O tema da igualdade, inegavelmente, é muito extenso e nosso espaço limitado. Resolvemos diante da complexidade, apresentar os fundamentos filosóficos da igualdade. As correlações entre a igualdade e a Filosofia serão tratadas inicialmente, como se fosse possível, dentro do espaço curto, demonstrar os fundamentos filosóficos da igualdade. Mas, mesmo ciente disso, optamos por apresentar essa abertura. Com os fundamentos apresentados, mesmo que de forma rápida, seguiremos para a igualdade na Constituição da República Federativa do Brasil. Antes do texto vigente, precisamos entender a igualdade na história constitucional brasileira. E, com base na experiência criada desde 1.824, iniciamos a apresentação. A igualdade (e as desigualdades) estarão presentes em cada texto, para que o leitor acompanhe, na linha do tempo, como o tema veio tratado. Se a Constituição do Império garantia a igualdade, ela era reservada aos homens livres. Portanto...pouca igualdade havia, apesar de garantida formalmente. Ou seja, era igualdade reservada para poucos. 

Seguimos no painel histórico-constitucional, mostrando como a igualdade refletia os valores de cada época. Se havia igualdade, havia igualdade para poucos. 

Passaremos por todas as Constituições brasileiras, até chegarmos a atual.

Ao analisarmos a Constituição atual vamos apresentar os vetores da igualdade. A igualdade formal e a igualdade material. E, ao final, trataremos da abertura trazida pela Emenda Constitucional 45, que autorizou o ingresso de instrumentos internacionais de direitos humanos com equivalência de emenda à Constituição.

Esse seria o roteiro adotado de comum acordo. Portanto, abriremos com a abordagem filosófica, seguiremos pelo histórico das Constituições e, para concluir, como a igualdade foi tratada pelo constituinte brasileiro.  A abertura dada para os tratados internacionais também será apontada, com os documentos referentes já incluídos no texto, via do parágrafo terceiro, do artigo quinto. 

Até o momento, são dois instrumentos, que serão analisados, que hoje compõem o conjunto normativo brasileiro. Trata-se de interessante instrumental que será apresentado, demonstrando que, finalmente, a Constituição da República Federativa do Brasil resolveu o tema dos instrumentos internacionais, com a abertura mencionada. 

Iniciemos, portanto, com a abordagem filosófica, como anunciado.

1. A igualdade na filosofia 


No presente contexto político-social-epistêmico caracterizado pelos expressivos descobrimentos tecnológicos e pelas políticas públicas de caráter educacional, os indivíduos são passíveis se tornarem objetivados e letárgicos. A matéria da Filosofia auxiliará na construção interpretativa, compenetrada e analítica de opiniões e conceitos no ambiente educacional. Diante da fragilidade da sensação de libertação do indivíduo de sua conformação para uma práxis, os filósofos podem desempenhar a missão de proporcionar a prática empreendedora no caminho dos seus ouvintes e apreciadores em direção à emancipação crítica, tendo como ponto de partida a cognição filosófica da ação comunicativa, que é estipulado pelos anseios subjetivos. 

A transmissão dos princípios jurídicos, éticos e filosóficos eleva-se como modelo de um trabalho ordenado dos estudiosos de Filosofia, tanto na esfera disciplinar quanto na interdisciplinar, como método de desenvolvimento de habilidades de seu público sobre assuntos intrínsecos da vivência cotidiana. Transmitir os preceitos jurídicos e políticos relativos à dignidade da pessoa humana é amplificar as aptidões fundamentais do ser. Deste modo, questiona-se se seria viável conciliar os temas dos direitos fundamentais, como a igualdade com as matérias de Filosofia. Quando nos debruçamos sobre questões inerentes ao ordenamento e às normas jurídicas, busca-se uma elucubração interpretativa e racional quanto à relevância da Filosofia para que se possa reaprender a vislumbrar e a descortinar o mundo.

A ampliação dos direitos civis nos últimos séculos, o clamor da vida pública e o assalariamento de sucessivas faixas da população estimularam, ao longo do tempo, processos robustos de inclusão social. Tal mecanismo operou-se sobre o desmoronamento e a dissipação social de meios enraizados de pertencimento e inclusão comunitária. O fruto destrutivo da elevação das sociedades da modernidade ensejou assim o problema de tema social enquanto manifestação especialmente recente de desigualdade. Porém, o procedimento paralelo de aumento da marginalização e de subjugação disciplinar da sociedade aos imperativos do mercado de trabalho, veio em companhia de modernos meios de integração, na medida em que foram erigidos novos artifícios de composição e afiliação a um corpo político gerido por preceitos universais e por instrumentos públicos de formação de legitimidade.

A condição de cidadão compõe a materialização institucional desses novos instrumentos de solidariedade de subjetiva e disseminada. Especialmente no que toca à igualdade, convém recordar que o cerne da questão tem como morada o fato de que cidadania inseriu diferenciação díade de inclusão e eliminação. Isto porque ampliou o espaço da igualdade amparada pela legislação, ou seja, especificou campos importantes da vida social nos quais deviam prevalecer possibilidades de alcance, atuação ou desfrute congêneres para as esferas sociais dotadas de status de cidadania. Além disso, a aclamação desses campos, acompanhada do legado social a ser partilhado como requisito de uma existência civilizada, concomitantemente reprime a legitimidade de todo tipo de demanda que transborde seus limites.1 

A desigualdade e a exclusão possuem nos tempos atuais uma conotação totalmente diferente do que outrora ostentaram no passado. Neste momento, a igualdade, a liberdade e o senso cidadão são encarados como valores de emancipação da existência social. A disparidade e a marginalização precisam ser explicadas, a princípio, como limitações ou episódios de um estágio comunitário que não lhes confere legitimidade. Neste sentido, diante da desigualdade e da exclusão, somente a política social que elenca formas para erradicá-las é legítima.

A Constituição Federal de 1988 consagra expressamente o princípio da igualdade em seu artigo 5º, caput: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. O Texto Constitucional labuta em favor da igualdade dos desiguais gerando desigualdades, isto é, através de alguns dispositivos viabiliza uma pretensa injustiça/desigualdade para zelar pelo princípio da isonomia. Em outros termos, a Carta de 19888 trata desigualmente os desiguais com o intuito de fazê-los de fato iguais. Um exemplo claro disso se verifica no inciso I do referido artigo, quando iguala formalmente homens e mulheres no que diz respeito aos direitos e obrigações: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”.2 

Muito se discute a respeito do princípio da igualdade e muitas vezes parece que o mesmo não fora totalmente definido. Estabelece-se a igualdade ou isonomia como um bem jurídico inalienável, imprescritível e que tem possui como finalidade o tratamento igualitário de um sujeito, de uma coletividade ou de uma etnia perante a um Estado, a uma Organização e aos demais sujeitos. Todavia, é conveniente investigar o sentido filosófico de igualdade, afinal o que se pretende é um tratamento igualitário que vá além da maneira liberal que fundamentou a antiga Velha Hermenêutica Constitucional. Isto porque esta assimilava o princípio da igualdade de maneira profundamente formal e individualista em oposição às ponderações da Nova Hermenêutica Constitucional. 

