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Alienação fiduciária em garantia
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Erik Frederico Gramstrup
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Tomo Direito Civil, Edição 1, Dezembro de 2021
Este verbete trata da alienação fiduciária em garantia, negócio jurídico que dá origem a um direito real de garantia sobre coisa própria, a propriedade fiduciária. Por meio desse contrato, o alienante, normalmente o devedor fiduciante, atribui ao adquirente, o credor fiduciário a propriedade temporária de um bem dado em garantia de obrigação. O contrato surgiu, no direito privado brasileiro e na década de 1960, com o propósito de facilitar o financiamento de bens de consumo. Hoje, essa causa econômico-social foi muito ampliada pela legislação extravagante e o instituto foi unificado pelo Código Civil, que o trata no âmbito dos direitos reais como propriedade fiduciária. As diversas modalidades de alienação fiduciária em garantia e de propriedade fiduciária com idêntico fim serão tratadas, neste texto, como espécies de um gênero único, que obedece a princípios comuns e pode ser reconhecido por atributos também comuns. Não é a abordagem mais comum na literatura pátria, que prefere abordar cada tipo específico de alienação fiduciária em garantia com as peculiaridades próprias de seu ramo especializado. Cremos, no entanto, que os tempos já estejam maduros para uma sistematização, favorável, inclusive, a que o credor civil passe a fazer uso mais frequente de um contrato e de garantia sobre coisa própria extremamente útil, porém pouco empregado fora do âmbito das instituições financeiras. Com esse propósito em vista, trataremos da alienação de coisa móvel (fungível e infungível) e da alienação fiduciária de imóveis dentro e fora do Sistema Financeiro Imobiliário, com ênfase nos aspectos conceituais comuns, mas sem descurar de suas particularidades.
1. Alienação fiduciária: definição e generalidades
A alienação fiduciária em garantia é negócio jurídico praticado, no Brasil, com o escopo de dar nascimento a garantia consistente na propriedade resolúvel, conferida ao credor até a solução da obrigação garantida. Pode ter como objeto móveis e imóveis. Referida propriedade é temporária (pro tempore) e conhecida pelo nome de propriedade fiduciária. Não se equipara à propriedade plena (e isso é reconhecido, com efeitos práticos, pela jurisprudência1) dado o seu propósito de garantia; as faculdades do credor fiduciário (titular da propriedade fiduciária) são compreendidas em função desse escopo.
Notemos algumas particularidades nessa definição. Primeiramente, o negócio jurídico. Compreende-se como espécie de negócio fiduciário, ou seja, aquele negócio em que a titularidade sobre bem ou direito, transferida com fins evidenciados no próprio ato negocial, deve ser restituída ou transferida a um terceiro . A alienação não é o fim do negócio, mas meio para que outros propósitos sejam realizados. Nesse contexto, o negócio fiduciário pode ser considerado principal (quando o fim é a administração do bem ou do direito) ou acessório (quando o fim é o de constituir garantia de outra relação jurídica2). Diz-se fiduciante a parte que transmite a propriedade e fiduciário aquele a quem ela é transmitida.3
Justamente porque a alienação não é o propósito per se do negócio fiduciário, mas instrumento para outros fins, sempre houve a preocupação de distingui-lo do negócio simulado. Há simulação em ato negocial quando as partes declaram o que não querem (simulação absoluta) ou declaram algo diverso do que pretendem (simulação relativa). Em poucas palavras, não são sinceras quanto ao escopo negocial. Além disso, na simulação há o objetivo de frustrar a aplicação de norma cogente ou de prejudicar terceiros. Nenhum dos requisitos da simulação comparece em um negócio fiduciário, ao menos quando normalmente celebrado. As partes enunciam claramente a sua vontade de transferir o bem com o propósito de administração ou de garantia, não havendo, portanto, fraude, nem intenção de ferir direitos de terceiros. O fiduciante e o fiduciário não ocultam seus objetivos, tampouco criam um velo para ocultar sua vontade real, que transparece no negócio fiduciário.
Em conclusão, a propriedade fiduciária em garantia decorre do negócio alienação fiduciária. E pode ser definida como a propriedade resolúvel de coisa que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor. Registre-se que essa definição é um pouco mais ampla do que a constante do art. 1.361 do Código Civil, que se refere, muito restritivamente, à coisa móvel infungível. Mas o art. 1.367 já deixa claro que pode ter por objeto bens móveis e imóveis (e, também, direitos reais, como veremos)4.
