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Reserva legal como instrumento de política ambiental
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Alexandre Levin
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Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 2, Abril de 2022
A reserva legal é um instrumento relevantíssimo para a manutenção de nossas florestas.
Trata-se, ao lado das áreas de preservação permanente (APP), de um dos principais instrumentos jurídicos para a garantia do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (CF, art. 225, caput).
Sua previsão legal constitui uma limitação ao uso e à exploração econômica da propriedade rural, pública ou privada, em cujos limites se localizem áreas de vegetação natural. Por essa razão, sua regulação, realizada pela Lei 12.651/2012, é cercada de controvérsias e objeto de conflitos entre ambientalistas, produtores rurais e Administração Pública.
Comecemos por abordar o seu conceito jurídico.
1. Conceito de reserva legal
A Lei 12.651/2012 (Código Florestal) define “Reserva Legal” como a área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, que tem a função de assegurar “o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa” (art. 3º, inc. III).
A definição legal já nos dá uma ideia da importância do instrumento para o cumprimento da função socioambiental da propriedade rural.
A lei obriga o proprietário a manter parte de seu imóvel coberto por vegetação natural, com o intuito de assegurar que esse trecho da propriedade seja explorado de forma sustentável. Ou seja, a reserva legal constitui um limite ao direito do dono de usar o bem como melhor lhe aprouver. Há um percentual da propriedade, definido por lei, cuja exploração não pode ser destinada livremente à agricultura e à pecuária.
A retirada da vegetação nativa da área de reserva legal está vedada: não é permitido o desmatamento para fins de plantio ou criação de gado.
De acordo com a Lei 12.651/2012, a “Reserva Legal deve ser conservada com cobertura de vegetação nativa pelo proprietário do imóvel rural, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado” (art. 17). Admite-se apenas a exploração econômica da reserva legal mediante manejo sustentável, previamente aprovado pelo órgão ambiental competente (art. 17, § 1º).
As regras sobre a Reserva Legal nos permitem caracterizá-la como uma limitação administrativa, já que se trata de uma medida de caráter geral, fundamentada no exercício do poder de polícia ambiental do Estado, que impõe aos proprietários obrigações, a adequar o exercício do seu direito de propriedade ao direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.1
Por se tratar de limitação administrativa, imposta em caráter geral, incabível o pedido de indenização por parte do proprietário ao Estado. Não se trata de intervenção estatal em um imóvel específico – como a desapropriação, a servidão ou o tombamento –, mas sim de limitação que abrange todos os imóveis rurais, localizados em qualquer região do país.2
1.1. Percentuais de Reserva Legal fixados pela Lei 12.651/2012
A reserva legal é uma das quatro limitações impostas pela Lei 12.651/2012 à propriedade florestal no Brasil, com vista ao cumprimento de sua função socioambiental. As outras três são: I) Áreas de Preservação Permanente (APPs), reguladas pelos artigos 4º a 9º da Lei 12.651/2012, como as matas ciliares, áreas em torno de nascentes e encostas com declividade superior a 45º; II) Áreas de Uso Restrito: pantanais, áreas com inclinação entre 25º e 45º, apicuns e salgados (arts. 10 e 11); e III) autorizações do Poder Público para supressão de vegetação nativa (arts. 26 a 28).
Como vimos, todo o imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, mas o percentual dessa área varia de acordo com a região do país e com o tipo de vegetação presente no imóvel.
Caso o imóvel rural esteja presente na região do país definida pela Lei 12.651/2012 como Amazônia Legal,3 deve conter os seguintes percentuais mínimos de vegetação nativa em relação à área do imóvel: (a) 80% (oitenta por cento), se estiver situado em área de floresta; (b) 35%, se estiver situado em área de cerrado; e (c) 20%, se estiver situado em área de campos gerais4 (Lei 12.651/2012, art. 12, inc. I).
Nas demais regiões do país, o percentual mínimo de vegetação nativa corresponde a 20% sobre a área do imóvel.
