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Corte Interamericana de Direitos Humanos
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André de Carvalho Ramos
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Tomo Direitos Humanos, Edição 1, Março de 2022
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) é órgão judicial autônomo, criado pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (nome da tradução oficial, também denominada "Convenção Americana de Direitos Humanos" - CADH ou "Pacto de São José da Costa Rica"). Apesar dessa autonomia, possui relação privilegiada com a Organização dos Estados Americanos (OEA), sob cujos auspícios foi elaborada a CADH e que apoia sua atuação administrativa, além de contribuir, por meio da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (órgão da OEA), para sua judicatura.
Possui jurisdição contenciosa e consultiva. Sua jurisdição contenciosa necessita de reconhecimento expresso por parte do Estado contratante da Convenção, o que pode ser feito tanto no momento da ratificação do tratado quanto posteriormente. Assim, o Estado pode ratificar a Convenção Americana e não reconhecer a jurisdição contenciosa da Corte IDH, pois tal reconhecimento é cláusula facultativa da Convenção. O reconhecimento da jurisdição contenciosa obrigatória pode ser feito por declaração específica para todo e qualquer caso (art. 62 da Convenção) ou para somente um caso específico (reconhecimento ad hoc).
Apesar de ter ratificado e incorporado internamente a Convenção Americana sobre Direitos Humanos em 1992, foi somente em 1998 que o Brasil reconheceu a jurisdição contenciosa obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos. O Decreto Legislativo 89/98 aprovou tal reconhecimento em 3 de dezembro de 1998. Por meio de nota transmitida ao Secretário-Geral da OEA no dia 10 de dezembro de 1998, o Brasil reconheceu a jurisdição da Corte, com cláusula temporal pela qual somente fatos ocorridos após o reconhecimento poderiam ser julgados pela Corte. Curiosamente, o Poder Executivo editou o Decreto 4.463 somente em 8 de novembro de 2002 (quase quatro anos depois), promulgando o reconhecimento da jurisdição da Corte Interamericana no território nacional. Todavia, tal tardia edição do decreto de promulgação não desonera o Brasil no plano internacional, tendo a Corte IDH avaliado normalmente os casos brasileiros após 10 de dezembro de 1998 (e não após 8 de novembro de 2002).
1. Aspectos gerais da Corte
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), contém 82 artigos, divididos em três partes e em 11 capítulos. Na Parte II da CADH, o art. 33 dispõe que “são competentes para conhecer dos assuntos relacionados com o cumprimento dos compromissos assumidos pelos Estados partes nesta Convenção: (...) a Corte Interamericana de Direitos Humanos”.
A redação da CADH foi influenciada por dois tratados que a antecederam: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP, 1966) e a Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH, 1950). Do PIDCP, reteve-se a divisão entre direitos civis e políticos e direitos sociais em sentido amplo. O Pacto de São José da Costa Rica inclinou-se precipuamente à proteção dos direitos civis e políticos.1
Da CEDH, reteve-se o procedimento bifásico de proteção aos direitos humanos na jurisdição contenciosa da Corte IDH. Assim, nos casos de petições de vítimas de violações de direitos humanos, representantes das vítimas, organizações não governamentais e petições iniciadas ex officio (demanda individual) ou de Estados membros (demanda interestatal), é necessário que haja - em ambas as situações - uma etapa perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e somente após - caso seja necessário - haverá uma etapa perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH ou Corte de São José). Contudo, a influência da CEDH foi imperfeita, pois não há órgão no sistema interamericano que desempenhe o papel de supervisão da execução das sentenças proferidas a cargo do Comitê de Ministros do Conselho da Europa.2
A CADH só entrou em vigor após a 11ª ratificação, que ocorreu em 1978. Em seguida, em 1º de julho de 1978, a Assembleia Geral da OEA aceitou a oferta de Costa Rica para que a sede da Corte IDH fosse estabelecida na capital daquele país (São José da Costa Rica).
