• Autonomia da vontade

  • Nadia de Araujo

  • Tomo Direito Internacional, Edição 1, Fevereiro de 2022

As relações jurídicas, quando dotadas de um elemento de estraneidade, encontram-se conectadas a mais de um ordenamento jurídico nacional. Nessas situações, há conflitos de duas ordens: o primeiro deles ligado à investigação sobre a possibilidade (ou não) de atribuição da jurisdição a um tribunal para conhecer e resolver eventual litígio associado à relação jurídica em questão (conflito de jurisdições); e o segundo relacionado à lei que rege o conjunto de direitos e obrigações das partes (conflito de leis). As questões ligadas a essa última situação são resolvidas tradicionalmente pelas regras de Direito Internacional Privado (DIPr) existentes em cada Estado, e é por meio delas que se estabelece a lei aplicável. 

Por essa razão, a depender do local em que for proposta a ação, a solução obtida pelas partes poderá ser diferente daquela eventualmente alcançada em outra jurisdição. Considerando-se o desejo das partes, especialmente nos seus negócios, de obter maior previsibilidade e segurança jurídica em suas relações, desenvolveu-se o princípio da autonomia da vontade. Seu objetivo era permitir aos contratantes a possibilidade de escolher previamente não só em que tribunal virá a ser decidida eventual disputa, mas também qual o direito aplicável à relação jurídica. 

Este verbete analisa o conteúdo e a função do princípio, tão somente sob a perspectiva dos conflitos de leis. O trabalho é dividido em duas etapas: na primeira, são introduzidos conceitos básicos da disciplina do DIPr, bem como o seu método de funcionamento. Na segunda, o princípio da autonomia da vontade é desenvolvido como elemento de conexão para escolha de lei, tanto nos negócios transnacionais como, mais recentemente, no direito de família.


1. O direito internacional privado: objeto e conteúdo da disciplina


Apesar de sua origem datar da Idade Média, pode-se dizer que o grande desenvolvimento da disciplina, no que tange aos contratos internacionais, ocorreu com o aumento e qualidade dos meios de transporte no século XIX1  O navio à vapor estabeleceu linhas regulares, e, também, uma maior segurança nas comunicações internacionais. A partir desse momento, houve um crescimento expressivo do comércio entre os países, com o consequente incremento das relações jurídicas transnacionais. 2

Hodiernamente, mais e mais indivíduos de diferentes localidades se relacionam, 3 pessoal e economicamente, demonstrando a utilidade das regras de Direito Internacional Privado. Constitui objeto da disciplina o estudo das relações dotadas de um elemento de estraneidade ou internacionalidade. Como cada país – a que se encontra conectada a relação – possui normas distintas, haverá diferença quanto a determinação de qual sistema legal deve reger a situação jurídica. 4

A finalidade do Direito Internacional Privado é, portanto, dar soluções aos problemas advindos das relações privadas, por meio de regulamentação própria para resolver o conflito de leis apresentado. 5 A sua operação se dá por uma técnica específica, o método conflitual, voltado à determinação da lei aplicável às situações jurídicas multiconectadas. Nesses casos, aplicam-se as regras internas de cada país, destinadas a regular os conflitos de leis no espaço. Referido método foi desenvolvido no século XIX, primordialmente por Savigny, e é composto de normas indiretas, também chamadas de normas de conexão. A partir de um elemento de conexão próprio para a questão, essas normas “apontam” para um determinado sistema jurídico nacional. Diz-se, por isso, tratar-se de um “sobredireito”,6  atuando mais como um indicador do caminho a ser seguido. 7 

No Brasil, as normas de conexão estão, primordialmente, na atual Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), Decreto-Lei 4.657/1942, modificado pela Lei 12.376/2010, nos artigos 7º a 17. Cada uma delas, a sua maneira, trata de um tópico do direito, tais como o domicílio, o local de celebração de um ato ou fato, o local de situação do bem e o local de constituição [no caso das pessoas jurídicas]. 8

O conflito de leis é, sem dúvida, o coração do DIPr, mas a disciplina cuida também de outras questões. Poder-se-ia perceber todas as suas ocorrências a partir da resposta a três perguntas, que bem ilustram as situações com conexões internacionais: (i) onde acionar; (ii) que lei aplicar e, (iii) como praticar os atos processuais internacionais no curso de processo judicial. 

A primeira pergunta diz respeito à jurisdição internacional. Muitas vezes, resolvida a questão quanto à competência do juiz nacional, 9 pouco resta de internacional ao problema em discussão. De ressaltar que essas normas são de caráter interno e unilaterais. Por isso, não há preocupação com o que ocorre em outros ordenamentos nacionais, uma vez que é expressão da soberania de cada Estado estabelecer os limites da jurisdição dos tribunais locais. 10

No direito brasileiro, os artigos 21 a 25 do Código de Processo Civil (CPC) tratam das situações acerca dos limites à jurisdição brasileira. Nos artigos 21 e 22 são previstas as hipóteses de competência concorrente do juiz brasileiro, situação em que a ação pode ser proposta tanto no Brasil como no exterior. No artigo 23, são previstos os casos de competência exclusiva, em que somente o juiz brasileiro poderá conhecer e resolver a questão, uma vez que se um juiz estrangeiro o fizer, a decisão não será passível de reconhecimento. No artigo 25 há permissão expressa para a eleição de foro nos contratos internacionais, afastando-se a jurisdição brasileira, se não for essa a escolhida exclusivamente pelas partes. De ressaltar ainda que, de acordo com o artigo 24, não são admitidas situações de litispendência internacional, pelo que, em casos de competência concorrente, valerá a decisão que primeiro transitar em julgado, seja ela nacional ou a estrangeira, depois de sua homologação no STJ.