1.1. Alienação fiduciária: comparação com o trust
Há semelhanças bastante óbvias entre o negócio fiduciário e seu correlato da Common Law, o trust. No trust, tem-se o fenômeno da propriedade “dividida” (equitable title to the property e legal title to the property). Um sujeito, o trustee, será titular do bem (legal title) com base no acordo conhecido como deed of trust. Quando tal contrato é celebrado com fins de garantia, o trustee terá o poder de alienar o bem (power of sale), caso a obrigação não seja paga. Note-se que o trustee é um terceiro imparcial em relação ao credor e o devedor. Mas o trust é um instituto muito mais amplo quanto à sua função social. Ele pode ser constituído para fim de investimento5, constituição de fundo de pensão, caridade, mantença de monumentos e animais, no interesse de menores, em benefício de associações e sindicatos, apenas para ilustrar e sem esgotar o assunto6. A palavra trust, em um universo tão elástico, pode ser empregada para designar o conjunto de responsabilidades do trustee, cuja titularidade deve ser exercida segundo o modo previsto no instrumento constitutivo, ou ainda segundo a equidade e em prol das pessoas indicadas como cestuis que trust, isto é, os beneficiários (dentre os quais poderia figurar o próprio trustee!).7
1.2. Partes da alienação fiduciária
São partes na alienação fiduciária o devedor fiduciante e o credor fiduciário. Essas expressões não são casuais e nem podem ser substituídas uma pela outra, como infelizmente por vezes se lê em algumas decisões judiciais. O devedor é “fiduciante” porque deixa a coisa em mãos do credor. E este é “fiduciário” porque recebe a propriedade resolúvel sobre o bem. Como nem sempre a alienação fiduciária visa à aquisição financiada do bem, embora esse seja o caso mais corriqueiro, pode mais raramente comparecer, ao lado do devedor, um terceiro legitimado a dispor da coisa para fins de garantia. Naturalmente, na medida em que consente com a garantia, ele deixa de ser terceiro no sentido próprio da expressão, passando a integrar a relação contratual.
1.3. Alienação fiduciária em geral: sede normativa e objeto
A sede normativa da alienação fiduciária, no Brasil, é complexa. Nas origens, esse negócio foi projetado para a aquisição de bens pelo consumidor mediante financiamento. Tinha, portanto, como objeto a coisa móvel infungível. Foi inicialmente tratado pela Lei 4.728/1965, conhecida como lei do mercado de capitais. Tratava-se de contrato, nesse momento histórico, privativamente empregado por instituições financeiras e tinha como objeto o bem móvel. Essa é a razão de o Código Civil referir-se, pelo menos de início, à coisa móvel infungível. Pois o credor fiduciário tem o ônus de identificar o bem, se ele não o fosse por número de série ou por outros sinais particulares. Desse modo, ainda que se tratasse de bem de consumo produzido em série, ele era (e é) contratualmente tratado como bem infungível. As disposições da Lei 4.728 foram integralmente reformuladas pela Lei 10.931/2004, que passou a mencionar expressamente as coisas móveis fungíveis e, também, os direitos reais e de crédito, mas neste último caso (direitos) o negócio é chamado de cessão fiduciária8. Os aspectos procedimentais da alienação fiduciária de coisas móveis, notadamente quanto à excussão extrajudicial, foram tratados pelo Decreto-Lei 911, de 1969.