Foi realizada a primeira eleição de juízes em 22 de maio de 1979 durante o VII Período Extraordinário de Sessões da Assembleia Geral da OEA. A primeira sessão da Corte ocorreu entre 29 a 30 de junho de 1979 ainda na sede da OEA, em Washington. Logo depois, a cerimônia de instalação da Corte realizou-se em São José em 3 de setembro de 1979. Em 10 de setembro de 1981, a Costa Rica celebrou um Acordo de Sede com a Corte, o qual estabelece o regime de imunidades e prerrogativas da Corte, de seus juízes e pessoal necessário para o desenvolvimento das suas atividades judicantes. Em novembro de 1993, o governo da Costa Rica dotou a Corte IDH de uma casa, que é sede da Corte até hoje.3
1.1. Composição e funcionamento básico
A Corte IDH é composta por sete juízes, cuja escolha é feita pelos Estados Partes da Convenção, em sessão da Assembleia Geral da OEA, de uma lista de candidatos propostos pelos mesmos Estados. São requisitos para ser juiz da Corte: (i) ser jurista da mais alta autoridade moral; (ii) ter reconhecida competência em matéria de direitos humanos; (iii) reunir as condições requeridas para o exercício das mais elevadas funções judiciais de acordo com a lei do Estado do qual sejam nacionais, ou do Estado que os propuser como candidatos e (iv) ter a nacionalidade de um dos Estados da OEA (ou seja, mesmo nacionais de Estados que sequer ratificaram a CADH podem ser juízes da Corte).
Os juízes da Corte serão eleitos para um mandato de seis anos e só poderão ser reeleitos uma vez. Ao longo dos mais de 40 anos de funcionamento da Corte IDH, só houve 2 juízes de nacionalidade brasileira (desconsiderando os juízes ad hoc): (i) Juiz Cançado Trindade (1995-2006 – dois mandatos) e (ii) Juiz Roberto Caldas (2013-2018 – mandato único, tendo renunciado por motivos pessoais antes do seu fim do seu período).4 No governo Temer, o Brasil não apresentou nenhum candidato para, eventualmente, substituir o Juiz Caldas. Tal ausência de indicação demonstra que o Brasil ainda necessita aproximar-se mais da Corte. No final de 2020, o governo Bolsonaro indicou Rodrigo de Bittencourt Mudrovitsch para postular a função de juiz da Corte IDH (2022-2028), doutor em Direito Constitucional (USP) e mestre em Direito, Estado e Constituição pela UnB.5
Além dos 7 juízes, determinado caso pode ter um “juiz ad hoc” na jurisdição contenciosa, caso o Estado-Réu não possua um juiz de sua nacionalidade em exercício na Corte. A Corte IDH restringiu em 2009 – por meio de Opinião Consultiva 20 – a interpretação do art. 55 da Convenção, que trata do juiz ad hoc, eliminando tal figura nas demandas iniciadas pela Comissão a pedido de vítimas (ou seja, todas até o momento) e mantendo-o somente para as demandas originadas de comunicações interestatais. Também em 2009, na mesma Opinião Consultiva 20, a Corte restringiu a possibilidade do juiz que possua a mesma nacionalidade do Estado Réu atuar no caso. Somente o fará nas demandas interestatais (inexistentes, até o momento). Nas demandas iniciadas pela Comissão a pedido das vítimas, o juiz da nacionalidade do Estado Réu deve se abster de participar do julgamento, tal qual ocorre com o Comissário da nacionalidade do Estado em exame, que não pode participar das deliberações da Comissão IDH.6
A Corte atua em sessões ordinárias e extraordinárias, uma vez que não é um tribunal permanente. Os períodos extraordinários de sessões deverão ser convocados pelo seu presidente ou por solicitação da maioria dos juízes.
O quórum para as deliberações da Corte IDH é de cinco juízes, sendo que as decisões da Corte serão tomadas pela maioria dos juízes presentes. Em caso de empate, o presidente terá o voto de qualidade.
Os idiomas oficiais da Corte são os da OEA, ou seja, o espanhol, o inglês, o português e o francês. Os idiomas de trabalho são escolhidos anualmente pela Corte. No trâmite de casos contenciosos, pode ser adotado o idioma do Estado Réu.
Sua sede, como visto, é em São José da Costa Rica, podendo a Corte realizar sessões em outros países, para difundir seu trabalho.7
2. A jurisdição contenciosa
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) é competente para conhecer casos contenciosos quando o Estado demandado tenha formulado declaração unilateral de reconhecimento de sua jurisdição, que, então, não é condição obrigatória para que um Estado ratifique a CADH.