O progresso da concepção da igualdade, sob o prisma da pessoa humana inserida em sociedade, ocorreu por meio de suas relevantes transformações: por meio de um primeiro conceito de que a desigualdade era um atributo intrínseco entre os indivíduos (desigualdade natural) e, a posteriori, em uma concepção de que a desigualdade não era algo congênito, sendo então a chama condutora para a asserção de que todas as pessoais são semelhantes por natureza. É possível aduzir que Platão, ao apreciar a pretensa natural desigualdade entre os indivíduos, foi o grande pensador antecedente a oferecer ao coletivo, com a merecida relevância, o paradigma da igualdade em meio às questões que tratavam sobre o ser humano inserido na sociedade. A convicção de que alguns haviam vindo ao mundo para liderar porque dotados de virtude inata e conhecimento e outros com atributos de vício e ignorância simplesmente para atendê-los, foi a destacada amostra de que a igualdade entre os homens estava em discussão nos escritos de Platão, e mais tardiamente, de seu discípulo Aristóteles. A concepção de desigualdade orgânica, transcorrida à desigualdade social, foi o germe da consciência e da produção escrita a respeito da igualdade, e, por consequência, da desigualdade.

Na obra a República de Platão, denota-se que a ordem e a harmonia social configuram objetivos da justiça. Entretanto, essa conexão não se exaure nessa linearidade, afinal que essas duas metas são também requisitos, numa permanente dialeticidade cíclica. Em outros termos, apenas se procura o justo aonde se pode encontrar proporção e simetria, ainda que sejam, simultaneamente, propósitos instantâneos da justiça. Outro prisma relevante é o que diz respeito às categorias estipuladas em conformidade com as habilidades de cada um, podendo persistir entre os sujeitos contrastes de poder, privilégios e atribuições. Neste passo, em um primeiro momento essa formulação pareceria ilógica e contrária à justiça, mas precisa-se ir mais à frente dessa impressão antecipada. 

Platão notou que a igualdade, tão ligada à justiça, não se encontra no tratamento de todas as pessoas do mesmo modo, como pretendeu mais tardiamente o pensamento liberal francês do século XVIII. A razão disso é que os sujeitos não são iguais, tanto por razões de cunho pessoal quanto por interferências sociais. Uma aceitação precipuamente isonômica, assim, traduzir-se-ia em evidente injustiça. Por isso, pode absorver-se de Platão o embrião da concepção jurídica de igualdade material, conforme o qual se necessita conceder abordagem idêntica aos “iguais e desigual aos desiguais, na exata medida de suas desigualdades”. Tal acepção é tardiamente desdobrada por Aristóteles e foi muito bem condensada por Rui Barbosa, neste famoso discurso: 

“A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigual− mente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem”.3 

Aristóteles afirmou que a pólis tratava-se de uma pluralidade de indivíduos e que esta não é constituída por uma multidão de membros homogêneos, afinal estes se distinguem na própria espécie. Esta variação resulta que existe diversidade entre os componentes da comunidade política e que tal diferenciação não é somente casual, mas imprescindível à espécie de associação que caracteriza a pólis. A associação de cunho político possui atributos tais que a diferença é uma característica componente dela. Se subsistir, esta diferença constitutiva auxilia para garantir o que é necessário ao coletivo. Os integrantes da coletividade política, em que pese fossem entendidos como iguais, não eram tidos como componentes idênticos, pois para Aristóteles eram elementos associados que se distinguiam em espécie. É por esta razão que “igualdade” não poderia ser confundida com “homogeneidade”. 

Para que fosse explicado o que Aristóteles entendia como idêntico, ou seja, homogêneo, ele se aproveitou da diferenciação entre duas entidades associativas: a comunidade política e a aliança militar. Posteriormente, distinguiu também a forma como o coletivo político se dispunha do feitio dos Arcádios, vivendo espalhados na região, em vez de se reunirem em aldeias. Para Aristóteles, a pólis era uma figura associativa constituída por elementos que obrigatoriamente diferiam em espécie ao passo que a aliança é formada por elementos iguais, de igual espécie e do mesmo tipo, sendo então homogêneas. 

Outrossim, em uma aliança o objetivo era o auxílio recíproco e por esta razão o tipo de amizade que existe entre os que se concatenam circunda em torno da utilidade. Aristóteles, na obra “Ética a Nicômaco”, nos livros IX e X, se pronunciou a respeito de três espécies de amizade: a movida pelo prazer, a guiada pela utilidade e a que seria a mais perfeita, a amizade pelo bem.

 Mais tardiamente, foram os pensadores estóicos da escola grega e os cristãos a contestarem o pensar então vigente dos filósofos Platão e Aristóteles a respeito da ocorrência da desigualdade natural entre os homens. De maneira inversa, inferiam os estóicos que não poderia haver igualdade mais realista do que a igualdade entre os indivíduos em seu estado natural, afinal de contas todas as pessoas possuem a mesma origem e a mesma gênese. 

Os pensadores cristãos raciocinavam partindo do mesmo pressuposto, ao passo que em seu Livro Sagrado, na Bíblia, expediente usado pelos cristãos para elucidar a existência, o falecimento e as conexões sociais, há passagem em que Jesus Cristo teria dito que todos os indivíduos foram concebidos à imagem e semelhança de Deus, o Criador, quer dizer, todos em sua origem são idênticos, trazendo à baila a semente da condição de igualdade para os cristãos.

Com o advento das grandes navegações (século XVI) e consequentemente, com a descoberta de novos povos pelos europeus, surge a seguinte dúvida: os indígenas são animais ou humanos? O que, na época, se resumia em determinar se eles possuíam ou não alma.

Atualmente estas perguntas são absurdas e inconcebíveis, mas na época mobilizaram filósofos, juristas, clérigos e membros da realeza. Para responder a este questionamento se elevaram duas doutrinas: a) Doutrina da igualdade; b) Doutrina da desigualdade.

A recusa do estranho (doutrina da desigualdade) repousa em uma boa autoimagem de si e de sua sociedade. Já a fascinação pelo estranho (doutrina da igualdade) se baseia em uma má autoimagem e num senso crítico apurado o bastante para perceber que o novo pode conter características desejáveis e aproveitáveis.

Este embate toma sua forma mais concreta em 1550 em Valladolid, Espanha, no debate entre o jurista e filósofo Gines de Sepúlveda (adepto da doutrina da desigualdade) e o padre dominicano Bartolomé de Las Casas (adepto da doutrina da igualdade). Na verdade, o cerne da discussão girava sobre a possibilidade de os indígenas serem ou não escravizados e cada qual elencou os seguintes argumentos na defesa de suas teses. Para Sepúlveda o escravo é um ser intrinsecamente inferior, que nunca poderá ascender à posição de senhor, pois lhe falta em parte a razão que é, justamente, o que define o homem; Além disso há homens que nascem senhores e os que nascem escravos, sendo portanto, a desigualdade sinônimo de inferioridade – quem não é igual, é inferior. O estado natural da sociedade humana é a hierarquia e não a igualdade; e com isso os indígenas devem ser escravizados.

Já para Las Casas, profundo defensor dos indígenas cubanos, de forma oposta, afirma que os indígenas eram indivíduos dotados de humanidade e que todos podem, sem exceção, tornarem-se cristãos; as diferenças de fato não correspondem a diferenças de natureza. Por fim os indígenas não podem ser escravizados.

A nosso ver, nem Sepulveda nem Las Casas estão corretos, muito embora o último mais se aproxime de nossa visão decolonial. Entendemos o decolonialismo como fármaco adequado da questão indígena para análise da igualdade. 