A terceira indagação diz respeito às situações em que, no curso de um processo judicial, há necessidade de recorrer ao juiz estrangeiro, ou vice-versa, para o cumprimento de algum ato processual. No mesmo grupo encontram-se os casos de reconhecimento de decisões estrangeiras, estágio necessário para sua execução em território nacional. Há regras específicas para que esses procedimentos possam ser levados a cabo, incluindo tratados internacionais de cooperação.11  

E volta-se à segunda pergunta, que, como dito acima, diz respeito à determinação da lei aplicável aos casos dotados de um elemento de estraneidade. Nessas situações questiona-se se o indivíduo (pessoa natural ou jurídica) possui a faculdade de escolher a lei que será aplicada à situação jurídica internacional. Isso significa que, potencialmente, pode-se aplicar a lei de mais de um Estado. Exemplifica-se: seria possível afirmar que, de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, podem os contratantes determinar que o seu negócio jurídico será regido por uma lei estrangeira, diversa daquela do local de celebração do contrato, como determina o artigo 9º da LINDB? Ou se um casal pode determinar, antecipadamente, que os termos de seu pacto antenupcial seguirão, por ocasião de seu divórcio, um sistema jurídico específico? Todas estas perguntas giram em torno de tema muito discutido na doutrina: a manifestação da autonomia da vontade no DIPr brasileiro.


2. A autonomia da vontade 


2.1. Manifestações da autonomia da vontade no conflito de leis


2.1.1. Autonomia da vontade nos negócios


O princípio da autonomia da vontade na disciplina do DIPr, apesar do seu surgimento em um caso de direito de família ligado ao regime de bens,  12acabou por se desenvolver no campo dos negócios internacionais.13  Seu objeto se traduz na escolha, pelas partes, de um direito, aplicável ao conjunto de obrigações por elas assumido no âmbito de um contrato internacional. 14Afirma-se, precisamente, que a sua expressão resulta no afastamento das regras de conexão próprias do foro,15  que, não fosse a escolha, seriam aplicáveis à demanda pelo magistrado ou pelo tribunal arbitral. 

Muito combatido no século XIX 16 acabou por ser aceito no século XX e se consagrar nas convenções internacionais17  até se tornar um princípio de caráter universal. Peter Nygh, 18 nos idos dos anos noventa do século XX, afirmou que a liberdade de escolha da lei pelas partes a um contrato internacional era um princípio quase universalmente aceito, mas nos dias atuais pode-se dizer que o princípio atingiu a universalidade. 

Atualmente, é considerado como uma chave metodológica essencial para a maior liberalização do comércio internacional, evitando excessos regulatórios protecionistas e permitindo o maior fluxo de capital, bens e serviços. O princípio, assim, afasta a noção de que a regra aplicável a relação jurídica deve servir a um propósito de caráter territorial. 20 É possível creditar a aceitação do princípio em vários países, e também através de regras comuns, à expansão do comércio global, sob os fundamentos de uma economia fundada no neoliberalismo. 

Sua manifestação pode ocorrer através de uma escolha de lei expressa (geralmente informada em cláusula específica do contrato) e uma escolha tácita ou implícita. Neste último caso, a lei eleita pelas partes é vislumbrada a partir de uma interpretação das disposições do contrato e das circunstâncias do caso concreto. 21

A evolução do princípio da autonomia da vontade permite até mesmo, a depender do sistema jurídico nacional, a eleição tanto de um direito estatal, quanto de um não-estatal. Como exemplo, a lex mercatoria tem encontrado guarida no labor das organizações internacionais, e no caso dos contratos internacionais, expressamente nos Princípios da Haia. No Brasil, os princípios gerais de direito, os costumes, e os usos e regras do comércio internacional têm sua utilização expressamente permitida pelo art. 2º da Lei de Arbitragem Brasileira (Lei 9.307/1996). 22

São inúmeras as razões que potencialmente levam os contratantes a escolher um determinado direito. De grande relevo é a previsibilidade: ao escolher um sistema jurídico, as partes podem, de antemão, saber qual a lei que regulará os seus direitos e obrigações, tanto no cumprimento do contrato, quanto em caso de disputa 23 A possibilidade de antever tal questão produz resultado também nas negociações do contrato, e no próprio comportamento das partes ao longo da relação jurídica. 

Na ausência de coordenação entre os sistemas legais, no que toca as regras de conexão aplicáveis aos contratos internacionais, amplia-se o cenário de incerteza jurídica, que, por conseguinte, acresce risco ao negócio jurídico. A escolha pelas partes de uma lei afasta tal circunstância, reduzindo os custos da contratação e expandindo a eficiência na troca negocial. 24A escolha prévia obsta a discussão da questão no futuro pelas partes, e, no âmbito de um litígio, previne o dispêndio de tempo, além do custo, para se definir o direito aplicável ao mérito da demanda. 25

Além disso, permitir às partes a escolha de uma lei “neutra”, ou seja, que não possui qualquer vínculo ou conexão com as partes (como, v.g, a lei do local de domicílio ou residência dos contratantes) ou com o negócio jurídico em questão (como, v.g., a lei do local de celebração ou execução do contrato) pode lhes ser benéfico. A racionalidade por detrás dessa escolha está no fato de que algumas leis apresentam disposições mais especializadas (e adequadas) sobre determinada matéria.26  Será do interesse das partes, portanto, que o seu negócio jurídico seja submetido à regência de tal norma. 

