• Conflitos armados específicos, casos e decisões específicas

  • Carlos Roberto Husek

  • Tomo Direito Internacional, Edição 1, Fevereiro de 2022

O1 propósito do Direito Internacional Humanitário (ou Direito Internacional dos Conflitos Armados) é estabelecer a gama de regras e princípios para a efetivação da proteção dos indivíduos em contexto dos conflitos armados. Por este motivo, este segmento não se confunde com o Direito Internacional dos Direitos Humanos e deve ser compreendido como uma outra seara do Direito Internacional Público. 

Qual a razão de se buscar proteção para indivíduos que sofrem as consequências diretas ou indiretas de conflitos armados? Os tratados de Direitos Humanos (como a Declaração Universal de Direitos Humanos) não seriam suficientes para que os Estados tenham parâmetros e diretrizes para a promulgação destes direitos fundamentais? Não estariam os Estados já vinculados a muitos instrumentos internacionais que conferem o mesmo grau de efetividade nesta questão?

Por mais simples que possam parecer, estas questões encontram respostas somente após uma análise aprofundada da questão, em perspectiva com a realidade do Direito Internacional. A complexidade a partir da qual uma lei internacional é forjada demonstra como é imprescindível que os sujeitos encontrem o ponto em comum através da negociação pacífica, sempre focando no desenvolvimento da proteção do indivíduo em termos legais. 

A guerra – condição quase que inerente à vida da sociedade internacional – formou novos e destruiu velhos Estados, dizimou populações, acabou com concertos, amedrontou a esperança de harmonia nas relações internacionais. Contudo, a guerra também foi o norte da construção do Direito Internacional como conhecemos hoje: a Paz de Vestefália como resposta à Guerra dos Trinta Anos (1648), o Concerto de Viena como resposta às Guerras Napoleônicas (1815), a Paz de Versalhes como resposta à 1ª Guerra Mundial (1917) e a Carta de São Francisco como resposta à 2ª Guerra Mundial (1945). Todos estes instrumentos foram elaborados enquanto o luto causado pela destruição ainda prevalecia: em termos econômicos, crises sem precedentes; em termos sociais, a tentativa de resgate do respeito entre os povos, tão esquecido em tempos de guerra; em termos políticos, a reconstrução de alianças e arranjos. Em termos humanitários, como não poderia ser diferente, a percepção de que ainda há muito para progredir. 

O Direito Internacional Humanitário nasce a partir do costume internacional no tratamento de soldados e prisioneiros de guerra, e começa a ser codificado em meados do século XIX. Volta a ser enfoque durante as Conferências de Paz em Haia, na primeira década do século XX e, finalmente, recebe sua formalização e consolidação com as Convenções de Genebra de 1949, onde os principais institutos relacionados ao tratamento dado pelos Estados aos conflitos armados são efetivamente regulamentados.

Com o passar dos anos e o surgimento de novos atores na vida internacional, o Direito Internacional Humanitário (não diferente de todos os outros segmentos do Direito) se encontra em fase de adaptação. E é justamente neste sentido que a ausência de clareza na definição de alguns preceitos – antes criticada pelos não esperançosos do segmento – agrega valor à construção de novas perspectivas, na medida em que o arcabouço existente de legislação/costume internacional possa ser aplicado aos casos atuais. Conflitos armados, sejam internacionais ou não internacionais, geram preocupação da sociedade internacional em todas as frentes. Porém, a preocupação com os indivíduos recebe especial tratamento em razão da força que tem o Direito Internacional Humanitário. 

O presente artigo não busca exaurir o conteúdo sobre conflitos armados, tarefa meramente impossível, mas pretende explorar os termos e conceitos deste fenômeno, diferenciando suas modalidades e apresentando suas características de enquadramento. Em seguida, pretende abordar o Direito Internacional Humanitário como segmento do Direito Internacional Público, indicando suas fontes e princípios. Por fim, visa elencar três casos específicos que envolvem diretamente a aplicação dos preceitos do DIH por tribunais internacionais e/ou cortes de arbitragem internacional, expondo o desenvolvimento da matéria das decisões inerentes. 

1. O que são conflitos armados?


As tentativas de regulamentar a conduta dos Estados beligerantes pela história sempre foram acompanhadas de desacordos, sejam referentes à definição dos conceitos, sejam referentes à quais situações deveriam ser reguladas pelo Direito. Embora importantes definições (como “guerra”, “conflito armado” ou “ocupação”) tenham sido buscadas para clarear a situação, não demorou para que os beligerantes começassem a extrapolar suas obrigações no campo de batalha alegando que a parte contrária não respeitou os critérios e limites legais estabelecidos.2

Como será explorado posteriormente, a essência do Direito que regulamenta o conflito armado está na IV Convenção de Haia de 1907, nas quatro Convenções de Genebra de 1949 e dos dois Protocolos Adicionais de 1977. Em que pese estes diplomas internacionais se comuniquem e sejam aplicados em conjunto, não há uma definição clara do conceito de “conflito armado”, tão primordial para o entendimento do tema.Por esta razão, a determinação deste instituto deriva do entendimento análogo de instrumentos, doutrinas, jurisprudência e situações fáticas.


1.1. Conceito e definição


Segundo o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (ICRC), um conflito armado existe quando “um ou mais Estados recorrem à força armada contra outro Estado, independentemente das razões ou intensidade do confronto”, e sem a necessidade de uma declaração formal de guerra ou reconhecimento do status.4 Por esta razão, a aplicabilidade do Direito Internacional Humanitário (ou Direito Internacional dos Conflitos Armados) deve ser interpretada caso a caso, pois detalhes específicos das condições fáticas determinam a classificação do conflito armado para fins das convenções internacionais que regulamentam o assunto.

Vale lembrar que o Direito Internacional Humanitário, como será visto, é especificamente designado para regulamentar conflitos armados, abordando métodos e provisões detalhadas da guerra, tratando da proteção de pessoas e objetos que caíram em poder de uma parte beligerante. Isto significa dizer que o DIH não se propõe a regular tensões ou distúrbios não classificados como conflitos armados – como conflitos internos, tensões, revoltas, revoluções ou atos isolados e esporádicos de violência, ainda que com características similares aos conflitos armados (conforme entendido pelo Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia no Caso Tadić, explorado adiante). Contudo, é possível afirmar que algumas das disposições de DIH podem ser aplicadas também em tempos de paz (sem a existência de um conflito armado), como o caso de tratados internacionais que proíbem o uso de armas.5 

Em que pese não existir um conceito único e uniforme de conflitos armados, pode-se classificar que há dois tipos: os internacionais e os não internacionais. Tal configuração é feita a depender do cumprimento de critérios legais devidamente estabelecidos e não pode ser imposta de maneira vinculante por um Estado. Não obstante, as duas modalidades de conflitos podem acontecer em paralelo, envolvendo a mesma parte beligerante.6

Para o acadêmico suíço Nils Melzer, a dicotomia criada entre conflitos armados internacionais e não internacionais é resultado da história política, e não da necessidade militar ou de humanidade. Por séculos a relação entre Estados foi regulada através de tratados e costume em tempos de paz e guerra, como uma tradição baseada no reconhecimento mútuo da soberania nacional e da personalidade jurídica internacional, embora não tivesse havido muito esforço por parte dos Estados para manter a lei, ordem e segurança pública dentro de seus territórios em consonância com o Direito Internacional. Neste sentido, o artigo 3º em comum nas Convenções de Genebra constituiu um pilar no desenvolvimento e codificação do DIH ao considerar os grupos armados organizados como “partes” em um conflito armado, com suas próprias obrigações pelo Direito Internacional, mas sem implicar que estes tenham plena personalidade internacional. Esta construção histórica delimitou o DIH atual, que dá muito mais enfoque para o conflito armado internacional do que para o não internacional, ainda que os preceitos humanitários e militares sejam essenciais para ambos.7


1.2. Conflitos armados internacionais


O artigo 2 em comum nas Convenções de Genebra declara que a aplicação de todos os dispositivos é estendida para “todos os casos de guerra declarada ou qualquer outro conflito armado que pode surgir entre dois ou mais Estados parte, ainda que o estado de guerra não tenha sido reconhecido por um deles”. O Protocolo Adicional I também incorpora o disposto no artigo 2º, adicionando as guerras de liberação nacional ao seu material de aplicação.  Por este motivo, alguns diferentes conceitos são derivados no escopo dos conflitos armados internacionais. 