Somente com o decolonialismo, dimensionaremos a igualdade dos povos originários da maneira adequada. Isso porque não é possível, no campo filosófico, analisarmos de maneira igual os diferentes, que não são melhores nem piores, mas sim distintos. 

A título de exemplo a dimensão da terra para autóctones e não indígenas é muito distinta. Deste modo, tal tema não pode ser regulado exclusivamente pelo parâmetro de um povo somente, e se assim for, em uma dimensão decolonial, que seja pelo parâmetro dos povos originários.

Retornando a leitura filosófica tradicional europeia moderna, ainda assim, sucedeu de maneira mais lúcida a concepção da igualdade inata entre os homens. Enquanto se compreendia a igualdade natural, se assentia também a desigualdade oriunda da legislação civil (desigualdade civil). Para o estudioso inglês Thomas Hobbes, exemplificativamente, a desigualdade fruto do contrato celebrado entre a sociedade e o Estado, retratado metaforicamente sob a figura do monstro Leviatã, é genuína. Isto porque a desigualdade seria o custo a ser despendido pelo ser humano em troca da convicção de gozar uma comodidade pacífica. Assim, tendo como pressuposto a definição de que os indivíduos são naturalmente todos iguais, entendeu-se que a partir do pacto social a desigualdade entre eles seria uma consequência válida, afinal competia a cada um procurar por suas oportunidades, seus ambientes e suas conquistas em sociedade. Tal concepção pode ser entendia como proêmio do que se entende por igualdade formal.

A notável assertiva de Hobbes, no início do capítulo XIII de sua obra “Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil”, de que a natureza gerou os indivíduos iguais em suas competências de corpo e espírito, reflete nos dias atuais nos textos constitucionais de todas as nações entendidas como civilizadas, conduzindo o filósofo político Leo Strauss a estremar aí a distinção crucial entre o pensar político moderno e o pensar político da Antiguidade clássica. Isto porque no raciocínio filosófico da Grécia Antiga as dessemelhanças naturais entre os sujeitos formavam teor de grande importância política e, realmente, constituíam o alicerce inevitável sobre a qual se estruturava o gerenciamento da pólis. São muitos os frutos dessa passagem, entre as quais a renúncia aos padrões de existência heroicos e estimados e o resultante enaltecimento da vida costumeira, a valoração das convicções produtivas a respeito dos teórico-especulativos, a incredulidade em um arquétipo inalterável de excelência a ser atingido pelos indivíduos e a negação de que a natureza possa acudir como inspiração para os indivíduos no trato de suas existências e ser algo mais que um entrevero a ser superado pela inteligência e sagacidade do ser humano.

Para Thomas Hobbes, lei natural é somente um teorema racional, por onde é possível descobrir o rumo da paz. Porém, não há nenhuma garantia na existência natural que esse trilhar seja cumprido. Já para o pensador também inglês John Locke, a norma natural é passível de ser encarada como lei em sentido forte. Isto porque a lei positiva não possui maior expressão mandatória que a proveniente da natureza. A lei positiva é mais garantida quanto ao seu cumprimento, mas não por essa razão a lei natural não possui eficácia. Talvez essa seja a diferença mais relevante entre as teorias políticas de Locke e Hobbes, porque a maior parcela da disparidade entre as duas produções políticas decorre disso.

John Locke escreveu que na condição natural os seres humanos vivem em um estado de plena liberdade para coordenarem suas ações e para utilizarem de suas posses e de indivíduos como crerem viável, dentro das raias da lei de natureza, sem que seja preciso pedir permissão ou depender do interesse de qualquer outro indivíduo. Para ele, esse é também um estado de primorosa igualdade, em que são mútuos todo poder e toda jurisdição e ninguém detém mais desses atributos que o outro. Logo, a situação natural se reconhece prontamente pela indiferenciação do poder. Porém, é necessário se ater a um detalhe particular que é a concepção de jurisdição recíproca. Tal ideia só se torna mais clara tardiamente, quando se pormenoriza a lei natural. Então, após introduzir dessa maneira o conceito de igualdade, Locke buscou fundamentar sua percepção: nada pode ser mais notável que seres da mesma espécie e da mesma ordem, concebidas sem diferenciação para os mesmos proveitos da natureza e para a utilização das mesmas competências, devendo então ser iguais umas às outras, sem submissão ou subjugação, a menos que o senhor de todas elas erga uma sobre outras, por uma assertiva patente de seu desejo e lhe conceda, por designação manifesta e clara, um incontestável direito ao comando e à soberania. 

Após mais de cem anos da divulgação dos conceitos de Thomas Hobbes e algumas décadas depois da exposição das ideias de John Locke, conduzido pela situação da sociedade de sua época, Jean-Jacques Rousseau igualmente trouxe à baila a controversa questão da desigualdade entre os indivíduos em comunidade. Em suas obras denominadas “Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade Entre os Homens” e “O Contrato Social” denota-se o cuidado em discriminar o indivíduo natural e o indivíduo inserido em sociedade. Inclusive, foi por meio do contrato social que Rousseau investigou a igualdade jurídica entre os indivíduos. 

Ao invés de aniquilar a concepção de igualdade natural, o contrato fundamental troca por uma igualdade moral e legítima o que a natureza pode ter concebido de desigualdade física. Logo, se indivíduos podem ser desiguais em robustez ou em gênero, eles vêm a se tornar todos iguais por tratado e por direito. Dito isto, a igualdade, para Rousseau está intrinsecamente associada â liberdade do ser humano, decorrente, à época, de uma sociedade destituída de escravidão. Outrossim, os indivíduos libertos teriam entre eles anseios e vontades similares, de forma que era realmente erradicada a desigualdade. Não é impraticável que um desejo privado coadune em algum tópico com a vontade geral, mas é ao menos impossível que essa concórdia seja duradoura e permanente, afinal o desejo particular tende por sua essência às predileções e os anseios gerais tendem à igualdade.4 

Dos contratualistas a um neocontratualista, tratamos agora de John Rawls que em sua obra “Uma Teoria da Justiça” considera que não existe Justiça sem Moral, com isso, tal obra, embora filosófica, possui forte influência da Ciência Política e apresenta uma Teoria do Direito.

“(...) procura esquivar-se assim do positivismo jurídico, de um lado, e das definições materiais da Justiça (do jusnaturalismo clássico), de outro. Esse modelo procedimental, forma de articulação entre regras (procedimentos) e práticas (instituições) caracteriza o trabalho conceitual da obra de John Rawls e a aproxima da Filosofia prática de Immanuel Kant”.5 

Para que possamos compreender a sua dimensão de igualdade em que funda em diversos conceitos, precisamos destacar, antes de mais nada, os conceitos de posição original e do véu de ignorância

Com relação a “posição original” esta consiste na situação eminentemente hipotética em que os integrantes da sociedade, que se quer como justa, tidos como contratantes livres e iguais, escolhem, todavia sob um “véu de ignorância”, os princípios de justiça que governarão tal sociedade.

Já o “Véu da ignorância” consubstancia instrumento indispensável à definição da posição originária. Se as partes conhecessem todas suas particularidades, os resultados nas escolhas dos princípios de justiça seguramente seriam influenciados por elementos arbitrários. Não estando todas as partes na mesma posição equitativa, não haveria a satisfação dos princípios da justiça, uma vez que alguns veriam mais e outros veriam menos.

