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Bioética
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Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos
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Tomo Teoria Geral e Filosofia do Direito, Edição 1, Abril de 2017
O que recebe a denominação de Bioética não é algo que parte do zero. Existem antecedentes próximos, isto é um terreno favorável ao seu surgimento, e existem antecedentes remotos ou raízes longínquas e profundas. O verbete Bioética quer ser somente a primeira aproximação de sua história, buscando traçar sua fisionomia e revelar algumas das muitas questões concretas que se encontram amplamente presentes nos meios de comunicação, povoando o imaginário popular, pelo que formam parte da cultura. Desse modo, a capacidade humana de formular juízos valorativos de caráter ético sobre as ações presentes, passadas e futuras, constitui uma característica da espécie humana. Sua moralidade material está, não afetada por algo, mas construída sobre uma Weltanschauung, uma determinada concepção e interpretação do homem e do mundo, sendo sustentada por uma comunidade a partir do conjunto de valores, ideais, aspirações.
1. Bioética, história, princípios, questões
1.1. Ética e bioética. Antecedentes remotos, a questão terminológica
Desde o princípio, a Filosofia Moral tem propiciado encontros e desencontros entre os termos moral e ética e no início do século XX, se introduziu o termo metaética para propor um tipo de conhecimento ético, considerado como como o único adequado para todo o saber sobre a moral. As origens do pensamento sistemático sobre o bem e o mal se encontram na Antiga Grécia. O primeiro a denominar Ethike (Ética) a estes questionamentos foi Aristóteles, ao se referir a questões sobre o ethos, isto é, questões sobre o caráter. Antes dele, o tema foi abordado por Heráclito de Éfeso e Platão.1 A ética pode ser definida como tematização do ethos, como o conjunto de atitudes, costumes, convicções, crenças morais e formas de conduta, tanto das pessoas (individuais), como dos grupos sociais. Sendo sua problematização própria da ética filosófica assume um caráter reflexivo: trata-se de uma tematização do ethos. O ethos é um complexo fenômeno da moralidade, envolvendo reflexão sobre si mesmo. Ela é reconstrutiva, isto é, reconstrói normas do pensar, ou explicita o saber. Sua complexidade deriva das muitas variantes espaço-temporais que denota. Em outros termos: ethos é facticidade normativa.2Physis, ou reino da necessidade, e ethos são duas formas primeiras de manifestação do ser. O ethos é a transcrição da physis na peculiaridade das práxis, ou da ação humana e das estruturas sociais.
Nos textos homéricos Ilíada e Odisseia o vocábulo eethos (com dois e), mais antigo e originário significa guarida, dos animais, seu habitat (morada, ligado ao cosmos).3 Com o passar do tempo usou-se ethos (com y - epsilon) significando costume ou hábito. O caráter se conquista eticamente com esforços, mediante hábitos e costumes. Sócrates, considerado pai da ética, ensina, com sua morte, que é pior cometer o mal do que recebê-lo. Nesse sentido, a ética é guarida, salva-nos de uma moral que não elegemos.
O modo de agir (tropos) do indivíduo, expressão de sua personalidade ética, traduz a articulação entre ethos como caráter e como hábito. Hexis, hábito como possessão estável, como princípio próximo de uma ação posta sob o senhorio do agente, exprime seu domínio de si mesmo, seu bem. A práxis por sua vez é mediadora entre os momentos constitutivos do ethos, como costume e hábito, não ir e vir.
Platão, no diálogo Critón, insiste em três aspectos que devem estar presentes sempre que falemos de Ética:
a) para que falemos de ética é necessário deliberar usando a razão e não os sentimentos;
b) a ética implica pensar por conta própria;
c) a ética requer o compromisso assumido de nunca sermos injustos.
PRAXIS (indivíduo empírico)
ETHOS (sujeito ético) ------ Práxis (ação ética) ------ HEXIS (sociedade).
A ação ética procede de ethos como seu princípio objetivo e a ele retorna como seu fim realizado na forma do existir virtuoso. Na circularidade dialética temos a diferença entre o costume e a lei (nomos) como dupla posição do universal ético que é o conteúdo da própria liberdade: ou na forma de vontade subjetiva (virtude), ou na forma da vontade objetiva como poder legiferante válido (lei). O ethos como lei é a morada da liberdade.
Esta é a ideia da constituição do Estado (politeia) segundo leis, nascida da ética comunidade, cuja mais alta qualificação vem a ser a virtude política.
A expressão pode ter, portanto, dois significados: Ética pode ser o estudo racional dos fenômenos morais; e, pode ser a qualificação que receba um ato humano, quando é fruto de deliberação prévia e eleição.4
Os vocábulos ética e éticas, ganham novo sentido a partir da Idade Média e da utilização dos termos virtude e felicidade. Na modernidade, o sentido da ética baseada na subjetividade dos sentimentos individuais (ética utilitarista) ressurge, especialmente com Thomas Hobbes,5 em sua obra Leviatã. Busca-se o máximo de possibilidades para a obtenção do prazer com o mínimo de possibilidades de dor e sofrimento. O único critério do agir moral são as sensações ou sentimentos (Epicuro, Jeremy Bentham, James Mill e John Stuart Mill).6 Já a denominada ética da racionalidade humana encontra em Immanuel Kant seu defensor principal e se baseia em um absolutismo do dever. A busca da conduta moral correta não pode ocorrer por cálculo de maximização do prazer e minimização da dor, mas se alcança pelo reconhecimento de princípios sustentados pela razão, universalmente válidos para todos os seres racionais.
O termo moral, como referência, possui uma dupla função: a de designar, de um lado os princípios do permitido /proibido e, de outro lado, o sentimento de obrigação, como face subjetiva de um sujeito submetido a normas.
Dentre a ética e as éticas contemporâneas, destacam-se a Bioética e o Biodireito. Delas procede uma metaética, supondo-se constituídas a linguagem ética e sua lógica, pela própria possibilidade de seu uso. Os séculos XX e XXI conhecem problemas prementes a exigir a urgência de critérios éticos, morais, jurídicos, entre outros, postos pela denominada revolução biotecnológica e suas aplicações notadamente na área médica, farmacêutica, industrial e social. Dilemas daí advindos a todos preocupam.
A Bioética, é uma disciplina que desde as suas origens muda seu significado e conteúdo, quase com cada autor que se ocupou dela. Trata-se de um vocábulo híbrido produzido pelo cruzamento de duas disciplinas quase incompatíveis e próximas: a biologia e a filosofia (bios=vida e ethike= ética). Pode parecer redundante voltar à questão etimológica e conceitual, mas se voltarmos as origens, reiniciamos o caminho. Há algo que surpreende no termo: sua persistência, sua resistência a ser reduzido e instrumentalizado. Tentou-se defini-lo uma e outra vez. Propuseram substituí-lo com termos deliberadamente neutralizados como biomedicina, ou como ética médica.7 Porém, é inútil, cada uma dessas significações empobrece seu sentido. A questão etimológica não se limita a uma busca pura e exclusiva de significações. Trata de reconstruir as circunstâncias em que o vocábulo surgiu e compará-lo com o seu devir.
O que devo fazer? É a inquietante pergunta que formula todo aquele que se depara com a situação moral diária que a bioética instaura.