1.2.1. Conflitos entre Estados


Por excelência, os conflitos armados internacionais são aqueles tipicamente disputados entre Estados. Para que um conflito armado internacional seja iniciado, basta que pessoas atribuídas a um determinado Estado cometam um ato de violência autorizado pelas forças em comando contra outro Estado, sem importar a medida ou intensidade das ações, levando em consideração que o alvo deve ser as forças armadas ou o território do Estado beligerante.9

Pela história, os Estados costumavam manifestar sua intenção como beligerantes (animus belligerendi) através de declarações formais de guerra, que criavam um estado político de guerra e configuravam a aplicabilidade do direito da guerra (jus in bello). Desta forma, todo o tratamento legal para as relações diplomáticas, econômicas, culturais e consensuais sofria as alterações do estado de guerra formalmente declarado. Esta realidade foi alterada no curso do Século XX, quando declarações formais de guerra se tornaram muito incomuns e isso fez com que o conceito político de “guerra” tenha sido substituído pelo conceito factual do “conflito armado” – nos dias de hoje, diz-se que há a presunção de um conflito armado internacional quando um Estado utiliza de força armada contra um outro Estado, independentemente das razões ou intensidade do confronto. Mais importante, esta condição é reconhecida independente da declaração formal de guerra.10

Contudo, vale ressaltar que a ausência de declaração formal não importa em relativização da aplicação do Direito Internacional Humanitário: este continua não sendo ativado por mero ferimento ou dano causado de forma errônea ou acidental, pela violência de um grupo de indivíduos agindo sem o conhecimento ou endosso do Estado que eles, em tese, representam. Em verdade, atos deste escopo configuram consequências legais da responsabilidade do Estado em nível internacional, uma vez que podem ocasionar ilícitos internacionais e, eventualmente, direito à reparação.11 

De acordo com Marco Sassòli, alguns critérios devem ser observados na classificação da situação como um conflito armado: (a) violência, na medida que o DIH deve ser aplicado somente quando há a determinação que o outro Estado beligerante é inimigo; (b) ausência de nível de instabilidade pré-estabelecida, por não ser a prática dos Estados conforme demonstrado pelo CICV; (c) alvo, que pode ser não somente as forças armadas do Estado adversário, mas também qualquer um ou qualquer coisa que represente o Estado.12


1.2.2. Ocupação beligerante sem resistência armada


O Direito Internacional Humanitário também se aplica à ocupação beligerante no território de Estado estrangeiro, sem seu consentimento, que não oferece nenhuma resistência armada por forças governamentais/estatais. Esta aplicação deriva do entendimento do artigo 2(2) em comum nas Convenções de Genebra, que complementa o dispositivo que trata do conflito entre Estados. 

A ocupação beligerante ocorre quando um Estado invade outro Estado e estabelece controle militar sobre parte de seu território, tendo o chamado “controle efetivo” como pré-requisito para sua configuração: a existência de uma ocupação depende da habilidade factual do Estado em presumir ou assumir que as funções governamentais de um poder ocupante têm força. Não necessariamente deve o controle efetivo ser exercido diretamente através das forças armadas do poder ocupante, podendo existir quando um Estado estrangeiro exerce um controle extraterritorial sobre autoridades locais que, por sua vez, exercem o controle governamental como agentes de facto do Estado em nome do poder ocupante.13 

A razão histórica para a inclusão deste artigo foi o insucesso na resistência das forças armadas da Tchecoslováquia e Dinamarca contra a ocupação alemã da Boêmia e da Moravia em março de 1939 e da Dinamarca em abril de 1940, pois consideraram que resistir foi inútil nestes casos. Neste sentido, para que esta modalidade seja configurada é necessário que a presença estrangeira no território seja beligerante, e que o território tenha sido coercitivamente obtido, conquistado ou invadido. A mera presença de forças estrangeiras sem o consentimento do Estado do território já é suficiente para satisfazer essa exigência legal.14


1.2.3. Guerras de liberação nacional


Esta modalidade de conflito armado internacional foi incluída com o Protocolo Adicional I de 1977, contemplando as situações onde um movimento de liberação ou independência nacional representando um povo luta contra a dominação colonial, regimes racistas ou ocupação estrangeira em exercício do poder exclusivamente pertencente ao povo da auto determinação. É necessário que o movimento esteja de acordo com as regras do DIH para que a gama de tratados seja aplicada devidamente.15

Vale lembrar que na época de negociação e adoção do Protocolo I, o processo de descolonização do continente africano estava quase no fim após os diversos movimentos iniciados no meio dos anos 1950, embora os regimes de segregação racial e social ainda imperassem em alguns países – como o apartheid na África do Sul. Com isso, os novos Estados independentes da África insistiram nas rodadas diplomáticas de negociação do Protocolo I que os conflitos armados derivados dos processos de descolonização e a luta contra o apartheid deveriam ser considerados como internacionais e sob o regime do Direito Internacional Humanitário.16 

Portanto, a fim de que o DIH pudesse ser aplicado neste caso, os preceitos e institutos estabelecidos nos tratados internacionais sobre conflitos armados tiveram que sofrer adequação em sua interpretação, dada a especificidade da matéria: dominação colonial se referia às potências europeias que dominavam a região; regimes racistas poderiam ser novas situações (além do apartheid) em que a população sofresse segregação por raça; ocupação estrangeira se referia às pessoas que nunca tiveram a oportunidade de exercer seu direito à auto determinação (como os povos palestinos, curdos ou saarauí). 17


1.3. Conflitos armados não internacionais


A classificação de conflito armado como internacional ou não internacional não mais depende, por mais controverso que possa soar, se o conflito envolve diferentes Estados e seus respectivos territórios. Não há configuração automática como conflito internacional para aquele conflito que é travado no território de um ou mais Estados, pois o que diferencia uma espécie da outra é a participação ou não de ao menos um Estado em um dos lados do conflito. 18

Em linhas gerais, se há um conflito armado dentro de um Estado e o governo oponente é composto de combatentes das forças armadas de um outro Estado, este pode ser considerado um conflito não internacional. Embora este conflito possa vir a ser considerado como beligerante, o reconhecimento de beligerância não se constitui um requisito formal para a configuração do conflito armado não internacional, haja vista que os tratados de DIH são aplicados diretamente.19

Nas negociações que antecederam as Convenções de Genebra de 1949, a ideia era estender a proposta da aplicabilidade destes tratados para todos os conflitos armados não internacionais, sem fazer a diferenciação. Com o avanço das conversas diplomáticas, restou claro para as partes que tal extensão até poderia ser feita, mas com a condição de que uma definição para o conceito dos conflitos armados não internacionais ficasse como exceção, ao invés de se tornar a regra: buscou-se limitar as provisões aplicáveis aos conflitos armados não internacionais no lugar de elencar os casos aos quais o Direito Internacional Humanitário seria aplicado.20

O artigo 3º em comum nas Convenções de Genebra traz a figura dos “conflitos armados que não têm característica internacional”, incluindo neste âmbito todos os conflitos armados que não são internacionais – resguardando a necessidade de que os demais critérios (como violência, intensidade e organização dos grupos envolvidos) sejam atingidos da mesma forma. Não obstante o dispositivo também trazer a previsão de que os conflitos devam ocorrer no território de um dos Estados parte, não há qualquer restrição geográfica: significa meramente que o tratado se aplica apenas para os Estados parte, fato irrelevante nos dias atuais em razão de que todos os Estados são partes das Convenções e as provisões se aplicam de qualquer forma por força de direito costumeiro.21

Alguns exemplos importantes da aplicação do mencionado artigo 3º em casos de conflitos armados não internacionais foram percebidos no Iraque e Afeganistão, em que os governos de ambos Estados estavam se opondo aos insurgentes, mas não se opondo a combatentes das forças armadas do outro Estado.22


1.4. Conflitos armados mistos


Além da configuração de um conflito armado internacional (envolvendo um ou mais Estados) ou não internacional (envolvendo outros atores), há a possibilidade de que ambos existam em paralelo - especialmente se um outro Estado intervê em um conflito não internacional a fim de auxiliar ou suportar um grupo armado (sem ter o controle total deste grupo), ou em casos em que as forças governamentais e o grupo armado não estatal são mantidos ou suportados por Estados estrangeiros.23

Sobretudo, há a possibilidade de que um conflito armado não internacional se transforme em um conflito armado internacional na hipótese de que um grupo não estatal (que combate forças governamentais) vem ser controlado totalmente por um Estado estrangeiro. Da mesma forma, há também a possibilidade que um conflito internacional se transforme em um conflito armado não internacional na hipótese de alteração no governo de um dos Estados parte de um conflito, em que o novo governo conclama o então Estado inimigo para auxiliar contra as forças do antigo (de facto) governo.24


2. O direito internacional humanitário (DIH) ou direito internacional dos conflitos armados (DICA)


O ramo específico do Direito Internacional que regulamenta a matéria dos conflitos armados pode ser denominado de duas formas: Direito Internacional Humanitário (DIH) e Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA). Nota-se que a utilização dos termos varia de acordo com o doutrinador, sendo o primeiro preferido dos pensadores europeus e o segundo dos norte-americanos - para fins deste estudo utilizaremos “DIH”, com base na terminologia adotada pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV).