Sendo assim, o egocentrismo é o ponto a ser neutralizado, por assim dizer, pelo véu de ignorância, a fim de garantir justiça no ponto originário.

Rawls apresenta uma estrutura básica de sociedade visando ao melhor equacionamento do sistema de organização das instituições justas. Para Rawls, o primeiro objetivo dos princípios da justiça social é a estrutura básica da sociedade, a ordenação das principais instituições sociais em um esquema de cooperação.

Tais princípios devem orientar a distribuição de direitos e deveres dessas instituições, determinando a distribuição adequada dos benefícios e encargos da vida social. Entende Rawls que instituições devem exercer este papel, como o sistema público de regras que define cargos e posições com seus direitos e deveres, poderes e imunidades. Ou seja, todos que estão nelas engajados sabem o que as regras exigem delas e dos outros. 

Com relação dos Princípios da sociedade ordenada, Rawls cria um ambiente social propício, nas suas palavras uma “sociedade bem ordenada” para a verificação plena dos dois princípios vetores da concretização da justiça e da igualdade. 

1.º Princípio: Todas as pessoas têm igual direito a um projeto inteiramente satisfatório de direitos e liberdades básicas iguais para todos, projeto este compatível com todos os demais; e, nesse projeto, as liberdades políticas, e somente estas, deverão ter seu valor equitativo garantido.

2.º Princípio: As desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer dois requisitos: 

a) devem estar vinculadas a posições e cargos abertos a todos, em condições de igualdade equitativa de oportunidades; e 

b) devem representar o maior benefício possível aos membros menos privilegiados da sociedade. 

Essa dimensão nos traz a necessidade de compreendermos a distribuição equitativa, que por meio desses dois princípios de justiça, é que deve ser efetivada a distribuição equitativa de bens primários (primary goods), isto é, bens básicos para todas as pessoas independentemente de seus projetos pessoais de vida ou de suas concepções de bem. 

Entende Rawls que os mais fundamentais de todos os bens primários são o autorrespeito (self-respect) e a autoestima (self-esteem), acompanhados das liberdades básicas, rendas e direitos a recursos sociais, como a educação e a saúde. 

Possível afirmar, portanto, que a doutrina de Rawls é fundada em esquema eminentemente procedimental, para que então se alcance a “sociedade bem ordenada” antes referida.

Diferenças do pensamento de Ralws e o utilitarismo. Vale dizer que, Uma teoria da Justiça não deve ser confundida com o utilitarismo de Stuart Mill. 

Sobre o utilitarismo, deve ser consultado o capítulo referente nesta obra à Ciência Política. 

Entendemos que sua teoria se apresenta como uma alternativa ao utilitarismo. Se o utilitarismo visa o bem-estar da sociedade como um todo, mesmo que em detrimento do bem-estar de cada indivíduo, a teoria da justiça parece visar o contrário: a felicidade do indivíduo, no pleno gozo de suas liberdades básicas, com predominância sobre a busca do bem-estar geral.

Pode ser encarada como nobre a desigualdade natural, ou seja, a diferença, a distinção, o diverso. O aglomerado que é o Brasil, com sua miscelânea cultural, de etnia e de linguagem, favorece o fortalecimento da Democracia e confirma o pluralismo apontado pela Constituição Federal. Entretanto, há de se notar a desigualdade de cunho econômico, racial, sexual e social que persiste na sociedade brasileira. Corriqueiramente afirma-se que vivemos em uma democracia, passado um estágio de autoritarismo. Por democracia muitas vezes entende-se há existência de pleitos eleitorais, de partidos políticos e de divisão republicana dos Três Poderes, além de serem resguardadas a liberdade de pensamento e de manifestação, porém esta concepção é alheia à algo acentuado na sociedade brasileira: o autoritarismo social. A sociedade em nosso país é autoritária porque é hierárquica, dividindo os indivíduos, a todo o momento, em inferiores que devem servir, e em superiores que devem comandar.6 

O princípio da isonomia, depois de toda sua evolução histórica, não pode ser encarado somente como um preceito de Estado de Direito. Tal princípio deve ser encarado substancialmente como um princípio de Estado Social. A igualdade é o mais abrangente dos princípios constitucionais, envolvendo as mais distintas circunstâncias e por esse motivo deve ser encarado por todos os operadores de direitos em todas as esferas que se possa utilizá-lo, sob risco de ultraje direto a quase todos os demais dispositivos existentes no ordenamento jurídico, afinal a igualdade rege como alicerce de toda a sistemática constitucional nacional. 

Nestes termos, a prática de atos discriminatórios em virtude de raça, classe e/ou gênero ferem não apenas o Texto Constitucional, como também afronta a essência do próprio ser humano, contrariando drasticamente o Estado Democrático Brasileiro. A compreensão desse princípio deve levar em conta a ocorrência de desigualdades de um lado e, de outro, das injustiças geradas por este cenário, de tal forma que seja possível a promoção da igualdade plena. Dessa forma, a igualdade se coloca não apenas diante da lei, mas também frente a todo o Direito, à Justiça e aos objetivos sociais e políticos, concebendo reais oportunidades da pessoa humana alcançar condições dignas de existência.


2. A igualdade nas constituições brasileiras7  


A retomada do passado constitucional brasileiro torna-se essencial para identificar a construção histórica da ideia de igualdade depositada pelo Constituinte Originário na Constituição Federal de 1988. Logo, utilizam-se como fontes primárias para tal investigação as 9 Constituições que, mesmo vigorando por um curto tempo, emanaram comportamentos, princípios e costumes dentro da sociedade brasileira. O processo de implantação e reconhecimento da igualdade iniciou-se com nossa primeira constituição, em 1.824. Caminha ainda, como será visto, em 1.988. E o processo não terminou...


2.1. Constituição do Império – 1824 


Os sintomas primários de igualdade foram sentidos a partir da Constituição do Império8, após ser outorgada em 25 de março de 1824. Ao percorrer os seus 179 artigos, notou-se que a primeira preocupação deixada nela foi a definição da nacionalidade brasileira para, em seguida, estabelecer um diálogo entre as garantias dos direitos civis e políticos estabelecidos ao longo dos 35 incisos do último artigo, do referido Texto Legal, para serem gozados pelos cidadãos brasileiros. Alguns deles foram a liberdade de pensamento sem censura, a propriedade privada e a educação primária como um direito a todos. Ademais, importante ressaltar as garantias de tratamento voltadas para aqueles que fossem alvo de um processo criminal.

Em contrapartida, pode-se afirmar que a natureza de tal igualdade era aparente, visto que foi dada continuidade ao sistema escravocrata e, ainda, entrelaçada a participação política com o critério censitário. Em outras palavras, respectivamente, permaneceu a legalidade da perda da condição humana para a de objeto e distanciou a população da vida política com a existência da condicionante renda para alguém poder votar e candidatar-se para determinado cargo. Havia uma liberdade formal anunciada, mas sem atender a todos. A igualdade era, portanto, reconhecida formalmente. No entanto, o próprio texto já tratava de restringir o conceito.


