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Conselho Nacional de Justiça
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Flávio Pansieri
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Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 1, Abril de 2017
O Conselho Nacional de Justiça é uma instituição cuja finalidade é aprimorar o Sistema Judiciário nacional. Criado efetivamente em 2004 e instalado em 2005, o enfoque de sua atuação tem se concentrado no controle e na transparência administrativa e processual, dando azo à missão do Conselho, qual seja, “contribuir para que a prestação jurisdicional seja realizada com moralidade, eficiência e efetividade em benefício da sociedade”.
Nesta medida, a estrutura metodológica empregada neste artigo permitirá a descrição analítica completa do Conselho Nacional de Justiça, ao abordar seu histórico, natureza jurídica, composição, competências, dentre outros elementos.
1. Histórico do Conselho Nacional de Justiça
O Conselho Nacional de Justiça principiou no ordenamento jurídico brasileiro a partir da Emenda Constitucional 7/1975, editada durante o recesso do Congresso Nacional, por iniciativa do então Presidente da República com fundamento no disposto no Ato Institucional 5/1968. Tal emenda inseriu no art. 112 da Constituição de 1967 o Conselho Nacional da Magistratura, disciplinado no art. 120 da mesma Carta. O tema em seguida foi objeto de regulamentação pela Lei Complementar 35/1979 (Lei Orgânica da Magistratura - LOMAN). Este órgão foi criado sob as vestes de um órgão correicional, com competência para conhecer das reclamações contra membros de Tribunais e avocar processos disciplinares determinando a disponibilidade ou a aposentadoria dos magistrados, com proventos proporcionais ao tempo de serviço. A jurisdição do Conselho abrangia todo o território, sendo composto por sete ministros do Supremo Tribunal Federal, escolhidos pelo próprio Tribunal, com mandatos de 2 anos, contando ainda com a participação do Procurador Geral da República.
A tese de que o Conselho poderia interferir na independência do Judiciário surgiu neste momento, não tendo, no entanto, prosperado, pois sendo composto apenas por ministros acabava por ser meramente uma corregedoria geral. Já no período da redemocratização, durante a Assembléia Nacional Constituinte, o tema retornou a pauta a partir do projeto da Comissão Afonso Arinos, apoiada pela Ordem dos Advogados do Brasil, que propunha a criação de um “Conselhão” de controle externo com atribuições de fiscalização da atividade administrativa e do desempenho dos deveres funcionais do Poder Judiciário. Todavia, naquele momento, a idéia de criar o Conselho Nacional de Justiça fracassou devido à pressão da magistratura nacional com as seguintes teses: quebra de independência do Judiciário; desrespeito à separação dos poderes dada sua composição híbrida e ainda a ausência de paralelo quanto à atuação do Executivo e do Legislativo.
Em 1992, o debate retoma sua caminhada no Congresso Nacional em conjunto com a Reforma do Judiciário. Após muitos substitutivos, arquivamentos e desarquivamentos, e também com forte pressão contrária da magistratura, doze anos depois, em 31 de dezembro de 2004 foi aprovada a Emenda Constitucional 45 e instalado o CNJ em 14 de junho de 2005. O Conselho Nacional de Justiça foi criado como órgão do Poder Judiciário brasileiro com função correicional e de planejamento, formado por 15 membros, sendo 9 oriundos da magistratura e 6 externos. Nesta medida o Conselho se converteu em um órgão de composição híbrida e democrática, que tem por objetivo precípuo a proposição de medidas para o aperfeiçoamento da Justiça brasileira, além de sua função correicional.
Quanto à tese da inconstitucionalidade do Conselho por quebrantar a independência judicial, o STF decidiu que a “composição híbrida do CNJ não compromete a independência interna ou externa do Judiciário, porquanto não julga causa alguma, nem dispõe de atribuição, de competência, cujo exercício interfira no desempenho da função típica do Judiciário, a jurisdicional”1 (ADI 3.367).