O artigo 62 da Convenção Americana de Direitos Humanos estabelece que um Estado parte da Convenção deve aceitar expressamente a jurisdição obrigatória da Corte, por meio de declaração específica. A jurisdição da Corte para julgar pretensas violações em face do Pacto de São José foi admitida, até o momento por 20 Estados (inclusive o Brasil), entre os 23 contratantes do Pacto.8 Do México até a Argentina, a Corte IDH exerce jurisdição sobre 550 milhões de pessoas.
Por outro lado, o artigo 61(1) da Convenção Americana de Direitos Humanos estabelece que: “Somente Estados partes e a Comissão podem processar Estados perante a Corte Interamericana”. Assim, os indivíduos dependem da Comissão ou de outro Estado (actio popularis) para que seus reclamos cheguem à Corte IDH.9 Trata-se de uma ação de responsabilidade internacional, na qual a legitimidade passiva é sempre do Estado: a Corte IDH não é um Tribunal que julga pessoas.10
2.1. A ação de responsabilidade internacional por violação de direitos humanos
Em 2009, o novo Regulamento da Corte prevê que a ação perante a Corte seja iniciada pelo envio de Informe da Comissão IDH (“Primeiro Informe” ou “Relatório 50”), a qual não mais faz uma petição inicial própria.
Antes dessa Reforma de 2009, a Comissão IDH elaborava a petição inicial e (após 2001) as vítimas, representantes das vítimas e organizações não governamentais eram agregadas ao processo internacional como assistentes do Autor (a Comissão).
A partir da entrada em vigor do novo Regulamento e para as demandas apresentadas a partir de 1º de janeiro de 2010, as vítimas ou seus representantes são intimados a apresentar a petição inicial do processo internacional. Ademais, todas as etapas processuais incluindo a petição inicial são focadas nas vítimas, no Estado réu e, secundariamente, na Comissão caso ela mesmo deseje.
Inclusive pode a vítima requerer diretamente à Corte IDH medida provisória no curso do processo. Assim, há direitos processuais da vítima, desde que, é claro, a Comissão tenha provocado inicialmente a Corte. No caso de a Comissão ainda não ter provocado a Corte, somente a própria Comissão pode requerer medida provisória.
Simbolicamente, com a reforma de 2009, a Corte tentou caracterizar a Comissão não como uma “Autora”, mas sim como órgão do sistema interamericano, verdadeiro “custos legis” (fiscal da lei). Simultaneamente, o regulamento faz menção ao “Defensor Interamericano” para representar legalmente às vítimas sem recursos (o que antes era feito pela Comissão).
Esses passos são importantes rumo à igualdade entre a vítima e o Estado, mas não dispensam a necessidade de profunda reforma do sistema da Convenção Americana, com a eliminação do monopólio de facto da Comissão na proposição das ações de responsabilidade internacional por violação de direitos humanos perante a Corte de São José.11
2.2. A fase postulatória e a quase extinta fase das exceções preliminares
O início do caso é feito mediante apresentação do Primeiro Informe (“Relatório 50”) pela Comissão, após o encerramento do seu procedimento apuratório sem que o Estado tenha acatado suas recomendações. O Regulamento da Corte IDH, entretanto, exige determinado conteúdo do Informe para que o caso possa ser examinado, como, por exemplo, cópia da totalidade do expediente ante a Comissão, provas e indicação de peritos, bem como as pretensões, incluídas as que concernem a reparações;
Os fatos expostos pela Comissão determinam os limites objetivo e subjetivo do objeto do processo. Em geral, não podem ser agregados novos fatos ou novas vítimas. A exceção à essa restrição são novos fatos que se qualificam como supervenientes ou mesmo antecedentes mas trazidos por provas novas, desde que vinculados aos fatos já apresentados pela Comissão. Assim, estamos em uma fase de transição, pois não cabe aos novos “Autores” (as vítimas ou seus representantes) nem sequer fixar o objeto do processo, mas sim à Comissão.12
Notificada a apresentação do caso à suposta vítima ou aos seus representantes, estes disporão de um prazo improrrogável de dois meses, contado a partir do recebimento desse escrito e de seus anexos, para apresentar autonomamente à Corte seu “Escrito de petições, argumentos e provas” (EPAP), o qual equivale a uma "petição inicial".13
A petição das vítimas deverá conter a descrição dos fatos dentro do marco fático estabelecido na apresentação do caso pela Comissão (ver acima); as provas oferecidas devidamente ordenadas, com indicação dos fatos e fundamentos jurídicos sobre os quais versam; a individualização dos declarantes e o objeto de sua declaração. No caso dos peritos, deverão ademais remeter seu currículo e seus dados de contato; as pretensões, incluídas as que concernem a reparações e custas.