1.2. As origens da bioética: uma nova ética para uma nova situação. Uma definição em dificuldades
Hoje em dia o termo bioética é uma palavra conhecida e utilizada por muitos profissionais. Publicações periódicas, casos que saltam à luz pública, debates sobre temas polêmicos sobre o aborto, reprodução assistida, eutanásia, clonagem, a vida e a saúde, etc., foram incorporados por várias pessoas. Mas a juventude deste saber, assim como a amplitude e diversidade das questões éticas trazem dificuldades de referirmos a um conceito único.
A Bioética é, antes de tudo uma Ética Aplicada, orientada para as ciências da vida e da saúde (sobretudo na Medicina e Biologia), voltada não apenas ao ser humano, mas a todos os seres vivos, ao meio ambiente e aos ecossistemas. Destaca-se por sua metodologia e seu discurso é multidisciplinar. O termo é um neologismo introduzido no século XX, cunhado pelo teólogo protestante Fritz Jahr, no periódico alemão Kosmos,8 Handweiser fur Naturfreunde (p.2-4), no ano de 1927, que o definiu como a ética das relações dos seres humanos com os animais e as plantas. Para dotar de conteúdo formal sua teoria, Jahr recorre a Immanuel Kant e reformula o imperativo categórico: “age de tal modo que uses a humanidade, tanto em sua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre como um fim em si mesmo e nunca como um meio”, propondo, um imperativo bioético:
Respeita cada ser vivo em princípio como um fim em si mesmo e trata-o, no possível, como tal.
Duas são as diferenças do imperativo Kantiano:
Jahr inclui o conjunto de seres vivos na categoria de fins em si mesmo e seu imperativo é hipotético e não categórico. Essa tese é que os novos conhecimentos sobre o meio ambiente e o mundo animal obrigam a repensarmos todo o edifício da Ética.
A vida em geral, e não só a vida humana, começava a converter-se em um problema. Novos avanços científicos exigiam nova responsabilidade da ciência e nova ética. Nesse clima e contexto o filósofo Daniel Callahan,9 ajudado pelo psiquiatra Willard Gardin, fundam em 1969, o Institute of Society, Ehics and the Life Sciences, mais conhecido como Hastings Center. Sua preocupação era de que “os problemas éticos das modernas biotecnologias necessitam, para poder ser solucionados, um esforço interdisciplinar sem precedentes e uma clara vontade de reunir ciências experimentais e ciências humanas. ”
Essa preocupação aumenta na segunda metade do século XX, quando precisamente no ano 1970, o oncólogo Van Renssealaer Potter publica o artigo: Bioethics, the Science of Survival. Nele, aparece pela primeira vez o termo Bioethics recunhado no idioma inglês. Em seguida, Potter publica o livro Bioethics: Bridge to the Future, em janeiro de 1971. Era preciso estabelecer uma ponte duradora entre os fatos novos que descobria a ciência e os valores que esses fatos punham em jogo.10 Afirma Potter, que escolheu bio para indicar o conhecimento biológico, a ciência dos sistemas vivos e ética para indicar o conhecimento sobre os sistemas de valores humanos. Seus principais inspiradores: C. H. Waddigton, professor de genética animal de Edimburgo; M. Mead, antropóloga; T. Dobzhansky e Aldo Leopold, um ecologista que teve o mérito de entender a correlação entre comportamentos humanos e equilíbrio do sistema, bem como seus efeitos na evolução do mundo e da espécie humana.
Também em 1971, André Hellegers introduz a palavra Bioética (norte-americana ou ética institucional) no nome do Instituto fundado e pertencente a Georgetown University of Washington: The Joseph and Rose Kennedy Institut for the Study of Human Reproduction and Bioethics.
Para Hellegers, a Bioética não é uma nova matéria, mas faz parte de uma antiga matéria, pois é parte da ética prática clássica. Sua tarefa é resolver concretos problemas morais no campo biomédico através da aplicação válida de princípios éticos existentes e universais. Recorre a reivindicação crítica da consideração dos fins, e tem sido chamada de bioética de primeira geração ou clássica, porque o marco sociocultural em que nasce é institucional e muito sensível à moral. Trata-se de integrar a aplicação do contexto tecnológico e o saber prático. Na medida em que o institucional amplia seus limites a toda a realidade, a ética aplicada torna-se uma Ética Geral da vida ou Global, através das consequências como caminho da incidência universal de sua aplicação. Hellegers insiste na ampliação do campo bioético ao campo das ciências biomédicas. Esta perspectiva gerou a Carta dos direitos dos pacientes, datada de 1972, nos EEUU.
De novo, há que outorgar o mérito a Potter por forjar a seguir o termo bioética global. Proposto como um programa secular de desenvolver uma moralidade que exija decisões no cuidado da saúde e na preservação do meio ambiente natural. Global devido ao horizonte ético, que compreende o mundo todo:
Uma bioética em que a qualidade de vida física (medical Bioethics) esteja coordenada com a qualidade de vida ambiental e ecológica (ecological Bioethics). Uma bioética global como ciência da sobrevivência, deve poder definir o que é justo e o que é equivocado em termos de sobrevivência e proteção da biosfera.
Ela exigirá uma nova metodologia, e o conceito central será o de responsabilidade. Deverá se basear em uma combinação de direitos e responsabilidades.
A partir de 1970, o termo conheceu uma rápida expansão por todo o mundo, ao ponto de ao acabar o século havia passado a prática totalidade de línguas do planeta. Entre os antecedentes imediatos da bioética acha-se também a Ética Médica, cuja síntese se atribui ao médico grego Hipócrates (460-370 a.C.) e ao Juramento de Hipócrates.
Grande importância se outorga à obra de Tom L. Beauchamp e James F. Childress: Principles of biomedical ethics (Princípios de ética médica), que ficou conhecida como “o Mantra de Georgetown” (seu conteúdo se estruturava em três princípios morais: beneficência, autonomia11e justiça, aos quais se acrescenta o quarto, da não- maleficência, elaborado por David Ross em seu livro The Right and the Good, em 1930,12 todos conhecidos e reconhecidos, como uma teoria ética com entidade própria: o Principialismo).
As vozes acadêmicas críticas, porém, tendo em conta as referências culturais de cada país, ou região geopolítica prestaram atenção especial ao tema do superdimensionamento do princípio da autonomia frente aos outros três, assim como à questão da possível existência de antagonismos operacionais entre eles, especialmente entre a autonomia e justiça.
A ideia de Justiça, tal como dela dispomos neste fluir do milênio, acha-se presa à dimensão social dos atos humanos, da consciência e das normas que permeiam a vida social. Acha-se também ligada ao itinerário das formas de poder e à rede social de valores a que se reúnem instituições e doutrinas.
Na prática cotidiana da bioética, o princípio da justiça passa a ter relevância relativa, como um mero coadjuvante. Todavia, a Justiça, como princípio universal de uma Bioética pluralista, laica e direcionada aos direitos humanos universais, requer um caráter de legitimação moral, mais que de legalismo jurídico.
Trata-se de uma ética que goza do enfoque transdisciplinar do conhecimento, que permite a conjunção da crítica atualizada dos fatos, com a praticidade e experiências já desenvolvidas pelas ciências aplicadas, objetivando, em última instância, um melhor porvir das gerações futuras.
Temas como a responsabilidade, dignidade humana, solidariedade, vulnerabilidade social, proteção, equidade, emancipação e outros serão incorporados ao corpo desta discussão. Na nova agenda da Bioética redesenhada no ano 2005, com a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, da Unesco, as justiças, assim como o tema dos direitos humanos, ocupam lugar preponderante. Como dizia Kant, há mais de dois séculos, o que faz valer a ética é a Justiça. Com a homologação da Declaração de Bioética da Unesco, a agenda Bioética do Século XXI foi ampliada e com ela o princípio da Justiça passou a requerer novas interpretações.