Mas há uma exceção a esse regramento: a Lei 12.651/2012 prevê que os proprietários ou possuidores de imóveis rurais que realizaram supressão de vegetação nativa respeitando os percentuais de Reserva Legal previstos pela lei em vigor à época em que ocorreu a supressão estão dispensados de promover a recomposição, compensação ou regeneração para os percentuais exigidos pelo art. 12 (art. 68).
A regra legal foi bastante criticada pelos ambientalistas, por permitir a redução da área de vegetação protegida, e foi questionada quanto à sua constitucionalidade (assim como outros preceitos da Lei 12.651/2012). O Supremo Tribunal Federal, no entanto, julgou constitucional o dispositivo, tendo em vista a aplicação da regra tempus regit actum e o princípio da segurança jurídica.5 Entendeu a Corte que, se o proprietário respeitou a lei vigente à época do corte da vegetação, não pode ser obrigado a recompor a área desmatada de acordo com os percentuais atualmente exigidos.
Note que a Lei 12.651/2012 previu hipóteses extraordinárias de redução do percentual de Reserva Legal aplicável ao imóvel (art. 12, §§ 4º e 5º, e art. 13, inc. I). A redução visa diminuir as restrições sobre as propriedades rurais situadas em Municípios da Amazônia Legal que já tenham parte significativa do seu território ocupada por unidades de conservação da natureza de domínio público e por terras indígenas homologadas.6
1.2. Utilização econômica da área excedente
A Lei 12.651/2012 permite ao proprietário ou possuidor de imóvel rural com Reserva Legal conservada em percentual maior do que o mínimo exigido utilizar a área excedente para constituir servidão ambiental, Cota de Reserva Ambiental e outros instrumentos congêneres previstos na lei (art. 15, § 2º).
Ou seja, quem protege mais do que o mínimo exigido pelo art. 12 da Lei 12.651/2012 pode alienar o excedente, sob a forma de servidão ambiental ou Cota de Reserva Ambiental (CRA).
A servidão ambiental é prevista como instrumento econômico de política ambiental pela Lei 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente). O art. 9º-A da lei prevê que o "proprietário ou possuidor de imóvel, pessoa natural ou jurídica, pode, por instrumento público ou particular ou por termo administrativo firmado perante órgão integrante do Sisnama, limitar o uso de toda a sua propriedade ou de parte dela para preservar, conservar ou recuperar os recursos ambientais existentes, instituindo servidão ambiental".
O dono do imóvel rural pode, portanto, constituir área de proteção sobre o seu imóvel, sob a forma de servidão ambiental, além daquelas exigidas por lei, e sujeitá-la às mesmas restrições estabelecidas para a Reserva Legal. A servidão será averbada na matrícula do imóvel no registro de imóveis competente (Lei 6.938/1981, art. 9º-A, § 4º) e a área poderá ser alienada, cedida ou transferida, por instrumento contratual, a outro proprietário rural (Lei 6.938/1981, art. 9º-B, § 3º), que necessite compensar a área do seu imóvel desmatada além dos limites permitidos pela Lei 12.651/2012.
Em outras palavras, aquele proprietário rural que desmatou além do permitido, isto é, que não respeitou os percentuais mínimos de reserva legal, pode “comprar” área daquele que protegeu mais do que o exigido, tornando-se detentor de servidão ambiental instituída em imóvel alheio. O detentor da servidão ambiental passa, portanto, a ter um direito real sobre coisa alheia – essa é a natureza jurídica da servidão7 –, e o proprietário do imóvel serviente passa a ter a obrigação de manter a vegetação nativa na área, sem alterar sua destinação (Lei 6.938/1981, art. 9º-A, § 6º).
