção de notícias fraudulentas. 

O problema está nas relações sociais, relações estas de produção do imaginário, como ensina François Ost, e no fato de que não são públicas em seus controles e propriedades. Sites de busca, a exemplo do Google, aceleram e fortalecem a pós-verdade. Vários levantamentos e pesquisas revelam que notícias fraudulentas repercutem mais do que as verdadeiras.

A humanidade entrou em uma fase de sua história em que a verdade é reduzida a um momento no movimento do falso.

Verdadeiro é aquele discurso falso que deve ser mantido verdadeiro mesmo quando sua inverdade é provada. Desta forma é a própria linguagem, como lugar de manifestação da verdade que é confiscada aos seres humanos. Pode-se agora observar silenciosamente o movimento verdadeiro da Mentira. Para deter esse movimento, devemos ter a coragem de buscar sem transigir o bem mais precioso, a palavra verdadeira.

Parafraseando as três questões que foram formuladas por São Tomás de Aquino na Suma Teológica sobre a existência de Deus, podemos chegar à noção de verdade.

1. A existência de Deus é uma verdade evidente, 

2. A existência de Deus pode ser demonstrada e 

3. Deus existe.

Parece-nos que a existência de Deus é evidente. Com efeito, denominamos verdades evidentes aquelas cujo conhecimento está em nós naturalmente, como é o caso dos primeiros princípios. Logo, podemos concluir que a existência da verdade é evidente, pois aquele que nega a existência da verdade concorda que a verdade não existe. Mas, se a verdade não existe, a não existência da verdade é uma afirmação verdadeira. E se alguma coisa é verdadeira, então a verdade existe.

Temos duas maneiras de dizer que uma coisa é evidente. Esta pode ser evidente em si mesma e não por nós, ou pode ser evidente em si mesma e por nós. Com efeito, uma proposição é evidente quando o atributo está contido no sujeito, p. ex. o homem é um animal. Animal realmente pertence à noção de homem. Se, todos sabem o que é sujeito e o atributo de uma proposição, esta será conhecida por todos. É verdadeiro, pelos princípios das demonstrações, que o termo são coisas gerais que todos conhecem como como o ser e o não ser, o todo e a parte, etc. Mas, se alguns desconhecem então a proposição será evidente em si mesma, mas não para aqueles que ignoram o que são sujeito e atributo.

Como não sabemos o que “Deus é”, está proposição não é evidente para nós, precisa ser demonstrada por aquilo que é menos conhecido na realidade, mas mais conhecido para nós pelos seus efeitos.

A existência de Deus pode ser demonstrada por cinco vias. A primeira e mais evidente toma por base o movimento. Algo é movido no mundo. Tudo que se move é movido por outra coisa, pois, nada se move se não estiver em potência, já que mover não é senão fazer algo passar de potência para ato.

A segunda via baseia-se na causa eficiente. Encontramos nas coisas sensíveis uma ordem de causas eficientes, sendo a primeira todos chamam de Deus.

A terceira baseia-se no possível e no necessário. Se todas as coisas podem não ser, alguma vez nada existiu. Nem todos os seres são possíveis, mas é indispensável que algum ser seja necessário. Este será a causa da necessidade dos outros, a este ser todos chamam de Deus.

A quarta via tem por base os graus que se encontram nas coisas. Encontramos, com efeito, nas coisas algo mais ou menos bom, verdadeiro, nobre, etc. As coisas que são verdadeiras ao máximo são os maiores seres. Deus.

A quinta via é derivada do governo das coisas. Vemos que as coisas que não têm inteligência, agem para uma finalidade para conseguirem o máximo, donde não é por acaso que atingem seu objetivo. As coisas, entretanto, só podem procurar um objetivo dirigido por alguém que conhece e é inteligente, como a flecha dirigida pelo arqueiro. Logo, existe algum ser inteligente que ordena todas as coisas da natureza para seu correspondente objetivo, a este ser chamamos Deus.10

 

3.1.  A verdade informativa e a verdade factual 


A verdade informativa constitui um problema da teoria e da prática da comunicação social. Este problema se torna latente no processo informativo que inclui o sujeito, o meio, o objeto, ou seja, o conteúdo da mensagem.11

Na perspectiva jurídica, o conteúdo nasce na relação informativa. Assim, o direito à informação tem como objeto a informação que se relaciona intimamente com o problema da verdade. São duas realidades, a verdade e a informação. A questão da verdade, do ponto de vista filosófico e jurídico, por si só, já inclui uma vasta discussão. Pergunta-se então: O que é a verdade acerca da verdade informativa?