No final da década de 1990, a alienação fiduciária foi estendida aos bens imóveis. A Lei 9.514, de 1997 organizou o Sistema Financeiro Imobiliário e passou a admitir que fosse conferida, como garantia, não apenas a propriedade resolúvel sobre os imóveis em sentido estrito (isto é, o solo e suas acessões), mas também sobre direitos reais imobiliários, como a enfiteuse, a superfície, o direito real de uso e o uso especial para fim de moradia, limitados, nas hipóteses do uso e da superfície, pelo prazo determinado no seu título constitutivo. O Sistema Financeiro Imobiliário veio tomar o lugar do antigo Sistema Financeiro da Habitação, que se valia basicamente da garantia hipotecária9. Por essa e outras razões, que apontaremos no devido tempo, a hipoteca entrou em franca decadência no Brasil. Uma outra observação deve ser destacada: em que pese a alienação fiduciária de imóveis haver sido tratada no âmbito de uma lei setorial, ela não é restrita às instituições financeiras10 e sequer se limita pela finalidade de financiar a aquisição do bem de raiz. A garantia pode ser contratada por qualquer um e pode ser conferida como acessório de qualquer espécie de mútuo ou de financiamento atípico. No primeiro caso (aquisição financiada), o mercado costuma referir-se à “propriedade retida”, porque o bem financiado é atribuído em caráter resolúvel ao credor fiduciário e assim fica até o pagamento e, no segundo, à “propriedade transmitida”, porque se tratava de mútuo ou financiamento garantido por bem já de titularidade do devedor fiduciante e, naturalmente, transferido em caráter resolúvel ao credor fiduciário. Também seria possível figurar um financiamento não aquisitivo, cuja garantia fosse conferida por terceiro.
O Código Civil de 2002 chegou, neste instituto como em outros, um tanto tardiamente, fixando normas gerais sobre a propriedade fiduciária. Isso explica por que menciona, inicialmente, a alienação fiduciária de coisa móvel infungível (art. 1.361)11, para depois corrigir-se (em dispositivo reformulado em 2014, o art. 1.36712), acrescentando os bens imóveis. Não se refere à cessão fiduciária de direitos, mas, como vimos, essa possibilidade está amplamente prevista pela legislação extravagante.
1.4. Noções comuns: constituição, desdobramento da posse e finalidade
Todas as espécies de alienação fiduciária e de propriedade fiduciária têm alguns aspectos conceituais comuns, dos quais nos ocuparemos agora.
Primeiramente, o negócio jurídico é praticado por escrito, inscrito no registro próprio para produzir efeitos contra terceiros. Em se tratando de bens móveis (ou de direitos de crédito), o instrumento pode ser público ou particular. Normalmente é levado ao Registro de Títulos e Documentos, mas no caso de veículos automotores também deve ser inscrito na repartição de trânsito13. Na alienação fiduciária de imóveis (e de direitos reais imobiliários), a inscrição é feita no Registro de Imóveis, mas também se admite que o instrumento seja público ou particular, tendo este último efeito de escritura pública14. A razão dessa exceção é a redução dos custos de transação, tornando os financiamentos mais acessíveis.
Diante dessas exigências, nota-se que a propriedade fiduciária se aperfeiçoa desde a celebração do instrumento escrito (público ou particular), mas se torna oponível contra terceiros quando do registro15. Ela existe entre as partes desde o consentimento por escrito, mas tem sua eficácia ampliada quando levada ao registro próprio, variável conforme o caso. E a extensão dos efeitos, vale notar, é de grande relevância para o credor fiduciário no caso de insolvência do devedor. No entanto, como veremos adiante, o Superior Tribunal de Justiça firmou precedente no sentido de que o registro é constitutivo, quando a garantia fiduciária for imóvel.
Estabelecido o momento da constituição da propriedade fiduciária, é a partir de então que se verificará o desdobramento da posse. O credor fiduciário passa à condição de possuidor indireto do bem; o devedor, a seu turno, torna-se possuidor direto. Isso faz muito sentido nos financiamentos destinados à aquisição do bem dado em garantia, porque o adquirente, desde logo, pode usá-lo16. A posse tornará a ser plena em caso de inadimplemento, em mãos do credor e para fins de execução da garantia; ou na hipótese de pagamento, em mãos do devedor – e tal pagamento é condição resolutiva da propriedade fiduciária. Exceção ao que dissemos é a cessão fiduciária de direitos representados por títulos de crédito, porque, nesse caso, a posse dos títulos permanece, salvo disposição em contrário, com o credor.17
Paralelamente ao desdobramento da posse, a alienação (ou a cessão) fiduciária estabelece, para o credor fiduciário, uma propriedade (ou titularidade) resolúvel e teleologicamente orientada pela função de garantia. Primeiramente, porque está sujeita, no plano da existência, à condição resolutiva do pagamento. E, em segundo lugar, porque o proprietário fiduciário não é um titular comum, não dispondo de todas as faculdades inerentes ao domínio. O Código Civil deixa-o bem claro, por disposição explícita (art. 1.367). Isso significa, por exemplo, que ao credor fiduciário não compete usar do bem, nem fruir18 e nem mesmo ficar com ele, pois deve excuti-lo em havendo inadimplemento. É pela mesma razão que se costuma negar a responsabilidade do credor fiduciário por despesas e dívidas da coisa, salvo se imitido na posse plena – mas a questão apresenta peculiaridades que teremos de tematizar. Pode-se afirmar que, antes do inadimplemento, a propriedade fiduciária confere apenas uma expectativa de dispor do bem, se o devedor vier a falhar; depois do inadimplemento, surge o direito de consolidar a propriedade e de excutir a coisa, mas mesmo esse direito é orientado a um fim. Tanto assim que o Código Civil proíbe o pacto comissório19 (art. 1.365) e, também, impõe ao credor vender a coisa a terceiros, no caso de inadimplemento (art. 1.364). Da mesma forma, a Lei 9.514/1997, não obstante preveja, não purgada a mora, a consolidação da propriedade fiduciária de imóvel, mediante averbação no registro de imóveis, impõe ao credor prazo para realizar os públicos leilões.