Aliás, nessa hipótese de compensação de Reserva Legal, a servidão ambiental deve ser averbada na matrícula de todos os imóveis envolvidos, ou seja, tanto na matrícula no imóvel serviente quanto na do imóvel de propriedade do detentor da servidão (Lei 6.938/1981, art. 9º-A, § 5º). Já o contrato de alienação deve ser averbado na matrícula do imóvel serviente (Lei 6.938/1981, art. 9º-C, § 5º). Essas providências são essenciais em caso de transferência do imóvel serviente, visto que o adquirente terá que respeitar a servidão e passará a ter os mesmos deveres do seu instituidor (Lei 6.938/1981, art. 9º-A, § 6º). Vale lembrar que um dos caracteres essenciais dos direitos reais é que ele segue seu objeto onde quer que se encontre.8 Assim, a servidão ambiental valerá independentemente de quem for o proprietário do imóvel serviente, ao menos enquanto durar o prazo fixado em contrato, na hipótese de servidão temporária. No caso de servidão ambiental perpétua, não haverá esse limitador temporal.9
O excedente de Reserva Legal também pode ser alienado sob a forma de Cota de Reserva Ambiental (CRA), definida pela Lei 12.651/2012 como um "título nominativo representativo de área com vegetação nativa, existente ou em processo de recuperação" (art. 44).10
Nos termos do art. 44 da Lei 12.651/2012, o proprietário rural pode pedir ao órgão competente do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) a emissão da CRA, correspondente à área com vegetação nativa: I) que esteja sob o regime de servidão ambiental; II) instituída voluntariamente em montante que exceda os percentuais mínimos de Reserva Legal exigidos pelo art. 12 da Lei 12.651/2012; III) protegida na forma de Reserva Particular do Patrimônio Natural - RPPN, que é uma das espécies de Unidades de Conservação criadas pela Lei 9.985/2000 (SNUC); e IV) existente em propriedade localizada no interior de Unidade de Conservação de domínio público que ainda não tenha sido desapropriada, como a Estação Ecológica e a Reserva Biológica, por exemplo (Lei 9.985/2000, arts 9º e 10).
Cada CRA corresponde a 1 (um) hectare (Lei 12.651/2012, art. 46), ou seja, cada hectare protegido além do mínimo exigido legalmente pode ser convertido em CRA, que, em seguida, pode ser transferido "onerosa ou gratuitamente, a pessoa física ou a pessoa jurídica de direito público ou privado, mediante termo assinado pelo titular da CRA e pelo adquirente" (art. 48). Assim, quem protegeu menos do que deveria pode adquirir uma CRA de quem protegeu mais do que o mínimo exigido, a compensar a área protegida a menor.
Tanto a servidão ambiental quanto a CRA são instrumentos jurídicos de política ambiental fundamentados no princípio do protetor-recebedor, previsto expressamente na Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010, art. 6º, inc. II).11 Aquele que protege o meio ambiente para além do mínimo exigido pela lei recebe uma compensação financeira; ou seja, cria-se uma remuneração para aqueles que contribuem para a proteção dos recursos naturais, a ser paga pelos proprietários que não respeitaram o percentual mínimo de Reserva Legal exigido por lei.12
Vale ressaltar que tanto a Servidão Ambiental quanto a CRA somente podem ser utilizadas se o imóvel estiver registrado no Cadastro Ambiental Rural (CAR) (Lei 12.651/2012, art. 15, inc. III, e art. 44, § 1º). O CAR, por sua vez, é um "registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento" (Lei 12.651/2012, art. 29). A inscrição no CAR, além de obrigatória para todas as propriedades e posses rurais, deve ser realizada por prazo indeterminado (art. 29, § 3º),13 no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente – SINIMA (Lei nº 6.938/81, art. 9º, inc. VII).