Por outro lado, a autonomia das partes em escolher uma lei não é isenta de qualquer limite. A liberdade dos contratantes esbarra nas normas de aplicação imediata (lois de police) e na ordem pública do foro.27  Assim, ao resolver uma demanda, o magistrado sempre terá em mente que as disposições do direito escolhido não derrogam a aplicação da lex fori, no conjunto de matérias considerado como de domínio de regulamentação estatal, e relacionadas à organização política, social e econômica do país.28-29 Na mesma medida, não produzirão efeito as prescrições da lei estrangeira que, no caso em questão, viole a filosofia sócio-política-jurídica, bem como a moral e as necessidades econômicas do país. 30  Ambos os limites em questão são objeto de apreciação seja no momento em que o magistrado conhece do litígio originário, seja em oportunidade ulterior, quando do reconhecimento de sentença estrangeira. 

Embora consagrado de forma expressa em diversas legislações,31 inclusive em inúmeros países da América Latina,32  o princípio ainda encontra resistências no Brasil. Isso se dá principalmente em razão da relevante alteração legal ocorrida em 1942, com a revogação do art. 13 da introdução ao Código Civil de 1916, 33 e a inserção do art. 9º da atual LINDB.34  Para parte da doutrina, a retirada da expressão “salvo estipulação em contrário” indicava a escolha do legislador por suprimir a possibilidade de escolha de leis pelas partes, enquanto outros autores defendiam a manutenção do princípio.35  Tal impasse também é vislumbrado na jurisprudência. 

No entanto, percebe-se, gradualmente, um movimento pró-autonomia da vontade no direito brasileiro. Apesar do art. 9º da LINDB permanecer inalterado, o tema volta a ser objeto de debate no Poder Legislativo, onde há vários Projetos de Lei que a permitem expressamente. 36 Sem dúvida o vetor de mudança na legislação se deu após a edição da Lei de Arbitragem Brasileira, cujo art. 2º admite amplamente a autonomia da vontade, inclusive possibilitando às partes a escolha de um direito não-estatal. 37 Na jurisprudência, manifestações recentes do STJ defendem a aplicação do princípio no Brasil. 38

Nas hipóteses em que não for possível identificar uma escolha expressa ou tácita de lei, a regra de conexão brasileira determina a aplicação da lei do local em que constituída a obrigação (lex loci contractus). Em se tratando de contrato entre ausentes, o §2º do art. 9º da LINDB determina a aplicação da lei do local de residência do proponente. 39 E, por fim, nas hipóteses em que a obrigação houver de ser cumprida no Brasil, e depender de forma essencial, determina a LINDB que esta deverá ser observada, sem se olvidar da aplicação da lei estrangeira aos requisitos extrínsecos do ato. 40


2.1.2. Autonomia da vontade na família 


No direito de família, o princípio da autonomia da vontade enfrenta maior resistência, ante a possibilidade de as partes se encontrarem em níveis diversos de vulnerabilidade. São direitos com características muito diferentes daqueles que envolvem as relações comerciais, e muitas vezes não são de caráter disponível. 41 Cada ordenamento, a depender da cultura jurídica e dos interesses objeto de tutela, permite uma maior ou mais restrita autonomia. 

Tal como nos contratos, a possibilidade de escolher a lei aplicável exerce o papel de fornecer previsibilidade e segurança jurídica às relações familiares. O princípio possibilita que as partes antevejam o conjunto normativo que rege os direitos, deveres e obrigações existentes no núcleo familiar. Além disso, a autonomia da vontade permite a escolha de uma lei que se apresenta mais próxima, que corresponda melhor aos interesses subjetivos das partes e / ou que reflita, com maior precisão, a cultura de uma sociedade específica, de alguma forma ligada aos membros da família. 42

O casamento representa uma das hipóteses em que referido princípio é recepcionado de forma indireta: os nubentes, à par das escolhas e considerações pessoais, dirigem-se a um determinado país, cuja legislação se apresenta mais flexível quanto aos requisitos formais para celebração do ato jurídico. 43 Posteriormente, o casamento ali realizado é reconhecido de forma universal. Isso ocorre, uma vez que a maioria dos sistemas jurídicos adota, para os aspectos formais do matrimônio, a mesma regra de conexão (lex loci celebrationis).44  Até os dias de hoje, a formalização de determinadas relações pessoais (como é o caso das uniões homoafetivas) não é permitida em todos os ordenamentos nacionais. Dessa forma, o deslocamento dos noivos a tais locais reflete o exercício, mesmo que indireto, da autonomia da vontade.45  

Para as questões patrimoniais há um consenso maior sobre a utilização do princípio da autonomia da vontade. É fato que os cônjuges possuem um interesse direto em regular os reflexos do casamento no seu patrimônio. Não é incomum que as partes decidam, antes da celebração (ou mesmo depois, em alguns casos), determinar a forma pelo qual, em caso de divórcio / separação, dar-se-á a partilha dos seus bens.46  O tema mereceu atenção especial da HCCH, que, em 1978, finalizou a Convenção da Haia sobre a Lei Aplicável ao Regime de Bens Matrimonial. Tal instrumento representou a primeira tentativa global de permitir a autonomia da vontade para os regimes matrimoniais. 47 Embora a Convenção não tenha sido adotada em grande escala, 48 a União Europeia nela se inspirou para editar o Regulamento EU 2016/1103 sobre regime de bens.49-50