A nova referência conceptual da disciplina, incorpora além dos temas tradicionais biomédicos e biotecnológicos, questões sanitárias, sociais e ambientais, comprometendo-se com a qualidade da vida humana em seu sentido amplo.
Agora a cultura da responsabilidade é de pluralismo moral como situação de fato. A categoria da responsabilidade é a pedra angular sobre a qual pivotam tanto uma ideia de dignidade quanto toda essa cultura de responsabilidade assimétrica., para assegurar que o referente moral de toda relação não se reduza a uma relação de poder de uns sobre os outros (para alguns, Bioética de segunda geração ou da vida digna).
Mas além dessas polêmicas, percebe-se que a bioética introduz os direitos do paciente e a dignidade deste como pessoa autônoma. Resolver problemas morais médicos em situações precisas era mais fácil de se formular e, até se podia ter êxito em dar respostas sensatas e razoáveis.
A relação médico-paciente é assimétrica e a experiência norte-americana dos Comités de ética foram por nós copiadas. Os próprios profissionais da saúde pensaram que bastava o bom senso para dar resposta aos distintos dilemas morais que surgiam com as novas biotecnologias.13 Sua atitude era de boa-fé, mas paternalista. A bioética médica acaba por se medicalizar. É preciso, porém pensarmos além dela. Muitos bioeticistas retomaram pensamentos e reflexões de Aristóteles, Kant, Stuart Mill.
Já as éticas de cunho cristão estendem seu campo de aplicação a toda humanidade. Pretendem ser universais, mas não falam de um dever para as gerações futuras.
Antes, em 1948, Aldo Leopold, em seu texto sobre ética da terra (land ethics), postulou o direito das gerações futuras a receberem um ambiente preservado. Nessa mesma tradição, Hans Jonas, em 1968, propôs um novo imperativo, com a finalidade de prevenir possíveis consequências das ações humanas: Nas tuas opções presentes, inclui a futura integridade do ser humano entre os objetos da tua vontade.
Não podemos ficar indiferentes às consequências de que as novas biotecnologias biomédicas, melhoram e, ao mesmo tempo, ameaçam nossas possibilidades de exercitar a liberdade e o sentido mesmo de nossas convicções.
Recapitulando, Warren T. Reich,14 editor da Enciclopédia de Bioética, afirma que a bioética tem um duplo lugar de nascimento nos Estados Unidos: em Madison, Wisconsin, onde Potter cunhou o termo (global, evolucionista e ecológica), que aplicava tradições éticas e religiosas à biomedicina e, em Washington, na Universidade Georgetown, onde André Hellegers o legitimou.
O chamado Documento de Erice (1991)15 sobre as relações entre a bioética e a deontologia medica com a Medicina legal adota a definição: “Estudo sistemático da conduta humana no campo das ciências da vida e da saúde, examinada a luz dos valores e princípios morais. ”
Retomando -se a definição inicial de Jahr, é possível afirmar que a Bioética é uma reflexão compartilhada, complexa e interdisciplinar sobre a adequação de ações que envolvem a vida e o viver. Assim entendida, a Bioética é um saber no qual confluem todos os saberes que tem a ver com a vida, sendo um modelo de saber plural e global no sentido que transpassa qualquer âmbito institucional.
2. A bioética e o fenômeno de secularização dos espaços privados
Uma nota fundamental da Bioética é seu enfoque secular de um dos espaços tradicionalmente reservados às autoridades religiosas, como há sido a gestão do corpo, da sexualidade, da vida e da morte. Durante quase cinco décadas de vida, a Bioética tem sido uma das fontes fundamentais nessas questões, que no mundo católico e mediterrâneo coincidiu com a celebração do Concílio Vaticano II. A ética da sexualidade é um de seus temas paradigmáticos.
3. O desenvolvimento da bioética médica
A primeira e brutal tomada de consciência coletiva dos problemas éticos da medicina data da Segunda Guerra mundial com a revelação dos experimentos do nazismo. O Código de Nuremberg, de 1947, constitui o primeiro conjunto de regras internacionais que relaciona Ética e Direitos Humanos. Seguido de Declarações da Associação Médica Mundial em Helsinque (1964), Tóquio (1975), Manilha (1980), dos Relatórios WarnocK (1984) na Inglaterra, o Informe Waller (1984) na Austrália, o Relatório Belmont, Declarações do Conselho da Europa, a Conferência de Ansilomar, entre outros documentos, demonstraram que o progresso científico é ambivalente.
Essa ambivalência se dá, não só no sentido positivo ou negativo, mas sim porque qualquer enfoque bem-intencionado pode ser tornar perverso. O uso de procedimentos de engenharia genética em terapia gênica pode ser benéfico, todavia quem poderá impedir o uso desses mesmos meios para fins eugênicos? Em ambos aspectos, a Bioética resulta essencial para definir o homem, reconhecer seus valores e aptidões. Sua emergência nos dias atuais é sintoma alarmante de um processo destruidor de uma civilização fundada etimológica e historicamente no Direito Romano.
A Bioética como disciplina intelectual emergiu como resultante de diferentes dilemas que se enfrentaram, sobretudo nas sociedades ocidentais, derivados do desenvolvimento de tecnologias medicas impensáveis outrora e que começaram a incidir em momentos transcendentes e íntimos de cada ser humano, como são o nascimento e a morte, na cotidianidade da vida mesma.
3.1. Valores éticos de referência
É oportuno lembrar aqui os valores éticos já conhecidos que regulam as condutas medicas.
• O bem comum como bem de cada pessoa. Esse princípio, ensina Elio Sgreccia,16 não deve ser entendido como a procura do mínimo indispensável para cada pessoa, em sentido quantitativo, a ser dado a todos, porque seria uma medida necessária, mas insuficiente, nem sequer como o bem da maioria, transcurando por isso as minorias, pois também nesse caso tratar-se-ia de medida apenas estatística e quantitativa. Por bem comum devemos entender a procura do bem de todos pelo bem de cada pessoa. O homem todo em todos os homens com a corresponsabilidade de cada um.
• A vida física como valor fundamental da pessoa. A vida física não exaure toda a grandeza da pessoa. Advém daí o preceito moral da inviolabilidade da pessoa humana.
• O princípio terapêutico, afirma que é licito intervir na vida física da pessoa somente em casos que seja necessário para o bem global dela própria e desde que se dê na parte doente. Toda licitude das cirurgias é sustentada por esse princípio.
• O princípio de liberdade e responsabilidade. A liberdade é fonte de todo ato ético. Todavia ela deve se responsabilizar pela própria vida e pela dos outros. Não é licito suprimir a vida, mesmo que a própria, em nome da liberdade, porque ela é o fundamento da própria liberdade. Também não é licito intervir na pessoa do outro sem o seu consentimento.••
• O princípio de solidariedade e subsidiariedade. Exprime a responsabilidade que existe em todos os homens. A dignidade da pessoa humana leva a afirmar que cada um é corresponsável pelo bem de cada um dos outros. Deve ser entendido e integrado no sentido de subsidiariedade que implica o respeito das capacidades operacionais de cada um em particular e dos grupos, mas também o dever de socorrer a quem tem mais necessidade.