O Direito Internacional Humanitário tem como missão proteger as vítimas de conflitos armados e regulamentar as hostilidades através de um balanço entre necessidade militar e humanidade, visando limitar as consequências dos conflitos armados. De acordo com Carlos Roberto Husek, o DIH é “um conjunto de normas internacionais, que se origina em convenções ou em costumes, especificamente destinadas a serem aplicadas em conflitos armados, internacionais ou não internacionais, que limitam, por razões humanitaristas, o direito das partes em conflito a escolher livremente os métodos e os meios utilizados no combate (“Direito de Haia”) e que protegem as pessoas e os bens afetados (“Direito de Genebra”)”.25

Desta forma, o principal propósito do DIH é “restringir os meios e métodos de guerra que as partes de um conflito podem empregar e garantir a proteção e o tratamento humano de pessoas que não estão (ou não mais estão) tomando parte direta nas hostilidades, [...] combinando as regras de direito internacional que estabelecem patamares mínimos de humanidade que devem ser respeitados em qualquer situação de conflito armado”.26

Vale ressaltar que o Direito Internacional Humanitário não é equivalente ao Direito Internacional dos Direitos Humanos, e é equivocada a definição que assume que o DIH é o ramo que protege os Direitos Humanos durante conflitos armados. Segundo Yoram Dinstein, o adjetivo “humano” em DH aponta para o sujeito revestido de direitos, e o adjetivo “humanitário” em DIH meramente indica as considerações que podem ter levado ou orientado os responsáveis pela formulação de tais normas jurídicas. Desta forma, a maioria dos direitos estabelecidos pelo DIH são direcionados aos Estados, e não aos indivíduos, como no caso dos DH.27 


2.1. Fontes do Direito Internacional Humanitário


Assim como os outros segmentos do Direito Internacional, o Direito Internacional Humanitário se fundamenta em três fontes distintas: tratados, costume e princípios gerais de Direito. Não obstante, também encontra forte base na jurisprudência, doutrina e instrumentos de soft law – fontes que têm ganhado maior relevância nos últimos tempos. Tais fontes alternativas têm o condão de suplementar os espaços deixados pelos tratados a fim de garantir maior efetividade ao DIH.


2.1.1. Tratados internacionais


Pode-se afirmar que o Direito Internacional Humanitário é um dos braços do Direito Internacional com maior densidade em termos de tratados, encontrando as mais relevantes fontes nos tratados específicos sobre conflitos armados. A codificação dos elementos de DIH teve início na metade do século XIX - relativamente cedo quando comparado com outros segmentos do Direito Internacional - e hoje os novos tratados firmados pelos Estados complementam a gama de acordos já válidos. 

Para Marco Sassòli, a grande vantagem dos tratados é que suas disposições não costumam gerar dúvidas ou controvérsias e, assim, estão prontas a serem aplicadas nos conflitos armados sem antes obrigar os beligerantes a conduzir extensa pesquisa na prática dos Estados – fato necessário para a configuração e identificação do direito costumeiro, por exemplo. Sua desvantagem, por outro lado, estaria no fato de que estes são por vezes tecnicamente incapazes de ter eficácia geral pelo fato de vincularem apenas os Estados que ratificarem seu texto.28

Em consonância com a tendência codificadora que o Direito Internacional passava à época, os Estados acordaram em 1899 a adotar tratados multilaterais que posteriormente seriam revisados em 1907, sendo que 10 dos 14 instrumentos adotados na revisão constituíram as bases do que hoje é conhecido como Direito Internacional Humanitário.29 

Embora as partes tenham definido importantes preceitos do DIH durante as Regulações de Haia em 1907, não demorou muito para que a necessidade de desenvolvimento da matéria em acompanhamento às necessidades do mundo de então fosse escancarada. Logo após sua codificação, uma série de eventos consolidou o entendimento de que as Convenções seriam inadequadas e ineficazes por não tratarem destes novos elementos: a) surgimento de uma nova classe de combatentes, como guerrilheiros e manifestantes revolucionários que ganharam espaço em alguns países ocupados pela Alemanha durante a 2ª Guerra Mundial; b) aumento expressivo de conflitos armados nos países em desenvolvimento, onde havia luta por libertação nacional; c) novos agentes da destruição ganharam importância nos conflitos, como as aeronaves, mísseis, armas químicas, bacteriológicas e, é claro, atômicas; d) eclosão de novas guerras civis nas mais remotas localizações; e) surgimento do terrorismo, um crescente temor que assolaria o mundo; f) leis da neutralidade foram ignoradas e a própria instituição da neutralidade caiu em desuso.30 Contudo, destaca-se que partes das Regulações de Haia de 1907 continuam relevantes, como é o caso do artigo 42 sobre a definição de ocupação beligerante. 

O processo legislativo que culminaria na proposição de novos instrumentos de DIH teve início em 1949, ocasião onde quatro Convenções (a primeira sobre soldados feridos e doentes no campo de guerra; a segunda sobre soldados feridos e doentes no mar; a terceira sobre prisioneiros de guerra; e a quarta sobre civis na guerra) foram adotadas durante uma conferência diplomática em Genebra.31 Este conjunto de normas se tornaria o pilar do DIH por vários motivos, como o estabelecimento de regimes de proteção detalhados para todas as categorias de pessoas protegidas, a previsão de uma “mini convenção” aplicável aos conflitos armados não internacionais e, mais importante, a participação de todos os Estados capazes de fazer parte da Convenção. 32

Em adição, os Protocolos I e II de 1977 e o III de 2015 suplementam ou emendam o texto das Convenções de Genebra, porém, não têm a mesma universalidade desta – apenas são membros dos Protocolos aqueles Estados que ratificaram a Convenção: embora os Protocolos I e II tenham sido amplamente ratificados (174 Estados para o Protocolo I e 168 para o Protocolo II), importantes Estados como os Estados Unidos, Israel, Turquia, Índia, Paquistão e Mianmar não aceitaram os instrumentos em seu ordenamento interno, sendo que Síria e Iraque não ratificaram o Protocolo II.33  O Brasil ratificou os dois Protocolos sem reservas, em maio de 1992.34 

Outros tratados internacionais foram firmados também no âmbito do Direito Penal Internacional (como o Estatuto de Roma, fundador do Tribunal Penal Internacional) e em outras áreas como a proteção cultural e a regulamentação da questão do uso de armas pelos Estados.35  Estes são os principais instrumentos que formam a fonte material do Direito Internacional Humanitário na atualidade.


2.1.2. Costume internacional


Embora a maior parte das fontes de Direito Internacional Humanitário esteja embasada nos tratados e convenções internacionais, suas regras e princípios estão firmemente fundamentos no costume internacional, a saber, a prática geral dos Estados (usus) aceito como Direito (opinio juris). Por isso, é incorreto afirmar que o costume sempre antecede o tratado, uma vez que aquele também pode se desenvolver após a conclusão deste - por exemplo, um Estado beligerante pode não ter ratificado a Convenção de 1980 sobre Proibições ou Restrições ao Emprego de Certas Armas Convencionais que proíbe o uso de armas em causas supérfluas ou causando sofrimento desnecessário, porém, está compelido a respeitá-lo como proibição universalmente reconhecida através de costume.36  Desta forma, este Estado beligerante estaria proibido de usar tais métodos de acordo com o DIH.