No direito interno, o Código Civil possibilita aos cônjuges escolher um dos regimes de bens previstos em lei. 51 Para o DIPr brasileiro, embora não haja nenhum dispositivo legal autorizando a escolha de lei de forma expressa, reconhece-se a autonomia indiretamente, já que será aplicável ao pacto a lei do local de sua celebração (lex loci contractus).52  Por isso, visando a produção de efeitos no Brasil, as partes poderão concluir o ajuste em um país, cuja lei almejam que o magistrado brasileiro aplique.53  

No caso dos alimentos entre cônjuges, a autonomia da vontade é recepcionada pelo Protocolo da Haia sobre a Lei Aplicável às Obrigações Alimentares, do qual o Brasil é parte signatária. 54 De acordo com este instrumento, podem as partes, em acordo por escrito, determinar a aplicação da lei de qualquer país do qual um deles seja nacional ou possua residência habitual no momento da designação, assim como a lei aplicável ao seu regime de bens ou a lei que rege o seu divórcio / separação judicial. 55 Nestes dois últimos casos, a autonomia exerce uma precípua função coordenativa, já que defere às partes a possibilidade de submeter os variados aspectos de sua relação jurídica a uma única lei. 56

Na União Europeia, o Regulamento Roma III [Regulamento UE 1.259/2010] admite, ainda, que as partes escolham a lei que regerá o próprio divórcio / separação judicial. 57 A escolha, entretanto, limita-se à lei do país de residência habitual dos cônjuges no momento da designação, a lei do país da nacionalidade de um deles, ou a lei do foro. 58

Nota-se que, nos casos acima, o princípio da autonomia da vontade nas questões de família não é tão amplo quanto nos contratos internacionais. Neste último campo, verifica-se que é possível, inclusive, a escolha de uma lei “neutra”, proveniente de um país sem qualquer conexão com a relação jurídica. Já na família, observa-se uma restrição das alternativas de leis potencialmente aplicáveis. Faculta-se às partes escolher dentre opções previamente definidas, e que tenham conexão direta com a entidade familiar, como é o caso da lex patriae (lei da nacionalidade) ou da lei do local de residência habitual. 

No que toca à filiação, a autonomia da vontade também se manifesta. É este o caso dos inúmeros casais que se dirigem a um outro país para concluir contratos de maternidade de substituição (surrogacy), quando, no seu local de domicílio ou residência habitual, tal prática é proibida.59 Atualmente, o tema é objeto de discussão pelos Estados membros da HCCH, que buscam um consenso quanto a necessidade de se reconhecer, internamente, os efeitos da filiação constituída alhures.60  

Por fim, verifica-se que a autonomia também tem encontrado espaço na sucessão, ao menos no âmbito da União Europeia. O Regulamento Europeu 650/2012 autoriza que o autor da herança se afaste da regra de conexão que determina a aplicação da lei de sua última residência habitual. 61 Assim, por meio de uma declaração expressa, poderá determinar que seja aplicada à sucessão dos seus bens a lei do(s) país(es) em que seja nacional. 62


Notas

1 Veja-se a interessante afirmação nesse sentido de David McClean: “The general point is that changes in technology have an effect on the substantive rules of law, including those of private international law. Those changes must also colour the legal and economic doctrines within which the development of rules of law takes place: freedom of contract, free market economy, or a more interventionist and regulatory policy”. (MCCLEAN, David. De conflictum legum. Perspectives on private international law at the turn of the century, 2000, p. 126).

2  Assim, “[as] fronteiras determinam a esfera de domínio dos Estados. Mas os homens, graças aos transportes modernos e ao formidável aparelhamento posto a seu serviço, na permuta das coisas e de idéias, realizam constante intercâmbio além dos limites do país natal e procuram impulsionar, avidamente, a riqueza, sem as limitações do espaço político-jurídico nacional” (TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, 1976, p. 10).

3  Este cenário levou a doutrina a afirmar a existência de uma sociedade internacional, cujas relações seriam estabelecidas a partir de diretivas, que constituiriam a ordem internacional. O Direito Internacional Privado seria, assim, a denominação dada ao grupo de regras da ordem internacional voltado às pessoas privadas, (BATIFFOL, Henri; LAGARDE, Paul. Traité de droit international privé, 1993, pp. 11-12).

De acordo com Kahn-Freund este é um dos problemas apresentados à disciplina do Direito Internacional Privado, ou também conhecido por Conflict of Laws: considerando que em um espaço geográfico, ao mesmo tempo, encontram-se em vigor vários sistemas legais, em determinada situação será necessário escolher de qual sistema retirar a regra de direito para decidir o caso (KAHN-FREUND, O. General problems of private international law, 1974, pp. 148-149).

O termo conflito de leis não significa colisão, mas sim concorrência entre normas de diferentes países. Nesse sentido, veja-se crítica formulada por DOLINGER, Jacob; TIBURCIO, Carmen. Direito internacional privado, 2018, pp. 6-7; e por ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado: teoria e prática brasileira, 2020, pp. 44 e ss. 

6  Nesse sentido, um direito sobre a aplicação de determinado direito, cf. defende PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacional privado, 1935, p. 10. 