3.2. Princípios
Durante as últimas décadas do século XX, dada a urgência das questões trazidas pelas novas tecnologias e a necessidade de respostas peremptórias, há um movimento de emancipação dos pacientes que reivindicaram o direito de decidir em todas as questões relacionadas com a gestão do próprio corpo. Além disso, a crise econômica de 1973, pôs em situação grave os sistemas de seguros público no ocidente europeu, gerando o problema moral de critérios para a distribuição de recursos escassos em áreas básicas como a da saúde. Esses três fatores levaram à identificação de três princípios éticos citados: o da beneficência (dado que as novas tecnologias tinham como objeto promover o benefício), o da autonomia (o respeito às decisões informadas dos pacientes, pessoas autônomas são capazes de autogoverno) e o da justiça (que devia presidir a distribuição de recursos), como o proclamou o Informe Belmont, que veio à luz em 1978.
1. Autonomia (auto-nomos = fazer suas próprias normas): cabe dizer que, há um ato autônomo na origem do processo, mas este se converte em heterônomo em todos os atos posteriores, já que a partir desse momento se regerá pela norma que assumiu, o qual é outra forma, sem dúvida mais sutil, de heteronímia. Em resumo, a autonomia moral é um princípio que não só exige informação, capacidade e ausência de coação, mas também grande maturidade psicológica e ética. Autônomo é só quem é capaz de tomar decisões ponderadas, responsável com o coletivo e prudente em cada situação que se apresente. Assim, a autonomia dos pacientes deve ser valorada à luz de sua competência ou aptidão para adotar uma decisão autônoma mediante idoneidade psicológica de organizar os conhecimentos necessários.
2. Beneficência: todo ato médico deve propender a melhorar a saúde e qualidade de vida dos indivíduos.
3. Não-maleficência: tais atos não só devem buscar o benefício dos pacientes, mas, devem evitar-lhes danos e prejuízos.
4. Justiça: este princípio é também conhecido como de equidade (do grego Ettiekeia e õikaiooúvn; aequitas do latim) e tenta harmonizar o interesse ou benefício individual no caso concreto.
O século XXI nos mostra uma medicina de alto valor tecnológico, perigosamente desumanizada e fragmentada, de custos incessantemente crescentes, de resultados espetaculares outrora impensados, que só podem desfrutar cada vez menos pessoas e que deixa globalmente insatisfeitos os usuários e profissionais. O problema da inequidade ou injustiça na saúde é um problema de vigência extraordinária e inquietante. Este estranho paradoxo da sociedade de consumo nos leva a refletir sobre o Biodireito (donde bio= vida e juris= Direito, neologismo significando direito à vida; a vida dos direitos).
4. O biodireito (biojuris) e os desenvolvimentos legislativos
O sistema dos quatro princípios coexistiu na prática com o dos Direitos Humanos e, por extensão com o das normas legais. Ambos tendem ao pensamento zetético (problemático), particularmente no enfoque jurídico. É comum a confusão entre Ética e Direito. A diferença entre ambos é significativa. A primeira é a linguagem específica de cada um. De um lado, a Ética trata do dever e dos deveres, enquanto que o Direito se ocupa dos direitos e deveres (termos correlativos) visando proteger e dirimir os conflitos entre as pessoas. Há direitos porque há deveres e não o inverso. Para que as leis sejam verdadeiramente morais tem que se fundar na moralidade interna e derivar dela. Quando assim não sucede, não obrigará mais que externamente, isto é, deve ser acompanhada de sanção no caso de descumprimento. A partir daí o positivismo jurídico deduziu que a lei é independente da moral, são sistemas distintos e complementares. O espetáculo das duas guerras mundiais que assolaram a Europa, na primeira metade do século XX, fez pensar que nenhuma dessas teses resultava de todo aceitável. Max Weber com sua distinção entre a Ética da convicção e a Ética das melhores consequências, quis acabar com essas contendas. A primeira identifica-se com o jusnaturalismo e a segunda com o jus-positivismo. Frente a ambos, propôs uma terceira via, a Ética da responsabilidade.
O Direito há de ter um fundamento moral e, a Ética tem que se apoiar na rigidez Kantiana e dar conta das circunstâncias de cada caso e das consequências possíveis, a fim de tomar decisões responsáveis. Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), os direitos se convertem em fundamento e legitimam os demais direitos positivos. Com isso existe a tendência de converter o direito em um conceito fundamental, relegando a ideia de dever a um discreto segundo lugar.
O Direito e o Biodireito estabelecem princípios, valores, definições, limitações, valorações, procedimentos, etc. Sua primazia é a de ajustar os comportamentos à lei, são técnicas que dependem de tradições culturais e jurídicas, que apesar da globalização influenciam na concepção de família, do casamento, do sofrimento, da concepção de morte, de peso econômico, da corporeidade. Mas, os avanços científicos e tecnológicos tornaram insuficientes os aspectos axiológicos antes existentes e o Estado não pode se ausentar desta problemática. Ainda que não se proponha uma função repressiva, o Biodireito, deve manifestar o mínimo ético (bioético) como essência da autoconsciência de um povo ou da Humanidade.
A questão relevante é o que convém regular e até quantum regular. As lacunas jurídicas, em muitos casos são uma boa desculpa para que os critérios de mercado sejam os dominantes. Mas como diziam os romanos: nulla lege sine moris. A Moral é subjetiva, tendo profundo valor social e comunitário, público e político. Juntos são importantes e necessários instrumentos para transformar e ordenar a sociedade. A função fundamental da Bioética é pedagógica, é a de passar dos princípios às normas, ao Biodireito.
Em meio ao âmbito ético ocupado pela Bioética e aquele do Direito existe um espaço que deve unir as disciplinas, a Biopolítica. Há necessidade de se construir, entre o Estado e a vida material, um senso comum e um sistema de regras que permita aproximar as Ciências da Vida ao Direito e à Ética.
5. A biopolítica, biopoder e biodireito
Muitos temas que afetam a vida tem uma dimensão política e global. O controle da vida e dos corpos sempre teve uma dimensão política denominada por Michel Foucault, em 1974, de Biopolítica, em uma conferência no Rio de Janeiro quando afirmou:
“O controle da sociedade sobre os indivíduos só se efetua mediante a consciência ou por ideologia, mas também no corpo e pelo corpo. Para a sociedade capitalista é o biopolítico o que importa antes de tudo, o biológico, o somático, o corporal. O corpo é uma entidade biopolítica, a medicina uma estratégia biopolítica. ”
A Biopolítica permeia as dimensões políticas estatais, culturais, ideológicas, entre outras, as tecnologias reprodutivas, a engenharia genética, o abortamento, a eutanásia, da eugenia, os métodos contraceptivos, os controles de natalidade, o transplante de órgãos e tecidos. Não é indiferente que a partir dos anos 90, cinquenta por cento dos doentes sofram de depressão, os holandeses morram pedindo eutanásia, que o preço da habitação seja muito elevado, que os jovens saiam de casa com idade mais avançada e busquem formas alternativas de entidades familiares, clínicas de reprodução assistida.
Não é uma questão menor que vivamos uma época das tecnologias da liberdade (manipulação genética, engenharia genética, OGM, neurofarmacologia, neurociência, prolongamento da vida, a ligeireza das prescrições hormonais, a frivolidade dos diagnósticos de hiperatividade infantil ou déficit de atenção, que possamos selecionar os embriões campeões, conservar o cordão umbilical, que conheçamos nosso mapa genético...), seduzidos pela alta tecnologia. A utilização social de genes de origem biológico-humana dá lugar a determinadas relações, como consequência de seus usos, abusos e aplicações. O paradigma tecnológico exige conhecimentos precisos, possibilidades de apropriação, alta capacidade de acumulação e superação das técnicas, de interesses econômicos e estratégicos. Tudo conduz a uma conceptualização da tecnologia genética, genômica e reprodutiva em termos biojurídicos e bioéticos.
