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Colisão de direitos humanos
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Fábio Zambitte Ibrahim
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Tomo Direitos Humanos, Edição 1, Março de 2022
A temática da colisão de direitos humanos é sempre atual. Cada pessoa humana, desde a tenra idade, se depara com conflitos entre vontades concorrentes, aprendendo, pelas mais variadas vias, os limites necessários aos desejos individuais. Muitos conflitos são de singela solução. No entanto, há interesses contrapostos que demandam algum grau de racionalidade na sua elucidação. Essa é a dificuldade do mundo contemporâneo.
A própria existência de uma pretensa “colisão” entre direitos humanos contrapostos pode representar um falso problema, pois sendo tais direitos prerrogativas inalienáveis de toda pessoa humana, como poderiam ser limitados ou, ainda, “colidentes”? Em muitas situações, o que se apresenta como potencial conflito de direitos é mera compreensão equivocada da extensão das prerrogativas de determinada pessoa sobre as demais.
Sem embargo, há discussões de maior relevo que podem apresentar questionamentos importantes, como o atualíssimo tema do “direito ao esquecimento”. Entendo que uma estratégia de reflexão necessária é a aproximação do debate da colisão dos direitos humanos com a dogmática jurídica que trata dos limites aos direitos fundamentais. No Brasil, como se sabe, é recorrente a segregação entre “direitos fundamentais” e “direitos humanos”, pois, enquanto os primeiros seriam disciplinados na Constituição de 1988, os últimos contariam com previsão em planos de positivação diversos.1
É intuitivo que o problema posto é de maior complexidade no âmbito dos direitos humanos, os quais não constam de rol exaustivo de previsões normativas relativas a determinado Estado, mas, por outro lado, a aproximação de ambos os institutos aos mesmos valores e objetivos, como liberdade e igualdade, permitem adotar parâmetros já postos no âmbito da ponderação de direitos fundamentais.
Essa aproximação é não somente relevante, mas necessária, pois muito se evoluiu na dogmática jurídica e na filosofia política quanto à consagração dos direitos humanos, mas o mesmo não se pode dizer quanto aos limites e conflitos na realidade contemporânea. À medida que as pessoas se tornam cientes de seus direitos humanos, incluindo na seara social, incrementam-se as demandas e ações em prol de objetivos pessoais.
O individualismo do mundo pós-moderno com a consciência das prerrogativas individuais constrange a sociedade quanto a mecanismos legítimos de limitação aos direitos humanos colidentes. A aproximação aos direitos fundamentais, nesse aspecto particular da colisão, pode representar um caminho seguro.
1. Conflitos entre direitos humanos e suas resoluções - a teoria externa
Não só no Brasil, mas na Europa, o tema dos direitos humanos e fundamentais encontra forte divergência já desde sua denominação, tendo, na Alemanha, alcançado seu significado atual por obra da Corte Constitucional deste país.2 Como bem afirma Alexy, com base em precedentes da Corte Constitucional alemã, direitos fundamentais e humanos, não obstante sua tradicional função protetora, também expõem uma ordem objetiva de valores, cujo centro é ocupado pela garantia do livre desenvolvimento da personalidade humana, além de sua dignidade na comunidade, aplicável a todos os ramos do direito.3
Em verdade, não seria absurdo afirmar que o debate sobre direitos humanos, no Brasil e no mundo, implica uma rediscussão sobre os rumos da dogmática jurídica, em uma tentativa de reabilitar a racionalidade prática e a consequente possibilidade de fundamentar, racionalmente, juízos de valor externados nos veículos normativos.4 Esse pensamento traz luzes ao debate proposto, que é a resolução – racional – de conflitos entre direitos.
Como primeiro norte de análise, deve-se ter em mente que direitos humanos são assim denominados também por buscar, na medida adequada, condições para o exercício da liberdade real. Não se mostram adequadas teses que qualificam tais direitos como forma de redução de desigualdades ou compensação frente a injustiças pretéritas. Confunde-se a causa com seus efeitos. O fundamento é mais simples – a busca da liberdade real. Este é o primeiro passo para a vida digna, o bem-estar. Nesse contexto, direitos humanos são, verdadeiramente, instrumento de liberdade.5
Alexy, ao ultrapassar a análise até então centrada no conceito de norma fundamental, passa a avaliar sua estrutura, onde ressurge com sua ávida defesa da teoria dos princípios, ao afirmar que a segregação destes, frente às regras, é a mais importante distinção para a teoria dos direitos fundamentais, pois sem ela, não seria possível uma teoria sobre restrições ou colisões de direitos fundamentais.6 Ou seja, a teoria dos princípios é usada como fundamento para a teoria da colisão entre direitos fundamentais.
Muito embora os direitos humanos sejam mais bem situados no âmbito geral dos valores, é admissível que, não obstante as distinções das dimensões ontológicas e deontológicas, a abstração inerente a valores e princípios, para a finalidade aqui desejada, permite a aproximação da dogmática jurídica da colisão de direitos fundamentais à resolução de conflitos entre direitos humanos.