2. Natureza jurídica do Conselho Nacional de Justiça
O Conselho Nacional de Justiça é órgão de natureza constitucional-administrativa do Poder Judiciário brasileiro com autonomia relativa. É órgão interno de controle administrativo, financeiro e disciplinar da magistratura. Sua natureza administrativa decorre do rol de atribuições do art. 103-B, § 4º, da Constituição da República, no qual não se vislumbra qualquer legislativa ou jurisdicional, haja vista o quadro constitucional normativo ao qual está submetido e que não permite leitura diversa. Assim, é vedada a atuação do CNJ, por intermédio de medidas administrativas/normativas revestidas de abstração e generalidade, que pretendam regulamentar matérias inovando o ordenamento jurídico (ADI 3367).
Da mesma forma, ao Conselho é vedada a atuação como uma corte de cassação ou de revisão de decisões judiciais, pois suas atribuições não se confundem com a função jurisdicional, típica do Judiciário, e das condições materiais do exercício imparcial e independente dos magistrados (MS 28.537 e ADI 3367). Por esta razão o CNJ não tem competência para exercer o controle de constitucionalidade (este tema será tratado adiante, no item 5.2).
Merece destaque ainda o posicionamento imposto ao CNJ pelo Supremo Tribunal Federal, afirmando que a Competência do Conselho está restrita apenas aos órgãos e juízes situados, hierarquicamente, abaixo do Supremo Tribunal Federal. Nesta medida o STF se firmou como órgão máximo do Poder Judiciário, sendo que os atos e decisões do Conselho estão sujeitos a seu controle jurisdicional conforme previsão Constitucional. Assim o CNJ não tem nenhuma competência sobre o Supremo Tribunal Federal e seus ministros, sendo esse o órgão máximo do Poder Judiciário nacional (ADI 3.367 e MS 27.222 Agr/DF).
Aliado à sua natureza constitucional, está seu status político dada a sua composição plural, formada por juízes, membros do ministério público, advogados e cidadãos. Ainda quanto a sua natureza é necessário ressaltar seu âmbito de atuação nacional, conferindo ao Judiciário unidade nacional, apesar de suas subdivisões em justiças especializadas e desmembradas dentro das unidades federativas. Seu âmbito nacional impõe vedação aos Estados para instituir órgão de controle do Judiciário local com composição de membros externos ao Judiciário, posição consolidada perante o Supremo Tribunal Federal (Sumula 649) que veda aos Estados-membros competência legislativa para instituir órgão de controle externo do Judiciário.
3. Composição do Conselho Nacional de Justiça
O Conselho Nacional de Justiça é composto por 15 ministros, com mandatos de dois anos permitida uma recondução, salvo no caso do Presidente e Vice-presidente que são eleitos e tomam posse como decorrência das funções exercidas perante o Supremo Tribunal Federal. Neste ponto é relevante frisar que a experiência do Conselho nestes anos de existência revela a necessidade de se repensar a alternância de doze conselheiros ao mesmo tempo, pois tal fato traz a ausência de sua própria memória e ainda uma baixa previsibilidade de suas decisões.
Até o advento da Emenda 61/2010, os indicados ao Conselho deveriam ter mais de trinta e cinco e menos de sessenta e seis anos de idade. Todavia, tal exigência foi extirpada pela referida emenda, restando apenas à exigência de aprovação dos nomes dos membros do Conselho pela maioria absoluta do Senado Federal. A composição CNJ possui característica extremamente democrática, pois de um lado permite tanto uma pluralidade de atores na composição do Conselho como também torna plural as origens das indicações. Conformando esta participação democrática participam do Conselho nove magistrados, dois membros do parquet, dois advogados, dois cidadãos e ainda oficiam perante o CNJ o Procurador-Geral da República e o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Nesta composição, garantiu-se ainda a diversidade de instâncias, sendo três ministros (STF, STJ e TST), três juízes de segundo graus (indicados cada qual pelo STF, STJ e TST) e três juízes de primeiro grau (indicados cada qual pelo STF, STJ e TST). Na mesma linha seguem as duas indicações do Ministério Público, ambas realizadas pelo Procurador Geral da República, sendo um membro do Ministério Público da União e outro dos Estados. A advocacia como instituição indispensável à administração da Justiça e imprescindível para garantia do Estado Democrático e representação da sociedade civil indica dois nomes via votação direita do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Note-se que a participação do Procurador Geral da República, bem como do Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil na composição do Conselho, com direito a voz, mas sem direito a voto, possui natureza de política democrática. Não há, todavia, obrigatoriedade de suas presenças em todas as sessões, o que significa dizer que sua ausência não gerará quaisquer nulidades nos julgamentos (STF – Ag. Reg. em MS – 25.879-9/DF). Por fim, dois cidadãos de notório saber jurídico indicados respectivamente um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.