Em muitos textos encontra-se um certo ceticismo em encontrar uma verdade informativa. Assim, a notícia é exata ou inexata, mas a perfeita conformidade do objeto com o que existe é irrealizável. Em uma posição mais relativista, pois neste caso, o risco de erro na informação é enorme. Estes riscos são inerentes à própria informação. O fator tempo, por exemplo, é inerente à informação, a atualidade nos priva de condições para fazer juízos de fatos.

Outras vezes a ideia está associada à realidade que é objeto do conhecimento, as circunstâncias que rodeiam a realidade, a posição do narrador da informação, as pressões econômicas e políticas, ao grau de interpretação que a notícia admite. Sempre se encara que é notório o desequilíbrio entre a experiência direta e o que se transmite. Ainda do ponto de vista do receptor da mensagem, não há nenhum indicativo que o público possa acreditar naquilo que se narra. Quem recebe a informação é atropelado por uma enxurrada de informações que não os interessam.

A informação como dever, tanto social como profissional, seguem apelações constantes ao dever de não faltar com a verdade. O profissional jornalista tem o dever ético de colocar a verdade em primeiro lugar. Agora, se estamos diante de uma dificuldade de verificação da verdade informativa. Destas posições colocadas, não se responde ou se chega ao cerne da questão.

A pergunta é qual o papel da informação entre a realidade e o público informado ou o sujeito universal? A informação é a ponte entre esses dois pontos. A informação converte a realidade em mensagem. Assim, a informação nada tem a ver com a opinião, mas com a ciência. Tal como estudamos na Ciência do Direito a conexão entre a realidade e a norma, estudam-se as noções que integram o objeto do Direito da informação. 

Jaime Balmes, em sua obra Critério,12 explica que para pensar se tem que buscar a verdade, é dizer a realidade das coisas.  Mas, realidade e verdade não se confundem. O termo realidade procede do latim “res” e significava coisa, sendo usado para designar uma joia, um escravo e até um direito.

A valoração da informação tem apenas como pressuposto a realidade. É ela o fundamento ético e jurídico para o norteamento de regras e normas. A realidade também valora a informação. É o realismo informativo que constitui uma garantia de seguridade para avaliar a informação.

A informação é objetiva quando relata o objeto ou a realidade como é, sem ingredientes subjetivos. É claro que na informação objetiva se agrega a perspectiva do sujeito, mas essas perspectivas não são estranhas à realidade, mas são inerentes ao processo informativo.

A informação objetiva pressupõe o enfoque mais objetivista, o primado do objeto. A objetividade é um esforço do sujeito para adequação ao objeto. Ela é uma atitude do sujeito, porque o sujeito que conhece procura efetivamente conhecer.  Essa objetividade que se verifica na informação é objeto do direito subjetivo à informação, portanto, teme exigibilidade jurídica.

 

3.1.1.    Verdade factual 


O primeiro ponto de partida é separar a verdade factual de outras verdades que pretendem ser transcendentes. A verdade factual registra acontecimentos, porque ela nasce apoiada nos acontecimentos. Ela é facilmente reconhecida e ninguém a desvaloriza e todos consideram que aqueles que têm o dever de informar devem ter o compromisso com a verdade factual. A questão é saber o motivo que esconde as manipulações em relação à verdade factual.  

Hannah Arendt aponta como o principal inimigo da verdade fatual o poder. Assim, quanto mais longe de critérios que norteiam o regime democrático, mais o poder quer encobrir os relatos sobre os acontecimentos. 

Em um ensaio sobre o poder e a verdade, a filosofa que logo de início explica que os motivos de escrever o ensaio eram primeiro saber se é legitimo dizer a verdade. E o segundo, era ter sido de um série de mentiras propagadas, quando a polêmica a respeito de suas publicações sobre o julgamento de Eichmann em Jerusalém. As verdades de fato, sendo verdades modestas como o papel, portanto, são mais vulneráveis do que todas as verdades racionais, axiomas, teorias ou descoberta. As teorias, por exemplo, são produzidas pelo espírito humano e acontecem em um campo perpetuamente modificável. Os fatos e acontecimentos são engendrados pelos homens que vivem e agem conjuntamente, de forma que constituem a própria textura do domínio político.13

A questão aqui é saber como o poder lida com fatos e acontecimentos que podem de alguma forma ser uma ameaça. A resposta de Hannah é que, principalmente, a tirania não lida bem com os fatos. As tiranias costumam bombardear a verdade factual, porque são grandes as possibilidades de uma importância ser esquecida e não ser redescoberta.14

Atualmente, Eugênio Bucci explica que os fatos foram interditados por duas estratégias. Uma articulada em torno e a partir do poder (conjugação do capital, a tecnologia e a burocracia) que promovem os acontecimentos reais por dados virtuais. Os indicadores econômicos e outras métricas e dígitos frios aparecem em telas quentes. 