Afinal, tendo como pressuposto a abstração dos princípios e valores colidentes, ainda que em contextos e graus diversos, há a natural admissão de eventual limitação, ou, alternativamente, do real alcance de cada direito humano aparentemente colidente. Em suma, admitida a ampla abstração dos valores e princípios, decorre a necessária construção de elementos para a resolução de conflitos.7
No tocante à diferenciação entre princípios e regras, Alexy afirma ser o ponto determinante o fato de que os princípios são normas que “ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”,8 sendo, por conseguinte, mandados de otimização. A sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das jurídicas.
As regras, por sua vez, são totalmente satisfeitas ou não satisfeitas. Valendo a regra, deve ser aplicada em sua totalidade, nem mais, nem menos. Nesse sentido, as regras contêm determinações no que for fática e juridicamente possível. A distinção entre regras e princípios, assim, não se refere a graus, mas se situa em um campo qualitativo. Alexy9 afirma, ainda, que a colisão entre princípios e regras é ressaltada quando observadas colisões entre princípios e colisões entre regras.
Em se tratando do conflito entre regras, defende o autor que este somente pode ser solucionado se uma das regras comportar exceção à outra ou se uma delas for declarada inválida. Não havendo exceções, a discussão sobre a validade de uma das regras é devida, podendo ser aplicado o critério de importância de cada regra, o critério temporal ou mesmo o de especialidade. O fundamental, independente da decisão tomada, é que esta é sobre validade.
O conflito entre princípios, por sua vez, se resolveria de forma distinta. Ao ocorrer, um deles tem de ceder, independentemente de declaração de invalidade ou de existência de cláusula de exceção. O que ocorre é que determinado princípio pode ter precedência em face de outro se configuradas algumas condições, não havendo vinculação dessa precedência se, em outro caso, as circunstâncias forem distintas. Assim, enquanto conflitos entre regras de situam na esfera da validade, o conflito entre princípios reside na esfera do peso – o que tiver maior peso deve ser eleito.
Ronald Dworkin também apresenta interessante digressão em que aborda as diferenças entre regras e princípios, consideradas a partir de julgados de tribunais estadunidenses. Citando-se aqui um dos exemplos, narra Dworkin que, no julgamento do caso Riggs vs. Palmer (1889), um tribunal de Nova York teve de decidir se um neto poderia receber a herança a que tinha direito constante no testamento de seu avô, mesmo sendo o neto o seu assassino. Neste ponto, observou a corte que “todas as leis e os contratos podem ser limitados na sua execução e seu feito por máximas gerais e fundamentais do direito costumeiro [...] [de forma que] a ninguém será permitido lucrar com sua própria fraude...”.10 Ao final, concluiu o tribunal pelo não recebimento da herança.
O autor disserta que este padrão utilizado pelos tribunais nas decisões analisadas foge à lógica das regras, sendo, assim, princípios. Na sua ótica, a diferença entre os dois institutos tem natureza lógica. De modo que foi um dos pensadores que influenciou Alexy, Dworkin11 afirma o caráter tudo-ou-nada das regras, devendo-se analisar a sua validade em caso de colisão, ao passo que as regras não possuem a dimensão de peso ou importância.
Assevera o autor que, eventualmente, regras e princípios podem assumir papeis muito semelhantes, de modo que a sua diferenciação ficaria restrita ao campo formal. Como exemplo, cita um caso julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos (doravante, SCOTUS) em relação ao Sherman Act, que estabelece que qualquer contrato que venha a estabelecer proibição de comércio seria nulo. A Corte teve de optar entre a sua aplicação enquanto regra e, consequentemente, absoluta; ou enquanto princípio, em que seria entendida a proibição como uma razão para que se anulasse o contrato, ante a falta de vigência de políticas contrárias.
Como resultado, a SCOTUS entendeu a disposição como regra, mas a interpretou como se constasse nela a expressão “não razoável”, como se somente a proibição não razoável de comércios fosse vedada. Em conclusão, Dworkin afirma que a solução, sob uma ótica lógica, seria uma regra, pois os tribunais estariam obrigados a invalidar os contratos sempre que a proibição constante nestes fossem não razoáveis; em uma perspectiva substantiva, porém, seria um princípio, pois deveriam recorrer a diversos princípios e políticas para concluir que determinado contrato seria não razoável.12
Justamente pela fluidez e subjetividade entre a segregação teórica entre regras e princípios, ambos no contexto normativo, é viável justificar a mesma racionalidade para o conflito de direitos humanos. Por outro lado, a mesma premissa, paradoxalmente, traz problemas a uma teoria de colisão de direitos humanos, pois haverá sempre a dificuldade de como valorar aspectos do caso concreto. De toda forma, é importante notar que a teoria da ponderação, quando enfrenta valores em conflito, não possui relação exclusiva com a teoria dos princípios. Duas regras de elevada abstração podem ser ponderadas de modo a buscar-se uma interpretação mais restritiva de uma delas, pondo fim ao conflito, independente de eventual previsão em algum sistema normativo interno.