Houve uma impressionante retomada do costume internacional no segmento do DIH nos últimos 25 anos, como resposta aos espaços deixados pelos Estados especialmente no que se refere aos conflitos armados não internacionais, que não quiseram endereçar tal questão durante a adoção dos Protocolos I e II de 1977. Tal fato foi constatado a partir dos julgamentos do Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia (TPIAI), quando o costume foi aplicado em razão da negativa do Conselho de Segurança da ONU (CS-ONU) em autorizar a retroatividade do Direito Penal Internacional para o caso.37

Vale lembrar que em 1995, a 26ª Conferência internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho formalmente requisitou ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha que preparasse um relatório sobre as regras costumeiras de DIH aplicáveis aos conflitos armados internacionais ou não internacionais. Dez anos depois, em 2005, o CICV finalmente publicou seu estudo aprofundado no DIH consuetudinário, resultando em um relatório não vinculante, mas com a autoridade de uma organização especificamente incumbida do mandato de proteção e promulgação do DIH. O relatório lista 161 regras que o CICV considera vinculante em questão de costume internacional, também apontando 143 regras aplicáveis aos conflitos armados não internacionais como matéria de costume.38 

Neste sentido, é importante ressaltar que não obstante as Regulações de Haia de 1907 tenham força de tratado internacional, suas disposições que não foram ab-rogadas, modificadas por tratado posterior ou esquecidas em desuso são vinculantes aos Estados como costume internacional. 39


2.1.3. Princípios gerais do direito


Seguindo as coordenadas do artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, os “princípios gerais de Direito reconhecidos pelas nações civilizadas” figuram como a terceira forma de fonte para o Direito Internacional Humanitário. Da mesma forma, não há definição acordada e consoante pela doutrina, nem ao menos uma lista de tais princípios, sendo que estes devem ser compreendidos na essência da aplicação do Direito. 

Em geral, as “nações civilizadas” mencionadas pela letra da lei, adotam alguns princípios em comum em seus sistemas legais, como o dever de agir em boa fé, o direito à autopreservação e o a não retroatividade da lei penal – contudo, a dificuldade de identificar tais princípios com precisão suficiente impede que estes figurem em um papel imprescindível para a implementação do DIH.40

Vale ressaltar que a própria Corte Internacional de Justiça por vezes derivou obrigações de DIH diretamente de princípios gerais de Direito, como as “considerações elementares de humanidade”, classificando estes como ainda mais presentes na paz que na guerra. A CIJ arguiu que a obrigação dos Estados em DIH em notificar a existência de campos minados marítimos em tempos de guerra se aplica também em tempos de paz (Caso Corfu, Reino Unido vs. Albânia) e que o os princípios humanitários expressados no artigo comum 3 das Convenções de Genebra são vinculantes em qualquer conflito armado, independentemente de sua classificação legal e das obrigações decorrentes de tratados (Caso Nicarágua, Nicarágua vs. Estados Unidos).41

No Caso Nicarágua, especificamente, a Corte Internacional de Justiça aplicou o mencionado artigo comum 3 como “princípios gerais de Direito Humanitário” para um conflito armado internacional, ainda que tais princípios estabelecidos pelo dispositivo sejam diretamente aplicados aos conflitos armados não internacionais. Isto porque a Corte não teve dúvidas de que estes firmam “considerações elementares de humanidade”, devendo ser aplicados a todas as hipóteses de conflito armado.42

Também é importante ressaltar a questão da denominada “cláusula Martens”, que expressamente prescreve que em casos não cobertos por tratados, “civis e combatentes devem permanecer sob a proteção e autoridade dos princípios de Direito Internacional derivados do costume, dos princípios da humanidade e dos ditados da consciência pública”. A cláusula foi introduzida pela primeira vez na Conferência de Haia de 1899 e até hoje cobre parte dos problemas de DIH em relação às questões não abordadas por tratados internacionais.43


2.1.4. Jurisprudência, doutrina e soft law


Outros meios alternativos também são compreendidos como fonte do Direito Internacional Humanitário, aparte dos já trazidos anteriormente. Em DIH, jurisprudência e estudos doutrinários não são apenas utilizados para identificar obrigações que geralmente derivam das outras três fontes, isto porque seu valor genuíno e impacto são percebidos no discurso legal – invocar uma regra de DIH fundamentada em tratado não sinaliza o fim de toda discussão em DIH, assim como repousar em um documento ou manual elaborado pelo CICV não pode ser considerado um ato irrelevante.44 Vale ressaltar que em DIH casos legais podem ser entendidos como decisões de cortes domésticas, tribunais militares e cortes internacionais relacionadas – especialmente após a 2ª Guerra Mundial, com os tribunais de Nuremberg e Tóquio e, posteriormente, o Tribunal Penal Internacional estabelecido pelo Estatuto de Roma.45

Quanto aos instrumentos de soft law, pode-se afirmar que estes exercem um importante papel no DIH ainda que sejam em forma de documentos não vinculantes elaborados pelos Estados, manuais elaborados por experts e orientações ou comentários publicados pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha. A crítica que se faz é a de que estes instrumentos não criam regra nova, mas apenas reforçam ou reinterpretam aquelas já existentes.46

Segundo Antonio Cassese, o termo soft law pode ser utilizado para o corpo de princípios, declarações, acordos de política ou intenções, resoluções adotadas pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (AG-ONU) ou outra entidade multilateral. Estes instrumentos são considerados como soft law em razão de três características em comum: 1) são indicativos de mudanças emergindo na comunidade internacional; 2) tratam de matérias que refletem novas preocupações da comunidade internacional, antes não sentidas ou percebidas; 3) apontam questões que os Estados têm dificuldade ou anteveem a impossibilidade de pleno consenso. Como consequência das três características, tais instrumentos não impõem força vinculante aos Estados, mas sugerem as diretrizes para posicionamentos que estabelecem padrões de entendimento sobre determinadas matérias.47

Em DIH, resoluções da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (AG-ONU) e resoluções do CICV detêm grande relevância e constituem importantes passos no processo de desenvolvimento de novas regras e mecanismos relevantes à efetivação desse segmento do Direito Internacional.48


2.2. Princípios do Direito Internacional Humanitário


Os princípios do DIH podem ser retirados a partir de sua própria definição dada pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha: “O Direito Internacional Humanitário pode ser definido como um segmento do Direito Internacional que limita o uso da violência em conflitos armados ao: a) poupar aqueles que não estão [2.2.1] ou não mais estão [2.2.2] diretamente [2.2.3] participando das hostilidades; b) restringir o uso da violência no nível necessário para alcançar o objetivo do conflito que, independentemente das causas [2.2.4], deve apenas ser reduzido ao potencial militar do inimigo [2.2.5]”.  Passemos, então, a conceituação individualizada dos princípios.


2.2.1. Princípio da distinção entre civis e combatentes


Este princípio representa o pilar do DIH, na medida em que o único objeto legítimo que um Estado beligerante pode buscar alcançar durante uma guerra é enfraquecer as forças militares do inimigo, e não dizimar a população deste. Por isso, o DIH faz a distinção entre a população civil e os indivíduos envolvidos em operações militares.

Pode-se afirmar que este é um conceito de aceitação relativamente recente, introduzido pelo desenvolvimento do DIH. Por séculos, as guerras eram conduzidas não somente contra Estados e seus exércitos, mas contra toda a população – que se tornava um troféu de vitória, por vezes escravizada ou executada. A noção de que a guerra deveria ser apenas travada entre combatentes e de que a população deveria ser deixada ilesa só foi introduzida no século XVI e estabelecida no século XVIII.50

Civis são classificados como o oposto dos combatentes, evidentemente. Combatentes são aqueles membros de forças armadas que pertencem a uma parte num conflito armado internacional, e só estes detêm o “direito” (muitas vezes denominado “privilégio combatente”) de participar nas hostilidades, não podendo ser punidos por participar do conflito ainda que isto se configure crime pela legislação doméstica do Estado inimigo.51 

O princípio da distinção surgiu na prática entre Estados e depois se maturou no direito costumeiro, antes de ser codificada em instrumentos internacionais. O Código Lieber de 1863 e a Declaração de São Petersburgo de 1866 foram os primeiros tratados internacionais a mencionar o respeito ao princípio dos não combatentes, mas foi apenas com a Quarta Convenção de Genebra de 1949 que a distinção para os civis surgiu. Esta foi uma evidente consequência das Duas Grandes Guerras, uma vez que a população civil foi o principal alvo dos ataques e o sofrimento de indivíduos não combatentes foi maior que tudo conhecido até então.52 