Nessa estratégia, os fatos são substituídos por dados digitais, bloqueando o debate público, de forma que capital, Estado e tecnologia realizam uma burocracia desumanizadora.15 Tal situação foi vista e revista diariamente durante a pandemia do COVID-19, onde os números de óbitos eram diariamente expostos nas telas de TV, nos celulares e computadores.  

A segunda estratégia de interdição é baseada nos discursos que contestam o establishment, embora certos governos também o façam. A meta é interditar o juízo de fato. Os seguidores da segunda estratégia creem em uma militância por causas justas e ficam felizes por não tomarem conhecimento de fatos.16

 

4.    Humanismo 4.0 e a economia imaterial  


O aspecto econômico dos direitos humanos denomina-se Capitalismo Humanista. No plano dos direitos humanos, o Capitalismo Humanismo está, principalmente na Declaração Universal dos Direitos Humanos, datada de 1948, que propaga a Liberdade Econômica, a Livre Iniciativa e a Propriedade Privada. Tais liberdades estão acopladas a outros dois princípios, a Igualdade e a Fraternidade. No âmbito interno, a dimensão constitucional do Capitalismo  Humanista está alicerçada, principalmente, no art. 170 da Constituição Federal. O referido art. determina que a ordem econômica é fundada na Livre Iniciativa. O art. 3º da Constituição Federal estabelece que são objetivos fundamentais da República construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza a marginalização e reduzir as desigualdades.17

Atualmente, a economia imaterial é uma grande propulsora da circulação de riquezas, existindo um verdadeiro mercado digital. Os dados constituem o fundamento da economia deste milênio que se estrutura por meio da digitalização. As especificidades do dado fazem com que sua importância não seja apenas de ordem econômica, mas política, social, cultural. Os dados podem ser utilizados de múltiplas formas, permitindo inovações e causando mudanças estruturais na sociedade. Os dados estão além da economia, tendo utilidades múltiplas, sendo usados para influir desde um processo eleitoral até em disputas de mercado.  

O valor dos dados pode ainda ser ocultado de forma muito fácil pelas empresas, uma vez que eles não são visíveis e o seu fluxo nem sempre é reconhecido. O fluxo  é manipulado por mecanismos técnicos sendo imperceptível. Neste mundo, surge , de uma ideologia técnica que se torna uma nova linguagem simbólica e o critério supremo de avaliação da realidade, abrindo amplos espaços para a atividade manipulativa. Essa tecnologia posta em ordem social nem sistema de valores. 

Em 1964, Umberto Eco cunhou o binômio oximorônico apocalíptico e integrado para resumidor os códigos de comunicação artística. Derrick de Kerchove adverte para o oxímoro de hoje, obscura claridade. Nas operações digitais, o significado é um acessório útil e não necessário. O google tradutor traduz todas as línguas, sem conhecê-las.  

O manifesto “The Vienna manifesto on Digital Humanism”, de 2019, elaborado por um grupo de cientistas, inicia afirmando “O sistema está falhando”. O ponto de partida é um chamado para reflexão de que cabe aos humanos moldar as tecnologias de acordo com os valores e necessidades humanos e não permitir que as tecnologias moldem os humanos. Inspirada no Círculo de Viena, que foi um esforço multidisciplinar no início do século XX para refletir sobre as implicações revolucionárias da ciência, e física em particular, para a compreensão do mundo empírico, o manifesto surge para levantar questões éticas na interação homem-máquina. 

 O termo humanismo digital se refere aos conceitos de humanismo e iluminismo, em que os humanos são responsáveis por seus próprios pensamentos e ações. A ideia é que haja uma reflexão sobre a complexa interação de tecnologia e humanidade e as ações necessárias para uma sociedade humana e justa, respeitando direitos humanos universais e a dignidade. Neste caminho, a informática e as novas tecnologias, por si só, são insuficientes para fornecer respostas.  

O Manifesto de Viena reafirma valores como a democracia, a inclusão, o direito à privacidade e as sociedades livres, exigindo a regulamentação e a fiscalização pública de monopólios tecnológicos. Mais especificamente, os princípios do Manifesto de Viena incluem:

(a) As tecnologias digitais devem ser projetadas para promover a democracia e a inclusão. Isso exigirá esforços especiais para superar as desigualdades atuais e usar o potencial emancipatório das tecnologias digitais para tornar nossas sociedades mais inclusivas.

(b) Privacidade e liberdade de expressão são valores essenciais para a democracia e devem estar no centro de nossas atividades. Portanto, artefatos como mídias sociais ou plataformas online precisam ser alterados para melhor salvaguardar a livre expressão de opinião, a disseminação de informações e a proteção da privacidade.