Após, o Estado-réu é notificado para oferecer sua contestação ao caso (Primeiro Informe) e à petição das vítimas no prazo idêntico de dois meses (contados a partir do recebimento pelo Estado do EPAP). O Estado demandado pode não impugnar os fatos e as pretensões, reconhecendo sua responsabilidade internacional. Nesse caso, a Corte estará apta a sentenciar tout court. Caso queira contestar, deve já indicar as provas (inclusive as periciais), bem como os fundamentos de direito, as observações às reparações e às custas solicitadas, bem como as conclusões pertinentes.
Na contestação, o Estado deve, caso queira, apresentar suas exceções preliminares. São exceções preliminares toda a matéria que impeça que a Corte se pronuncie sobre o mérito da causa. Os Estados alegam, em geral, a ausência de um requisito de admissibilidade já ventilado perante a Comissão, como o prévio esgotamento de recursos internos. A Comissão, as supostas vítimas ou seus representantes poderão apresentar suas observações às exceções preliminares no prazo de 30 dias, contado a partir do recebimento das mesmas. Ao fim desse contraditório, a Corte decidirá sobre as exceções preliminares, podendo arquivar o caso ou ordenar o seu prosseguimento. Porém, há vários casos nos quais a Corte prefere adotar uma única sentença, contendo as exceções preliminares, o mérito e, inclusive, as determinações de reparações e as custas. Assim, as exceções preliminares ficam acostadas ao feito, que segue normalmente com a produção probatória, para serem decididas ao final em conjunto com o mérito. Pode existir já após a contestação, um acordo de solução amistosa, sob a supervisão da Corte IDH.14
2.3. A fase probatória
O Regulamento da Corte de 2009 é informado pelo princípio acusatório, dando relevo à atividade das partes materiais (vítimas ou representantes e Estados), atuando também a Comissão IDH como custos legis.
O procedimento é essencialmente oral, com determinação de audiências para a coleta dos depoimentos das vítimas, testemunhas e peritos. Inicialmente, as partes e a Comissão devem confirmar os declarantes e esclarecer quais prestações suas declarações na audiência ou ainda por affidavit. Corte determinar ex officio a produção de todo tipo de prova que entender útil e necessária, podendo inclusive encarregar um ou vários de seus membros da realização de qualquer medida de instrução, incluindo audiências, seja na sede da Corte ou fora desta.
Sobre a apreciação das provas e o ônus probatório, o Estado não pode ficar inerte, esperando que o Autor prove todo o alegado ("quem alega, prova"). Deve contribuir para ilidir a imputação apresentada. A fase probatória encerra-se com a apresentação de alegações finais escritas pelas vítimas (ou seus representantes) e o Estado demandado. Também a Comissão poderá, se entender conveniente, apresentar observações finais.15
2.4. A abreviação do processo perante a Corte
O processo pode ser abreviado em três situações; 1) solução amistosa; 2) desistência e 3) reconhecimento do pedido.
A solução amistosa consiste no acordo das partes submetido à homologação da Corte, que agora desempenha o papel de fiscal do respeito aos direitos protegidos na Convenção.
Quanto à desistência, o artigo 61 do Regulamento da Corte IDH prevê que, quando quem fez a apresentação do caso notificar a Corte de sua desistência, esta decidirá, ouvida a opinião de todos os intervenientes no processo, sobre sua procedência e seus efeitos jurídicos.
Quanto ao reconhecimento, caso o Estado demandado comunique à Corte sua aceitação dos fatos ou seu acatamento total ou parcial das pretensões que constam da petição inicial das vítimas ou seus representantes, a Corte, ouvidas as vítimas e a Comissão, decidirá sobre a procedência e seus efeitos jurídicos.