Como se nota, salvo a nomeação do Presidente e Vice-Presidente do Conselho que ocorrem por decorrência de suas funções exercidas perante do Supremo Tribunal Federal, todos os demais membros serão nomeados pelo Presidente da República após sabatina e aprovação destes pela maioria absoluta do Senado Federal. Ressalte-se o papel de destaque do Supremo Tribunal Federal, pois além da presidência e vice do Conselho cabe a este a escolha dos seus membros caso os poderes ou instituições responsáveis pelas indicações não as façam no prazo legal. Ainda com papel de destaque aparece o Ministro do Superior Tribunal de Justiça que assume na forma constitucional a Corregedoria Nacional de Justiça, e na estrutura do Conselho na função de Ministro-Corregedor ficará excluído da distribuição de processos no Tribunal, competindo-lhe, além das atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura, as seguintes: I - receber as reclamações e denúncias, de qualquer interessado, relativas aos magistrados e aos serviços Judiciários; II - exercer funções executivas do Conselho, de inspeção e de correição geral; III - requisitar e designar magistrados, delegando-lhes atribuições, e requisitar servidores de juízos ou tribunais, inclusive nos Estados, Distrito Federal e Territórios.
3.1. Prerrogativas e impedimentos dos Conselheiros
Aos conselheiros se aplicam as mesmas regras de prerrogativas, impedimentos, incompatibilidades e suspeições dos magistrados, por todo o período que durar o mandato. Assim são garantias constitucionais dos Conselheiros, desde a posse: inamovibilidade, neste caso conectada a ideia de preservação do juiz natural para os processos administrativos e irredutibilidade de subsídios.
Será vedado constitucionalmente aos Conselheiros:
a) exercício, ainda que em disponibilidade, de outro cargo ou função, salvo uma de magistério, neste aspecto é relevante afirmar que a regra tem sido flexibilizada para que alguns conselheiros permaneçam em suas funções perante a magistratura, mesmo que contrário à lógica do Conselho;
b) receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo;
c) dedicar-se à atividade político-partidária;
d) receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei;
e) exercer a advocacia perante o Conselho, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo, mas contrariando à lógica constitucional o Regimento Interno do CNJ flexibilizou regra, reduzindo o tempo para apenas dois anos.
O Regimento Interno do Conselho ainda regulou a matéria impondo aos conselheiros o impedimento de concorrer à vaga do quinto constitucional de que trata o art. 94 da Constituição Federal, ser promovido pelo critério de merecimento na carreira da magistratura ou ser indicado para integrar Tribunal Superior durante o período do mandato e até dois anos após o seu término. De outro modo regulou a matéria sobre a perda dos mandatos dos conselheiros nas seguintes hipóteses:
a) em virtude de condenação, pelo Senado Federal, em crime de responsabilidade;
b) em virtude de sentença judicial transitada em julgado;
c) em virtude de declaração, pelo Plenário, de perda do mandato por invalidez;
d) quando o conselheiro perder a condição funcional e institucional de magistrado em atividade, membro do Ministério Público, advogado ou cidadão de notável saber jurídico pela qual tiver sido originariamente indicado, devendo ser sucedido por novo representante a ser indicado pelo respectivo órgão legitimado, nos termos do art. 103-B da Constituição Federal.
4. Competências do Conselho Nacional de Justiça
O Conselho tem competências definidas constitucionalmente, sendo estas ligadas ao controle administrativo e financeiro do Poder Judiciário, bem como a garantia do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes. Frise-se que tais atribuições não são exaustivas, podendo o Estatuto da Magistratura, estabelecer novas atribuições. Desta afirmativa decorre duas consequências: a) somente a própria Constituição ou Estatuto da Magistratura podem criar novas atribuições ao Conselho; b) é vedado ao Conselho por seu poder meramente regulamentar inovar seu rol de atribuições.