2. Características da reserva legal
A obrigação do proprietário rural de manter a Reserva Legal nos percentuais previstos em lei é uma obrigação real ou propter rem.14 É o que prescreve o Código Florestal: a Reserva Legal "tem natureza real e é transmitida ao sucessor no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural" (Lei 12.651/2012, art. 66, § 1º). Aquele que adquire a propriedade ou a posse de um imóvel rural passa a ter a obrigação de mantê-la e de recuperá-la, caso tenha sido ilegalmente suprimida pelo proprietário ou possuidor anterior. Nesse sentido, a Reserva Legal equivale à Área de Preservação Permanente (APP), que também é considerada obrigação de natureza real, transmissível ao sucessor no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel. (Lei 12.651/2012, art. 7º, § 2º).15
Aquele que adquire imóvel rural não pode alegar desconhecimento acerca da localização da Reserva Legal, já que ela consta obrigatoriamente do CAR (Decreto 7.830/2012, art. 5º), que é um registro público gerido pelo órgão competente do SINIMA (Decreto 7.830/2012, art. 2º, inc. II).
Aliás, a inclusão do imóvel rural no CAR é pressuposto para que seja aprovada a localização da Reserva Legal, pelo órgão competente do SISNAMA (Lei 12.651/2012, art. 14, § 1º).
2.1. Localização da Reserva Legal
A Reserva Legal é criada, como visto, pela Lei 12.651/2012 (ex lege), mais precisamente pelo seu art. 12 da Lei 12.651/2012, que define os percentuais sobre a área total do imóvel, a depender da região do país em que se encontra localizado e do tipo de cobertura vegetal sobre ele existente.
No entanto, a localização exata da Reserva Legal deve ser definida caso a caso, levando em consideração os estudos e critérios previstos no art. 14 do Código Florestal: I – o plano da bacia hidrográfica em que se localiza o imóvel; II – o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE);16 III – a formação de corredores ecológicos com outra Reserva Legal, com Área de Preservação Permanente, com Unidade de Conservação ou com outra área legalmente protegida, para facilitar o fluxo gênico entre as áreas; IV - as áreas de maior importância para a conservação da biodiversidade; e V - as áreas de maior fragilidade ambiental.
Portanto, o perímetro da Reserva Legal será definido de acordo com as particularidades e a localização de cada propriedade rural. Pode ser interessante, por exemplo, que as áreas de Reserva Legal de imóveis limítrofes sejam agrupadas, de modo a compor uma área verde contínua que facilite o trânsito de animais típicos daquele bioma. A localização de áreas de Reserva Legal de forma esparsa pode ser prejudicial à fauna local, em razão da diminuição do espaço destinado à circulação das espécies.
2.2. Exceções à obrigatoriedade de manter área de Reserva Legal
Nem todos os imóveis rurais devem conter área de Reserva Legal. A Lei 12.651/2012 dispensa da constituição de Reserva Legal: I) os empreendimentos de abastecimento público de água e tratamento de esgoto; II) as áreas adquiridas ou desapropriadas por detentor de concessão, permissão ou autorização para exploração de potencial de energia hidráulica, nas quais funcionem empreendimentos de geração de energia elétrica, subestações ou sejam instaladas linhas de transmissão e de distribuição de energia elétrica; III) as áreas adquiridas ou desapropriadas com o objetivo de implantação e ampliação de capacidade de rodovias e ferrovias (Lei 12.651/2012, art. 12 §§ 6º, 7º e 8º).
O Supremo Tribunal Federal considerou constitucional os dispositivos, a afirmar que a dispensa de Reserva Legal resulta de opção do legislador, amparada pelos benefícios gerados à coletividade pela prestação dos serviços públicos indicados.17
Ainda sobre o tema das exceções às regras que criam a Reserva Legal, convêm lembrar que, de acordo com o art. 67 da Lei 12.651/2012, "nos imóveis rurais que detinham, em 22 de julho de 2008, área de até 4 (quatro) módulos fiscais e que possuam remanescente de vegetação nativa em percentuais inferiores ao previsto no art. 12, a Reserva Legal será constituída com a área ocupada com a vegetação nativa existente em 22 de julho de 2008, vedadas novas conversões para uso alternativo do solo".