7  Esta reflexão ilustra o método conflitual clássico, ainda utilizado pelo DIPr nos países europeus e da América Latina. Para esta concepção, um problema de DIPr não se constitui em uma questão de justiça material, mas sim de escolha da lei aplicável a uma dada situação. Por isso, diz-se tratar, em geral, de um instrumento ou um “direito sobre o direito”, cujo principal objetivo é promover a estabilidade das situações jurídicas internacionais. Nos últimos tempos, o método clássico vem sendo criticado pela doutrina e jurisprudência, muito em razão da sua suposta indiferença ao resultado gerado pela aplicação da lei designada pela norma indireta. Referida crítica tem por principal precursor o sistema unilateral norte-americano. Veja-se que, na Europa, o método clássico sofreu modificações e flexibilização das normas de conflito, seja por meio da elaboração de regras materiais de DIPr – a partir de convenções internacionais, seja pela incidência de princípios mais flexíveis, como o princípio da proximidade, ou pelo reconhecimento da autonomia da vontade. Para um estudo detalhado sobre o tema, veja-se ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado: teoria e prática brasileira, 2020, p. 44-57.

8  A LINDB não é a única fonte do DIPr. Veja-se que, de origem doméstica, encontram-se dispositivos na Constituição Federal, no Código de Processo Civil e no Regimento Interno dos Tribunais Superiores, como o STJ. Além disso, de origem internacional, é possível destacar os tratados internacionais (multilaterais, bilaterais e regionais), além dos instrumentos de soft law, fruto do labor de organizações internacionais como a Conferência da Haia de Direito Internacional Privado (HCCH), a Organização dos Estados Americanos (OEA), a UNCITRAL e o UNIDROIT. Por fim, também são consideradas fontes a doutrina e a jurisprudência, tanto de origem nacional como internacional. 

Neste verbete, utilizou-se “competência” como sinônimo de “jurisdição”. No entanto, não se olvida da diferenciação apresentada pela doutrina entre os dois termos: jurisdição como uma das funções do Estado e competência como a repartição interna da jurisdição. Para um estudo aprofundado, veja-se JATAHY, Vera. Do conflito de jurisdições – a competência internacional da justiça brasileira, 2003, p. 10.

10  A função de jurisdição decorre do exercício da soberania e, portanto, cada Estado define as matérias e questões que sejam de seu interesse e conveniência julgar. Ver MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil, 2000, p. 294.

11  No Brasil, as decisões proferidas no exterior podem ser aqui reconhecidas por meio da “ação de homologação”. Para esses casos, a legislação brasileira prevê, antes de seu cumprimento, um procedimento preliminar, cuja competência originária é do Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, i, da CF). As regras que regulam o reconhecimento das decisões estrangeiras são encontradas no CPC, nos arts. 960 a 965. 

12  Atribui-se a Charles Dumoulin, jurista francês do século XVI, o desenvolvimento do princípio da autonomia da vontade no DIPr. Na época em que desenvolveu sua tese, o direito francês ainda não fora codificado nacionalmente e as leis das diversas províncias francesas eram tratadas umas perante as outras como direito estrangeiro, situação semelhante à das cidades italianas com seus estatutos. A tese foi exposta em um parecer que Dumoulin escreveu sobre o Affaire Ganey, de 1525, no qual se pronunciava favoravelmente à aplicação da Lei de Paris ao regime matrimonial do casamento ali realizado, por ter sido esse o primeiro domicílio conjugal do casal, o que indicava tacitamente a sua preferência por essa lei para reger o conjunto de seus bens. Casando-se sem contrato e sem expressa indicação do direito aplicável, a escolha tácita das partes só poderia ser aquela do seu primeiro domicílio comum. Pretendia Dumoulin a existência de um princípio segundo o qual, nas relações contratuais conectadas a mais de um sistema jurídico, poderiam as partes determinar a lei aplicável àquela relação jurídica, em seu bojo, independentemente do que determinavam as regras de conexão do foro onde a questão poderia vir a ser julgada. Para um aprofundamento da origem histórica do princípio, v. ARAUJO, Nadia de. Contratos internacionais, 2009, p. 55 e ss. 

13  A autonomia da vontade não se confunde com a autonomia privada, esta última voltada a liberdade das partes para definir o conteúdo do negócio jurídico por elas entabulado, cf. destaca Alfonso-Luis Calvo Caravaca: “Es frecuente que los contratantes elijan la ley estatal que rige su contrato (Parteiautonomie). Ésta es el homólogo de la autonomía de los particulares (Privatautonomie): mientras que esta última se refiere a la libertad de las partes para determinar por ellas mismas el contenido material del contrato, la autonomía conflictual significa la libertad de las partes para elegir el ordenamiento jurídico que regirá su contrato” (CARAVACA, Alfonso-Luis. Fundamentos teóricos de la autonomía de la voluntad en los contratos internacionales, 2020, p. 164-167).