Tais características poderiam sugerir que o Conselho assumiria uma função de cúpula do Poder Judiciário brasileiro. No entanto como já tratado anteriormente, o Supremo Tribunal Federal, decidindo a ADI 3367, firmou o entendimento contrário, estabelecendo que a competência do CNJ é relativa apenas aos órgãos e juízes situados, hierarquicamente, abaixo do Supremo Tribunal Federal. A preeminência deste, como órgão máximo do Poder Judiciário, sobre o Conselho, cujos atos e decisões estão sujeitos a seu controle jurisdicional, decisão fundada na inteligência dos arts. 102, caput, inc. I, letra “r”, e 103-B, § 4º, da CF. Assim, note-se que o Conselho Nacional de Justiça não tem nenhuma competência sobre o Supremo Tribunal Federal e seus ministros, sendo esse o órgão de cúpula do Poder Judiciário nacional, a que aquele está sujeito (ADI 3367).
Quanto à característica de um órgão de controle administrativo e financeiro, esta não se confunde com a possibilidade de interferência administrativa e financeira da gestão dos Tribunais, haja vista que em momento algum a Constituição confere esta competência ao Conselho, restando a este apenas a possibilidade de análise dos atos de gestão administrativa e financeira praticados pelos Tribunais, como um garantidor da aplicação do art. 37 da CR/88.
Deste modo, respeitados os limites de atuação incumbe ao Conselho:
a) Zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências – neste item é de se notar a missão política institucional do Conselho, que por mais tenha sido subjulgada pela decisão na ADI 3367, é de extrema relevância na medida em que visa defender o respeito as atribuições do Judiciário nacional – especificamente quanto ao seu pode regulamentar do Conselho se tratará a seguir de forma pormenorizada;
b) Zelar pela observância do art. 37 da CR/88 (MS 28.485/SE) e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União; - neste item parece clara a missão institucional do Conselho que possui a capacidade de rever atos administrativos. Porém, sobre este tema surge ponto nevrálgico que é o limite temporal para esta atuação? Aqui é preciso dividir o tema em duas partes: i – dos atos administrativos nos quais foi comprovada a má-fé; ii – dos atos administrativos nos quais não há comprovada a má-fé. Neste ponto parece clara que a regra constitucional e legal é a prescritibilidade do poder de revisão de atos no Estado brasileiro, ressalvada as ações de ressarcimento do erário quando o ato praticado for ilícito, conforme previsão Constitucional. Considerando, a moderna teoria constitucional, e os limites impostos pela Lei 9.784/1999, o prazo máximo para revisão dos atos administrativos por parte do Conselho será de 5 anos, e ainda, em última análise, considerando o disposto no Código Civil, mesmo que comprovada a má-fé o prazo não poderá ser superior a 10 anos e ressalte-se que quando eivados de má-fé esta necessariamente deverá ser comprovada, jamais presumida. Assim, considerando o princípio da segurança jurídica, da boa-fé e da razoabilidade, que se consubstanciam em garantias constitucionais a favor do indivíduo, não é possível rever atos praticados pela administração a mais de 5 anos, tal análise também deve ser aplicada no contexto das decisões do CNJ. Os postulados da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e da proteção da confiança, enquanto expressões do Estado Democrático de Direito, apresentam-se “impregnados de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas, mesmo as de direito público” (RTJ 191/922) com o objetivo de viabilizar a incidência desses mesmos princípios sobre comportamentos de quaisquer Poderes ou órgãos do Estado, para que se preservem, desse modo, situações administrativas já consolidadas no passado. A fluência de “longo período de tempo culmina por consolidar justas expectativas no espírito do administrado e, também, por incutir, nele, a confiança da plena regularidade dos atos estatais praticados, não se justificando ante a aparência de direito que legitimamente resulta de tais circunstâncias' a ruptura abrupta da situação de estabilidade em que se mantinham, até então, as relações de direito público entre o agente estatal, de um lado, e o Poder Público, de outro” (MS 28.150 MC). Por fim, considerando as exigências resultantes dos princípios de proteção da confiança e da segurança jurídica (direitos dos particulares diretamente interessados, direitos de terceiros) não se vê como é que a anulação de atos inválidos possa ser uma faculdade da administração.
c) Receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa (MS 28.003/DF). Neste ponto, note-se que a competência do Conselho é concorrente a dos Tribunais, porém algumas decisões do pleno do CNJ foram suspensas pelo STF, sob o fundamento de que o CNJ não pode exercer originariamente a ação correicional dos magistrados, devendo antes, exigir das corregedorias locais e/ou de seus órgãos administrativos uma decisão. Por esse raciocínio, decidiu-se que a competência do Conselho é subsidiária e não concorrente. Todavia, parece equivocada a decisão do Supremo que restringe a atuação disposta na Constituição, pois esta não condiciona a atuação do CNJ, limitando-a a uma modalidade revisional; as razões sistêmicas para esta lógica, justifica-se, pela simples leitura que inciso IV, § 4º do art. 103-B que prevê, também, e não somente, a possibilidade de revisão dos processos disciplinares, e ainda por exemplo, no momento em que a atividade correicional do Conselho é dirigida contra a cúpula dos tribunais, pois neste caso estaria em xeque a imparcialidade destes para fazer seu autojulgamento, o que remeteria o caso obrigatoriamente a análise do CNJ.
d) Representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade. Neste ponto é relevante frisar que tal atribuição não é facultativa, mas sim vinculante e obrigatória, incorrendo em crime de responsabilidade aquele que se omitir de representar;
e) Rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano. Este item é extremamente instigante, pois como já tratado acima permite a compreensão de que a atividade correicional, também, e não somente, pode ser realizada nos casos em que os tribunais já tenham decido sobre o tema, mas o ponto central é o prazo de um ano estabelecido pelo o constituinte derivado para a revisão destes processos. O referido prazo, salvo se declarado inconstitucional, constitui garantia fundamental contra a revisão de decisões judiciais que aproveitem aos magistrados. Neste diapasão, surge o debate sobre o poder do CNJ de rever atos praticados/consubstanciados pela administração do Judiciário, antes da sua criação. Diante de tal questionamento parte da doutrina tem justificado a possibilidade de revisão afirmando que como o Conselho decorre da própria Constituição, o que superaria a ideia do juiz natural, que deve existir e estar previamente definido antes da prática do ato a ser averiguado ou anulado. Contrariando a ideia dos que defendem a possibilidade de atuação temporal livre do Conselho, posiciona-se parcela da doutrina que entende que como o Conselho decorre de regra do constituinte derivado, portanto limitado as garantias estabelecidas em 1988. Assim, com fundamento na garantia fundamental do juiz natural, que visa conter o exercício da atividade estatal quanto à restrição de direitos, seja com a imposição de sanções disciplinares ou de quaisquer outras formas de limitação de exercício de direitos ou liberdades, não parece aceitável, no plano teórico, a atuação do Conselho em atos realizados antes da sua criação, haja vista o Estado Constitucional Democrático de Direito estabelecido, que por certo não pode se mover de acordo com os interesses da maioria, mas sim deve servir como regra contra-majoritária, e nesta medida deve conter a atuação daqueles que mesmo plasmados em objetivos republicanos defensáveis, pretendem suplantar as garantias constitucionais. Característica relevante é que das decisões do pleno do Conselho não cabem recursos administrativos, porém mesmo parecendo evidente que caberá embargos de declaração quando a decisão estiver eivada de obscuridade ou contradição, o plenário do Conselho não tem aceito. Porém a ausência de recursos das decisões do plenário do Conselho não instituiu um contencioso administrativo nos moldes do velho sistema Frances, cabendo ao Supremo Tribunal Federal conhecer das medidas judiciais propostas contra as decisões do Conselho. No entanto, não se pode imaginar que o Pretório Excelso seja instância recursal de todo o conteúdo das decisões daquele, cabendo ao Supremo, analisar se os atos proferidos pelo Conselho ultrapassaram ou não os limites constitucionais, legais ou de razoabilidade de suas atribuições (STF – MS 26.209/DF, MS 26.710/DF e MS 26.749/DF), ressalvadas as ações populares contra o plenário do CNJ (STF – Petição 3674-3/DF). Em razão da posição do Presidente do Conselho também como presidente do STF é relevante ressaltar que não há impedimento do Presidente do CNJ/STF de atuar no julgamento do caso no STF, mesmo que tenha feito a publicação da decisão, ou tenha participado da própria sessão que deu ensejo à prática do ato, ora impugnado (STF – MS 25.938), votando ou não. Todavia por prudente é práxis da Corte Suprema que o Presidente não despache nos processos que tem como objeto questionamentos sobre as decisões do CNJ, em especial em sede de mandado de segurança, pois este em aquela figura como autoridade coatora.
f) Elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário;
g) Elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa; Em ambos incisos a atribuição que se depreende é a de coordenação de uma política nacional do Judiciário, que passa tanto pela gestão dos processos em todo o país, mas também por uma política de gestão administrativa do Judiciário brasileiro. Todavia esta missão de desenvolver um projeto nacional, bem como, de sugerir medidas, não confere ao Conselho capacidade de interferir diretamente na gestão dos Tribunais, haja vista a independência administrativa e financeira firmada na Constituição.
4.1. Do poder regulamentar do Conselho Nacional de Justiça
Com destaque deve ser tratado o Poder Regulamentar do Conselho Nacional de Justiça, em especial em razão de posição adotada pelo Supremo Tribunal no julgamento da ADC 12-MC/DF, na qual, a corte por maioria de votos, decidiu que o Conselho detém competência regular primariamente sobre matérias de que trata o art. 103-B, § 4º, II, da CR/88, entendendo que a competência para zelar pelo art. 37 da Constituição, e de baixar atos para sanar condutas eventualmente contrárias a legalidade, é poder/dever que traz consigo a dimensão normativa em abstrato.
Assim, o Ministro Carlos Britto entendeu que as Resoluções do CNJ revestem-se dos atributos da generalidade (os dispositivos dela constantes veiculam normas proibitivas de ações administrativas de logo padronizadas), impessoalidade (ausência de indicação nominal ou patronímica de quem quer que seja) e abstratividade (trata-se de um modelo normativo com âmbito temporal de vigência em aberto, pois claramente vocacionado para renovar de forma contínua o liame que prende suas hipóteses de incidência aos respectivos mandamentos). As Resoluções do Conselho possuem caráter normativo primário, “dado que derivam diretamente do § 4º do art. 103-B da Constituição e tem como finalidade debulhar os próprios conteúdos lógicos dos princípios constitucionais de centrada regência de toda a atividade administrativa do Estado, especialmente o da impessoalidade, o da eficiência, o da igualdade e o da moralidade” (ADC 12-MC).
Todavia o argumento apresentado não se fixa na própria Constituição, pois é do próprio inciso I, do § 4º do art. 103-B da Constituição que limita a atuação do Conselho na medida em que autoriza a este a expedição de atos meramente regulamentares. Nesta linha Lenio Luiz Streck, Ingo Wolfgang Sarlet e Clèmerson Merlin Clève defendem a tese de que a matéria deve ser enfrentada independentemente de seu mérito das resoluções, partindo da necessária discussão acerca dos limites para a expedição de “atos regulamentares”. Para parte da doutrina que segue a mesma linha parece um equívoco admitir que os Conselhos possam, mediante a expedição de atos regulamentares (na especificidade, resoluções), substituir-se à vontade geral (Poder Legislativo).
Ao que parece, ainda que o texto constitucional derivado, tenha delegado ao Conselho poder para romper com o princípio da reserva de lei, o que não é possível se extrair do dispositivo da Carta da República, é certo que as resoluções não gozam da mesma hierarquia de uma Lei, pela simples razão de que a Lei emana do Poder Legislativo, essência da Democracia Representativa, enquanto os atos regulamentares ficam restritos às matérias com menor amplitude normativa, que não podem inovar o ordenamento jurídico.