Neste ponto, torna-se válido mencionar a obra de Humberto Ávila. Ao analisar os critérios de diferenciação entre princípios e regras, perpassa pelos critérios do caráter hipotético-condicional, do modo final de aplicação e do conflito normativo. Para fins de informação, abordam-se, sucintamente, as conclusões do autor a respeito da distinção a partir do modo final de aplicação.
Este critério, segundo o qual as regras seguem um padrão tudo-ou-nada e somente os princípios são passíveis de ponderação, recebe uma proposta de reformulação por parte do autor. Segundo aduz, o caráter absoluto da regra pode se esvair após a análise de todas as circunstâncias integradoras do caso concreto. Como exemplo, cita o julgamento, pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, de um caso de estupro de vulnerável.
Afirma que, a despeito de o art. 224 (atual 217-A, que tipifica o estupro de vulnerável) do Código Penal prever uma presunção incondicional de violência para o caso de a vítima ser menor de 14 anos, a 2ª Turma do STF, ao julgar um caso em que a vítima tinha 12 anos, levando em consideração o consentimento da vítima e sua aparência física e mental de pessoa mais velha, deixou de aplicar a norma. Nesse sentido, relata o autor que a aplicação da regra foi superada por circunstâncias não previstas nela. Em conclusão, disserta:
“A característica específica das regras (implementação de consequência predeterminada) só pode surgir após sua interpretação. Somente neste momento é que podem ser compreendidas se e quais as consequências que, no caso de sua aplicação a um caso concreto, serão supostamente implementadas. Vale dizer: a distinção entre princípios e regras não pode ser baseada no suposto método tudo ou nada de aplicação das regras, pois também elas precisam, para que seja implementadas suas consequências, de um processo prévio – e, por vezes, longo e complexo como o dos princípios – de interpretação que demonstre quais as consequências que serão implementadas. E, ainda assim, só a aplicação diante do caso concreto é que irá corroborar as hipóteses anteriormente havidas como automáticas”.13
Para a lei de colisão de Alexy, dentro de certo contexto concreto, haveria a normal prevalência de um princípio (ou, no caso, valor) sobre o outro, de modo a formar-se uma regra de prevalência, preservando a uniformidade em casos assemelhados.14 A perspectiva apresentada, em grande medida, tenta apresentar a teoria dos princípios mais como um elemento de argumentação – e solução de conflitos – do que propriamente uma estrutura normativa diversa,15 o que justifica a aproximação aqui sugerida entre os mecanismos de resolução de conflitos entre direitos fundamentais junto aos direitos humanos.
Em curto parênteses, cite-se que outro conceito abordado por Alexy que importa mencionar é o da proporcionalidade.16 O autor afirma que “a natureza dos princípios implica a máxima da proporcionalidade, e essa implica aquela”.17 Nesse sentido, as máximas parciais da proporcionalidade – adequação, necessidade (uso do meio menos gravoso) e proporcionalidade em sentido estrito (o sopesamento propriamente dito) – decorrem, de forma lógica, da natureza dos direitos fundamentais enquanto princípios. Enquanto a máxima da proporcionalidade em sentido estrito advém da caracterização da natureza dos princípios como mandados de otimização em se tratando das possibilidades jurídicas, a adequação e necessidade se dão em face das possibilidades fáticas.18
Ao tratar19 especificamente da colisão de direitos fundamentais, a dividiu entre colisões de direitos fundamentais em sentido estrito e colisões de direitos fundamentais em sentido amplo. No primeiro caso, seria uma colisão entre dois ou mais direitos fundamentais. No segundo, colisão entre direitos fundamentais e outras normas ou princípios. Inserta na modalidade estrita está a colisão de direitos fundamentais idênticos, dividindo-se esta em quatro tipos.
No primeiro, figura o mesmo direito fundamental, em ambos os lados, como direito de defesa liberal, quando, e.g., dois grupos políticos rivais objetivam estar no centro de uma mesma cidade e há a possibilidade iminente de choque; o segundo tipo se configura em um direito de defesa liberal e outro de proteção, citando-se como exemplo o embate entre o direito a vida de um assaltante versus o mesmo direito de um refém, em que se dispararia contra o detentor para que se salvasse a vida do refém.20
O terceiro tipo de colisão advém do fato de que os direitos fundamentais possuem duas dimensões: uma positiva e outra negativa. Alexy ilustra esta modalidade por meio da liberdade de crença, preceito que não orienta apenas que os cidadãos são livres para professarem a fé que desejarem, mas também não exercerem qualquer tipo de fé, se assim o desejarem. O quarto tipo pode ser ilustrado por meio do princípio da igualdade, principalmente em se tratando do Estado Social.