O artigo 48, do Protocolo Adicional I de 1977 à Convenção de Genebra expressamente traz a o principio como norma fundamental: “A fim de garantir respeito e proteção a população civil e aos bens de caráter civil, as Partes em conflito deverão sempre fazer distinção entre a população civil e os combatentes, entre os bens de caráter civil e os objetivos militares e, em consequência, dirigirão suas operações unicamente contra os objetivos militares”.53


2.2.2. Proibição de atacar “hors de combat


A proibição de não atacar pessoas classificadas como “hors de combat” (fora de combate) advém de costume e tratados internacionais de Direito Internacional Humanitário. Uma pessoa é considerada “hors de combat” se ele ou ela está em poder do Estado adversário e claramente manifesta sua intenção de desistir ou sua incapacidade de se defender em razão de falta de consciência, naufrágio, ferimentos ou doenças – e, em todos estes casos, se abstém de qualquer ato hostil e não busca tentativas de escapar do poder do Estado adversário.54

O princípio do respeito aos hors de combat deriva da compreensão de que combatentes não são combatentes para sempre. Estes podem se retirar das hostilidades a qualquer momento por sua livre e espontânea vontade, respeitando a classificação prevista pelo DIH. Assim, um combatente hors de combat que cai nas mãos do inimigo está acobertado pelos direitos de um prisioneiro de guerra. 


2.2.3. Proibição de causar sofrimento desnecessário


Já na Declaração de São Petersburgo de 1868, as partes incluíram a previsão de que o Direito Internacional Humanitário deveria não só proteger civis dos efeitos das hostilidades, mas também proibir ou restringir meios de guerra que podem causar sofrimento desnecessário aos combatentes.56 Tal preceito foi disposto logo no parágrafo preâmbulo do tratado: “o único objetivo legítimo (...) durante a guerra é enfraquecer as forças militares do inimigo; [...] esse objetivo seria excedido pelo emprego de força que desnecessariamente agravam o sofrimento de homens desabilitados ou levam a sua inevitável morte”.57 

Visando a aplicação deste princípio, o DIH restringe e proíbe certos tipos de armas que são compreendidas como forças que excedem o objetivo de enfraquecer o adversário e causam efeitos cruéis aos combatentes. Contudo, os tratados internacionais que regulam a matéria não fazem a distinção criteriosa e conceitual sobre qual seria o sofrimento “desnecessário” e qual dano seria “supérfluo”, deixando a aplicação de tais preceitos sujeitos a um balanço entre necessidade militar e humanidade.

Este é o tratamento que não somente os Estados têm dado à questão – de acordo com o costume internacional em DIH confirmado pelos comentários do Comitê Internacional da Cruz Vermelha à Regra 70 do costume internacional sobre Princípios Gerais sobre o Uso de Armas58  – mas também a Corte Internacional de Justiça em sua advisory opinion sobre armas nucleares, arguindo que a proibição contra o dano supérfluo ou ações que provam sofrimento desnecessário transforma em ilícito internacional o combate que gera dano superior ao inevitável para atingir o objetivo militar legítimo.59


2.2.4. Princípio da necessidade militar


O princípio da necessidade militar não foi codificado pelas Convenções de Genebra de 1949 ou pelo Protocolo Adicional I, contudo, permanece válida a menção trazida pelo Artigo 23(g) da IV Convenção de Haia de 1907: “é especificamente proibido [...] destruir ou se apoderar da propriedade do inimigo, a não ser que tal destruição ou ocupação seja imperativamente demandada pelas necessidades da guerra”.60 Vale ressaltar que tal dispositivo serve de base para condenações do Tribunal Penal Internacional (TPI) referentes à crimes de guerra, de acordo com o Artigo 8 (2.b.xiii) do Estatuto de Roma.61

De acordo com o jurista teuto-americano Francis Lieber, a necessidade militar “é definida como aquele princípio que justifica as medidas não proibidas pelo Direito Internacionais e consideradas indispensáveis para a efetivação da completa submissão do inimigo o mais rápido possível”, também realçando que a “necessidade militar foi sumariamente rejeitada como uma defesa para atos proibidos pelos direitos costumeiro e convencional da guerra”.62 

Não obstante, ao mesmo tempo que o DIH reconhece que o Estado beligerante invariavelmente causará morte, danos e destruição a fim de que possa superar seu adversário, também deixa claro que a necessidade militar não dá carta branca aos beligerantes para lançar uma guerra irrestrita e sem parâmetros.63


2.2.5. Princípio da proporcionalidade


A resposta para o questionamento acerca de um dano ou ataque ter sido evitável ou não está na aplicação do princípio da proporcionalidade. A definição do princípio advém do Protocolo Adicional I de 1977, através de dois artigos: 51.5(b), que define a violação de proporcionalidade em caso de “ataques quando se pode prever que causarão incidentalmente mortos e ferimentos entre a população civil, ou danos a bens de caráter civil, ou ambas as coisas, e que seriam excessivos em relação a vantagem militar concreta e diretamente prevista”; e 57.2(b), que endereça a questão estabelecendo que “um ataque será cancelado ou suspenso se se torna aparente que o objetivo não é militar ou que goza de proteção especial, ou se é previsível que o ataque causará incidentalmente mortos ou feridos entre a população civil, danos a bem de caráter civil, ou ambas as coisas, que seriam excessivos em relação com a vantagem militar concreta e diretamente prevista”.64

Vale ressaltar que alguns fundamentos da aplicação deste princípio também aparecem nas regras 14 (proporcionalidade no ataque), 18 (avaliação sobre os efeitos dos ataques) e 19 (controle durante a execução do ataque) de costume internacional de Direito Internacional Humanitário.65 Portanto, ambos tratado e costume constituem as fontes para o princípio da proporcionalidade.

Em tese, a proporcionalidade é um critério que demanda consideração no ataque em civis, mas não entre combatentes – isto pois estes, a fim de atingir o objetivo de superação militar, buscam maximizar a morte dos combatentes e a destruição dos objetivos militares adversários, quase o contrário do mandatório tratamento proposto para os civis. Contudo, a utilização indiscriminada de armas ou bombas de grande alcance e enorme potencial de destruição em áreas povoadas também levantam a preocupação na aplicação deste princípio na medida em que deve ser observado em consonância com os demais princípios de DIH. 66


3. Casos e decisões específicas


Após a apresentação da definição de conflitos armados, suas vertentes, e da exposição da estrutura que envolve o Direito Internacional Humanitário, em fontes, princípios e aplicabilidade, passemos à análise de determinados casos emblemáticos que representam pilares na compreensão desta tão importante área do Direito Internacional Público. 

O Estatuto de Roma, firmado em 1998, estabeleceu o Tribunal Penal Internacional – órgão judicial que tem como objeto julgar indivíduos por crimes cometidos contra a humanidade, crimes de agressão, crimes de guerra e genocídio. Vale ressaltar que o TPI não é membro do sistema judicial da ONU, embora receba interferências de órgãos como o Conselho de Segurança. Contudo, antes de sua criação, o DIH preparou o solo com a criação de tribunais ad hoc para casos específicos. O principal exemplo é o do tribunal criado para julgar os casos de crimes e violações de DIH cometidos na antiga Iugoslávia. 


3.1. Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia, caso Tadić


O caso Tadić é um dos mais emblemáticos em matéria do Direito Internacional Humanitário (DIH), julgado pelo Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia (TPIAI), corte ad hoc criada com o objetivo de dar uma resposta para os casos de violações de direitos humanos ocorridos no país durante as guerras civis que levaram à sua dissolução. As sentenças proferidas pelo Tribunal neste caso estabeleceram parâmetros e novos entendimentos acerca do DIH.