Em suma e para bom entendimento, são características comuns a constituição da propriedade (e demais formas de titularidade) fiduciária o instrumento constitutivo escrito, público ou particular; a ampliação da eficácia pelo registro; o desdobramento da posse em direta e indireta; e a natureza teleologicamente orientada, não se confundindo com a propriedade plena.
1.5. Alienação fiduciária em geral: a teoria do adimplemento substancial
Em matéria de alienação fiduciária, não há impedimento à aplicação da teoria do adimplemento substancial . Segundo essa concepção, o cumprimento parcial que se aproxima muito do pagamento deve ser considerado, para evitar-se a resolução do contrato por inadimplemento. O credor da obrigação substancialmente (embora não integralmente) cumprida não fica impedido de cobrar o resíduo da prestação pelas vias normais, mas não poderá dar o contrato como resolvido . Em matéria de alienação fiduciária, isso significa que o credor fiduciário não poderá lançar mão da execução da garantia, desde que o credor fiduciante tenha se acercado do cumprimento cabal. Tudo sem prejuízo da cobrança do saldo em aberto, pelas vias comuns.
2. Da alienação fiduciária de coisa móvel
Como já dissemos, a alienação fiduciária de coisa móvel constitui-se pelo consentimento expresso em instrumento público ou particular, cuja eficácia se estenderá a terceiros por ocasião da inscrição no Registro de Títulos e Documentos. Se o objeto for a propriedade fiduciária de veículo automotor, concomitantemente se lançará perante o órgão de licenciamento.
O conteúdo do contrato exige cláusulas mínimas que, resultando da aplicação concomitante do Código Civil e da Lei 4.728/1965, são: (a) o principal da dívida, a atualização monetária, a taxa de juros e o prazo de pagamento; (b) a identificação da coisa com as suas características; e (c) a cláusula penal e demais comissões e encargos. Portanto, a propriedade fiduciária, embora tenha sua originalidade inconfundível, guarda algo em comum com outras garantias reais: referimo-nos ao princípio da especialização. Por força dele, tanto a obrigação quanto a garantia devem ser perfeitamente individualizadas. Isso vale para o penhor, para a hipoteca e, também, para a propriedade fiduciária, deixando a lei bem cristalino que o débito e seus acessórios, bem como o objeto da garantia devem ser conhecidos e identificados. Em nosso modo de ver, trata-se de norma imperativa, que opera no plano da validade22 – se não for observado o conteúdo mínimo legal, nulo será o ajuste, como também a propriedade fiduciária. Como única ressalva, achamos prudente admitir que as partes de boa-fé possam integrar o instrumento por retificação, no caso de alguma omissão acidental. Essa exceção não se compadece bem com o regime das nulidades, mas atenta à função social do instituto e, sobretudo, à boa-fé dos contratantes. Por isso mesmo, a exceção não pode ser aplicada se a omissão foi dolosa. Pensamos que a racionalidade da solução ora esposada é evidente. Se não for aceita, a alternativa seria admitir que o contrato só existiria e projetaria efeitos depois de integrado com todas as cláusulas mínimas compulsórias, o que pode resultar em inconvenientes desnecessários.