Esta variante se configure quando a um lado jurídico de um direito fundamental acrescenta-se um fático. Alexy exemplifica tal caso com a assistência judiciária – se ninguém recebe tal assistência, seja rico ou pobre, juridicamente está configurada a igualdade. Entretanto, no campo fático, os ricos terão privilégio no acesso a justiça, razão pela qual este quarto tipo se apresenta como uma das modalidades de colisão. Ainda nas colisões de direitos fundamentais em sentido estrito, Alexy discorre sobre as ocorridas entre direitos fundamentais diferentes.
A este respeito, cita o autor o emblemático caso Lüth, classificado por ele como “uma das sentenças mais significativas da jurisdição constitucional alemã”21. O caso em questão trata da liberdade de opinião. Erich Lüth foi condenado pelo Tribunal estatal de Hamburgo, em 1951, a deixar de convidar os donos dos teatros e distribuidores de filmes alemães, bem como o público alemão, a não prestigiarem o filme Unsterbliche Geliebte, dirigido por um diretor que teve grande atuação no regime Nazista, pois entendeu o Tribunal que este convite viria a contrariar os bons costumes.
Destaca-se, aqui, o tópico 1 da Sentença 7,198, que revogou a decisão do Tribunal estatal de Hamburgo: “Los derechos fundamentales son ante todo derechos de defesa del ciudadano en contra del Estado; sin embargo, en las disposiciones de derechos fundamentales de la Ley Fundamental se incorpora también un orden de valores objetivo, que como decisión constitucional fundamental es válida para todas las esferas del derecho”.22
Com efeito, Alexy assevera que este caso trouxe duas consequências para os direitos fundamentais: “primeiro, à irradiação dos direitos fundamentais sobre o sistema jurídico total e, segundo, à onipresença da ponderação”.23 A respeito das colisões de direitos fundamentais em sentido amplo, quais sejam, as colisões de direitos fundamentais com bens coletivos, o autor afirma que “o dever do Estado de proteger os direitos de seus cidadãos obriga-o a produzir uma medida tão ampla quanto possível deste bem. Isso, porém, não é possível sem intervir na liberdade daqueles que prejudicam ou ameaçam a segurança pública”. Para ilustrar tal pensamento, pode-se adotar as questões jurídicas trazidas pela Pandemia do Covid-19. Frequentemente, tomaram parte do debate os limites entre o direito à liberdade de locomoção e a imposição do lockdown.
Dentre todas as problemáticas surgidas em decorrência da Pandemia, esta provavelmente seria uma das mais simples de se sanar. Uma vez que a saúde pública é um bem coletivo mais urgente do que uma restrição temporária à liberdade de locomoção, o lockdown é medida perfeitamente passível de ser tomada pelo Poder Público. A este respeito, citam-se as palavras de Armando de Oliveira Assis: “O organismo social deve defendê-lo [o cidadão] assim como o organismo humano mobiliza seus recursos para fazer face à infecção que, embora localizada, o põe em perigo”.24
Em conclusão, Alexy destaca que o fenômeno da colisão de direitos fundamentais é multifacetado, mas todos podem ter termo com a mesma solução: se, de um lado ou de outro, restarem caracterizadas renúncias ou sacrifícios. A respeito de como deveria ser aplicada, aduz que a teoria dos princípios é capaz de estruturar a solução de colisões de direitos fundamentais. Isto porque, afasta-se a ideia de validade/não validade das regras, de modo que:
“Em uma constituição como a brasileira, que conhece numerosos direitos fundamentais sociais generosamente formulados, nasce sobre esta base uma forte pressão de declarar todas as normas que não se deixam cumprir completamente simplesmente como não-vinculativas, portanto, como meros princípios programáticos. A teoria dos princípios pode, pelo contrário, levar a sério a constituição sem exigir o impossível. Ela declara as normas que não se deixam cumprir de todo como princípios que, contra outros princípios, devem ser ponderados e, assim, são dependentes de uma 'reserva do possível no sentido daquilo que o particular pode exigir razoavelmente da sociedade'. Com isso, a teoria dos princípios oferece não só uma solução do problema da colisão, senão também uma do problema da vinculação”.25
A restrição a direitos humanos (assim como os fundamentais) traz algumas dificuldades, especialmente pelas premissas adotadas. Basicamente, há aqueles que admitem a possibilidade de restrição, dentro do que se convencionou chamar de teoria externa, enquanto a teoria interna seria aquela que não admite qualquer restrição possível, mas mera delimitação conceitual, sem ponderação de bens envolvidos. A teoria interna, ou dos limites imanentes, sob pretexto de excluir o subjetivismo, acaba por camuflá-lo. Daí a preferência na doutrina nacional pela teoria externa.26
A questão não é simples, pois as normativas internacionais de direitos humanos não expõem como resolver o problema das colisões,27 o que não é novidade, pois resoluções de conflitos são atribuições do aplicador do direito. Apesar das críticas da doutrina,28 não é papel do Direito estabelecer precedências a priori entre direitos, ainda que fundamentais. A ponderação, sem embargo das dificuldades de aplicação que produz, deve ser admitida, seja no contexto de direitos fundamentais ou humanos, visando a solução mais adequada ao caso concreto. A negativa da ponderação acaba por omitir o real sopesamento feito pelo julgador, pois não seria ele obrigado a expor seus motivos e raciocínios.29