2.2. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil – 1891  


Em 24 de fevereiro de 1891, ou seja, menos de 3 anos após a Proclamação da República, foi promulgada a terceira Constituição brasileira, recebendo o nome de “Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil”. Composta por noventa e um 91 dispositivos, o referido Texto Legal deu início ao período republicano brasileiro, mantendo em vigor, todavia, a característica da igualdade aparente para os cidadãos brasileiros. Logo, foram petrificadas as hipóteses associadas, e seguidas pelas futuras Constituições, com o direito à nacionalidade brasileira e informadas novas possibilidades de naturalização do estrangeiro.   

Identificado esse aspecto que antecede a fruição da igualdade na forma de tratamento e de direitos individuais, não se pode deixar de mencionar que a efetivação dessa igualdade aparente estava associada com o anseio da oligarquia cafeeira manter a sua hegemonia social e política. Corrobora com esse ponto o artigo 70 que previu expressamente a não participação política daqueles que eram mendigos, analfabetos, praças e religiosos associados a algum juramento que renunciasse a sua liberdade. 

Nesse diapasão, a partir do artigo 72, foram anunciados a declaração de direitos individuais, em tese, inerentes a todos os cidadãos brasileiros. Alguns direitos emanados, outrora, pela Constituição do Império, foram mantidos e, outros alterados e acrescentados com a Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926. Portanto, a Constituição9 permaneceu assegurando aos cidadãos, por exemplo a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade. Houve um avanço no tratamento da igualdade, em relação ao texto anterior.


2.3. Constituição Estado Provisório – 1934 


Posteriormente, dentro de um cenário de efervescência política gerada pela Revolução de 1930, foi promulgada a terceira Constituição brasileira, em 16 de julho de 1934. Formada por cento e oitenta e sete artigos, por meio desse Texto Legal começou a ser solidificada e colocada em prática a ideia de igualdade, sendo avistada tanto uma igualdade formal quanto uma igualde material. Sendo assim, além dos artigos que expressaram diretamente direitos e garantias para todos os cidadãos, inovou-se ao utilizar o vetor da equidade como forma de atingir a igualdade entre os brasileiros.

Em primeira análise, o início da efetivação da premissa de igualdade foi sentido a partir dos enunciados dos artigos, 23, 52 e 89, todos dessa Constituição, que determinaram que as eleições fossem legitimadas pelo sufrágio universal. Por mais que a igualdade de gênero quanto ao direito ao voto refletiu o previsto no Código Eleitoral de 1932, o Parágrafo Único, do artigo 108 dessa Constituição, revelou uma contradição a essa premissa, visto que foram excluídos os analfabetos, os praças e os mendigos.

Doravante, a concepção da igualdade material10 foi sentida a partir da incumbência do dever do Estado de garantir o direito a subsistência do cidadão brasileiro, conforme o “caput” do artigo 113. Ao lado desse ponto, as igualdades formais foram, novamente, declaradas, sendo elas previstas por meio do direito à segurança, à liberdade e à propriedade. No artigo 133, no seu item 34, foi previsto o mandado de segurança como instituto garantidor de um direito certo e líquido para os cidadãos, além da ação popular.

A respeito das condições de trabalho, como consta no artigo 121, do Texto sob análise, também foram promovidas modificações com o intuito de garantir direitos, por meio de uma igualdade material, para os trabalhadores, como sendo estes: i) a proibição de diferença salarial para um mesmo ofício, por motivo de sexo, idade, nacionalidade ou estado civil; ii) a existência de um salário mínimo; iii) trabalho diário de 8 horas; iv) repouso hebdomadário; v) férias anuais e remuneradas; e vi) assistência médica e sanitária, além da instituição de previdência.


2.4.   Constituição Estado Novo – “A Polaca” – 1937  


Três anos mais tarde, foi outorgada, em 10 de novembro de 1937, a quinta Constituição, que nasceu a partir da crença da necessidade de preservar e defender a segurança da população como resposta a ideia delirante de uma infiltração comunista no território brasileiro. Diante a essa situação, “(...) remédios, de caráter radical e permanente (...)”,11 baseados na Constituição polonesa fascista de 1935, foram depositados entre os seus cento e oitenta e sete artigos.  

Contemplado esse cenário de ditadura, a não garantia de direitos tornou a possibilidade de manter viva o ideal de igualdade entre os cidadãos praticamente inexistente. A insegurança jurídica impossibilitava a concretização12 dos direitos individuais emanados, outrora, pelas quatro Constituições que vigoraram no Brasil. 


2.5.   Constituição de 1946: novos ventos democráticos  


Passada essa fase autoritária, novos ventos democráticos trouxeram oxigênio à sociedade brasileira. Esse momento teve início com a promulgação da quinta Constituição brasileira, em 18 de setembro de 1946. Formada por 222 artigos, ocorreu a reestruturação de direitos e garantias individuais, antes, já fixados e foi retomado o processo de efetivação da igualdade13 emanada pela Constituição do Estado Provisório de 1934. 

Merece atenção a disposição do artigo 156, que emana uma igualdade formal a partir do tratamento desigual dado para parcelas sociais antagônicas. Em outras palavras, por esta disposição constitucional, uma política pública voltada aos habitantes de zonas empobrecidas ou desempregados foi petrificada com o objetivo de dar condições a esta camada social a partir de sua fixação no campo, em terras públicas. Ainda sobre a questão agrária, foi respeitada a posse de terras pelos indígenas nelas localizadas (art. 216), reforçando a premissa de buscar uma forma de igualdade por meio de um tratamento diferenciado e de acordo com especificidades. Além disso, houve acréscimo no rol dos direitos trabalhistas.14 


2.6. Constituição do Brasil: 1967


Após o Golpe-Civil-Empresarial-Militar, ocorrido em 01 de abril de 1964, nas palavras de José Afonso da Silva, iniciou-se o Regime dos Atos Institucionais. Logo, o começo de um longo período de 21 anos seria marcado pelo distanciamento de qualquer sintoma de igualdade e, consequentemente, de tentativa de sua efetivação. 

Mais tarde, com a regulamentação de como deveria ocorrer a votação da nova Constituição pelo Congresso, por meio da expedição do Ato Institucional 04, em 24 de janeiro de 1967, um novo Texto Legal foi outorgado e entrou em vigor em 15 de março do mesmo ano,15 substituindo a Constituição de 1946. 

Essa nova Carta, em seus 189 dispositivos, transcreveu artigos da Constituição anterior, contudo é um erro asseverar que o vetor da igualdade estivesse sendo perseguido como objetivo do Governo Militar. O artigo 151, por exemplo, colocou a subjetividade do verbo “abusar” em relação aos direitos individuais e políticos pelos cidadãos de forma que estes seriam penalizados caso ultrapassassem um limite fictício deste último direito. 

Com este fato, não resta dúvida na artificialidade desse Texto Legal. Portanto, a repetição da ideia e da efetivação da igualdade vista nas Constituições de 1934 e 1946, por meio, principalmente, de direitos e garantias preservados pela segurança jurídica, serviu, apenas, para mascarar uma nova supressão de direitos e a constante violação dos direitos humanos entre os cidadãos brasileiros.


2.7. A Constituição da República Federativa do Brasil – 1969 (Ou a emenda 1)


Em decorrência dos movimentos sociais em oposição ao governo militar, foi editada, em 13 de dezembro de 1968, o Ato Institucional 5 (AI-5), “(...) composto por um impressionante conjunto de medidas, recrudescendo ainda mais as medidas autoritárias até então vigentes”.16 Momento este que sucumbiu à igualdade e originou a moléstia da insegurança jurídica e de um Estado de Exceção vestido com o manto do Estado Democrático de Direito.