Assim, a Lei 12.651/2012 cria um benefício para a pequena propriedade rural: a Reserva Legal, nesses casos, será constituída pela área de vegetação nativa existente em 22.07.2008, data da edição do Decreto 6.514/2008, que "dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações". Não haverá necessidade de regularizar a área de Reserva Legal¸ "uma vez que a própria Lei passa a considerar regular a situação dos referidos imóveis com área de até quatro módulos fiscais e com percentual de Reserva Legal inferior ao exigido para as demais propriedades rurais".18
Criou-se, portanto, dois regimes distintos para recuperação de vegetação nativa indevidamente suprimida: o regime das propriedades desmatadas até 22.7.2008 e o regime posterior a essa data. A razão é que as sanções administrativas aplicáveis para aqueles que suprimem vegetação em área de Reserva Legal foram definidas somente na data de edição do Decreto 6.514/2008.
O Supremo Tribunal Federal considerou constitucional o art. 67 da Lei 12.651/2012, já que se trata de opção legítima do legislador para criar regimes de transição entre marcos regulatórios, por imperativos de segurança jurídica e de política legislativa.19
2.3. Cômputo das Áreas de Preservação Permanente no cálculo do percentual da Reserva Legal do imóvel
A Lei 12.651/2012 inovou em relação ao Código Florestal anterior, e passou a permitir o cômputo das Áreas de Preservação Permanente (art. 4º) no cálculo do percentual da Reserva Legal do imóvel (art. 15).
A regra foi criticada pelos ambientalistas, visto que permite a redução da área total coberta por vegetação nativa. Por exemplo, nos casos em que o proprietário deva manter 20% de área total do seu imóvel como Reserva Legal, mas já possua 5% de área protegida referente a mata ciliar (imaginemos a hipótese em que um rio atravesse a propriedade), poderá manter apenas 15% como Reserva Legal, já que lhe é permitido subtrair dos percentuais fixados no art. 12 o percentual do terreno destinado às APPs.
Não obstante os questionamentos ao dispositivo, o Supremo Tribunal Federal considerou-o constitucional,20 posto se tratar, no entender da Corte, de opção legítima feita pelo legislador, no exercício da função que lhe assegura a Constituição Federal (art. 225, § 1º, inc. III).
Notas
1 Maria Sylvia Zanella Di Pietro define limitações administrativas como as “medidas de caráter geral, previstas em lei com fundamento no poder de polícia do Estado, gerando para os proprietários obrigações positivas ou negativas, como o fim de condicionar o exercício do direito de propriedade ao bem-estar social”. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 174). Vale recorrer, neste ponto, às lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem não há de se falar em restrições ou limitações ao direito de propriedade, mas em restrições ou limitações à propriedade. Segundo o jurista, “o direito de propriedade é a expressão juridicamente reconhecida à propriedade. É o perfil jurídico da propriedade. É a propriedade tal como configurada em dada ordenação normativa”. Esse sistema normativo pode prever tais e quais limitações aos poderes do proprietário, mas essas limitações fazem parte da própria definição do direito. Não podem, portanto, ser consideradas limitações ao direito, posto que nascem com ele. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Novos aspectos da função social da propriedade no direito público. Revista de Direito Público, v. 20, n. 84, 1987, p. 39).
2 Sobre o tema, José dos Santos Carvalho Filho explica “as normas genéricas, obviamente, não visam a uma determinada restrição nesta ou naquela propriedade, abrangem quantidade indeterminada de propriedades. Desse modo, podem contrariar interesses dos proprietários, mas nunca direitos subjetivos. Por outro lado, não há prejuízos individualizados, mas sacrifícios gerais a que se devem obrigar os membros da coletividade em favor desta” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo, p. 835).