3.1.1. Histórico do caso


Em maio de 1993, aproximadamente três semanas após as forças sérvias forçadamente ocuparem a autoridade governamental em Prijedor (cidade localizada na atual Bósnia e Herzegovina), um intenso bombardeio proporcionado em áreas povoadas por bósnios muçulmanos e croatas fizeram com que um grande número de pessoas destas etnias tivesse que deixar suas casas. As forças sérvias teriam cercado os residentes muçulmanos e croatas, forçando-os a marchar em colunas lado a lado em direção aos campos que as autoridades sérvias tinham estabelecido na cidade – local onde muitos foram torturados e até mortos.67

Nos meses seguintes, milhares de bósnios muçulmanos e croatas continuaram sendo enviados para outros campos na região, todos dominados pelas forças sérvias. Os prisioneiros recebiam péssimas condições de vida, com escassez de água, comida e higiene pessoal, sem receber qualquer cuidado médico. Nos campos, há relatos de prática de tortura por guardas na utilização das mais diversas armas, e também de abuso psicológicos e sexuais.68

Segundo as acusações do TPIAI, Duško Tadić teria participado das forças sérvias no ataque, destruição e saque das áreas residenciais bósnias muçulmanas e croatas, além do aprisionamento de milhares de pessoas empregando condições brutais nos campos localizados na região. Precisamente no ataque de Kozarac, Tadić teria iluminado o vilarejo apontando o caminho para os tanques e artilharia, fisicamente auxiliando na captura, segregação e transferência forçada dos presos para centros de detenção e atuando diretamente na morte e espancamento das vítimas. 69

Duško Tadić é sérvio bósnio, foi membro das forças paramilitares que participaram dos ataques em Prijedor e também o primeiro réu em julgamento no TPIAI do qual o Tribunal obteve custódia, após sua transferência da Alemanha a pedido da Corte. Ele foi preso no país em fevereiro de 1994, e as investigações começaram a tramitar na justiça alemã por crimes cometidos na Iugoslávia, mas foram encerradas em razão de pedido feito pelo próprio TPIAI.70 


3.1.2. Julgamento e decisão


A promotoria do Tribunal Penal Internacional para a Antiga Iugoslávia denunciou Duško Tadić pelo cometimento de um total de 34 crimes, todos estes sendo violações de normas de Direito Internacional Humanitário. Dentre as acusações, Tadić foi indiciado por ter cometido crimes contra a humanidade (por perseguição política, racial e religiosa) e por ter cometido graves violações das leis e costumes de Direito Internacional Humanitário.71

No julgamento em maio de 1997, a Câmara do TPIAI condenou Duško Tadić culpado por 9 crimes, parcialmente culpado em 2 crimes e inocente em 20 outros crimes, sendo em que 11 destes o Tribunal entendeu que o artigo 2º do Estatuto do TPIAI (sobre o poder do Tribunal em processar indivíduos por graves violações das Convenções de Genebra) não se aplicava em Prijedor em razão da ausência de prova de que as vítimas poderiam ser consideradas pessoas de proteção de acordo com as Convenções de Genebra.72 

Vale a ressalva de que a defesa de Tadić levantou uma série de objeções à jurisdição do TPIAI, contestando a legalidade de seu estabelecimento e a primazia de jurisdição dada ao Tribunal em relação às cortes domésticas que, segundo o réu, era injusta. Ambos argumentos foram desconstruídos pelo Tribunal com base na Resolução 827 do Conselho de Segurança da ONU (que institui o órgão de maneira vinculante, com fundamento no Capítulo VII da Carta da ONU) e na ausência de contestação por parte dos Estados (principalmente Alemanha e Bósnia) na criação do TPIAI que, em verdade, aprovaram sua criação e colaboraram para seu funcionamento.73

O princípio da necessidade militar foi um fator de grande relevância no julgamento deste caso. Na sentença proferida, o TPIAI julgou que as provas indicaram que a destruição do vilarejo de Stupni Do (região da atual Bósnia e Herzegovina) não era necessária para atingir qualquer objetivo legítimo de guerra, sendo que a população civil foi o alvo do ataque e tal ofensa teria sido planejada com antecipação – ações absolutamente injustificáveis pela necessidade militar.74

Também no julgamento deste caso, o TPIAI definiu a base para a diferenciação da aplicação do artigo 3 para conflitos armados não internacionais e outros tipos de violência. De acordo com o Tribunal, embora o dispositivo foque apenas na intensidade do conflito e na organização das partes beligerantes, estes critérios devem ser utilizados para distinguir um conflito armado de bandidagem, insurreições desorganizadas e de vida curta ou atividades terroristas, que não são sujeitas ao fulcro do Direito Internacional Humanitário.75 

De acordo com o doutrinador italiano Antônio Cassese, juiz no Tribunal Penal Internacional para a Antiga Iugoslávia, o caso Tadić enfatizou a tendência de que o Direito Internacional Humanitário se tornaria menos voltado à necessidade militar e mais impregnado aos valores de Direitos Humanos. Ao lidar com a distinção entre a lei regulamentando conflitos armados internacionais e aquela regulando conflitos armados internos, a Câmara de Apelações do TPIAI pontou que um dos mais notáveis desenvolvimentos do DIH moderno está no fato de que este passou a ser fortemente influenciado por doutrinas de Direitos Humanos, ressaltando a tendência. 76


3.2. Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia, caso Haradinaj


O caso envolvendo Ramush Haradinaj foi julgado pelo Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia e ganhou relevância e notoriedade no segmento do Direito Internacional Humanitário por diversos motivos, especialmente pela condição sensível em que seu país, Kosovo, ainda mantém no processo de independência das repúblicas ex-Iugoslávia. Com reconhecimento parcial (não concedido pela própria Sérvia), Kosovo vivenciou cenários de guerra por anos, que resultou no estabelecimento da Missão de Administração Interina das Nações Unidas no Kosovo (MAINUK) através da Resolução 1244 do Conselho de Segurança da ONU (CS-ONU).


3.2.1. Histórico do caso


Ramush Haradinaj, também conhecido como “Smajl”, nasceu em 1968 na cidade de Decani, na província de Kosovo e foi o comandante sênior do Exército de Libertação de Kosovo (ELK), exercendo o controle das forças em uma das áreas de operação (Dukagjin), na parte ocidental da fronteira de Kosovo com a Albânia e Montenegro. Haradinaj se tornou uma figura central nas regiões onde atuou, comandando diversas brigadas e unidades.77

Os crimes alegados à Haradinaj (em conjunto com dois subordinados Idriz Balaj e Jahi Brahimaj, também processados pelo TPIAI) são referentes ao período de conflito armado estabelecido entre o Exército de Libertação do Kosovo (ELK) e as forças sérvias no território de Kosovo. As vítimas, em sua maioria albaneses e ciganos, viraram alvo do ELK sob argumento de que se recusavam a cooperar: foram perseguidos, mal tratados, presos, espancados, torturados e assassinados.78

O grupo liderado por Haradinaj foi acusado de ter atuado durante março e setembro de 1998 através de atos e omissões considerados crimes contra a humanidade, como parte de um ataque sistêmico e estruturado, diretamente contra a população civil sérvia e membros da população albanesa e cigana em Decani, Pec, Istok e Klina – cidades de Kosovo onde supostamente não havia apoio ao Exército de Libertação do Kosovo (ELK).79 


3.2.2. Julgamento e decisão


A promotoria do TPIAI acusou Haradinaj de ter cometido crimes contra a humanidade por perseguição (assédio e destruição de propriedade, detenção ilegal, deportação e transferência forçada de civis) e atos inumanos. Não obstante, também foi indiciado por ter cometido violações às leis e costume de guerra, por ter praticado tratamento cruel e assassinato. No total, o comandante do ELK foi indiciado por 37 crimes de Direito Internacional Humanitário de jurisdição do TPIAI cometidos em 1998 contra civis.80

Há críticas sobre o posicionamento da Missão de Administração Interina das Nações Unidas no Kosovo (MAINUK) quando o TPIAI indiciou Haradinaj, Balaj e Brahmiaj no início de 2005. Embora os subalternos não fossem conhecidos à época, Haradinaj, que havia fundado um partido político logo após o término do conflito, era Primeiro Ministro de Kosovo no momento da apresentação da demanda. Ainda que não haja confissão, o professor Majbritt Lyck-Bowen apresenta indícios de que o MAINUK agiu diretamente no auxílio à imagem de Haradinaj, até mesmo tentando evitar que o TPIAI iniciasse os procedimentos contra ele – uma vez indiciado, as respostas da MAINUK indicavam que não mais havia a confiança à justiça internacional, mas sim ao método de aproximação pela paz.81

Em decisão de novembro de 2012, a Câmara do Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia decidiu por absolver Ramush Haradinaj de todos os crimes indiciados pela promotoria, ordenando sua libertação da Unidade de Detenção das Nações Unidas, onde estava em poder da Corte.82 A promotoria apelou para um segundo julgamento com base em novas testemunhas, onde Haradinaj também foi declarado inocente.