(c) Regulamentações, regras e leis efetivas, baseadas em um amplo discurso público, devem ser estabelecidas. Eles devem garantir precisão de previsão, justiça e igualdade, responsabilidade e transparência de programas de software e algoritmos.

(d) Os reguladores precisam intervir nos monopólios de tecnologia. É necessário restaurar a competitividade do mercado, pois os monopólios tecnológicos concentram o poder de mercado e sufocam a inovação. Os governos não devem deixar todas as decisões para os mercados.

(e) Decisões com consequências que tenham o potencial de afetar os direitos humanos individuais ou coletivos devem continuar sendo tomadas por humanos. Os tomadores de decisão devem ser responsáveis por suas decisões. Os sistemas automatizados de tomada de decisão devem apenas apoiar a tomada de decisão humana, não substituí-la.

(f) Abordagens científicas que cruzam diferentes disciplinas são um pré-requisito para enfrentar os desafios futuros. Disciplinas tecnológicas como ciência da computação/informática devem colaborar com as ciências sociais, humanas e outras ciências, quebrando os silos disciplinares.

(g) As universidades são o lugar onde o novo conhecimento é produzido e o pensamento crítico é cultivado. Portanto, eles têm uma responsabilidade especial e devem estar cientes disso.

(h) Pesquisadores acadêmicos e industriais devem se envolver abertamente com a sociedade em geral e refletir sobre suas abordagens. Isso precisa estar inserido na prática de produção de novos conhecimentos e tecnologias, ao mesmo tempo em que se defende a liberdade de pensamento e ciência.

(i) Profissionais de todos os lugares devem reconhecer sua responsabilidade compartilhada pelo impacto das tecnologias da informação. Eles precisam entender que nenhuma tecnologia é neutra e ser sensibilizados para ver os benefícios potenciais e as possíveis desvantagens.

(j) É necessária uma visão para novos currículos educacionais, combinando conhecimentos de humanidades, ciências sociais e estudos de engenharia. Na era da tomada de decisão automatizada e da IA, a criatividade e a atenção aos aspectos humanos são cruciais para a formação de futuros engenheiros e tecnólogos.

(k) A educação em ciência da computação/informática e seu impacto social deve começar o mais cedo possível. Os alunos devem aprender a combinar habilidades de tecnologia da informação com consciência das questões éticas e sociais em jogo.

O humanismo digital exige o paradigma da máquina. Nem a natureza nem o humano devem ser concebidos como máquinas. Os humanos não são autômatos. As máquinas podem expandir e até mesmo potencializar o escopo da ação humana e do poder criativo. Elas não podem substituir a responsabilidade humana dos atores individuais e a responsabilidade cultural e social das sociedades humanas. 

O desafio ethos da responsabilidade são as possibilidades ampliadas de interação realizadas pelas tecnologias digitais e o desenvolvimento de redes comunicativas e interativas. 

O ser humano não pode delegar suas responsabilidades para sistemas autônomos, sejam eles robôs ou sistemas de software de autoaprendizagem. O humanismo digital mantém as condições humanas para uma prática responsável, aguçando critérios de responsabilidade humana diante das tecnologias digitais, ampliando a responsabilização da comunicação e da interação mediadas pelas tecnologias digitais. 

 

5.   Direito à informação, liberdade de expressão e cidadania


O art. 19 da Declaração Universal de Direitos Humanos, ao reconhecer o direito de informar e ser informado, define-o como o direito que “Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, implicando o direito de não ser inquieto pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.”

Esse art. 19, contém a ideia de várias liberdades, de opinião, expressão, pensamento, buscar, receber e difundir informação. Não há uma distinção clara na Declaração sobre o conteúdo desses direitos. A extensão do direito à informação é para Junco (2003) maior que a liberdade de expressão e opinião. O direito à informação constitui o direito de informação, ser informado e informado. 

Desantes considera que o direito à liberdade de informação “é um direito humano, consistente no direito a mensagem informativa, e o seu objeto consiste na faculdade de receber, difundir e investigar”.18

Há três aspectos da definição, o primeiro é o direito subjetivo, o segundo, a mensagem informativa (ideia trazida por Francisco de Vitória e o ius comunicationis e, por último, os direitos a receber, difundir e investigar a informação). A mensagem informativa inclui os fatos (notícias), as ideias e os juízos. 

Pérez explica que as faculdades de difundir, receber, investigar, são as partes do direito à informação.19 Assim, investigar ou buscar informações por qualquer meio. O direito a receber é o direito de ser informado de maneira objetiva, completa e verdadeira, sem nenhum tipo de discriminação. No caso da difusão, quer dizer que não haja empecilhos para o cidadão divulgar suas ideias ou notícias.