Francis Fukuyama,17 na obra El fin del hombre. Consequências de la revolución biotecnológica, chama a atenção sobre a necessidade de um adequado controle da biotecnologia e de se estabelecer estes temas futuros. Não podemos nem proibir tudo, nem tudo permitir. Necessitamos de um termo médio. São temas fundamentais que tocam a natureza humana, os direitos fundamentais, a dignidade.
De fato, esses procedimentos, pelas ferramentas que manejam e as conotações a eles associadas, impactam diretamente a sociedade, a família, a natureza, os critérios de vida e morte, exigindo estudos descritivos: análise prévia dos impactos, riscos e benefícios; estudos prospectivos: tendências e cenários, avaliação das tecnologias, análises biopolíticas; estudos psicológicos, perspectivas pluridisciplinares.
Inegável que as dimensões biopolíticas tem enorme importância econômica, pois, as biotecnologias são um potente negócio da vida. É importante irmos além do pró-ativismo e da precaução, superarmos os paternalismos. O paternalismo é sempre vertical, tem sempre algo de aristocrático, de olhar do alto da hierarquia (social, política, religiosa). O ideal platônico aristotélico é aristocrático. A vida boa, virtuosa, heroica, nobre (arestos), dos homens livres e cidadãos greco-romanos, signo dos poderosos e ricos. Ele justifica uma moral e uma linguagem distinta. Impõem normas e são os únicos com autoridade para transgredi-las. Uma moral da potência, da capacidade, da força: virtuosidade técnica (areté), excelência.
O paternalismo é vivido como uma espécie de sacerdócio, mediação entre deuses e os homens, com notas de eleição, segregação, privilégio, impunidade, autoridade. Similares as características médicas, dos governantes e juízes. Funda-se em ritos de iniciação e juramentos. Assume uma elevada responsabilidade profissional.
Responder, do latim spondeo, tem como primeiro sentido assumir um compromisso solene de caráter religioso. Responder é prometer algo. A responsabilidade moral protege a jurídica.
O paternalismo configura fraternidades, grêmios ou corporações familiares (vínculos estritos como os de uma família). Pode tender a invadir a vida, a abusar da intimidade, dos segredos, da confiança, do saber, dos fármacos, da sexualidade. Os pacientes viveram quase toda a sua história debaixo de um manto de proteção, de um não saber, passivo, débil, enfermo.
Com a modernidade, aparece o paternalismo burocrático e político ante o enfermo. O Estado vai controlar a capacitação que habilita o médico, a medicina hospitalar. O enfermo é um objeto a mais, não entra como pessoa que padece, mas como objeto de atividade científica quantificável. Nasce a clínica e o médico se afasta do paciente. Só a medicina de ricos tem lugar. O poder médico, antes de conhecimento privado e particular, agora se dirige a um conjunto de enfermos anônimos em uma instituição. O científico mira a realidade de cima e crê governa-la desde o seu conhecimento. Proliferam os exames sofisticados, empobrecem os contatos.
A moral paternalista era uma moral da potência, da capacidade, da força. A virtuosidade técnica é uma perícia, um bom fazer, exige uma elevada responsabilidade profissional. Tende a invadir a vida, a abusar da intimidade, da confiança.
A tardia conquista do princípio de autonomia do enfermo deveu-se muito a sua consciência de seus direitos fundamentais.
Os direitos dos pacientes (direitos de segunda geração dentro dos direitos sociais) não nasceram como uma reivindicação clara e manifesta. O direito à assistência igualitária surgiu historicamente antes do direito à autonomia ou liberdade no âmbito da saúde (1918- Constituição de Weimar, art.161; Declaração Universal de Direitos Humanos, 1948, art. 22). Outro passo foi a formulação na tradição jurídica do consentimento informado. Três períodos se diferenciam:
1780-1890. As dificuldades de informação e o consentimento foram qualificadas pelos tribunais como casos de negligência ou má prática, porém, a maioria não foi punida se foi respeitado o princípio de maior interesse do paciente, ou se este era incapaz ou incompetente.
1890-1920. Ante as denúncias de vítimas involuntárias de cirurgia que acusaram os médicos de agressão ou coação, ante pacientes operados sem conhecimento ou consentimento expresso, os juízes entenderam que o princípio de permissão lesava a autodeterminação dos pacientes.
1954-1972. Aparece o protocolo de consentimento voluntário, informado e esclarecido. Usado pela primeira vez em 1957 em uma sentença do Estado da Califórnia que assinalou o direito do enfermo a uma informação de qualidade e a obrigação médica de fornecer essa informação relevante. Em 1960 se incorpora como parte constitutiva do ato médico.
Cinco fatos foram essenciais nessa história:
1. Caso Schoendorff versus Society of New York Hospitals (1914). O paciente havia consentido em uma laparoscopia exploratória com fins de diagnóstico sob anestesia geral, fazendo constar que não se operaria. O cirurgião extirpou um tumor fibroide, considerando ser esta a melhor opção para o paciente. O juiz Cardoso considerou essa intervenção uma agressão e condenou por danos.
2. Caso Salgo contra Leland Stanford Jr. University Broad of Trustees (1957). A novidade é a de que não só há de se obter o consentimento do paciente, mas informar adequadamente. Martin Salgo, com arteriosclerose, foi submetido a uma aortografia translombar e sofreu uma paralisia permanente devido ao procedimento. A demanda se deu pela ausência do médico em prevenir o paciente dos riscos.
3. Caso Berkey contra Anderson (1969). Ante uma doença cervical o médico sugere a realização de uma mielografia para comprovar se a medula espinhal foi lesada. Sob efeito da anestesia o paciente tem dores insuportáveis e irradiação para a perna esquerda, que lhe asseguram que desaparecerá em 24 horas. Após várias semanas apresenta um quadro de impotência funcional da extremidade esquerda, diagnosticando-se “pé caído”. O tribunal equiparou a informação insuficiente como negligência.
4. Caso Canterbury contra Spence. O tribunal determinou que o paciente não foi informado com antecedência de que a laminectomia acarreta um risco de 1% de paralisia e assim não pode escolher inteligentemente fazer (ou não) a intervenção. Aparece aqui o critério da razoabilidade.
5. Carta de Direitos do Paciente da Associação Americana de Hospitais (1973) de enorme influência e conteúdo ambíguo.
Foi a problemática judicial sobre a autonomia e a tentativa de evitar as consequentes demandas que promoveu por parte das instituições hospitalares o reconhecimento de alguns desses direitos e o cume do direito ao consentimento informado e esclarecido.
O direito à assistência sanitária é um novo direito dos pacientes. O Estado não procura assistência por beneficência, mas por motivos de justiça e de direito. Apesar da limitação de recursos, as necessidades individuais de saúde crescem e necessita-se de um critério de justiça. Os liberais negam um direito a certas assistências; os socialistas propugnam por ela, segundo as necessidades de cada um. Os sociais democratas pensam que a intervenção do Estado é imprescindível para redistribuir. A atenção tem de ser equitativa para favorecer a igualdade de oportunidades em uma sociedade. O debate sobre o modelo sanitário em tempos de crises é urgente em nosso país e também fora de nossas fronteiras.