3 De acordo com a Lei 12.651/2012, a região denominada "Amazônia Legal" compreende os Estados do Acre, Pará, Amazonas, Roraima, Rondônia, Amapá e Mato Grosso e as regiões situadas ao norte do paralelo 13º S, dos Estados de Tocantins e Goiás, e ao oeste do meridiano de 44º W, do Estado do Maranhão (art. 3º, inc. I).
4 Áreas com vegetação herbácea (rasteira) e relevo plano, utilizadas, principalmente, para atividade pecuária.
5 ADC 42, Tribunal Pleno, rel. Min. Luiz Fux. j. 28.02.2018, DJ 13.08.2019. De acordo com o aresto, “a aplicação da norma sob a regra ‘tempus regit actum’ para fins de definição do percentual de área de Reserva Legal encarta regra de transição com vistas à preservação da segurança jurídica (art. 5º, caput, da Constituição)”.
6 Sobre o tema, manifestou-se o Supremo Tribunal Federal da seguinte forma: “art. 12, §§ 4º e 5º (Possibilidade de redução da Reserva Legal para até 50% da área total do imóvel em face da existência, superior a determinada extensão do Município ou Estado, de unidades de conservação da natureza de domínio público e de terras indígenas homologadas): A redução excepcional e facultativa da área de Reserva Legal em face de existência de unidades de conservação da natureza de domínio público e terras indígenas homologadas acomoda o atendimento de diversos interesses igualmente salvaguardados pela Carta Magna, como a proteção do meio ambiente (art. 225), o reconhecimento dos direitos dos índios (art. 231), o desenvolvimento nacional (art. 3º, II), a redução das desigualdades regionais (art. 3º, III) e a preservação dos entes federativos menores (art. 18). O Judiciário não é órgão dotado de expertise ou legitimidade democrática para definir percentuais de espaços territoriais especialmente protegidos, à medida que o próprio art. 225, § 1º, III, da Constituição atribui essa definição ao Executivo e ao Legislativo. A redução da área de Reserva Legal ocorre em graduação deveras razoável: de 80% (oitenta por cento) para até 50% (cinquenta por cento). Quando o poder público estadual optar pela redução, deverá ouvir o Conselho Estadual de Meio Ambiente, órgão estadual responsável pela análise da viabilidade ecológica dessa iniciativa, e possuir Zoneamento Ecológico-Econômico aprovado. Relativamente aos Municípios, as normas impugnadas visam a possibilitar uma alternativa institucional de manutenção da viabilidade e autonomia da municipalidade que tenha sua área sensivelmente afetada por iniciativa dos Estados (mediante a criação de unidades de conservação estadual), ou da União (seja pela instituição de unidades federais de proteção ambiental, seja pela homologação de terras indígenas). Trata-se, a rigor, de uma cláusula legal que protege o ente municipal de indevida intervenção estadual para além das cláusulas taxativas do art. 35 do texto constitucional; Conclusão: Declaração de constitucionalidade do art. 12, §§ 4º e 5º, do novo Código Florestal” (ADC 42, Tribunal Pleno, rel. Min. Luiz Fux, j. 28.02.2018, DJ 13.08.2019).
7 Arnoldo Wald apresenta a servidão como “o direito real sobre imóvel em virtude do qual se impõe um ônus a determinado prédio em favor de outro”. (WALD, Arnoldo. Direito civil: direito das coisas, p. 239).
8 De acordo com Washington de Barros Monteiro, o direito de sequela é apanágio do direito real (MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, v.3, p. 14).
9 A Lei 6.938/1981 prevê que “a servidão ambiental poderá ser onerosa ou gratuita, temporária ou perpétua” (art. 9º-B, incluído pela Lei 12.651/2012).
10 O Decreto 9.640/2018 regulamenta a Cota de Reserva Ambiental, instituída pelo art. 44 da Lei 12.651/2012.
11 Nas palavras de Romeu Thomé, a utilização desses incentivos econômicos constitui “relevante complementação dos mecanismos tradicionais de comando e controle, inserindo no ordenamento jurídico incentivos incitativos. Para o autor, recompensar condutas ambientalmente adequadas pode, inclusive, ser mais eficaz que punir condutas ambientalmente danosas” (SILVA, Romeu Faria Thomé da. Manual de direito ambiental, p. 87).