A teoria da restrição imanente, como afirma Alexy, é duvidosa, pois a possibilidade de restrição irá depender, muito frequentemente, do interesse contraposto, de modo que algum sopesamento sempre se faz necessário.30 Por isso, como afirma, o modelo ideal de direitos fundamentais não é puro, mas misto, contendo tanto regras como princípios.31 Em verdade, a teoria das restrições imanentes possui forte afinidade com a teoria interna.32
É comum afirmar-se, quanto à possibilidade de restrições a direitos fundamentais, que haveria a autorização prevista implicitamente na Constituição,33 ou, no âmbito dos direitos humanos, em tratados internacionais. A teoria interna, em tal visão seria mais adequada às noções de rigidez constitucional e vinculação do legislador.34 No entanto, como já dito, a pretensa certeza das teorias internas nada mais fazem do que camuflar os reais motivos que justificaram a decisão, impedindo o controle de suas verdadeiras razões.35 Assim, nos parece que a teoria externa é mais adequada ao ideal iluminista de liberdade, pois a admite de forma mais ampla possível, carecendo as restrições sempre de fundamentos.36
Um standard importante para ponderação é, no caso de colisão de direitos humanos, desde que comprovada a predominância de direitos humanos contrapostos, verificar se há outras soluções menos restritivas aos interessados. A ideia da ação adequada para o fim proposto e a inexistência de outro meio eficaz menos oneroso deverá, sempre, permear mutações previdenciárias. Os aspectos abstratos da proporcionalidade em sentido estrito também tomam lugar em reformas legislativas, mas, em geral, surgem com reduzido consenso, até pela abstração que lhe inerente e pelos aspectos corporativos envolvidos nas reformas.
Na análise subjetiva dos preceitos envolvidos na ponderação, a atuação judicial acaba cumprindo papel de menor relevo, demandando maior reflexão e, em caso de dissenso elevado, maior deferência ao fixado pelas normas internacionais.37 Na sequência, há desenvolvimento dos limites do Judiciário na seara protetiva e a fixação de mais alguns parâmetros de ponderação. Deve-se ter em mente que, uma vez admitidos os direitos humanos, surge uma contradição estrutural com a manutenção pretensamente absoluta da propriedade privada e das liberdades contratuais, haja vista a necessidade de financiamento das ações estatais. Em verdade, a própria ideia de propriedade como prerrogativa absoluta é incompatível com a sociedade de risco e o Estado contemporâneo, seja pela necessidade de financiamento, seja pela carência de uma estrutura estatal que assegure a sua eficácia erga omnes.
2. Papel das cortes na resolução dos conflitos
A dogmática dos direitos humanos e fundamentais, seja na Alemanha do Pós-Guerra, ou mesmo no Brasil antes da retomada democrática, era definida como instrumento de defesa frente aos excessos estatais,38 o que muito facilitava a ação do Judiciário. Ou seja, novamente sem desconhecer a distinção entre direitos humanos e fundamentais, é natural que eventuais conflitos sejam, inexoravelmente, deliberados nas Cortes, nacionais ou internacionais.
As normas protetivas são submetidas a limites fáticos, não havendo simples subsunção, mas deve o aplicador observar o princípio da ótima concretização da norma,39 sempre na busca do equilíbrio.40 O fato é que quanto mais abstrata, quanto maior a abertura do texto, maior será a permeabilidade da interpretação a valores, maiores serão as possibilidades de significação e, consequentemente, maior será o espaço de criatividade conferido ao Judiciário.41
A aplicação do direito não pode se resumir à mera subsunção de normas, haja vista que a sistemática lógico-axiomática é inadequada à abertura e mobilidade do sistema jurídico. Em diversas oportunidades, o intérprete irá se deparar com conflitos de valores ao visar a obtenção da justiça. A subsunção pode não atender todas as questões abarcadas, de modo que a ponderação é o instrumento capaz de trazer luz ao debate. Apesar de ser principalmente utilizada em se tratando de confronto de princípios, conforme já abarcado anteriormente, isto não é regra.42
Importante notar que as mesmas premissas aqui desenvolvidas, quanto à ponderação de direitos, têm sido adotadas em pesquisas estrangeiras sobre a resolução de conflitos entre direitos humanos43. Mesmo no âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a temática da ponderação é apresentada como caminho para a resolução dos conflitos, como se nota do item 18 da OPINIÓN CONSULTIVA OC-6/86 DEL 9 DE MAYO DE 1986:
“18. Al leer el artículo 30 en concordancia con otros en que la Convención autoriza la imposición de limitaciones o restricciones a determinados derechos y libertades, se observa que exige para establecerlas el cumplimiento concurrente de las siguientes condiciones:
a. Que se trate de una restricción expresamente autorizada por la Convención y en las condiciones particulares en que la misma ha sido permitida;
b. Que los fines para los cuales se establece la restricción sean legítimos, es decir, que obedezcan a 'razones de interés general' y no se aparten del 'propósito para el cual han sido establecidas'. Este criterio teleológico, cuyo análisis no ha sido requerido en la presente consulta, establece un control por desviación de poder; y
c. Que tales restricciones estén dispuestas por las leyes y se apliquen de conformidad con ellas”.