O direito à informação inclui a opinião.  Desantes, aplicando o método lógico-mecânico de silogismo, considera que tanto o indivíduo quanto uma coletividade, ao assimilarem uma premissa maior (conjunto de valores, princípios ou ideologias) e uma premissa menor (fato ou conjunto de fatos), chegam a uma conclusão a respeito da opinião que o indivíduo ou a coletividade forma. A conclusão do silogismo quando comunitária é a opinião pública.

Assim, quaedam adecuatio rei et intellectus já previa as limitações humanas com os conteúdos a que acedem em linha e para revelar eventuais tentativas de manipular a opinião.  A liberdade de expressão, construída a partir de valores ocidentais e de textos universais, é um bem a ser preservado, sendo direito essencial para a própria sociabilidade, não podendo sofrer restrições, seja pelo poder econômico, seja pelo Estado.

Entretanto, a liberdade de expressão concebida num marco jurídico moderno pressupõe atenção e respeito a alguns valores como a tolerância, em relação, por exemplo, à religião e à crença que emerge em razão de diferentes culturas. A boa-fé e o dever à verdade informativa e factual também devem ser observados.

Nas transações comerciais, a liberdade de expressão “não inclui o direito de dizer que uma pedra de vidro é um diamante, e iludir alguém para pagar um alto preço por ela”. Também há o dever a dizer toda a verdade e não apenas meias verdades, por exemplo, “uma pessoa contratada para fazer declarações, em nome de um governo estrangeiro, deve registrar e revelar que está fazendo as declarações como agente estrangeiro e revelar a quantia que recebeu como agente”.20 Os fatos são as matérias da opinião, sendo que a liberdade de opinião, sem a informação sobre os fatos, não pode ser considerada para fins de debate público, por ser a verdade de fato que fornece informações ao pensamento político.21

No plano macro, a liberdade de expressão tem relação de interdependência com a democracia, isto porque o é a expressão no plano social, não é o que o indivíduo efetua, mas, é parte integral do que o povo é. Não há condições de a sociedade resolver os seus conflitos ou competir demandas e interesses gerando ideias, mantendo a estabilidade e funcionando democraticamente sem que os membros dessa sociedade tenham a possibilidade de se expressarem.22

No meio ambiente em rede digitalizada é mais possível a muitas pessoas e grupos de crenças semelhantes ajudarem-se mutuamente, expressar seus pontos de vista, organizar, e ganhar um reconhecimento muito maior. Poderia se questionar se essas comunicações permitem um discurso democrático direto. Isto, sem dúvida, é uma ideia atrativa para a democracia. Mas, no cenário da democracia, requer que o indivíduo/ cidadão tenha direitos e deveres, requerendo responsabilidade. Ao contrário, a não participação na vida da cidade leva à agonia da democracia.  A notícia é, por exemplo, um dos principais elementos de ampliação de horizontes para a tomada de decisão, não podendo ser considerada concausa da decisão, mas, base do processo decisório.

A força viva da democracia refere-se à vontade dos cidadãos de um país de agir de maneira responsável com a vida pública, sendo um espaço propriamente político, nem estatal, nem mercador.

O valor de uma cidadania ativa como pressuposto da democracia. Qualquer processo de decisão coletiva deve proporcionar que todos tenham oportunidade de compreensão das questões e das agendas colocadas.23

A Constituição brasileira de 1988, qualificada como constituição cidadã, estabelece a liberdade de expressão e o direito à informação como direito fundamental e desenha um modelo para o seu exercício. Ela aparece estabelecida no primeiro rol de direitos elencados da constituição, o art. 5º, incisos, IV, V e IX.   No inciso IV, a Constituição proclama que é livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato, mantendo modelo adotado em quatro (1989, 1934, 1937 e 1946) das seis constituições.

No inciso V, a Constituição assegura, independentemente de indenização moral ou material, o direito de resposta; adotado nas constituições brasileiras desde 1934, ele constitui uma esfera da liberdade de expressão, ao garantir versões e interpretações diferentes, ou seja, mais pluralidade, conforme a doutrina americana doctrine fairness (capítulo IV). O direito de resposta — na perspectiva de garantia de diferentes interpretações — não está apenas adstrito à resposta a notícias não verdadeiras, não sendo apenas um instrumento de retificação de informação, sendo também um meio de crítica ou de contra crítica.   

O inciso IX, do art. 5º, da Constituição, estabelece a atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. O dispositivo veda qualquer tipo de censura prévia, sendo que proíbe qualquer exigência de licença. A licença deve aqui ser compreendida em sentido amplo, ou seja, não se faz necessário pedir permissão para quem quer que seja.

caput do art. 220 esculpe a expressão máxima do direito à liberdade de expressão na Constituição; inserido no título pertinente à ordem social e no capítulo constitucional que regula a comunicação social, o referido art. estabelece que é livre a circulação de ideias, expressão, informação e criação na esfera de sociabilidade e que sob nenhum processo ou veículo sofrerão qualquer restrição.