12 Nas palavras de Romeu Thomé, o Código Florestal “busca atribuir valor à vegetação nativa preservada, remunerando aqueles que contribuem para a proteção dos recursos naturais” (SILVA, Romeu Faria Thomé da. Op. cit., p. 353).
13 O Sistema de Cadastro Ambiental (SICAR) é regulado pelo Decreto Federal 7.830/2012.
14 Nas palavras de Orlando Gomes, as obrigações “propter rem nascem de um direito real do devedor sobre determinada coisa, a que aderem, acompanhando-a em suas mutações subjetivas”. O adquirente do direito real não pode recusar a assumir a obrigação (GOMES, Orlando. Obrigações, pp. 26-27).
15 Para Paulo de Bessa Antunes, a reserva legal “é uma obrigação que recai diretamente sobre o proprietário ou possuidor do imóvel, independentemente de sua pessoa ou da forma pela qual tenha adquirido a propriedade; desta forma, ela está umbilicalmente ligada à própria coisa, permanecendo aderida ao bem” (ANTUNES, Paula de Bessa. Direito ambiental, p. 863). A APP também tem natureza de limitação administrativa, mas, diferentemente da Reserva Legal, aplica-se também aos imóveis situados em áreas urbanas (Lei 12.651/2012, art. 4º).
16 O zoneamento ecológico-econômico ou zoneamento ambiental é instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981, art. 9º, inc. II). Sua aplicação é regulada pelo Decreto Federal 4.297/2002, segundo o qual “o ZEE, instrumento de organização do território a ser obrigatoriamente seguido na implantação de planos, obras e atividades públicas e privadas, estabelece medidas e padrões de proteção ambiental destinados a assegurar a qualidade ambiental, dos recursos hídricos e do solo e a conservação da biodiversidade, garantindo o desenvolvimento sustentável e a melhoria das condições de vida da população” (art. 2º). A competência para elaborar o ZEE de âmbito nacional e regional é da União (LC 140/2011, art. 7º, inc. IX), e o ZEE de âmbito estadual deve ser elaborado pelos Estados (LC 140/2011, art. 8º, inc. IX).
17 ADC 42, Tribunal Pleno, rel. Min. Luiz Fux, j. 28.02.2018, DJ 13.08.2019. De acordo com o aresto, “a dispensa de reserva legal resulta de opção do legislador amparada pelos benefícios gerados quanto à satisfação dos objetivos constitucionais de prestação de serviços de energia elétrica e de aproveitamento energético dos cursos de água (art. 21, XII, b, da CRFB), de exploração dos potenciais de energia hidráulica (art. 176 da CRFB), de atendimento do direito ao transporte (art. 6º da CRFB) e de integração das regiões do país (art. 43, § 1º, I). Ademais, o novo Código Florestal não afastou a exigência de licenciamento ambiental, com estudo prévio de impacto, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente (art. 225, § 1º, IV, da Constituição); Conclusão: Declaração da constitucionalidade do artigo 12, §§ 6º, 7º e 8º, do novo Código Florestal”.