A previsão, em larga medida, desenvolve premissas de difícil aplicação, como a adoção de restrições “expressamente autorizadas” e, ao mesmo tempo, de elevada subjetividade, como a ação de “razões gerais” ou “interesses legítimos”. Parece uma tentativa de adoção da inadequada teoria interna, que, na realidade, acaba por justificar a compreensão particular do “legítimo” e “razoável” de cada intérprete. Tanto Cortes nacionais como internacionais devem expor suas razões e, dialogicamente, buscar consensos razoáveis.
O Supremo Tribunal Federal, enquanto Corte Suprema, não está alheio à necessidade de eventuais ponderações em suas decisões. Um caso recente e emblemático que chegou à análise da Corte foi o da estudante Aída Curi. Brutalmente assassinada em 1958, seu caso voltou a figurar na televisão com a exibição do programa “Linha Direta” em 2004, em que foram reconstruídos os acontecimentos e exibidas algumas fotos e informações de Aída. Objetivando o reconhecimento do direito ao esquecimento e reparação a título de danos morais e materiais, a família da estudante acionou a Justiça.
Ao final do Julgamento, o RE 1.010.606/RJ, que tramitou sob o Tema nº 786/STF, o Pleno fixou a seguinte Tese:
“É incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social - analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível”.44
Notadamente, estava em debate a discussão no tocante à colisão entre o direito ao esquecimento e o direito à liberdade de informação. A este respeito, cita-se parte do voto proferido pelo Ministro Ricardo Lewandowski, que asseverou que
“O direito ao esquecimento jamais constituiu um instituto jurídico autônomo, independente, [de modo que] só pode ser apurado caso a caso, numa ponderação de valores, de maneira a sopesar-se qual desses dois direitos fundamentais deve ter prevalência [...]”.45
O tema não é desimportante, pois, como lembra Hesse, ao tratar de Tribunais Constitucionais, apesar da atribuição de interpretar e aplicar a Constituição, devem sua existência a esta, e daí sua afirmativa de que o papel da interpretação é alcançar um resultado normativamente correto, através de um procedimento racional e controlável, com este resultado fundamentado também de modo racional e controlável, trazendo certeza e previsibilidade jurídicas, afastando o decisionismo judicial.46 O mesmo deve ser aplicado a Tribunais internacionais de direitos humanos.
3. Conclusão: direitos humanos para todos
Os obstáculos não são poucos, mas é igualmente relevante a ação jurisdicional como preservadora do regime democrático e mesmo do mínimo existencial, pois a liberdade, inclusive para a manifestação democrática, impõe a garantia de valores básicos para a vida digna. A resolução de conflitos entre direitos humanos deve afastar-se de concepções políticas e econômicas particulares, buscando a neutralidade, fundamentando suas decisões em razões públicas, aceitas pela sociedade em geral, acessíveis ao homem médio,47 muito frequentemente objeto de um consenso sobreposto entre doutrinas abrangentes e razoáveis.48
Normas relativas a direitos humanos não visam a criar um pacto suicida, e, preservando o modelo protetivo em seu núcleo essencial, limitações bem fundamentadas e razoáveis, devem ser admitidas. No passado, direitos humanos sofreram da mesma visão ingênua dos direitos fundamentais, os quais seriam encastelados pelo popular princípio da “vedação do retrocesso”.
A aludida norma ganhou fama na obra de J.J. Canotilho, mas, dentro de sua formulação final, não mais representa a ideia absoluta de nem um passo atrás, muito pelo contrário, mas sim a preservação do núcleo essencial da proteção existente.49 Os fundamentos e exemplo citados são igualmente aplicáveis a esta questão. Apesar de apresentar ideia signatária da teoria interna, é relevante reconhecer que a dogmática, com cada vez maior consenso, admite a restrição a direitos fundamentais e humanos.