A tese de que o poder regulamentar do CNJ é decorrência lógica da interpretação dos princípios da administração e que por isto não criam nenhuma regra, mas simplesmente explicitam o já disposto na Constituição, parece equivocada na medida em que a simples ausência de explicitação, em alguns casos, por si, constitui em garantia do indivíduo face ao poder sancionador/restritivo do Estado. Se a própria Constituição alerta para função de que o CNJ deve fazer aplicar as funções que a LOMAN, parece inimaginável que o constituinte derivado, “ao aprovar a Reforma do Judiciário, tenha transformado os Conselhos em órgãos com poder equiparado aos do legislador”. Firmada a premissa de que o poder regulamentar dos Conselhos está limitado na impossibilidade de inovar, e que as garantias, os deveres e as vedações dos membros órgãos e serviços do Poder Judiciário estão devidamente explicitados no texto constitucional e nas respectivas leis específicas, nota-se que regulamentar é diferente de restringir. Por fim, “está em causa, aqui, a defesa enfática e necessária dos elementos essenciais do nosso Estado Democrático de Direito, que, por certo, não há de ser um Estado governado por atos regulamentares, decretos e resoluções”.2
Certo é, no entanto, que o CNJ tem editado resoluções que tratam de matérias diretamente importantes para o Judiciário e seus membros e colaboradores. Apenas de modo exemplificativo, citem-se algumas Resoluções de cunho normativo: Res. 07, que veda a prática do nepotismo por violação ao texto constitucional, tema posteriormente objeto da Súmula Vinculante 13; Res. 54, que institui o Cadastro Nacional de Adoção; Res. 63, que institui o SNBA - Sistema Nacional de Bens Apreendidos; Res. 65, que dispõe sobre a uniformização do número dos processos nos órgãos do Poder Judiciário; Res. 75, que dispõe sobre os concursos públicos para ingresso na carreira da magistratura em todos os ramos do Poder Judiciário nacional; Res. 79, que dispõe sobre a transparência na divulgação das atividades do Judiciário no Brasil; Res. 80, que declarou a vacância dos serviços notariais e de registro ocupados em desacordo com as normas constitucionais; Res. 81 que dispõe ; Res. 110, que institucionaliza, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, o Fórum de Assuntos Fundiários, de caráter nacional e permanente; Res. 115, que dispõe sobre a Gestão de Precatórios no âmbito do Poder Judiciário; Res. 128, que determina a criação de Coordenadorias Estaduais das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar no âmbito dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal; Res. 134, que dispõe sobre o depósito judicial de armas de fogo e munições e a sua destinação; Res. 137, que regulamenta o banco de dados de mandados de prisão em nível nacional; Res. 166, que dispõe sobre o critério de tempo no cargo para efeito de aposentadoria de magistrado; Res. 175, que dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo; Res. 185, que institui o Sistema Processo Judicial Eletrônico em observância às diretrizes estabelecidas na Lei 11.419/2006; Res. 194, que institui a Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição; e Res. 198, que dispõe sobre o Planejamento e a Gestão Estratégica no âmbito do Poder Judiciário.
5. Da impossibilidade de atuação jurisdicional e de controle de constitucionalidade por parte do Conselho Nacional de Justiça
Em primeiro lugar, é preciso verificar o literal dispositivo constitucional, estampado no artigo 103-B, § 4º, da Constituição, que fixa, de forma inequívoca, a competência do Conselho Nacional de Justiça. Eis o dispositivo, na parte que interessa à presente explanação: “Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura”. Constata-se, portanto que não está entre as competências do CNJ a capacidade de invalidar decisões judiciais ou declarar a inconstitucionalidade de Lei Estadual ou Federal.