Assim, nessas três situações (desistência, reconhecimento e solução amistosa) não há automatismo na eventual extinção do processo. A natureza das obrigações em jogo exige que a Corte zele pela indisponibilidade dos direitos humanos, mesmo na existência de um acordo.16
2.5. A fase decisória e o recurso cabível
A Corte IDH pode decidir pela procedência ou improcedência, parcial ou total, da ação de responsabilização internacional do Estado por violação de direitos humanos.
De acordo com o artigo 67 da Convenção, a sentença da Corte IDH é definitiva e inapelável. Em caso de divergência sobre o sentido ou alcance da sentença, cabe à parte (vítima ou Estado) ou ainda à Comissão interpor recurso ou pedido de interpretação, cujo prazo para apresentação é de noventa dias a partir da data da notificação da sentença.
O objeto de uma sentença da Corte é o mais amplo possível no âmbito de uma ação de responsabilidade internacional do Estado: deve assegurar à vítima o gozo do direito ou liberdade violados e ainda são reparadas as consequências da medida ou situação que haja configurado violação desses direitos.17
De acordo com o artigo 52 da Convenção Americana de Direitos Humanos, a Corte americana pode determinar toda conduta de reparação e garantia do direito violado, inclusive a mensuração pecuniária da indenização.
Além disso, de acordo com o artigo 63, a Corte, quando decidir pela responsabilidade internacional do Estado, “determinará que se assegure ao prejudicado o gozo do seu direito ou liberdade violados”. Deve determinar também que sejam reparadas as consequências da medida ou situação que haja configurado a violação desses direitos, bem como o pagamento de indenização justa à parte lesada.
Além disso, a Corte poderá, por iniciativa própria ou a pedido de uma das partes, apresentado no mês seguinte à notificação, retificar erros notórios, de edição ou de cálculo. Se for efetuada alguma retificação, a Corte notificará à Comissão, às vítimas ou a seus representantes e ao Estado.
A sentenças da Corte Interamericana possuem o efeito de coisa julgada inter partes, vinculando as partes em litígio. Entretanto, há também o efeito de coisa julgada interpretada de um julgado da Corte, pelo qual os órgãos internos devem se orientar pela interpretação da Corte Interamericana de Direitos Humanos, sob pena de concretizar a responsabilidade internacional do Estado que representam.18
3. A jurisdição consultiva
3.1. Legitimidade ativa e espécies
A Corte IDH pode emitir pareceres consultivos (também chamados de opiniões consultivas), sobre a (a) interpretação da Convenção ou de outros tratados concernentes à proteção dos diretos humanos nos Estados americanos (mesmo os tratados universais, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos etc.) e sobre a (b) compatibilidade entre qualquer lei interna e os mencionados instrumentos internacionais.19
Podem solicitar pareceres consultivos sobre a interpretação da Convenção e outros tratados de direitos humanos aplicáveis nos Estados Americanos: (i) Estados-membros da OEA, (ii) Comissão IDH (que possui pertinência universal, podendo pedir parecer sobre qualquer dispositivo da Convenção qualquer tratado de direitos humanos incidente nos Estados Americanos), (iii) outros órgãos da OEA com pertinência restrita a temas de direitos humanos de sua atuação.20
Por sua vez, a pedido de um Estado membro da Organização, a Corte IDH poderá emitir pareceres sobre a compatibilidade entre qualquer de suas leis internas e os mencionados instrumentos internacionais.
3.2. O controle de convencionalidade na jurisdição consultiva
As opiniões consultivas da Corte IDH a respeito de normas de direitos humanos que incidem nas Américas compõem o controle de interpretação das citadas normas, demonstrando a orientação em abstrato da Corte para os Estados.
Já os pareceres sobre a compatibilidade de leis ou projetos de leis internos com a Convenção formam o controle de convencionalidade internacional em abstrato estipulado pelo Pacto de São José. Ambos os controles prescindem de litígio ou de vítimas, mas, em contrapartida, os pareceres são considerados não vinculantes.