Ao legislador local, inevitavelmente, caberá a fixação das escolhas trágicas.50 Não é incomum confundir-se a legitimidade de direitos com a sindicabilidade em juízo. Eventualmente, há países que asseguram a pretensão legitima da sociedade em buscar, por exemplo, direitos sociais, mas não reconhecem a possibilidade de demanda judicial dos mesmos. São questões diferentes.51
Naturalmente, alguma restrição a direitos humanos deve possuir elevado ônus argumentativo; a decisão deve ser fundamentada de modo claro e convincente, cabendo às Cortes internacionais, no caso, uma prerrogativa de controle muito superior. Da mesma forma, mesmo em situações de mera expectativa de direito, as eventuais mudanças, ainda que em grau menor, exigem forte motivação, pois restrições fracamente justificadas acabam por comprometer a reputação do sistema normativo.52
Em suma, a colisão de direitos humanos não pode ser superada pelo princípio pro homine. Havendo conflito entre pessoas humanas, igualmente legitimadas aos mesmos direitos, não se aplicam critérios apriorísticos de prioridade. Somente a racionalidade prática, mediante exposição dos interesses contrapostos, poderá apresentar solução minimamente segura, sempre mediante possível controle ulterior das Cortes internacionais de direitos humanos.
Notas
1 Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, p. 31. No entanto, reconhece o autor que no plano direito constitucional internacional, há uma aproximação dos direitos fundamentais aos direitos humanos (p. 32).
2 Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 27. Como observa Alexy, a Corte inicia debate sobre o catálogo de direitos fundamentais como fundados em uma ordem objetiva de valores (p. 28). Sobre o tema, ver, também, SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional.
3 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, p. 154.
4 Como expõe ALEXY, “(...) a dogmática jurídica é, em grande medida, uma tentativa de se dar resposta racionalmente fundamentada a questões axiológicas que foram deixadas em aberto pelo material normativo previamente determinado. (Idem, p. 36). Em seguida, rememora ser impossível fundamentação racional sem clareza dos conceitos utilizados pelo julgador ou legislador, e daí, também, a importância da dimensão analítica da dogmática jurídica. Sem embargo, não se deve reduzir a ciência do direito a uma dimensão analítica, pois a ciência do direito somente pode cumprir sua tarefa prática sendo uma disciplina multidimensional” (pp. 45 a 48). Ou seja, apesar da crítica veemente aos métodos puramente lógicos na ciência do direito, é reconhecido que a racionalidade tem importante fundamento na clareza dos conceitos e no aspecto analítico da dogmática – a teoria integrativa não abre mão da lógica, mas não se limita a ela (pp. 48 a 49).
5 Cf. GOULD, Carol C. Rethinking democracy: freedom and social cooperation in politics, economy and society, p. 200.
6 Idem p. 85. Como expõe, “a distinção entre regras e princípios é uma das colunas-mestras do edifício da teoria dos direitos fundamentais”.
7 Cf. PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais: uma contribuição ao estudo das restrições aos direitos fundamentais na perspectiva da teoria dos princípios, p. 89.
8 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 90.
9 Idem, p. 91.
10 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério, p. 37.
11 Idem, p. 39.
12 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério, pp. 44-46.
13 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 70.
14 Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 99. A lei de colisão, embora seja útil ao prever alguma segurança na aplicação dos princípios, abre, de certa forma, alguma ponte para a crítica mais tradicional, ao afirmar que, no final, os princípios nada mais seriam que regras mais abstratas, carentes de densificação. O tema é tratado no seu multicitado pósfacio de 2002.
15 Sobre o tema, ver SANCHÍS, Luis Preito. Sobre princípios y normas: problemas del razonamento jurídico, p. 140.
16 Conforme ressaltado pelo autor, a proporcionalidade não é um princípio, tendo em vista que a adequação, necessidade e proporcionalidade não são sopesadas contra algo; pelo contrário, estas máximas parciais são utilizadas como critérios para a configuração de uma legalidade ou ilegalidade, de modo que devem ser vistas como regras. Vide: ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, 2017, p. 117, nota de rodapé 84.
17 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 116.
18 Idem, pp. 116-120.
19 ALEXY, Robert. Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no Estado de Direito Democrático.
20 Alexy destaca que há uma “obrigação [pelo Estado] de proteção ... diante da totalidade dos cidadãos”, de forma que seria possível salvar a vida do refém cumprindo as exigências de seu detentor, preservando ambos os direitos à vida. Sem embargo, o exemplo, conforme ressalta, denota a complexidade da colisão.
21 ALEXY, Robert. Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no Estado de Direito Democrático, p. 4.
22 SCHWABE, Jürgen. Cincuenta años de jurisprudencia del Tribunal Constitucional Federal Alemán, p. 132.
23 ALEXY, Robert. Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no Estado de Direito Democrático, p. 4.
24 ASSIS, Armando de Oliveira. Em busca de uma concepção moderna de risco social, p. 158.
25 ALEXY, Robert. Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no Estado de Direito Democrático, pp. 12-13.
26 Sobre o tema, ver PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais: uma contribuição ao estudo das restrições aos direitos fundamentais na perspectiva da teoria dos princípios, pp. 140 a 150. Como afirma, a principal critica a teoria interna é de que o caráter aparentemente neutro e técnico da operação de delimitação do conteúdo importa em escamotear as considerações de ordem moral subjacentes, inviabilizando o controle das verdadeiras razões da decisão (p. 161).