6. Tema fundamental
6.1. O embrião humano
Estamos ante um tema complexo. É a escolha de um tema fundante. A resposta que dermos a esta questão condicionará nossa postura ante a REPROGENÉTICA (ou Reprodução Humana Assistida), os bancos de embriões, a manipulação genética, o diagnóstico genético, a clonagem, etc. Exige, pois, reflexão serena, diante de suas dificuldades e dilemas de um tema aberto.
Israel antigo, impressionado com o fenômeno de transmissão da vida dos pais aos filhos usou a palavra engendrado. Os gregos impressionados por ciclos de geração e degeneração o chamaram gênesis desde a raiz do significado vir a ser. O mundo pré-moderno cristão de palavra inglesa impressionado com o mundo dado pelo Criador usaram a palavra procriação. Nós impressionados com as máquinas utilizamos a metáfora reprodução. Resoluções e portarias do Ministério da Saúde no Brasil falam de Reprogenética ou reprodução genética.
Ser engendrado, gênesis, procriação ou reprodução são palavras semelhantes, com tons distintos sobre o que supões como o início da vida. Cada ser humano, como recorda H. Arendt, tem a capacidade de começar algo novo humano no mundo mediante a ação e a palavra. Cada nascimento introduz essa possibilidade de novidade na comunidade de seres humanos, um fenômeno que se denomina natalidade.18
6.1.1. Distinguir conceitos
Vida Humana - supõe uma referência biológica a uma espécie determinada: o homo sapiens que tem 23 pares de cromossomos. Há que ter em conta que não é isenta de significado filosófico. Esta constituída por categorias: unidade, sistema, hierarquia, propriedades emergentes, evolução, desenvolvimento epigenético, simbiose, etc.
Indivíduo Humano - a noção clássica faz referência ao indivisum in se, isto é, ao ser caracterizado por uma unidade intrínseca e diferente de qualquer outra realidade. O indivíduo indiviso. Por isso, se o fraciona ou funde, deixa de ser o que é, um indivíduo humano, um sujeito independente da espécie humana. O conceito de indivíduo é filosófico que tem referência empírica, pode se verificar.
Pessoa Humana - noção filosófica com profundas raízes teológicas. Não é competência de a ciência definir o que é pessoa. Boécio define a pessoa como substância individual de natureza racional. A pessoa é um indivíduo concreto dotado de uma certa natureza. Outras definições apontam uma série de propriedades ou funções (reflexão, autoconsciência, autodeterminação, comunicação, etc.), que podem ter graus, quantidades diferentes e pode-se ser ou deixar de ser pessoa.
O reconhecimento pelos pais, ou sociedade supõe o valor do reconhecido. O reconhecimento não constitui em pessoa. Não é pessoa porque o acolhem, mas o acolhem porque é pessoa. Reduzir a pessoa a aceitação ou reconhecimento é um critério frágil e volúvel.
Para muitos, o termo vem do teatro greco-romano persona = máscara, que possuía um aparato per sonar. Pessoa seria juridicamente, um feixe de papéis institucionalizado (pessoa física, pessoa natural, pessoa jurídica, etc.).19
Ser Humano - supõe uma forma de habitar e ser no mundo. Faz referência a uma dimensão social e psicológica. O ser humano é o único ser que pode levar uma vida desumana, romper seus limites de modo sobre-humano.
Cremos que podemos partir da afirmação de que com a concepção começa uma nova vida (Concepto) e que essa vida é humana, que com a fecundação há um programa especificamente humano. A questão: se é em suas primeiras horas ou dias que o embrião deve ser considerado uma pessoa humana passa pelo cuidado ou destruição de uma realidade cientificamente inquestionável. É um ser vivo, um organismo vivo; é biologicamente humano; possui a capacidade de dar origem a um recém-nascido a que se atribui o direito básico à vida.
Cada ser humano possui uma identidade genética específica. A personalidade de um indivíduo não pode ser reduzida unicamente às suas características genéticas. Todos os indivíduos têm o direito ao respeito à sua dignidade independentemente dessas características.20
Considerações
Há pelo menos três níveis de aproximação do estatuto do embrião. O estatuto ontológico, indaga o que ou quem é o embrião. O estatuto ético, aborda a questão de quais deveres devemos ter para com o embrião. O estatuto jurídico, discerne quais desses deveres devemos legislar e regulamentar e se devemos reconhecer ao embrião certos direitos.
O estatuto ontológico, permite a alguns autores sustentar que em certos casos não se considera homicídio eliminar embriões, erroneamente chamados de pré-embriões. Há, porém, que se considerar a perspectiva do embrião e não os interesses e desejos das pessoas já nascidas. Existe uma desigualdade e assimetria entre os que julgam e o embrião julgado. Devemos atentar que os direitos fundamentais têm vigência além daqueles que os reclamam, sejam estes conscientes ou não, mais ou menos capazes, nascidos ou nascituro (nasciturus).
O que está em jogo aqui é o direito à vida e não o direito sobre a vida, pertinente ao estatuto jurídico.
Ante uma dúvida ética e moral (estatuto ético), que é um veredito de consciência, e que posto que se exige certeza para agir em temas que afetam a vida humana, é essencial não agir, não assumir graves riscos de matar. O argumento probabilístico no contexto das experimentações que destroem embriões em seus primeiros estágios, possuem uma base fraca e de frágil sustentação para uma exigência moral imperativa. O Papa Ratzinger21 ensina que:
"O olhar com que conscientemente acolho o outro decide minha própria dignidade. Assim como posso consentir em reduzir o outro à uma coisa, para usar e destruir, do mesmo modo devo consentir as consequências que repercutem em mim.... Esse olhar decide minha própria humanidade. O outro é o guardião de minha dignidade."
Quanto ao signo pré-embrião equivocadamente usado por muitos, mais esconde o embrião do que o revela. Três são os tipos de ontologia: a genômica, a nidatória e a estrutural.
Na primeira, o peso ontológico recai sobre a estrutura do genoma do novo ser. A ontologia estrutural coloca o peso na existência de uma estrutura interna e na determinação biológica que requer o ser pessoa.
A ontologia nidatória é uma linha intermediária. A nidação é um processo que começa a ter lugar entre o 6o e 7o dia, começando a reação fisiológica entre o embrião e a futura mãe, e se completa no 9o. No 14o dia já está constituída a parede endométrica por cima do embrião implantado.
Alguns autores levantam alguns pontos para reflexão:
O que fazer quando temos gêmeos?
• Gêmeos e individualização: os gêmeos podem ser geneticamente idênticos, mas são ontologicamente distintos.
É necessário, no caso, diferenciar a individualidade genética da individualidade ontológica dos gêmeos. Não é o mesmo termo individualidade e indivisibilidade.
Contrariamente do que se pensa, não é um embrião que se converte em dois, mas um que provém do outro. O indivíduo não se caracteriza por sua indivisibilidade (em potência).
Não são iguais na origem, mesmo que gêmeos idênticos, ainda que morfologicamente o sejam no nascimento. Um está na origem corporal do outro. São projetos humanos. Parece que sempre há um primeiro que mantem sua existência e identidade biológica e ontológica, ainda que modificada e, um segundo que nasce do primeiro. Um indivíduo tem a possiblidade de formar novos indivíduos. Pode-se interpretar que ao zigoto originário se lhe agrega outro por divisão.