O Conselho Nacional de Justiça está limitado a atuar nos campos decisórios não pendentes de decisão judicial. O que entra em debate neste caso é o momento em que se deve observar a judicialização da matéria, ou seja, antes ou após o início do processo administrativo no Conselho. De pronto é necessário perceber que a judicialização da matéria não impede a atuação do CNJ, no entanto, a decisão judicial deverá prevalecer face a decisão do Conselho, de forma evidente no caso de decisões do Supremo Tribunal Federal, mas o mesmo deve ocorrer também das demais instâncias do Poder Judiciário. Todavia tem sido comum o Conselho Nacional de Justiça atuar além da esfera da competência constitucional, com o objetivo de “moralizar” o Judiciário, extrapolando seus limites de atuação, exigindo do Supremo Tribunal Federal decisões judiciais reiteradas que frisam o exorbitar da competência do CNJ, a anulação de decisão judicial, mesmo que cautelar, bem como, a declaração de inconstitucionalidade de Lei ou ato normativo.
A Min. Carmen Lúcia, em decisão recente, afirmou que mesmo de forma indireta não será possível a declaração de inconstitucionalidade por parte do Conselho. Assim, vícios decorrentes do ato administrativo em si pode ser objeto de análise pelo CNJ, mas quando o vício tiver origem no dispositivo legal que deu origem ao ato, não cabe ao Conselho promover ao controle de constitucionalidade do ato normativo para desconstituir o ato. “Tanto consistiria na substituição de competência que a Constituição confere, com exclusividade, ao Supremo Tribunal” (STF-AC 2390-MC/PB; MS 29.192-MC/DF).
Já no que toca a desconstituição de decisões judiciais é relevante o precedente do Min. Cezar Peluzo que decidiu que “é evidente a inconstitucionalidade de qualquer decisão do CNJ, ou de interpretação que se dê a decisões do CNJ, que tenda a controlar, modificar ou inibir a eficácia de decisão jurisdicional. As decisões do Conselho de modo algum podem interferir no exercício da função jurisdicional, pois suas atribuições são meramente administrativas, disciplinares e financeiras, sendo defeso em quaisquer, em nenhuma hipótese, apreciar, cassar ou restringir decisão judicial”. Nesta linha, o Min. Cezar Peluso ainda decidiu que é “manifesta inconstitucionalidade do disposto no art. 106 do Regimento Interno do CNJ, que preceitua: “As decisões judiciais que contrariarem as decisões do CNJ não produzirão efeitos em relação a estas, salvo se proferidas pelo Supremo Tribunal Federal” (STF-MS 28.537 - MC).
Assim, não se pode confundir a possibilidade que tem o CNJ de dispor dos meios próprios necessários a garantir a exequibilidade das suas decisões, tomadas na seara administrativa e financeira, cuja competência lhe é constitucionalmente cometida, quando o ato do CNJ for impugnado perante outro órgão que não o Supremo Tribunal Federal, porque aí está-se diante de “decisão visceralmente nula, uma vez editada por órgão absolutamente incompetente” (STF-MS 28.537- MC). Outra, porém, é expedir, no Regimento Interno, norma que traduza pretensão de atribuir competência jurisdicional e recursal ao CNJ, ou vedação de exame jurisdicional de alegação de lesão ou ameaça de lesão a direito, em afronta direta ao art. 5°, XXXV, da Constituição da República.
6. Do foro competente para processar e julgar as ações contra o Conselho Nacional de Justiça
Oportuno ressaltar que a interpretação prevalecente conferida pelo STF ao art. 102, I, letra r, tem sido de que não cabe a Corte julgar ações ordinárias contra atos do CNJ. Neste caso, a demanda deve ser processada e julgada na Justiça Federal (AO 1814 QO/MG). Por outro lado, depreende-se que, através de uma interpretação sistemática do texto constitucional, o Supremo detém a competência originária para processar e julgar o mandado de segurança, o mandado de injunção, o habeas corpus e o habeas data quando o CNJ for identificado como órgão coator (AO 1706 Agr/DF).
Notas
1 STF, ADI 3367.
2 STRECK, Lenio Luiz; SARLET, Ingo Wolfgang; CLÈVE, Clèmerson Merlin. Os limites constitucionais das resoluções do CNJ e do CNMP. Academia Brasileira de Direito Constitucional.
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Citação
PANSIERI, Flávio. Conselho Nacional de Justiça. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/52/edicao-1/conselho-nacional-de-justica
Edições
Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 1,
Abril de 2017
Última publicação, Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 2,
Abril de 2022
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