 

2.8. Conclusões


A Constituição do Império trouxe uma igualdade artificial, visto que, por mais que tenha evidenciado direitos e garantias, estes não foram suficientes para quebrarem o sistema escravista mantido. Além disso, com a imposição do voto censitário, selecionou-se a participação da elite na vida política do país que estava se consolidando.

A Constituição de 1891, influenciada pela Lei Áurea (1888), distanciou qualquer menção ao antigo sistema escravista. Todavia, os interesses da sociedade ficaram associados com aqueles emanados pelos membros da oligarquia cafeeira. Logo, novamente, apenas foram notados sintomas da ideia de igualdade e, consequentemente, a sua artificialidade na vida real. 

A partir da Constituição de 1934, podemos apontar, além dos artigos que expressaram, diretamente, direitos e garantias para os cidadãos brasileiros, uma outra forma de atingir a igualdade entre os brasileiros. O vetor da equidade revelou-se presente quando o Estado ficou responsável, por exemplo, pela escolha de critérios relacionados com as condições de trabalho do não proprietário dos meios de produção. Dessa forma, desenhou-se pela igualdade formal e material um novo meandro para efetivar a igualdade e torná-la real. 

As Cartas de 1937, 1967 e 1969 trouxeram a insegurança jurídica e o tratamento desigual pelo Estado perante o cidadão nato, à medida que foram suprimidas e desconsideradas as antigas salvaguardas para manutenção do autoritarismo estatal. Todavia, as fases seguintes aos momentos citados, respectivamente, originaram as Constituições de 1946 e de 1988, que tiveram o objetivo de, novamente, propagarem e ampliarem tais direitos e, ainda, restabelecerem a ordem democrática no país, sendo, ainda, possível verificar o início, na Constituição de 1946, e a concretização, na Constituição de 1988, da efetivação da premissa da igualdade formal e material na sociedade. Em última análise, a igualdade deixou de ser um sintoma para virar realidade.


3. A igualdade na Constituição Federal de 1988


O quadro histórico: um exercício democrático.

Com as considerações das bases filosóficas e com o histórico das Constituições do Brasil, chegou o momento de atentarmos ao tema da igualdade no texto constitucional de 1.988. Antes, no entanto, de qualquer avanço sobre o tema, há necessidade de retomada do processo constituinte de 1.988. Certamente, ele nos dará pistas bastante fortes para entendermos o texto na forma como está hoje colocado.

Primeiramente, impossível iniciar esse estudo sem falar do regime autoritário resgatado pela Constituição de 1.988. Vivíamos em um sistema de poucas liberdades, com prisões injustificadas, tortura, dentre outros atos reveladores de um regime pouco democrático. 

A convocação da Assembleia Nacional Constituinte provocou uma verdadeira movimentação democrática. Todos os setores interessados no restabelecimento da democracia deixaram suas marcas, trouxeram seus movimentos, fizerem seus pleitos.

A Constituinte revelava um exercício democrático. Havia diversos movimentos, todos no sentido de se recuperar a liberdade perdida. E, para isso, haveria de fazer constar, de forma clara e inequívoca, uma série de direitos assegurados pelo novo texto.

Isso pode explicar a preocupação do constituinte em garantir direitos, repetir situações-limites, que já estavam garantidas, para que o cidadão pudesse respirar a liberdade outra vez.

Vejamos, especificamente, o tema da igualdade, foco da nossa exposição.

Se começarmos a analisar o texto constitucional, encontraremos, desde logo, nos princípios constitucionais, trazidos no Título “Dos princípios fundamentais” os seguintes bens que estariam ligados diretamente ao nosso tema: cidadania, dignidade da pessoa humana e pluralismo político. Esses valores do artigo primeiro compõem, junto com soberania, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o quadro dos fundamentos constitucionais.

O artigo terceiro trata dos objetivos fundamentais do Estado que estava se estruturando. Desde logo, podemos apontar: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.; promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Portanto, ainda no título primeiro, já encontramos com facilidade, porque estão escancarados, valores ligados à igualdade, valores decorrentes da redução das desigualdades, dentre outros.

Portanto, o texto mostra, nos Princípios Fundamentais, nos seus primeiros artigos, a forma para assegurar a igualdade. Quer a igualdade para manter todos no mesmo tratamento, como a igualdade material, necessária a reduzir as desigualdades. 

Portanto, o texto constitucional abre seu primeiro Título com o tema da igualdade. Fez questão de introduzir esse título para mostrar, revelar, que havia a preocupação com a valoração da igualdade. Ela é bem importante, vetor principiológico. E, mais, valor fundamental.

Assim, ao anunciarmos o primeiro Título do texto constitucional, deparamo-nos com o valor da igualdade. Mas não uma menção isolada, tímida. Ao contrário: o texto escancara a preocupação com a dignidade da pessoa humana, com a igualdade, com o promover o bem de todos (para que se tenha igualdade) e não deixa de esclarecer os objetivos fundamentais do estado: promover o bem de todos, sem preconceitos, sem marcas, sem distinção. Ou seja, promover igualmente o direito de todos serem felizes. 

Não podemos perder de vista que o texto constitucional surgiu depois de um longo e triste período em que as liberdades estavam reduzidas. Por isso, a preocupação em repetir, esclarecer, deixar tudo bem claro de forma inequívoca. Muitos criticam a repetição do texto, criticam a retomada de determinados temas. No entanto, há que entender que estávamos em um regime autoritário e as repetições significavam a garantia de que o bem liberdade estaria preservado. 


3.1. A prolixidade como garantia


Se muitos autores criticam a repetição, como já visto, é preciso entender o porquê dela. Nesse caso, a igualdade parece que era um dos bens mais ameaçados. E, por isso, foi alvo de esclarecimentos e repetições, a demonstrar seu valor e sua posição central da Constituição de 1.988.

Não bastassem as menções da igualdade nos princípios fundamentais, como visto acima, a igualdade é retomada diversas vezes. 

Nunca é demais mencionar o caput do artigo quinto, da Constituição Federal:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

......................................................................................”

Alguém que desconhecesse a verdadeira preocupação do constituinte poderia tecer críticas sobre o caput do artigo quinto. Afinal, se todos são iguais perante a lei, não haveria mesmo necessidade de proibir qualquer distinção, ou distinção de qualquer natureza. Se todos são iguais... não haveria necessidade da dizer que não haveria distinção.

Ainda no mesmo “caput”, encontramos os bens protegidos: vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade. 

Novamente, a igualdade é mencionada. Ora, se todos são iguais perante a lei, a igualdade não precisaria ser mencionada mais uma vez. No entanto, entendeu o constituinte de repetir e repetir, para deixar claro e inequívoco o tema da igualdade. Depois de garantir que todos são iguais perante a lei, que garantiremos a igualdade, que não haverá distinção, o inciso primeiro traz de forma explícita: homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. 

Ora, se a igualdade já estava garantia, se era princípio fundamental, se foi garantida no artigo quinto, “caput”, não haveria necessidade de repetir no inciso primeiro. No entanto, o constituinte estava temeroso (e tinha razão para tanto), por isso a repetição. A prolixidade, portanto, reveste-se de garantia, toma a forma de “não se pode interpretar de outra maneira”. Abrindo mão da boa técnica, preferiu repetir. E fez isso para deixar claro. E, certamente, no regime anterior, tais valores não estavam claros. 