É importante ressaltar que o TPIAI definiu este conflito como não internacional, justificando o elemento da intensidade como necessário na configuração esta modalidade de conflito. Para o Tribunal, o critério da intensidade é satisfeito quando há observância do número e duração dos confrontos individuais, tipos de armas e outros equipamentos militares utilizados, número e calibre das munições, a dimensão da destruição material, número de civis adentrando em zonas de combate e, até mesmo, o envolvimento do Conselho de Segurança da ONU (CS-ONU) pode ser um reflexo da intensidade de um conflito.83  

Vale ressaltar que as questões envolvendo a independência de Kosovo ainda são matéria de discussão em Direito Internacional, uma vez que não há o reconhecimento pleno desta região como Estado independente e que Haradinaj foi absolvido das acusações pelo Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia em primeira e segunda instâncias. Após a trajetória como soldado e a consequente desmilitarização do ELK, Haradinaj ingressou na vida política e serviu como Primeiro-Ministro de Kosovo por duas vezes.


3.3. Comissão de Reclamações, caso Eritreia vs. Etiópia


Embora seja prerrogativa do Tribunal Penal Internacional para julgamento dos crimes de Direito Internacional Humanitário cometidos por indivíduos, e outros tribunais específicos tenham sido criados, como o TPI para a antiga Iugoslávia e para Ruanda, é possível também que uma disputa referente a um conflito armado internacional seja resolvida através de arbitragem e comissões estipuladas pelas partes. No caso Eritreia vs. Etiópia, os Estados concluíram que a arbitragem seria a melhor forma de encerrar as hostilidades militares, se transformando em um caso de grande expressão para a matéria.


3.3.1. Histórico do caso


A situação do caso envolve dois Estados da região do Chifre da África, área marcada pela instabilidade política e por regimes no poder. No caso específico, ambos Estados eram liderados por regimes que anteriormente haviam sido insurgentes e revolucionários: na Etiópia, a Frente Democrática Revolucionária dos Povos Etíopes (FDRPE), e na Eritreia, a Frente Popular para a Democracia e Justiça (FPDJ). A relação entre os regimes não era pacífica e nem havia intenção de buscar tal pacificidade – nenhum deles progrediu na resolução dos reais problemas políticos e econômicos advindos da relação bilateral, atenuando as celeumas relacionadas à comércio, comunicação, fronteiras e bens.84

Em meio à delicada realidade da região, em maio de 1998, um conflito estourou entre Etiópia e Eritreia na cidade eritreia de Badme, localizada no sul do país, próxima à fronteira. Ambos Estados reivindicavam a soberania nesta área, sendo este um fundamental desacordo que origina e caracteriza o conflito armado. No mesmo mês, os representantes etíopes enviaram notificação ao Conselho de Segurança da ONU (CS-ONU) expressando que a Eritreia violou a soberania da Etiópia por ordenar que suas tropas ocupassem áreas do território inimigo – alegação amplamente rejeitada pela Eritreia no dia seguinte.85

As discussões sobre a soberania na zona de fronteira marcaram os acontecimentos no contexto do conflito armado entre os dois Estados. A Organização da União Africana (OUA) e o Conselho de Segurança tentaram intervir para por fim à questão na ocasião, mas sem sucesso: em 1999, a escalada de eventos transformou o conflito em uma guerra de grandes proporções, em que um Estado acusou o outro de agressão. A nova escalada de tensões em 2000 levaria o CS-ONU a impor embargo aos dois países de acordo com o Capítulo VII da Carta da ONU, que culminaria no cessar fogo em junho de 2000.86


3.3.2. Julgamento e decisão


Somente dois anos após o início dos conflitos armados entre a República Federal Democrática da Etiópia e o Estado da Eritreia em maio de 1998, os Estados firmaram um acordo de paz (Acordo de Argel, em dezembro de 2000) que concluiu “permanentemente as hostilidades militares entre os beligerantes”. A partir deste acordo de paz, duas comissões foram estabelecidas: a Comissão de Fronteira (artigo 4º) e a Comissão de Reclamações (artigo 5º).87

A Comissão de Reclamações (Claim Commission, em inglês) foi estabelecida para “decidir através de arbitragem vinculante todas as reclamações pelas perdas, danos ou prejuízos sentidos por um governo contra o outro” relacionados aos conflitos armados e resultados das “violações de Direito Internacional Humanitário, incluindo as Convenções de Genebra de 1949, ou outras violações de Direito Internacional)”. Por este motivo, a Comissão foi sediada na Corte Permanente de Arbitragem, que serviu como registro.88

Dentre as críticas feitas à sentença parcial proferida pela Comissão de Reclamações, pode-se elencar como a principal a ausência de jurisdição por parte da Comissão no julgamento da difícil questão acerca da responsabilidade pelo começo da guerra e, por isso, não deveria julgar o caso. Pelo acordo que a instituiu, a Comissão teria poderes para cobrir reclamações relacionadas a violações de Direito Internacional Humanitário, mas não matérias relacionadas à responsabilidade internacional pela guerra. A crítica vem na esteira da decisão tomada pela Comissão em dezembro de 2005, condenando a Eritreia por violação das regras de Direito Internacional sobre uso da força, mais especificamente o artigo 2(4) da Carta das Nações Unidas, por usar força armada para atacar e ocupar a cidade de Badme, administrada pacificamente pela Etiópia.89 

Não obstante, a Comissão também julgou a conduta das operações militares nas zonas de conflito, o tratamento de prisioneiros de guerra, tratamento de civis e suas propriedades, imunidades diplomáticas e o impacto econômico de certas ações governamentais durante os conflitos. No fim, a Comissão emitiu 15 sentenças parciais e finais e concluiu seus trabalhos em agosto de 2009.90


4. Conclusão


O Direito Internacional Humanitário, como visto, se constitui como um rol de princípios e diretrizes, fundamentado por uma gama de fontes (tratados, costumes, princípios de Direito, jurisprudência, doutrina, etc.), direcionados ao tratamento dos conflitos armados (internacionais ou não) e, principalmente, ao tratamento que os Estados devem dar para os indivíduos que direta ou indiretamente são afetados pelos efeitos e consequências destes conflitos. 

A consolidação deste ramo como um segmento de eficácia, aplicabilidade geral e garantia somente foi possível graças ao desenvolvimento do Direito Internacional através dos anos, iniciando em uma modesta regulamentação no século XIX, passando pelas grandes Conferências da Paz em Haia no começo do século XX, e se completando com as Convenções de Genebra de 1949, no cenário pós-guerra, e os Protocolos Adicionais de 1971 que complementam os parâmetros estabelecidos. 

Todo este concerto jurídico costurado pelos Estados garante que o tratamento da matéria seja condecorado com os mais altos graus de importância no segmento do Direito Internacional, uma vez que é absolutamente compatível e, indo além, complementar à missão e aos valores da Organização das Nações Unidas – principal órgão multilateral que regulamenta a vida internacional dos atores e sujeitos de Direito Internacional. 

Com a difusão das cortes internacionais (como o Tribunal Penal Internacional, estabelecido pelo Estatuto de Roma de 1998) e regionais (como a Corte Europeia de Direitos Humanos, Corte Interamericana de Direitos Humanos e o Tribunal Africano de Direitos Humanos e dos Povos) de Direitos Humanos, pode-se afirmar que esta é a era da proteção internacional aos direitos humanos fundamentais, sejam individuais ou coletivos. Por esta razão, a compreensão dos elementos que compõem o Direito Internacional Humanitário se consolida como uma obrigação do concerto jurídico internacional.