18 SILVA, Romeu Faria Thomé da. Manual de direito ambiental, p. 358.
19 ADC 42, Tribunal Pleno, rel. Min. Luiz Fux, j. 28.02.2018, DJ 13.08.2019. O trecho do acórdão referente ao tema está assim ementado: “arts. 61-A, 61-B, 61-C, 63 e 67 (Regime das áreas rurais consolidadas até 22.07.2008): O Poder Legislativo dispõe de legitimidade constitucional para a criação legal de regimes de transição entre marcos regulatórios, por imperativos de segurança jurídica (art. 5º, caput, da CRFB) e de política legislativa (artigos 21, XVII, e 48, VIII, da CRFB). Os artigos 61-A, 61-B, 61-C, 63 e 67 da Lei n. 12.651/2012 estabelecem critérios para a recomposição das Áreas de Preservação Permanente, de acordo com o tamanho do imóvel. O tamanho do imóvel é critério legítimo para definição da extensão da recomposição das Áreas de Preservação Permanente, mercê da legitimidade do legislador para estabelecer os elementos norteadores da política pública de proteção ambiental, especialmente à luz da necessidade de assegurar minimamente o conteúdo econômico da propriedade, em obediência aos artigos 5º, XXII, e 170, II, da Carta Magna, por meio da adaptação da área a ser recomposta conforme o tamanho do imóvel rural. Além disso, a própria lei prevê mecanismos para que os órgãos ambientais competentes realizem a adequação dos critérios de recomposição para a realidade de cada nicho ecológico; Conclusão: Declaração de constitucionalidade dos artigos 61-A, 61-B, 61-C, 63 e 67 do Código Florestal”.
20 ADC 42, Tribunal Pleno, rel. Min. Luiz Fux, j. 28.02.2018, DJ 13.08.2019. O trecho do acórdão referente ao tema está assim ementado: “art. 15 (Possibilidade de se computar as Áreas de Preservação Permanente para cômputo do percentual da Reserva Legal, em hipóteses legais específicas): As Áreas de Preservação Permanente são zonas específicas nas quais se exige a manutenção da vegetação, como restingas, manguezais e margens de cursos d’água. Por sua vez, a Reserva Legal é um percentual de vegetação nativa a ser mantido no imóvel, que pode chegar a 80% (oitenta por cento) deste, conforme localização definida pelo órgão estadual integrante do Sisnama à luz dos critérios previstos no art. 14 do novo Código Florestal, dentre eles a maior importância para a conservação da biodiversidade e a maior fragilidade ambiental. Em regra, consoante o caput do art. 12 do novo Código Florestal, a fixação da Reserva Legal é realizada sem prejuízo das áreas de preservação permanente. Entretanto, a incidência cumulativa de ambos os institutos em uma mesma propriedade pode aniquilar substancialmente a sua utilização produtiva. O cômputo das Áreas de Preservação Permanente no percentual de Reserva Legal resulta de legítimo exercício, pelo legislador, da função que lhe assegura o art. 225, § 1º, III, da Constituição, cabendo-lhe fixar os percentuais de proteção que atendem da melhor forma os valores constitucionais atingidos, inclusive o desenvolvimento nacional (art. 3º, II, da CRFB) e o direito de propriedade (art. 5º, XXII, da CRFB). Da mesma forma, impedir o cômputo das áreas de preservação permanente no cálculo da extensão da Reserva Legal equivale a tolher a prerrogativa da lei de fixar os percentuais de proteção que atendem da melhor forma os valores constitucionais atingidos; Conclusão: Declaração de constitucionalidade do artigo 15 do Código Florestal”.
Referências
ANTUNES, Paula de Bessa. Direito ambiental. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
GOMES, Orlando. Obrigações. 8. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1986.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Novos aspectos da função social da propriedade no direito público. Revista de Direito Público, v. 20, n. 84, out./dez. 1987.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das coisas. 37. ed. rev. e atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf. São Paulo: Saraiva, 2003. Volume 3.
SILVA, Romeu Faria Thomé da. Manual de direito ambiental. 9. ed. Salvador: JusPODIVM, 2019.
WALD, Arnoldo. Direito civil: direito das coisas. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. Volume 4.
Citação
LEVIN, Alexandre. Reserva legal como instrumento de política ambiental. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 2. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2021. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/525/edicao-2/reserva-legal-como-instrumento-de-politica-ambiental
Edições
Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 2,
Abril de 2022
Verbetes Relacionados
- Limitações administrativas à liberdade e à propriedade e sacrifícios de direitos Luis Manuel Fonseca Pires