Adiante, no mesmo artigo quinto, surge o inciso XXXVII, que afirma que “não haverá juízo ou tribunal de exceção”. Portanto, todos devem ser julgados igualmente. Ninguém será julgado por um Tribunal Especial. É a mesma igualdade, agora dirigida ao sistema processual penal.

Ainda no artigo quinto, no inciso LV, vamos anotar a presença do devido processo legal. E a igualdade entre as partes é característica do devido processo legal. Mas, por cuidado, além de assegurar o devido processo legal, o texto garante o contraditório (para assegurar a igualdade), a ampla defesa e as provas lícitas. Tudo com a finalidade de garantia uma igualdade processual, para que o acusador não se sobreponha sobre o acusado ou réu. São formas de garantia da igualdade.

Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Ora, isso garante que todos são tratados igualmente. Até a sentença condenatória transitada em julgado. Portanto, o sistema não pode encontrar “culpados” sem que haja o trânsito em julgado de decisão penal condenatória. Se todos são iguais perante a lei, não seria adequado imputar condenação para quem ainda não teve o resultado final do processo.

No inciso LXXIII do artigo quinto, encontramos uma manifestação inequívoca de cidadania e igualdade: a ação popular. Sendo cidadão, ele poderá ajuizar ações para combater a lesividade de atos da Administração Pública. Qualquer cidadão, diz o texto constitucional. Portanto, basta que seja cidadão, para poder ajuizar a medida da ação popular. 

Quanto o artigo quinto, em seu inciso LXXVI menciona que são gratuitos para os reconhecidamente pobres determinados atos como o registro civil de nascimento, a certidão de óbito, está afirmando que todos tem direito. Mesmo aqueles que não conseguiriam pagar pelos atos, vão tê-los de forma gratuita. Ou seja, nova manifestação da igualdade.

Portanto, para entendermos o tema da igualdade não podemos apenas nos restringir a regra básica. O texto constitucional persegue de forma implacável a manutenção da igualdade. Afirma que haverá um devido processo legal (que não se pode imaginar sem a igualdade entre as partes), dá ao cidadão (basta ser cidadão) o direito de ajuizar ação popular, dentre outros tantos incisos. 


3.2. A igualdade formal


Verificada a importância da igualdade formal no texto da Constituição de 1.988, especialmente no artigo quinto e nos princípios fundamentais, não é demais apontar, outros pontos do texto, como ela está presente. 

Tudo isso para demonstrar a importância do tema e a necessidade de reiteração do princípio, já que ele não poderia ser olvidado pelo intérprete. No artigo sexto, por exemplo, no “caput”, já se verifica “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

Aqui já notamos uma igualdade diferente, ou seja, uma igualdade que reconhece a diferença e se propõe eliminá-la ou suavizá-la. Trata-se da igualdade material, que será visto adiante.

Antes de tratarmos da igualdade material, uma palavra ainda sobre as hipóteses constitucionais de proteção da igualdade formal. Todos os exemplos já citados não são suficientes para esgotar o tema constitucional. Há menção da igualdade formal no artigo 19, inciso III, da Constituição Federal, ou seja, é vedado criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si. Na realidade, é uma repetição do princípio genérico da igualdade já mencionado. São normas de reforço. Dentro da mesma ideia, encontraremos, no artigo 150, que cuida das limitações ao poder de tributar, norma protetiva da igualdade, no inciso II (que veda instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente). A norma é de realce, de repetição, porque o conteúdo do artigo quinto já permitiria compreender que a igualdade se espalha para diversas situações, incluindo aí, a disciplina tributária. 


3.3. A igualdade material


Se o texto constitucional repete e repete o tema da igualdade formal, porque é ponto importante e decisivo na interpretação, não descura de apontar a necessidade de igualar. E, para isso, seria preciso apresentar outra vertente, a igualdade material. Ou seja, a forma de se obter a igualdade formal. Não seria correto imaginar que podemos manter o princípio da igualdade diante de grupos vulneráveis ou de grupos que não possam exercer seus direitos de forma efetiva. Manter a igualdade, nesse caso, seria manter a desigualdade. Ou seja, sem permitir a inclusão de grupos, a proteção de situações reconhecidamente frágeis, não se pode falar em igualdade. Ao contrário, estaríamos utilizando o princípio da igualdade formal para manter uma situação de desvantagem de determinado grupo. Por tal razão, o tema deve ser visto também por esse enfoque, ou seja, maneiras de incluir na sociedade grupos que estejam afastados ou fora do centro. 

Nesse caso, haveria uma série de exemplos, que poderiam ser analisados. Desde a situação de pobreza extrema, passando pela inclusão das pessoas com deficiência, por exemplo, poderíamos trazer diversos casos de proteção pela igualdade material. Promove-se a igualdade material para, em seguida, aplicar-se a igualdade formal. 

Ajustamos os parâmetros para, em seguida, tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Mas houve a preocupação da equiparação para a aplicação do sistema isonômico. Do contrário, a própria igualdade funcionará como manutenção da desigualdade.

Dentro desse tema, encontraremos as políticas de quotas, por exemplo. O próprio texto constitucional, em seu artigo 37, inciso VIII, afirma que “a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”.17 

Está presente, portanto, na própria Constituição Federal a regra que permite cuidar da proteção material desses grupos. Em princípio, ao determinar vagas reservadas para o grupo vulnerável, a Constituição está protegendo a igualdade material, cuidando da inclusão desse grupo. Não se trata de uma autorização para ingresso indiscriminado no serviço público. A capacidade deve ser atendida. O padrão mínimo exigido para todos (pessoas com deficiência e sem deficiência) deve ser atingido. Portanto, o próprio texto, além da garantia da igualdade formal, cuida da igualdade material. Ou seja, é preciso incluir para, em seguida, igualar. O sistema de quotas, por exemplo, traz hipótese – se bem ajustado – de igualdade material. Por meio delas, grupos poderão cursar universidades, participar das atividades sociais, estar nas redações dos jornais, dentre outras atividades. O sistema contempla as aberturas para tais grupos. Para zelar pela igualdade formal, precisamos, antes, cuidar da igualdade material. Com a igualdade material mais fortalecida, ficará mais fácil aplicar a igualdade formal. Ou seja, nivelando grupos, apoiando grupos frágeis, estaremos, em um segundo momento, mais fortes para aplicação da igualdade formal. Não se pode deixar de anotar que a política de aplicação da igualdade material deve ser justa e bem calibrada. Bem ajustada, certamente, proporcionará condições reais para a aplicação do princípio da igualdade formal. 

No sistema constitucional, além das regras originárias, fruto do processo democrático de 1988, a Emenda Constitucional 45, de 2004, cuidou de incluir uma possibilidade de incorporação dos instrumentos internacionais de Direitos Humanos ao texto. Com isso, com a Emenda à Constituição, cuidou de incorporar referidos instrumentos internacionais na categoria de equivalentes à emenda. Ou seja, superou a discussão que se travava sobre a hierarquia dos Tratados de Direitos Humanos. A partir da referida Emenda, todos os instrumentos internacionais de Direitos Humanos, aprovados na forma equivalente ao processo de uma Emenda à Constituição, apresentarão o mesmo “status” de uma Emenda à Constituição.