O art. 220 determina a livre circulação da expressão, dentre outros, sendo que nenhuma instituição — pública ou privada — pode obstaculizar a livre circulação do pensamento, expressão, informação, por meio de processo ou veículo, nem mesmo os próprios meios de comunicação podem restringir esse processo. Sem a livre circulação do pensamento, expressão, informação e criação não há de se falar em liberdade de expressão, seja no sentido mais privado, seja na esfera pública.

O inciso IX do art. 5º da Constituição e o art. 220, parágrafo segundo, impedem qualquer censura prévia, seja ela de particular, da administração e do próprio Poder Judiciário. Neste aspecto, parece que a norma vincula todos, sendo que o Poder Judiciário, embora não possa proceder com a censura prévia, pode, nos termos postos na Constituição, conceder o direito de resposta, fixar indenizações proporcionais ao agravo, sem prejuízo das responsabilidades na esfera penal.

O parágrafo 1º do art. 220, da Constituição brasileira, dispõe que nem mesmo a lei pode conter dispositivo que traga embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social. Assim, no exercício da liberdade (notícia ou crítica) devem ser observados, a vedação do anonimato, o direito de resposta, proporcional ao agravo, sem prejuízo de indenização material, moral ou à imagem, os direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, e o resguardo ao sigilo da fonte, dentre outros.

A Constituição desenha um espaço para comunicação social, seja ela na Ágora ou no ambiente virtual, onde a cidadania e a força viva da democracia possam emergir. A liberdade só é possível quando se decida por si só, sobre assuntos próprios, colaborando de forma responsável na vida em comunidade.

 

6.   Regulamentação


Interditar a mentira e a disseminação desenfreada dos fakes news não significa romper com o fluxo informacional e comunicacional da rede, nem estabelecer um órgão que decida o que é verdade ou eleger profetas da verdade. Um ambiente comunicacional pressupõe a aceitação das contingências, das crenças, das ideologias, do diálogo para progressão da democracia e conservação da vida em sociedade. 

A liberdade de expressão e o direito à informação estão mais uma vez diante de ações que acabam por relativizar, diminuir ou suprimir o seu conteúdo social e jurídico. De um lado, big techs, em razão de suas próprias arquiteturas, acabam disseminando fake news e distorcendo o ecossistema midiático com a criação de ilusões com multiplicidade de discursos baseados em estórias e ficções. 

Por outro lado, a regulamentação do ambiente é complexa, posto que, não se pode reproduzir a ideia de que um órgão de caráter estatal seja a única instância para interdição de discursos denominados falsos. O perigo da censura, quer seja realizada pelos big techs ou pelo aparelho do Estado é sempre um problema que se põe. 

A determinação do art. 220 da Constituição em que proíbe a obstaculização por quaisquer meios da livre circulação de pensamento, expressão, informação por de setores públicos ou privados é posta em risco. Como podemos obstaculizar a livre circulação de informação, se o que as big techs fazem é apenas disseminar as fakes news? Se as autorregulamentações realizadas pelas plataformas são insuficientes para promover um ecossistema midiático livre da manipulação e da violação do direito de transmitir e receber informação fidedigna, bases da liberdade de expressão e opinião, qual o papel da sociedade civil e do Estado? 

A resposta das autoridades brasileiras parecem ser duas. Primeiro, o Projeto de Lei 2.630/2020. O segundo, o Supremo Tribunal Federal, em sede de Recurso Extraordinário RE 1057258 disporá sobre a constitucionalidade ou não do art. 19 da Lei 12.094/2014, Marco Civil da Internet, que determina que o provedor de aplicações de internet somente pode ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário. 

O Projeto de Lei 2.630/2020 estabelece 16 Capítulos. O primeiro capítulo estabelece os princípios e os objetivos. O segundo capítulo estabelece a responsabilização dos provedores. O terceiro capítulo dispõe sobre a notificação pelo usuário e do devido processo nos procedimentos de moderação de conteúdo. O quarto capítulo são os deveres de transparência. O quinto capítulo sobre os deveres da publicidade digital. O sexto capítulo sobre os direitos autorais e conexos. O sétimo sobre o conteúdo jornalístico. O oitavo capítulo da atuação do Poder Público. O nono capítulo do fomento a educação para o uso seguro da Internet. O décimo capítulo da proteção de crianças e adolescentes. O décimo primeiro capítulo dos provedores dos serviços de mensageria instantânea. O capítulo décimo segundo dos trâmites judiciais e de investigação. O capítulo décimo terceiro estabelece as sanções. O capítulo décimo quarto tipifica o crime em espécie. O capítulo décimo quinto dispõe sobre a regulação dos provedores e no capítulo décimo sexto seguem as disposições finais. 