14 Veja-se, que o direito escolhido não se limita a regência apenas dos direitos e obrigações assumidos, mas também se estende a outras matérias. Os Princípios da Haia relativos à escolha de lei aplicável aos contratos comerciais internacionais (“Princípios da Haia”) atuam como um importante guia interpretativo do tema. Seu artigo 9º prevê, em rol meramente exemplificativo, que a lei designada pelas partes rege também a interpretação do contrato (alínea a), o cumprimento e as consequências do descumprimento, incluindo a avaliação do dano (alínea c), as diversas causas de extinção das obrigações, bem como a prescrição e a caducidade (alínea d), a validade e as consequências da invalidade do contrato (alínea e), o ônus da prova e as presunções legais (alínea f) e as obrigações pré-contratuais (alínea g). A extensão da autonomia das partes dependerá, em última instância, das prescrições de cada foro. No entanto, também se comunga a possibilidade de as partes escolherem diferentes leis para o contrato, cada uma regendo determina matéria ou questão. Tal fenômeno se denomina dépeçage ou fracionamento. Para um aprofundamento sobre a questão, v. ARAUJO, Nadia. Direito internacional privado: teoria e prática brasileira, p. 397-399. Veja-se, também, RIQUIER, Eric; WANG, Xiano-Yan. Glossaire de droit international privé, 1992, p. 123. Sobre os Princípios da Haia, v. GAMA JUNIOR, Lauro. Tacit choice of law in the Hague principles: towards a global framework for international commercial transactions – implementing the Hague principles on choice of law in international commercial contracts, 2017, pp. 336-350; ARAUJO, Nadia de; GAMA JUNIOR, Lauro. A escolha de lei aplicável aos contratos internacionais. os futuros princípios da haia e perspectivas para o brasil, 2012, p. 11-41.

15  Segundo Jean-Michel Jacquet, o princípio da autonomia da vontade possui uma função de regra de conexão, uma vez que, inserido em convenções internacionais, passa a ser um princípio conflitual, cf. JACQUET, Jean-Michel. Principe d’autonomie et contrats internationaux, 1993, pp. 15-16. Para uma visão da common law sobre o princípio, v. HARTLEY, Trevor. The modern approach to private international law. international litigation and transactions from a common-law perspective, 2013, p. 205 e ss. 

16  A doutrina francesa possuía uma corrente fortemente contrária ao princípio, tendo Chassat, Niboyet e Pillet como seus expoentes. Chassat, já em 1841, criticava a teoria por entender que retirava da lei uma de suas características essenciais: a de governar todos os interesses para o benefício comum, acima dos desejos de todos os indivíduos. Niboyet critica duramente a teoria de Dumoulin, esclarecendo que as razões partiam do fato de ser ele um advogado desejoso de satisfazer seus clientes e fazê-los ganhar seus processos. Niboyet acreditava que não havia teoria da autonomia da vontade, mas simplesmente liberdade das partes na estipulação de suas convenções em matéria de contratos. Nesse mesmo sentido, Pillet entendia estar a autonomia das partes adstrita à liberdade de convencionar. Não possuíam estas a liberdade de derrogar as regras imperativas de direito interno, que deveriam manter sua obrigatoriedade também na esfera internacional. V. ARAUJO, Nadia de. Contratos internacionais, 2009, pp. 59 e ss. 

17  A Convenção da Haia sobre a Lei Aplicável às Vendas de Caráter Internacional de Objetos Móveis, finalizada em 1955, dedicava-se ao conflito de leis, e foi a primeira convenção internacional a estabelecer, na designação da lei aplicável ao contrato (Artigo 2º, §1º), o critério da autonomia da vontade como fator de conexão principal, sendo responsável pela sua aceitação em nível internacional. Posteriormente, a Conferência da Haia promoveu a atualização da Convenção de 1955 com a Convenção sobre a Lei Aplicável aos Contratos de Venda Internacional de Mercadorias, de 1986. Esta convenção não entrou em vigor e sua elaboração foi contemporânea à da Convenção de Viena sobre Compra e Venda Internacional, da UNCITRAL, finalizada em 1980. Mais recentemente e no âmbito regional, merece destaque, pelo seu papel precursor na matéria de autonomia da vontade, a Convenção Interamericana sobre Direito Aplicável aos Contratos Internacionais, finalizada na CIDIP V, no México, em 1994. A convenção admite a escolha de lei pelas partes no art. 7. Entretanto, somente o México e a Venezuela ratificaram o instrumento. Para um estudo completo, no âmbito regional, sobre o tema da lei aplicável aos contratos internacionais, veja-se o Guia relativo ao Direito Aplicável aos Contratos Comerciais Internacionais nas Américas, elaborado pela Comissão Jurídica Interamericana. Disponível em: . Acesso em: 31/03/2021.

18  NYGH, Peter. Autonomy in international contracts, 1999, p. 13. 

19 V. JAYME, Erik. O novo direito internacional – estudos em homenagem a Erik Jayme, 1995, p. 17. 

20  WATT, Horatia Muir. Encyclopedia of private international law, 2017, p. 1336. 

21  Nesse sentido, v. artigo 4º dos Princípios da Haia. 

22  Artigo 2º: “A arbitragem poderá ser de direito ou de equidade, a critério das partes. §1º Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública. §2º Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio”. Veja-se, também, o artigo 3º dos Princípios da Haia. Na doutrina, v. GAMA JUNIOR, Lauro, que defende a possibilidade de escolha de um direito não estatal pelas partes, desde que tal escolha não viole as normas imperativas da lex contractus. GAMA JUNIOR, Lauro; OLIVEIRA, Agatha Brandão de. Direito internacional e comparado: trajetórias e perspectivas – homenagem aos 70 anos do Professor Catedrático Rui Manoel Moura Ramos, 2021, pp. 393 e ss. 