As opiniões consultivas, apesar de formalmente não obrigatórias, têm importante peso doméstico, uma vez que consagram a interpretação internacionalista (a ser seguida por todos os órgãos internos, no âmbito administrativo, legislativo e judicial) sobre as normas de direitos humanos que vinculam o Brasil. A Corte Interamericana de Direitos Humanos tem, reiteradamente, decidido que as opiniões consultivas correspondem a um “controle de convencionalidade preventivo”,21 que, se seguido, impede que os Estados violem a Convenção Americana de Direitos Humanos (ver, por exemplo, a Opinião Consultiva 22, em especial o parágrafo 26).
3.3. A recusa em emitir a opinião consultiva
A Corte IDH já se recusou a emitir opinião consultiva solicitada,22 pelos seguintes motivos. Em primeiro lugar, a solicitação não pode ser utilizada para encobrir um caso contencioso ou pre-tender obter prematuramente uma posição da Corte sobre tema que será provavelmente submetido na sistemática da jurisdição contenciosa. Em segundo lugar, a opinião solicitada não pode servir para obter um pronunciamento da Corte sobre tema já inserido em litígio no âmbito interno ou ser utilizado como instrumento no debate político nacional. Em terceiro lugar, não deve abarcar exclusivamente temas já apreciados pela Corte; finalmente, em quarto lugar,) não pode buscar resolver questões de fato. No máximo, pode assinalar questões de fato para pontuar as dúvidas jurídicas.23
4. As medidas provisórias
Dispõe o artigo 63.2 da Convenção que a Corte, nos casos sob sua apreciação, poderá tomar as medidas provisórias que considerar pertinentes para, em casos de extrema gravidade e urgência, evitar danos irreparáveis às pessoas. A melhor terminologia seria, naturalmente, medidas cautelares, cuja necessidade é evidente pois em nada serviria o processo internacional se a Corte IDH não pudesse proteger, in limine, as pessoas de danos irreparáveis.
A Corte, nos casos sob sua análise, pode agir ex officio ou ainda por provocação das vítimas ou representantes. Como já explicitado acima, a vítima agora possui um direito processual de requerer diretamente à Corte as medidas provisórias cabíveis. Tratando-se de casos ainda não submetidos à sua consideração, a Corte só poderá atuar por solicitação da Comissão.
O Estado deve cumprir as medidas provisórias e informar periodicamente a Corte IDH. A Corte incluirá em seu relatório anual à Assembleia Geral uma relação das medidas provisórias que tenha ordenado durante o período do relatório e, quando tais medidas não tenham sido devidamente executadas, formulará as recomendações que considere pertinentes.24
5. A execução interna das deliberações da Corte de IDH
No caso de não cumprimento sponte própria das decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o artigo 65 da Convenção Americana de Direitos Humanos possibilita à Corte Interamericana de Direitos Humanos a inclusão dos casos em que o Estado não tenha dado cumprimento a suas sentenças no seu relatório anual à Assembleia Geral da OEA.
Por outro lado, a Corte IDH adotou mecanismo de supervisão do cumprimento de suas deliberações (follow-up). O Estado réu é obrigado a apresentar relatórios estatais, com a Corte abrindo oportunidade para as observações a esses relatórios por parte das vítimas ou de seus representantes. A Comissão também pode apresentar observações ao relatório do Estado e às observações das vítimas ou de seus representantes. A Corte pode inclusive obter informações de outras fontes, ou até mesmo determinar a realização de perícias e relatórios que considere oportunos. Quando considere pertinente, a Corte poderá convocar o Estado e os representantes das vítimas a uma audiência para supervisar o cumprimento de suas decisões, ouvindo-se a Comissão.
Nessa linha, no caso das sentenças contra o Brasil, a Corte obriga o Estado a continuamente informar sobre o cumprimento das diversas obrigações impostas nas sentenças.25
6. Os casos brasileiros na Corte IDH
Em relação aos casos contenciosos julgados envolvendo o Brasil, já houve sentença de mérito (até 2021): 1) Caso Damião Ximenes Lopes (procedência, sentença de 4 de julho de 2006); 2) Caso Gilson Nogueira de Carvalho ((improcedência, sentença de 28 de setembro de 2006); 3) Caso Garibaldi (procedência, (procedência, sentença de 23 de setembro de 2009); 4) Caso Escher (procedência, sentença de 20 de novembro de 2009); 5) Caso Gomes Lund e outros (procedência, sentença de 24 de novembro de 2010); 6) Caso dos Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde (procedência, sentença de 20 de outubro de 2016); 7) Caso Cosme Rosa Genoveva, Evandro de Oliveira e outros (“Favela Nova Brasília”, procedência, sentença de 16 de fevereiro de 2017); 8) Caso Povo indígena Xucuru (procedência, sentença de 5 de fevereiro de 2018); 9) Caso Vladimir Herzog (procedência, sentença de 15 de março de 2018); e, em 15 de março de 2018, o caso Herzog e outros (procedência); 10) Caso Empregados da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus e outros (procedência, sentença de 15 de julho de 2020) e 11) Caso Barbosa de Souza e outros vs Brasil (em trâmite, em abril de 2021)26.