O objetivo da lei é a transparência para provedores de redes sociais, ferramentas de busca, mensageria instantânea, além de estabelecer responsabilidades, deveres e obrigações para as pessoas jurídicas que ofertem ao público brasileiro e exerçam de forma organizada com o número médio de usuários mensais no País maior de 10.000.000 (dez milhões). Estão excluídas das implicações legais as manifestações artísticas, intelectuais de conteúdo religioso, político, ficcional, literário.

A ideia de criação de um órgão estatal ligado ao Poder Executivo para monitoramento e avaliação de conteúdos produzidos por membros da sociedade é sempre vista com ressalvas, uma vez que é um caminho estreito para a criação de um aparelho estatal censor. A criação de autarquia especial destinada à fiscalização do cumprimento da lei é palco de debates.

Afinal, se há regulação, precisa saber quem irá regular. A questão é saber o desenho deste órgão e se a ele, com técnicos concursados, será dado o poder de monitoramento de conteúdos na Internet. Retirada do texto original, a Agência poderia ser o órgão responsável de, por exemplo, baixar a regulamentação requerida pelo art. 7º, ou seja, estabelecer as diretrizes de avaliação de riscos sistêmicos decorrentes da concepção ou funcionamento dos seus serviços e dos seus sistemas relacionados, incluído os sistemas algoritmos.

Os riscos sistêmicos, nos termos do projeto proposto, incluirão um rol mínimo de conteúdos a serem verificados, são eles:  I – a difusão de conteúdos ilícitos no âmbito dos serviços incluído: I – crimes contra o Estado Democrático de Direito, atos de terrorismo e preparatórios de terrorismo, tipificados, crime de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação, tipificado; crimes contra crianças e adolescentes previstos na Lei 8.069/1990, e de incitação à prática de crimes contra crianças e adolescentes ou apologia de fato criminoso ou autor de crimes contra crianças e adolescentes, tipificados, crime de racismo, violência contra a mulher, infração sanitária, por deixar de executar, dificultar ou opor-se a execução de medidas sanitárias quando sob situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional. 

Além de discursos com conteúdos relativos à violência contra a mulher, ao racismo, à proteção da saúde pública, a crianças e adolescentes, idosos, e aqueles com consequências negativas graves para o bem-estar físico e mental da pessoa; ao Estado democrático de direito e à higidez do processo eleitoral; os efeitos de discriminação ilegal ou abusiva em decorrência do uso de dados pessoais sensíveis, ou de impactos desproporcionais em razão de características pessoais.

A regulamentação ainda disporá sobre a moderação de conteúdo, procedimento administrativo em caso de caracterizado risco sistêmico iminente, auditoria externa, informações sobre o conteúdo, responsável pelo pagamento, características da audiência, além de outros critérios de anúncios e conteúdos impulsionados, critérios de aferição dos valores, negociação, resolução de conflitos, transparência e a valorização de conteúdo nacional, regional e independente referente aos direitos autoriais. Por fim, a regulamentação, que disporá sobre os critérios, forma para aferição dos valores, negociação, resolução de conflitos, transparência e a valorização do jornalismo profissional nacional, regional, local e independente.

Frente aos poderes conferidos ao órgão regulamentador estatal, verifica-se que os conteúdos, até mesmo de caráter publicitário, sendo o modelo econômico dos entes regidos pela lei, são submetidos a uma regulamentação estatal, deixando pouco espaço para a autorregulamentação e excluído, deste modo, qualquer modelo de corregulação. Por óbvio, que seria mais salutar que o monitoramento destes conteúdos fosse realizados por polos de micros atores da sociedade civil em colaboração com as Universidades, centros e instituições de pesquisas e a colaboração das próprias plataformas, em parceria público-privado, acionado o Poder Judiciário em caso de descumprimento das determinações legais e nunca de regulamento baixado por agente estatal ligado ao Poder Executivo. 

Em relação aos aspectos econômicos, dois aspectos são relevantes, publicidade e impulsionamento, as empresas jornalísticas.

 

6.1.  Publicidade


A publicidade em plataformas digitais ficou conhecida pelo baixo custo e o retorno ao anunciante. Os impulsionamentos, por exemplo, direcionam de maneira mais efetiva o anúncio, trazendo um bom enlace entre consumidor alvo da publicidade e o produto anunciado. Em razão destes benefícios, o aumento das verbas de publicidade para as plataformas vem crescendo nos últimos anos. Entretanto, a forma com que as big techs lidaram com a possibilidade de lucro foi alvo de críticas.   

Duas são as definições de publicidade: de plataforma e de usuário. A publicidade de plataforma é a que realiza a ampliação ou um impulsionamento de alcance de conteúdo em troca de pagamento pecuniário ou o valor estimável em dinheiro para provedores. Na de usuário é a veiculação em troca de pagamento. 