Notas

 1 O autor agradece a Fabrízio Conte Jacobucci pelo seu auxílio na realização da pesquisa que levou a este verbete. 
 2 MELZER, Nils. International humanitarian law: a comprehensive introduction, p. 51.
3  SOLIS, Gary D. The law of armed conflict: international humanitarian law in war, p. 149.
4  INTERNATIONAL COMITEE OF THE RED CROSS. International armed conflict. 
 5 MELZER, Nils. International humanitarian law: a comprehensive introduction, pp. 51-52.
6  SASSÒLI, Marco. International humanitarian law: rules, controversies and solutions to problems arising in warfare, p. 168.
7  MELZER, Nils. International humanitarian law: a comprehensive introduction, p. 53.
8  SASSÒLI, Marco. International humanitarian law: rules, controversies and solutions to problems arising in warfare, p. 169.
9  SASSÒLI, Marco. International humanitarian law: rules, controversies and solutions to problems arising in warfare, p. 169.
10  MELZER, Nils. International humanitarian law: a comprehensive introduction, p. 56.
11  Ibidem.
 12 SASSÒLI, Marco. International humanitarian law: rules, controversies and solutions to problems arising in warfare, pp. 170-172.
 13 MELZER, Nils. International humanitarian law: a comprehensive introduction, p. 60.
14  SASSÒLI, Marco. International humanitarian law: rules, controversies and solutions to problems arising in warfare, p. 177.
15  SASSÒLI, Marco. International humanitarian law: rules, controversies and solutions to problems arising in warfare, p. 178.
16  Ibidem.
17  Idem, p. 179.
18SASSÒLI, Marco. International humanitarian law: rules, controversies and solutions to problems arising in warfare, p. 180.
19  Idem, pp. 153-154.
20 MELZER, Nils. International humanitarian law: a comprehensive introduction, p. 67.
21  SASSÒLI, Marco. International humanitarian law: rules, controversies and solutions to problems arising in warfare, pp. 180-181.
22  SOLIS, Gary D. The law of armed conflict: international humanitarian law in war, p. 153.
 23 SASSÒLI, Marco. International humanitarian law: rules, controversies and solutions to problems arising in warfare, p. 185.
 24 Ibidem.
25  HUSEK, Carlos Roberto. Curso de direito internacional público, p. 319.
26  MELZER, Nils. International humanitarian law: a comprehensive introduction.
 27 DINSTEIN, Yoram. The conduct of hostilities under the law of international armed conflict, p. 20.
28  SASSÒLI, Marco. International humanitarian law: rules, controversies and solutions to problems arising in warfare, pp. 34-35.
29  SASSÒLI, Marco. International humanitarian law: rules, controversies and solutions to problems arising in warfare, p. 36.
 30 CASSESE, Antonio. International law, pp. 402-403
 31 Idem, p. 404.
32  SASSÒLI, Marco. International Humanitarian Law: Rules, controversies and solutions to problems arising in warfare, p. 37.
33 SASSÒLI, Marco. International Humanitarian Law: Rules, controversies and solutions to problems arising in warfare, p. 38.
34  REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar.
 35 SASSÒLI, Marco. International humanitarian law: rules, controversies and solutions to problems arising in warfare, pp. 38-44.
36  MELZER, Nils. International humanitarian law: a comprehensive introduction, pp. 21-22.
37  SASSÒLI, Marco. International humanitarian law: rules, controversies and solutions to problems arising in warfare, p. 46.
38  MELZER, Nils. International humanitarian law: a comprehensive introduction, p. 23.
39  SASSÒLI, Marco. International humanitarian law: rules, controversies and solutions to problems arising in warfare, p. 36.
40  MELZER, Nils. International humanitarian law: a comprehensive introduction, p. 24.
 41 Ibidem.
42  BROWNLIE, Ian. Principles of public international law, p. 538.
43  SASSÒLI, Marco. International humanitarian law: rules, controversies and solutions to problems arising in warfare, p. 54.
 44 Idem, p. 56.
 45SOLIS, Gary D. The law of armed conflict: international humanitarian law in war, pp. 15-16.
46  SASSÒLI, Marco. Op. cit., p. 55.
47 CASSESE, Antonio. International law, p. 196.
48  SASSÒLI, Marco. International humanitarian law: rules, controversies and solutions to problems arising in warfare, p. 57.
49  INTERNATIONAL COMITEE OF THE RED CROSS. Fundamentals of IHL. 
50 SOLIS, Gary D. The law of armed conflict: international humanitarian law in war, p. 251.
51  SASSÒLI, Marco. International humanitarian law: rules, controversies and solutions to problems arising in warfare, p. 20.
53  SOLIS, Gary D. The law of armed conflict: international humanitarian law in war, p. 252.
 53 Ibidem.
 54 MELZER, Nils. International humanitarian law: a comprehensive introduction, p. 106.
55 SOLIS, Gary D. The law of armed conflict: international humanitarian law in war, pp. 188-189.
56 MELZER, Nils. Op. cit., pp. 20-21.
57  Idem, pp. 109-110.
58  HENCKAERTS, Jean-Marie; DOSWALD-BECK, Louise. International committee of the red cross: customary international humanitarian law, pp. 237-244.
59  MELZER, Nils. International humanitarian law: a comprehensive introduction, p. 110.
60  INTERNATIONAL COMITEE OF THE RED CROSS. Convention (IV) respecting the Laws and Customs of War on Land and its annex: Regulations concerning the Laws and Customs of War on Land. The Hague, 18 October 1907. 
61 SOLIS, Gary D. The law of armed conflict: international humanitarian law in war, p. 258.
62  Ibidem.
63  MELZER, Nils. International humanitarian law: a comprehensive introduction, pp. 17-18.
 64 BRASIL. Decreto 849, de 25 de junho de 1993: Promulga os Protocolos I e II de 1977 adicionais às Convenções de Genebra de 1949, adotados em 10 de junho de 1977 pela Conferência Diplomática sobre a Reafirmação e o Desenvolvimento do Direito Internacional Humanitário aplicável aos Conflitos Armados. 
 65 HENCKAERTS, Jean-Marie; DOSWALD-BECK, Louise. International committee of the red cross: customary international humanitarian law.
66  SOLIS, Gary D. The law of armed conflict: international humanitarian law in war, pp. 272-275.
67  TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A ANTIGA IUGOSLÁVIA. The Prosecuter of the Tribunal against Duko Tadic. Indictment (Amended).
68 Ibidem.
69 Ibidem.
70  WARBRICK, Colin; ROWE, Peter. The international criminal tribunal for yugoslavia: the decision of the appeals chamber on the interlocutory appeal on jurisdiction in the tadic case, pp. 691-701.
 71 TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A ANTIGA IUGOSLÁVIA. The Prosecuter of the Tribunal against Duko Tadic. Indictment (Amended)
72  Ibidem.
73  WARBRICK, Colin; ROWE, Peter. Op. cit., pp. 691-701.
74 SOLIS, Gary D. The law of armed conflict: international humanitarian law in war, p. 265.
75  Op. cit., p. 153.
76 CASSESE, Antonio. International law, p. 404.
77 TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A ANTIGA IUGOSLÁVIA. The Prosecuter of the Tribunal against Ramush Haradinaj. Indictment.
78  Ibidem.
79  Ibidem.
80  TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A ANTIGA IUGOSLÁVIA. The Prosecuter of the Tribunal against Ramush Haradinaj. Judgement. 
81  LYCK, Majbritt. International peace enforcers and indicted war criminals: the case of ramush haradinaj. International peacekeeping, v. 14:3, pp. 418-432.
82  TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A ANTIGA IUGOSLÁVIA. The Prosecuter of the Tribunal against Ramush Haradinaj. Judgement. 
83  SASSÒLI, Marco. International humanitarian law: rules, controversies and solutions to problems arising in warfare, pp. 181-182.
84  ABBINK, John. Ethiopia-Eritrea: Proxy wars and prospects of peace in the horn of Africa, pp. 407-426. 
85  GRAY, Christine. The Eritrea/Ethiopia claims commission oversteps its boundaries: a partial award?, pp. 699-721.
86  Ibidem.
87  CORTE PERMANENTE DE ARBITRAGEM. Eritrea-Ethipia Claims Commission. 
 88 CORTE PERMANENTE DE ARBITRAGEM. Eritrea-Ethipia Claims Commission. 
 89 GRAY, Christine. The Eritrea/Ethiopia claims commission oversteps its boundaries: a partial award?, pp. 699-721.
90  CORTE PERMANENTE DE ARBITRAGEM. Op. cit. 

Referências

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Citação

HUSEK, Carlos Roberto. Conflitos armados específicos, casos e decisões específicas. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Internacional. Cláudio Finkelstein, Clarisse Laupman Ferraz Lima (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/504/edicao-1/conflitos-armados-especificos,-casos-e-decisoes-especificas

Edições

Tomo Direito Internacional, Edição 1, Fevereiro de 2022