Notas
1 CARVALHO RAMOS, André de. Processo internacional de direitos humanos, pp.233-234.
2 Idem, p. 234.
3 CARVALHO RAMOS, André de. Curso de direitos humanos, p. 463.
4 Após a renúncia do Juiz Roberto Caldas, em maio de 2018, a Corte IDH decidiu continuar seus trabalhos sem solicitar a nomeação de novo juiz para completar o mandato, uma vez que este findaria ao final de 2018 (CARVALHO RAMOS, André de. Curso de direitos humanos, p. 462).
5 No fechamento deste verbete (abril de 2021), a escolha pelos Estados partes da CADH ainda não havia ocorrido. Ver BRASIL, DOU, Despacho presidencial de 7 de dezembro de 2020.
6 CARVALHO RAMOS, André de. Processo internacional de direitos humanos, p. 255.
7 CARVALHO RAMOS, André de. Curso de direitos humanos, p. 463
8 São os seguinte vinte Estados partes da Convenção Americana de Direitos Humanos que reconhecem a jurisdição contenciosa obrigatória da Corte IDH: Argentina, Barbados, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname, Uruguai. Não reconhecem a jurisdição contenciosa obrigatória da Corte os seguintes Estados partes da Convenção Americana de Direitos Humanos: 1) Dominica, 2) Grenada e 3) Jamaica. CARVALHO RAMOS, André de. Curso de direitos humanos, p. 461
9 CARVALHO RAMOS, André de. Processo internacional de direitos humanos.
10 CARVALHO RAMOS, André de. Curso de direitos humanos, p. 461. Ver também CARVALHO RAMOS, André de. Responsabilidade Internacional por violação de direitos humanos.
11 CARVALHO RAMOS, André de. Processo internacional de direitos humanos, p. 256.
12 Idem, pp. 256-257.
13 CARVALHO RAMOS, André de. Curso de direitos humanos, p. 463.
14 CARVALHO RAMOS, André de. Curso de direitos humanos, pp.464-465.
15 CARVALHO RAMOS, André de. Processo internacional de direitos humanos, pp. 259-262.
16 CARVALHO RAMOS, André de. Curso de direitos humanos, p. 467.
17 CARVALHO RAMOS, André de. Processo internacional de direitos humanos, pp. 264-271.
18 CARVALHO RAMOS, André de. Processo internacional de direitos humanos, p. 266.
19 CARVALHO RAMOS, André de. Curso de direitos humanos, p. 508
20 CARVALHO RAMOS, André de. Processo internacional de direitos humanos, p. 282.
21 Sobre o controle de convencionalidade, ver CARVALHO RAMOS, André de. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional, p. 333 e seguintes.
22 Ver as opiniões recusadas em CARVALHO RAMOS, André de. Curso de direitos humanos, pp. 516-518
23 CARVALHO RAMOS, André de. Curso de direitos humanos, p. 516.
24 Idem, pp.465-467.
25 CARVALHO RAMOS, André de. Processo internacional de direitos humanos, p. 270.
26 CARVALHO RAMOS, André de. Curso de direitos humanos, pp. 499-507.
Referências
CARVALHO RAMOS, André de. Curso de direitos humanos. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
__________________. Processo internacional de direitos humanos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
__________________. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
__________________. Responsabilidade internacional por violação de direitos humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
Citação
RAMOS, André de Carvalho. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direitos Humanos. Wagner Balera, Carolina Alves de Souza Lima (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/533/edicao-1/corte-interamericana-de-direitos-humanos
Edições
Tomo Direitos Humanos, Edição 1,
Março de 2022