23  CARAVACA, Alfonso-Luis. Fundamentos teóricos de la autonomía de la voluntad en los contratos internacionales, 2020, p. 169. No mesmo sentido, veja-se o estudo realizado por Christian Kohler, que destaca a previsibilidade como justificativa do princípio na tradição do common law. Fazendo referência à doutrina alemã de G. Kegel, o autor também destaca a necessidade do princípio, como uma resposta a incapacidade da lei que rege o contrato internacional em corresponder aos inúmeros e diversos interesses das partes. Nesse sentido: “En effet, selon l’éminent auteur allemand, il serait impossible pour la législateur d’arriver à une « balance plausible des intérêts des parties » lorsque ceux-ci visent une pluralité de droits : face à cette impasse, la lois « laisse la décisions aux parties »”. KOHLER, Christian. L’autonomie de la volonté en droit International privé : un principe universel entre libéralisme et étatisme, 2013.

24  Nesse sentido, “It has to be recalled that the primary objective of the regulation of cross-border contracts is the reduction of transaction costs generated by the constitutional uncertainty of foreign trade. These costs have various reasons: uncertainty about the applicable law, the fragmentary nature of that law, in particular the absence of rules on certain issues relevant for the contract at hand, difficult access to legal literature on the applicable law, language problems, the lack of precision inherent in the foreign legal language relevant to the case at hand, the difficulty of obtaining advice on the foreign law, etc. In cases linked to several legal systems, these costs may be multiplied”. BASEDOW, Jürgen. Lex mercatoria and the private international law of contracts in economic perspective, 2013, p. 710. Para um estudo sobre a eficiência resultante da escolha de lei, veja-se também RUHL, Gisela. Party autonomy in the private international law of contracts: transatlantic convergence and economic efficiency, 2007, pp. 31-33. 

25 V. ARAUJO, Nadia de. Direito e economia no Brasil, 2021, pp. 440 e ss. 

26  Nesse sentido, “Mais au-delà même de la simple prévisibilité, le principe d’autonomie leur permet véritablement de choisir la législation qui sera la plus appropriée à l’économie de leur convention”. JACQUET, Jean-Michel. Le contrat international, 1992, p. 39. Nesse sentido, veja-se a preponderância da escolha da lei inglesa e suíça nos contratos internacionais. Para um estudo empírico do tema, v., por todos, CUNIBERTI, Gilles. The international market for contracts: the most attractive contract laws, 2014, p. 445 e ss. 

27 Cf. ensina RODAS, João Grandino. Contratos internacionais, 2002, p. 51 e ss. A ressalva também é apresentada no artigo 11º dos Princípios da Haia. 

28  KASSIS, Antoine. Le nouveau droit européen des contrats internationaux, 1993, p 181. 

29  No Brasil, tal é a hipótese das normas consumeristas, dispostas no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990). Sobre as normas de aplicação imediata e o CDC, veja-se MARQUES, Cláudia Lima. Normas de aplicação imediata como um método para o direito internacional privado de proteção do consumidor no Brasil. Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito PPGDir/UFRGS, p. 65-96. 

30 Cf. definição de DOLINGER, Jacob. A evolução da ordem pública no direito internacional privado, 1979, pp. 4-5. 

31 Veja-se, na União Europeia, o artigo 3º do Regulamento (CE) 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de Junho de 2008 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, também denominado de Regulamento Roma I. 

32 No âmbito dos Estados Parte do Mercosul, veja-se o art. 2.651 do Código Civil y Comercial de la Nación Argentina; o artigo 4º da Ley 5393 sobre el derecho aplicable em los contratos internacionales (Paraguai); e o artigo 45 da recente Ley General de Derecho Internacional Privado do Uruguai. Na doutrina, veja-se, por todos, ALBORNOZ, María Mercedes. El derecho applicable a los contratos internacionales em los Estados del Mercosur. Boletín mexicano de Derecho Comparado, pp. 631 e ss.

33 Lei 3.071/1916, art. 13. “Regulará, salvo estipulação em contrário, quanto à substância e aos efeitos das obrigações, a lei do lugar, onde forem contraídas” (grifou-se). 

34 Art. 9º. “Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem”. 

35 Veja-se um mapeamento detalhado da doutrina em ARAUJO, Nadia de. Contratos internacionais, 2009, pp. 108-120.

36  Mais recentemente, veja-se inciativa do Senador Rodrigo Cunha, com o PLS 1.038/2020, para alteração do art. 9º da LINDB. Para acesso ao texto proposta, v. . Acesso em: 17/03/2021. 

37  Veja nota 12. 

38  “A partir das mudanças institucionais da Ordem Constitucional de 1988, também no âmbito do Superior Tribunal de Justiça a questão já́ foi apreciada em algumas oportunidades, tendo esta Corte Superior assentado o entendimento de incidir a lei estrangeira no caso concreto, haja vista a escolha das partes pela sua regência do caso, seja por expressa disposição contratual, seja, ainda, pelo local da celebração do ato”, página 8 (STJ, REsp 1.343.290/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julg. 16/04/2019, DJe 01/05/2019).

39  Art. 9º, §2º: “A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente”. 

40  Art. 9º, §1º: “Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato”. 

41  “Family traditionally has been the field where relationships are not at the disposition of the parties. Certainly, one is free to marry or not, to petition for a divorce or nor, or to establish or not parent-child family law relationships like by the way of adoption or recognition of a child born out of wedlock, but in principle, always within the mandatory framework of a given law. Shrewd escapes from such law were sanctioned as fraus legis. The freedom to designate the applicable law has been for a long time a long step too far” (STRUYCKEN, A. V. M. Co-ordination and cooperation in respectful disagreement, 2004, p. 370).