27 Cf. NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela constituição, p. 639. Como lembra o autor, a ponderação pode ser a saída, não obstante suas falhas. Lembra que, na Alemanha, a ponderação é mais voltada para o caso concreto, dentro da ideia de proporcionalidade, enquanto nos EEUU, a ponderação é usualmente feita em abstrato, por meio de standards (p. 643).
28 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, p. 69.
29 Cf. NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela constituição, p. 651. Como bem lembra, a falibilidade existe mesmo nos métodos clássicos de interpretação (p. 698).
30 Cf. ALEXY, Robert. Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no Estado de Direito Democrático, p. 130.
31 Idem, p. 135.
32 Cf. PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais: uma contribuição ao estudo das restrições aos direitos fundamentais na perspectiva da teoria dos princípios, p. 167.
33 Neste sentido, ver HÄBERLE, Peter. La garantía del contenido esencial de los derechos fundamentales en la ley fundamental de Bonn, p. 57.
34 Sobre o tema, ver SANCHÍS, Luis Pietro. La limitación de los derechos fundamentales y la norma de clausura del sistema de liberdades. derechos y libertades, p. 432.
35 Cf. PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais, p. 161. A noção de que é viável discernir com clareza o conteúdo dos direitos fundamentais – distinguindo-se, assim, os casos de delimitação dos de restrição – assenta-se na crença de que é sempre possível determinar de forma objetiva e precisa os contornos dos direitos fundamentais. Isso acaba implicando uma interpretação “monotônica” que, em última análise, confere uma discricionariedade substancialmente maior ao Judiciário (p. 180).
36 Idem, p. 165.
37 O tema da ponderação e da restrição a direitos fundamentais foi aqui desenvolvido dentro do estritamente necessário para nortear reformas previdenciárias e controles judiciais de tais mudanças. Para maiores aprofundamentos, ver ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais; e PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais: uma contribuição ao estudo das restrições aos direitos fundamentais na perspectiva da teoria dos princípios.
38 Cf. MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. Constituição, direitos fundamentais e direito privado, p. 108.
39 Cf. HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição, p. 22.
40 A possibilidade controle jurídico das políticas públicas é bastante evidente, sob pena de esvaziar boa parte da normatividade dos comandos constitucionais relacionados com os direitos fundamentais (BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático, 2006, p. 24). Também nota BARROSO, Luís Roberto que o Judiciário não pode ser menos do que deve ser, deixando de tutelar direitos fundamentais que podem ser promovidos com sua atuação. De outra parte, não deve querer ser mais do que pode ser; presumindo demais de si mesmo e, a pretexto de promover os direitos fundamentais de uns, causar grave lesão a diretos da mesma natureza de outros tantos (Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial, p. 33).
41 Cf. PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais: uma contribuição ao estudo das restrições aos direitos fundamentais na perspectiva da teoria dos princípios, pp. 40-41. Em suas palavras, “A interpretação dos direitos fundamentais é um dos campos mais férteis para a criação judicial, dada a abertura, a indeterminação e a forte carga valorativa dos preceitos que os consagram”.
42 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. p. 145.
43 Nesse sentido, ver o extenso trabalho de Laura Clérico. Derechos y proporcionalidad: violaciones por accíon, por insuficiencia y por regresión.
44 ROSSI, Aline de Toledo. Direito ao esquecimento e a decisão do STF no RE 1.010.606/RJ. Migalhas.
45 MIGALHAS. Lewandowski não reconhece direito ao esquecimento.
46 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição.
47 Cf. RAWLS, John. O liberalismo político, p. 274.
48 Sobre o tema, com amplo desenvolvimento das razões públicas na busca de consenso sobreposto e apreciação de restrição de direitos sociais, ver BRANDÃO, Rodrigo. São os direitos sociais cláusulas pétreas? em que medida, p. 457.
49 Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 327.
50 A expressão é de CALABRESI, Guido e BOBBIT, Philip. Tragic choices.
51 Cf. SARMENTO, Daniel. A proteção judicial dos direitos sociais: alguns parâmetros éticos-jurídicos, p. 559.
52 Sobre a proteção da confiança como instrumento de preservação da reputação estatal e sua relevância, ver ARAÚJO, Walter Shuenquener De. O princípio da proteção da confiança, p. 16.
Referências
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__________________. Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2017.
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Citação
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Colisão de direitos humanos . Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direitos Humanos. Wagner Balera, Carolina Alves de Souza Lima (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/518/edicao-1/colisao-de-direitos-humanos-
Edições
Tomo Direitos Humanos, Edição 1,
Março de 2022
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