• A fronteira dos 14 dias coincide com a constituição da linha primitiva, o primeiro esboço do sistema nervoso. É o ponto de chegada de um processo, de acontecimentos concatenados e coordenados, não é algo que emerge em um instante. A nidação é algo mais que reconhecimento externo. É a acolhida do corpo da mulher, uma realidade com profundo valor simbólico. O começo de uma reação fisiológica. A dotação genética e o meio materno são fatores necessários, ainda que cada um por separado sejam insuficientes para a constituição do novo ser.
• Informação extra-zigótica: a interação com a mãe. O zigoto, ainda que seja biologicamente perfeito, não possui em si mesmo a determinação absoluta, toda a informação requerida para a gênese correta e completa do processo embriológico. Depende em cada momento, de atualização progressiva de sua própria informação; de informações exógenas independentes de seu controle. Em toda célula existem inúmeras moléculas que não estão codificadas em nenhum sítio do genoma, como por exemplo, os aminoácidos e alguns hormônios. Estão em relação e comunicação com a mãe desde o primeiro momento.
Àqueles que indagam quando começa a vida humana (?), diríamos que a vida humana não começa, de um ponto de vista biológico, se transmite. No zigoto se pré-figura o indivíduo humano.
• Fecundação: a fusão dos gametas (masculino e feminino) implica em um código genético próprio distinto dos progenitores. De duas células altamente especializadas, o óvulo e o espermatozoide, dois sistemas autônomos, surge um novo sistema com uma informação genética qualitativamente distinta das células somáticas dos pais. Seus caracteres hereditários o acompanharão toda a vida. Novo projeto-programa individualizado, uma nova entidade. Desde o começo, o concepto começa a dirigir seu próprio processo de desenvolvimento, sintetizando suas proteínas e enzimas.
É extremamente dependente, mas também autônomo. É arquiteto de si mesmo. Tem seu próprio poder de crescimento e reprodução. A diferença de seus estágios ulteriores é apenas quantitativa. Tem sua própria rede de comunicação e envia ao corpo materno informação hormonal. O novo genoma sustenta constantemente a unidade estrutural e funcional do embrião que se desenvolve em uma direção constante. A embriologia fala de um processo contínuo em que, de forma gradual, se atualizam as potencialidades já presentes no zigoto.
O embrião não é um simples aglomerado de células. É necessário aceita-lo como um organismo capaz de se desenvolver em condições apropriadas.
Para alguns autores, é relevante a distinção entre personeidade (caráter de suas estruturas fundamentais) e personalidade (o que o ser humano vai construindo a si mesmo ao longo da vida). Personalidade é, nesse sentido, um modo de ser, é a figura do que a realidade humana vai fazendo de si ao longo da vida. Não constitui um ponto de partida, mas um término progressivo do desenvolvimento vital.
A pessoa é coisa diversa. O concebido antes de nascer é pessoa, o oligofrênico é pessoa como qualquer um de nós. Nesse sentido pessoa não significa personalidade. Significa um caráter de suas estruturas e, como tal, um ponto de partida. A esse caráter estrutural da pessoa Zubiri denomina personeidade.22
A categoria de pessoa não tem a ver com o desenvolvimento, mas com a origem.
De igual modo, distinguiu Romano Guardini,23 pessoa e personalidade:
“A vida do homem se considera inviolável porque é uma pessoa... E o ser pessoa não é um dado de natureza psicológica, mas existencial. Fundamentalmente não depende nem da idade, nem da condição psicológica, nem dos dons naturais que possui... A personalidade pode não estar desenvolvida, como quando é criança, mas desde o princípio pretende respeito moral. Pode permanecer escondida, como nos embriões, mas lá está desde o seu início e gera direitos. Sua dignidade o distingue das coisas e os mantem como sujeitos. ”
Não é um ser humano em potência, é um ser humano com potencialidades que vão se atualizando. É um sistema aberto em contínuo intercâmbio de matéria, energia e informação. Só somos porque fomos um dia embriões. Há uma obrigação de proteção da dignidade humana, que reconhecemos na origem e de se respeitar as oportunidades de nossos descendentes, igual as dos que nos respeitaram. Não é uma coisa, ou algo, mas alguém. O potencial é o processo de desenvolvimento do embrião. Esse processo, desde o princípio, contém a condição de um sujeito ou ente moral. 24
Dignidade, vulnerabilidade e fragilidade, comportam a chamada responsabilidade no cuidado. A dependência do ser humano de seus progenitores supõe, na maioria dos casos, quase um quarto de sua vida.
Nesse mesmo sentido, João Paulo II,25 afirma:
“Defendendo o embrião, a sociedade protege a todo homem que reconhece neste pequeno ser sem defesa o que foi o começo de sua existência. Mais que nenhuma outra, esta fragilidade humana exige, desde o princípio, a solicitude da sociedade que se honra garantindo o respeito de seus membros mais débeis.”
O argumento da potencialidade leva a maioria dos cientistas a uma posição intermediária entre o experimentalismo e o ontologismo que é reconhecer que o embrião tem um peculiar status biológico e jurídico e que durante os primeiros 14 dias nem é pessoa, nem deve ser assim considerado, mas merece proteção. Esta postura nos parece insustentável e utilitarista.
Por detrás destas páginas há um convite para seguirmos pensando...
Por que matar se é possível adotar embriões concebidos in vitro doados?26
Desde uma perspectiva, há que valorar-se o papel e o peso da genética, o sentido e o significado de termos um código genético diferente de nossos progenitores, que a maioria das informações está nos genes, a coesão do embrião, sua continuidade. Por outro lado, há que valorar a acolhida no corpo da mulher, o papel da mãe, a informação extra-zigótica e de ser um mínimo substrato biológico.
Neste sentido, importante destacar a condição de indivíduo trazida por Pietro Alárcon:
Nota-se a utilização contemporânea da expressão indivíduo, de origem latina, aplicada por Cícero na Roma Antiga ao vocábulo grego átoma para individua, indivíduos. Embora a expressão contenha hodiernamente várias acepções, uma análise de seu sentido lógico, biológico e psicológico, conduz sempre à ideia de unidade e identidade, algo concreto e determinado, fora de série, e que não pode ser dividido sem ser destruído…
De fundo, a atitude moral com que se afrontam os temas bioéticos e de biodireito, assume em todos a responsabilidade e prudência pelos riscos.
O modelo com que pensarmos a Bioética irá nos conduzir face a esses e outros dilemas vitais. Somos agentes e pacientes, realidades dadas e realidades em que nos interpretamos. Seres de atividade, de projetos, em que vão emergindo inclinações. A vida transcorre de forma ininterrupta.
Os conceitos ou conceptos, são algo mais que conceitos, implicam sensibilidade e liberdade e possuem uma profundidade simbólica, que os juristas e os bioeticistas não podem ignorar.27
Notas
1 PLATÃO foi um dos primeiros filósofos a desenvolver uma teoria da ética como um fim em A República, no século IV a.C. através da concepção das virtudes humanas como funções da alma. Seu discípulo ARISTÓTELES, em sua Ética a Nicômaco percebe que cada bem almejado pelo homem é a finalidade de uma ciência particular e, no plano da coletividade, da ciência política. A meta final de sua indagação não é só estabelecer o que é o bem, mas convertê-lo em bom. Ele inaugura a ciência ética conferindo-lhe o respaldo de ciência prática, cujo fim é a Eudamonia (felicidade perfeita). Qual é o último bem humano? O que é a felicidade? Essa concepção se mantém sob nova conotação no decorrer da Idade Média a partir da filosofia patrística e escolástica, que abrange a ideia de fim último do homem. Na modernidade, esse sentido da ética baseada na subjetividade dos sentimentos individuais ressurge com Thomas Hobbes (Leviatã) em sua filosofia política. Para ele nada é simples e absoluto, nem nenhuma Regra de Bem ou Mal pode proceder da natureza dos objetos, mas sim do homem (onde não existe Estado) ou (em um Estado) da pessoa que representa; ou de um “arbitro ou Juiz aos quais o homem permite estabelecer e impor como sentença sua Regra do bem ou Mal.