42  Cf. reflete Cristina González Beilfuss: “(…) some individuals and families would feel more attached to their State of origin, whereas others would be more connected to the State of reception. In this vein, party autonomy could be used as a tool for the defence of cultural identity. By permitting parties to select their national law, private international law would show respect for cultural identity”. (BEILFUSS, Cristina González. Party autonomy in international family law, 2020, p. 184).

43  Veja-se que, para além da busca por uma legislação flexível, as partes podem querer se submeter a uma determina forma de celebração do casamento, como é o caso das cerimônias religiosas. Para Erik Jayme, a autonomia, nesse aspecto, reflete um respeito à identidade cultural dos esposos (JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration: le droit international privé postmoderne, 1995, pp. 154-156. 

44 O Brasil também recepciona a lex loci celebrationis. De acordo com o art. 7º, §1º, da LINDB: “Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração” (grifou-se). 

45  Mesmo assim, referidas situações familiares dependerão, ainda, de reconhecimento local. A ausência deste pode resultar em problemas em diversas áreas do direito de família. 

46  Veja-se que o regime de bens possui repercussão direta na sucessão, cf. ARAUJO, Nadia de; SPITZ, Lidia; NORONHA, Carolina. Arquitetura do planejamento sucessório, 2021, pp. 309-325.

47  Sobre a Convenção da Haia de 1978, veja-se WATTÉ, Nadine. L’autonomie de la volonté dans les conventions de la Haye, 1991, pp. 416 e ss. 

48  Apenas França, Luxemburgo e os Países Baixos aderiram à convenção. Maiores informações disponíveis em: . Acesso em: 31/03/2021.  

49  Regulamento UE 2016/1103 do Conselho, sobre cooperação, competência, lei aplicável e reconhecimento e execução de decisões em matéria de regimes matrimoniais. Na doutrina, v. BONOMI, Andrea. Autonomie des parties em droit patrimonial de la famille et intérêt des entrepreneurs : aspects de droit matériel et de droit international privé. Revue suisse de droit international et de droit européen, 2004, pp. 459-472.

50  Cf. VAN LOON, Hans. Private international law, 2019, p. 228.

51 Art. 1.639. “É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver”. Para um estudo sobre o tema, veja-se, por todos, TEPEDINO, Gustavo; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Fundamentos do direito civil: direito de família, 2020, pp. 93-143. 

52  Trata-se, nesse caso, de aplicação do art. 9º da LINDB, cf. DOLINGER, Jacob. Direito civil internacional – a família no direito internacional privado. casamento e divórcio, 1997, p. 180. 

53  Veja-se que, no Brasil, a definição do regime de bens dos nubentes constitui requisito formal para a celebração do casamento. Se aqui ocorre o matrimônio, poderão as partes selecionar um dos regimes estabelecidos no Código Civil. Na hipótese que não o fizerem, o regime, por determinação legal (art. 1.640 do Código Civil), será o de comunhão parcial de bens. Para um estudo aprofundado no tema e seus reflexos no direito sucessório, v. ARAUJO, Nadia de; SPITZ, Lidia; NORONHA, Carolina. Arquitetura do Planejamento Sucessório, 2021, pp. 309-325.

54  A Convenção da Haia sobre Cobrança Internacional de Alimentos para Crianças e Outros Membros da Família e o Protocolo sobre Lei Aplicável às Obrigações de Prestar Alimentos foram internalizados no ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto 9.176/2017.

55  Artigo 8º do Protocolo da Haia. No mesmo sentido, v. artigo 15 do Regulamento (CE) 4/2009 do Conselho relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares. 

56  Cf. BEILFUSS, Cristina González. The role of party autonomy in pursuing coordination. in: planning the future of cross border families: a path through coordination, 2020, pp. 243-257.

57  Regulamento (UE) 1259/2010 do Conselho sobre cooperação no domínio da lei aplicável em matéria de divórcio e separação judicial. Veja-se considerando 9: “O presente regulamento deverá instituir um quadro jurídico claro e completo em matéria de lei aplicável ao divórcio e separação judicial nos Estados-Membros participantes e garantir aos cidadãos soluções adequadas em termos de segurança jurídica, previsibilidade e flexibilidade, bem como impedir situações em que um cônjuge pede o divórcio antes do outros para que o processo seja regido por uma lei específica, que considera mais favorável à salvaguarda dos seus interesses”. 

58  Artigo 5º do Regulamento. 

59  No Brasil, admite-se a prática da maternidade de substituição, porém de forma mais restrita, ou seja, desde que preencha determinados requisitos, dentre eles o de gratuidade do ato. Para um estudo do tema no Brasil, v. ARAUJO, Nadia de; VARGAS, Daniela; MARTEL, Letícia de Campos Velho. international surrogacy arrangements – legal regulation at the international level, 2013, pp. 85-92. 

60  Veja-se o Projeto Parentage / Surrogacy da HCCH. Disponível em: . Acesso em: 18/03/2021. 

61  Artigo 21 do Regulamento (UE) 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à competência, lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu.

62  Artigo 22 do Regulamento. 

Referências

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Citação

ARAUJO, Nadia de. Autonomia da vontade. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Internacional. Cláudio Finkelstein, Clarisse Laupman Ferraz Lima (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/488/edicao-1/autonomia-da-vontade

Edições

Tomo Direito Internacional, Edição 1, Fevereiro de 2022

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