O art. 6º determina a responsabilidade solidária da plataforma por conteúdos gerados por terceiros cuja distribuição tenha sido realizada por meio de publicidade de plataforma. A identificação para o usuário do conteúdo publicitário e o anunciante, no caso do impulsionamento, é uma exigência posta, devendo ainda o destinatário da propaganda receber as informações sobre quais os parâmetros que o fizeram ser alvo da publicidade.

Como a publicidade não é uma simples veiculação de informação de produtos e bens, mas um formato de linguagem com o objetivo de persuadir, convencer e instigar o público a consumir, a própria produção da peça publicitária visa a interferir no comportamento do usuário. O próprio Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária define publicidade como “atividades destinadas a estimular o consumo de bens e serviços” (art. 8º), reconhecendo que “a publicidade exerce forte influência de ordem cultural sobre grandes massas da população” (art. 7º). Partindo dessas premissas, é justificável a vedação de criação de perfis comportamentais de usuários crianças e adolescentes, por meio de tratamento de seus dados pessoais, para fins de direcionamento de publicidade. 

Ponto polêmico, entretanto, é a responsabilização solidária com o anunciante de danos causados a terceiro cujo conteúdo seja distribuído por meio de publicidade. A ausência de precedentes de caráter normativo abstrato sob a matéria em relação aos outros meios de comunicação, faz com que a regra possa ser uma novidade no sistema normativo, estendendo, por vias interpretativas, a situação para outros meios de comunicação realizados por outro tipo de suporte. 

 


6.2 Remuneração empresas jornalísticas


No direito francês, os jornalistas são considerados expressamente na lei autores de obras intelectuais, mantendo o direito à propriedade para fins de veiculação do conteúdo produzido. Após 2 anos de disputas, o Google fechou acordo com a França sobre uma multa de 500 milhões de euros imposta pela Autoridade da Concorrência (ADLC). O Google foi multado com base na Lei 2.019-775, de julho de 2019, por não negociar de boa-fé com os editores e agências de imprensa a remuneração devida pela utilização de seu conteúdo protegido por lei. 

A França é o país pioneiro na implementação de direitos conexos, obrigando as plataformas digitais a difundirem os conteúdos de informação online.  Em abril de 2022, o Governo do Canadá apresentou o Projeto de Lei C-18, o Online News Act, que garante que as principais plataformas digitais realizem compensação remuneratória os produtores de conteúdo e promovam ao mercado de notícias, principalmente, as notícias locais e de produção independentes.

O Projeto de Lei, em seu art. 32, estabelece que os conteúdos jornalísticos utilizados pelos provedores produzidos em quaisquer formatos ensejam remuneração às empresas jornalísticas. Tal remuneração não poderá onerar o usuário final. 

Notas

YEUNG, Karen. Algorithmic regulation: a critical interrogation.  Regulation & governance, pp. 12-15.

ALABART, Silvia Diaz.  Robots y responsabilidad civil, p. 18.

YEUNG, Karen. Op. cit., p. 134.

YEUNG, Karen. Algorithmic regulation: a critical interrogation.  Regulation & governance, p. 14.

MENESES, Manoel González. Entender blockchain: una introducción a la tecnología de registro distribuido, p. 101.

Idem, p. 101.

PUENTE, Paloma de la. Telos- 113, p. 68 e ss.

GENTZKOW, H. A. Social media and fake news in the 2016 election. Journal of Economic Perspectives, p. 213.

GENTZKOW, H. A. Social media and fake news in the 2016 election. Journal of Economic Perspectives, p. 212.

10 AQUINO, São Tomás. Summa teologica.

11 DESANTES, J.M. La información como derecho, p. 15.

12 BALMES, Jaimes. El criterio. 

13 ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro.

14 Idem.

15 BUCCI, Eugênio. Existe democracia sem verdade factual?, pp. 75-76.

16 BUCCI, Eugênio. Existe democracia sem verdade factual?, p. 80.

17 SAYEG, Ricardo Hasson, GARCIA, Manuel Enriquez. Capitalismo humanista. Enciclopédia jurídica da PUC-SP.

18 DESANTES, J. M. Derecho de la información, p. 14.

19 PÉREZ, H. La arquitectura del derecho de la información en México. Un acercamiento desde la Constitución, p. 33; ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro.

20 BERMAN, Haroldo. Aspectos do direito americano, p. 75.

21 Idem.

22 KAIRYS, David. With liberty and justice for some, p. 139.

23 DAHL, Robert. Democracy and its critics, pp. 85-88.

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Citação

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Tomo Direito Econômico, Edição 1, Março de 2024