2 SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite dos. Da moral à ética e às éticas. Revista de Direito Constitucional e Internacional, vol. 90, ano 23, p. 335-35
3 A metáfora da morada e do abrigo indica que a partir do ethos, o espaço do mundo se torna habitável para o homem. Physis e ethos são duas formas de manifestação do ser. O ethos é a transcrição da physis ou da ação humana e das estruturas sociais que dela resultam: o domínio da Physis ou reino da necessidade. O vocábulo moral, tradução do latim moralis, cuja raiz vem do substantivo mos (mores), costume, uso, hábito nos remete à uma certa regularidade nas condutas habituais dos membros de uma mesma sociedade, instituição, família, etc., tidos como obrigatórios e orientado a um valor
4 Idem, ibidem.
5 HOBBES, Thomas. Leviatã: ou a matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil.
6 As consequências bioéticas da adoção do critério utilitarista é que os seres considerados são sencientes, incapazes de sentir ou manifestar sentimentos e são deixados à mera instrumentalização, nivelando-se aos animais.
7 HIPOCRATES. (460-377 a.C.). Corpus hippocraticum. Juramento.
8 JAHR, Fritz, apud GODIM, José Roberto. Bioética, origens e complexidade. Revista HCPA, 2006; 26 (2). pp. 86-92. O texto de JAHR, publicado no Kosmos foi encontrado por Rolf Lother, da Universidade de Humboldt, em Berlim, e divulgado por Eve Marie Engel, na Universidade de Tubingen; e pelo professor SASS, Hans Martin, em 2007.
9 CALLAHAN, Daniel. Bioethics as a discipline. pp. 66-77.
10 Para POTTER, op. cit.: “se existem duas culturas que parecem incapazes de dialogar- as ciências e as humanidades- e isso se mostra como uma razão pela qual o futuro se apresenta duvidoso, então, possivelmente poderíamos construir uma ponte para o futuro, construindo a bioética como uma ponte entre as duas culturas. ” Para JONSEN, R. The bird of bioethics. p.11, o termo vida é de uma complexidade extraordinária. A relação entre ética e vida saudável personifica o lugar filosófico da bioética.
11 Immanuel Kant foi o grande teórico da autonomia moral (conceito metafísico). O ser humano não só tem a capacidade de autogoverno, mas não pode renunciar voluntariamente a ela, porque ao fazê-lo supõe já uma decisão autônoma, de todo modo, será responsável por ela. A autonomia é a essência do ser humano para Kant, de tal modo que dela depende que seja um sujeito moral, um fim em si mesmo, e como resultado, pessoa. O termo autonomia é anterior a Kant. Foi utilizado na Grécia antiga, no sentido de autogoverno político (auto- nomos). O conceito empírico designou a capacidade de um Estado de ser fonte de suas próprias leis.
12 ROSS, David William. The right and the good. p.30, afirmava que todos os princípios obrigam prima facie, mas em situação de conflito um deve prevalecer sobre os demais. Essa mentalidade dilemática gozou de ampla vigência em Bioética clínica ao longo de décadas.
13 POTTER, Van Renssealaer. Bioethics, biology and the biosphere. The Hasting Center Report, jan-fev 1999, vol. 29, I, pp.38-40.
14 REICH, Warren Thomas, The word “Bioethics”: Its birth and the legacies of those sahaped it. Kennedy Instituto f Ethics Journal, dez. 1994, vol. 4, n. 4, pp. 319-335; GRACIA, Diego. Fundamentos de Bioética.
15 O Documento di Erice sobre a específica natureza da Bioética e Deontologia Médica e suas Relações com a Medicina Legal. Medicina e Morale. (1991) vol. 4. pp. 561-567, foi assinado no 53o curso New trends in forensic haematology and genetics. Bioethical problems (18-21, de fevereiro de 1991) e aprovado em maio de 1991, pelo Conselho Diretivo da Sociedade Italiana de Medicina Legal, composto por vários cultores das três disciplinas E. Sgreccia, A. Fiori, C. Romano, E. Villanueva, A natureza da competência estabelecida é pluridisciplinar, isto é, médica, médico-legal, jurídica e bioética. Seus instrumentos de estudo são diferenciados.
16 SGRECCIA, Elio. Manual de bioética II. Aspectos médicos e sociais. p. 289.
17 FUKUYAMA, Francis. El fin del hombre. Consecuencias de la revolución biotecnológica. p.11. O livro ressalta que, Huxley tinha razão, a ameaça mais significativa trazida pela biotecnologia contemporânea consiste na possibilidade de que se altere a natureza humana e conduza, por consequência, a um estado “ pós humano” da história. A natureza humana é um conceito válido e traz uma continuidade estável à nossa espécie.
18 ARENDT, Hannah. La condición humana. p.23.
19 SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite dos. Imaculada Concepção: nascendo in vitro e morrendo in machina.
20 Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
21 RATZINGER, Joseph. Il diritto ala vita e l’ Europa. pp. 3-8.
22 ZUBIRI, Xavier. Sobre el hombre. p.113.
23 GUARDINI, Romano. Il diritti del nascituro.
24 ARISTÓTELES. Metafísica. Cap.7, 1048b35-104915. O autor distingue dois tipos de possibilidade (Dynamei), entre os que só é possível em pensamento e o que já é predisposto a ser, o possível que está por vir real. Por exemplo: uma casa na imaginação de um homem que pensa construí-la é diversa da que existe nos planos do arquiteto e nos esboços dos operários que a constroem. Só este segundo tipo de potencialidade leva em si mesmo sua Arché, o princípio de seu devir. Se não houver impedimentos externos, esse potencial chegará a ser por si. A criança concebida por seus pais é distinta da imaginada por eles. O primeiro leva em si todas as capacidades para seu futuro ser.
25 PAULO II, João. Audiência ao Grupo de Trabalho sobre o genoma Humano, 20/11/1993. Ecclesia, n.2662, 18/12/1993, p.21.
26 A eliminação de embriões concebidos in vitro e mantidos por meio de processo de criopreservação, embora não se possa atribuir a essa prática o crime de aborto, pode-se afirmar que há evidentemente eliminação de vida humana. Trata-se de uma realidade complexa que origina novos desafios. O embrião é o menor dos pacientes. Mesmo que se venha ou não lhe atribuir personalidade jurídica, esteja ele alocado no útero materno ou em um tubo de ensaio, é inegável que após a junção dos gametas se tem um indivíduo, com material genético próprio e não um material genético como objeto de proteção jurídica.
27 ALACÓN, Pietro Jesus Lora. Patrimônio genético humano e sua proteção na Constituição Federal de 1988. p. 205 e ss.
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Citação
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite dos. Bioética. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/53/edicao-1/bioetica
Edições
Tomo Teoria Geral e Filosofia do Direito, Edição 1,
Abril de 2017