Até agora, no entanto, apenas dois instrumentos foram aprovados. Coincidentemente, ambos ligados ao tema das pessoas com deficiência.

O primeiro deles é a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporado pelo Decreto número 6949/2009.

O segundo instrumento recebido com status de emenda à Constituição foi o Tratado de Marqueche, objeto do Decreto 9522/2018.

Com isso, obtivemos outro meio importante de garantia da igualdade, ou seja, a proteção dos tratados internacionais, desde que acolhidos pelo sistema brasileiro com processo assemelhado ao da Emenda à Constituição.

Se de um lado, a abertura nos propiciou novos horizontes para cuidar da igualdade, de outro, esse procedimento não foi usado com muita frequência. Ou seja, salvo os dois documentos, ambos que cuidam das pessoas com deficiência, o Brasil não se utilizou de outros instrumentos para agregar direitos ao texto principal.

No caso da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, há clara exposição do direito à igualdade do grupo. Não só quanto à igualdade formal, mas também com a igualdade material, ou seja, criando condições para que esse grupo vulnerável possa ser incluído na sociedade. De imediato, a partir da primeira Convenção, o Congresso Nacional preparou o Estatuto da Pessoa com Deficiência, lei ordinária 13.146-15, excelente explicitação no campo interno do instrumento internacional. Modificou o critério de pessoa com deficiência, implementando o modelo defendido na Convenção. Tantos outros dispositivos foram baseados na Convenção da ONU, formando um instrumental para cumprimento da igualdade material e formal desse grupo vulnerável.18 

Há expectativa de que outros tantos instrumentos que preservam e garantem a igualdade possam adentrar no sistema normativo pela porta pouco frequentada do artigo quinto, parágrafo terceiro. Apenas dois instrumentos, em tantos anos, utilizarem tal mecanismo.  O Tratado de Marraqueche dá condições para facilitar as publicações que atendem a esse grupo, relativizando os direitos autorais.

Mas há muito ainda para fazer. 

Não basta o anunciado. Não basta um texto de vanguarda, que pretenda mostrar a igualdade formal e material. Há que viabilizar direitos, estruturar a administração pública para que cumpra com os deveres constitucionais da igualdade. Há que conscientizar que ao garantir o acesso a grupos marginalizados, estando cuidando da igualdade material, primeira fase do processo. Em seguida, eles disputarão espaços com a igualdade formal. Teremos uma sociedade mais participante, com um grau de inclusão maior e com mais efetividade. 

Notas

1 LAVALLE, Adrián Gurza. Cidadania, igualdade e diferença.

2 No Livro V de A República, Platão fala sobre o papel da mulher, que seria vista como alguém que mereça espaço nessa sociedade justa. Platão não leva em consideração a questão do gênero humano, mas sim a natureza e, bem por isso, a mulher poderia exercer qualquer função na cidade platônica, seja produtora, guardiã ou sábia. Este aspecto é relevante, pois todos deveriam participar da vida pública, tanto na esfera política como militar, motivo inclusive pelo qual Platão admirava Esparta.

3 BARBOSA, Rui. Oração aos moços, p. 26.

4 ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social.

5 RAWLS, John. Uma teoria da justiça.

6 CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia.

7 O texto teve a valiosa colaboração do acadêmico em Direito e bacharel em História Renato Maklouf.

8 Interessante notar que a segunda Constituição brasileira (1824) absorveu alguns dispositivos previstos na primeira Constituição que vigorou no Brasil (Constituição de Cádis de 1812), que vigeu por um dia, após a assinatura do Decreto do de 21 de abril de 1821 por D. João VI, como, por exemplo, a liberdade de manifestação escrita sem passar por uma censura prévia.

9 Admitiu-se, ainda, i) a liberdade religiosa; ii) o direito de reunião sem o uso de armas; iii) a proibição do anonimato; iv) o remédio constitucional do habeas corpus; v) o livre exercício de qualquer profissão; vi) a obrigatoriedade de cumprir qualquer dever cívico; vii) a sujeição de qualquer indivíduo a uma espécie de imposto apenas em virtude de lei que o autorize; e viii) a abolição das penas de morte, de galés e de banimento judicial. 

10 Outras duas questões presentes no Texto Legal que propagaram essa premissa de igualdade foram a possibilidade, por qualquer cidadão não proprietário, de adquirir terra por meio da sua ocupação por dez (10) anos (art. 125) e o reconhecimento da educação como sendo um direito de todos (art. 149), sendo, ainda, garantido pelo Estado a gratuidade do ensino educativo ulterior ao primário (art.150, Parágrafo Único, alínea “b”).

11 Trecho retirado do Preâmbulo da Constituição de 1937. Disponível em: . Data de acesso: 28.03.2021. 

12 Corrobora com o argumento supracitado o enunciado do artigo 122, inciso XIII, que previu a aplicação da pena de morte em dez casos diferentes. Além disso, no ponto 15, do referido artigo, a censura prévia da imprensa, do teatro, do cinematógrafo e radiodifusão foi instaurada. Outro ponto a ser enaltecido desse artigo foi a possiblidade de julgamento perante Tribunal especial, quando cometidos crimes “(...) contra a existência, a segurança e a integridade do Estado, a guarda e o emprego da economia popular (...)” (Trecho do “ponto” 13, do artigo 122, da Constituição de 1937. Disponível em: . Data de acesso: 25.03.2021.). 

13 A respeito do direito ao voto, reparou-se, novamente, que não era condizente com a ideia de ser universal visto que, segundo o artigo 132, antes de ter a sua redação modificada pela Emenda Constitucional 9 de 1964, não eram aptos ao exercício do direito ao voto: i) os analfabetos; ii) aqueles que não sabiam se comunicar na língua nacional; iii) os que tivessem os direitos políticos privados; e iv) os praças. No artigo que o sucede, expôs como obrigatório o alistamento e o voto para os brasileiros de ambos os sexos.

14 Eles foram: i) a determinação do salário do trabalho noturno ser superior ao do diurno; ii) a participação obrigatória e direta do trabalhador nos lucros da empresa; iv) repouso nos feriados civis e religiosos, de acordo com a tradição legal. Ademais, novamente, ocorreu a previsão de um tratamento desigual para atingir uma igualdade entre os cidadãos de acordo com as suas diferenças. Vislumbrado esse aspecto, no inciso nove (IX), do artigo 157, do Diploma sob análise, foi proibido “(...) o trabalho de menores de quatorze anos; em indústrias insalubres, a mulheres e a menores, de dezoito anos; e de trabalho noturno a menores de dezoito anos (...)”. A diante, identificou-se: i) o “direito da gestante a descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do emprego e do salário”; ii) a estabilidade e indenização do trabalhador despedido; iii) assistência aos desempregados; iv) obrigatoriedade do seguro pelo empregador contra os acidentes de trabalho; e v) o reconhecimento do direito de greve. 

15 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 88.

16 DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Curso de direito constitucional, p. 53.

17 A expressão atual e correta é “pessoa com deficiência”, conforme Convenção da ONU sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada pelo sistema brasileiro, com equivalência de norma constitucional. Portanto, o termo atual e adequado é “pessoa com deficiência”.

18 Tivemos a honra de compor o grupo criado pelo Governo Federal para estudos da elaboração do Estatuto da Pessoa com Deficiência.

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Edições

Tomo Direitos Humanos, Edição 1, Março de 2022

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