Outra observação que resulta do princípio da especialização, da maneira como definido aqui, é a de que, mesmo que a coisa móvel seja fungível em si mesma, ela será tratada, no instrumento, como única, ou seja, contratualmente infungível23. Não vemos como escapar dessa conclusão, diante da clareza do texto24. Até mesmo a cessão fiduciária de créditos, bens imateriais, aparentemente tão inefáveis, não escapa ao princípio da especialização, pois o instrumento deve identificar (a) o total da dívida; (b) o local, data e forma do pagamento; (c) a taxa de juros; e (d) a identificação dos direitos cedidos.25
2.1. Alienação fiduciária de bem móvel: princípio da indivisibilidade
A propriedade fiduciária sobre coisa móvel representa garantia indivisível. O pagamento parcial, ou a quitação de parcelas da prestação divisível não implica em exoneração parcial da garantia. Esse princípio da indivisibilidade incide, igualmente, nas garantias reais sobre coisa alheia. Admite, porém, que as partes convencionem em sentido contrário. Tal acordo poderia ser útil, por exemplo, se a garantia compreendesse mais de uma coisa, ajustando-se expressamente que alguma delas ficaria liberada, à medida que o devedor obtivesse quitação parcial.
2.2. Alienação fiduciária de coisa móvel: perda e deterioração da garantia
A perda e a deterioração da garantia fiduciária implicam em vencimento antecipado da dívida. Também nesse ponto o regime não discrepa do geral. Assim, o credor pode encetar cobrança imediata se a garantia se perder ou tiver o seu valor reduzido, mas não pode computar juros futuros26. O devedor pode elidir a cobrança substituindo ou reforçando a garantia.
Se a garantia estiver segurada, ocorre sub-rogação do direito do credor sobre o valor da indenização. A mesma solução deve ser aplicada sobre a indenização devida no caso de desapropriação, apesar da falta de nitidez da lei, porque as hipóteses são manifestamente análogas. Para o credor, é como se o objeto da garantia fosse perdido, mas há indenização sobre a qual seu direito pode se sub-rogar.
2.3. Alienação fiduciária de coisa móvel: deveres do devedor fiduciante
O devedor fiduciante, na qualidade de possuidor direto do bem há de defender a coisa e guardá-la, com as responsabilidades próprias de depositário. Isso quer dizer que responde por culpa lato sensu, mas essa culpa é apurada em concreto: o devedor fiduciante deve cuidar da coisa com o mesmo zelo que tenha com o que é seu. Não responde, porém, por força maior.
A posse direta pode e deve ser defendia contra terceiros, inclusive pelos interditos, para os quais o devedor fiduciante está legitimado.
2.4. Alienação fiduciária de coisa móvel: extinção
As causas extintivas da propriedade fiduciária sobre bem móvel são as mesmas do penhor. Extingue-se ela:
(a) pelo pagamento, pois a garantia extingue-se com a obrigação garantida. Portanto, têm o mesmo efeito as formas de pagamento indireto (dação, consignação em pagamento) e as demais formas de extinção das obrigações (como a compensação, a remissão e a confusão). Se houver extinção parcial, a garantia subiste íntegra, por força do princípio da indivisibilidade, salvo convenção em contrário;
(b) pela renúncia do credor, sendo aqui necessário distinguir a renúncia à garantia do perdão à obrigação garantida. Ambos têm o mesmo efeito de pôr fim à garantia, mas a primeira jamais faz presumir o segundo;
(c) pela execução da garantia, mas deve-se obtemperar que, se o apurado não for suficiente para atender à obrigação e seus acréscimos, poderá ser cobrado o saldo (diferentemente do que sucede com a alienação fiduciária de coisa imóvel).
O contrato de alienação fiduciária de coisa móvel extingue-se nos casos (a) e (b). O caso (c), em termos contratuais, significa resolução por inadimplemento.
Finalmente, nada impede que o contrato de alienação fiduciária de coisa móvel seja resolvido por onerosidade excessiva, se não for possível a sua revisão judicial ou negocial.
2.5. Alienação fiduciária de coisa móvel: a cobrança da obrigação
No âmbito do mercado financeiro e de capitais, o credor fiduciário pode promover a venda a terceiros do objeto da garantia fiduciária, independentemente de qualquer procedimento judicial ou extrajudicial27. Aplicará o preço recebido no pagamento da dívida, das despesas decorrentes da realização da garantia e, se houver saldo, terá de restitui-lo ao devedor. Havendo saldo em favor do credor, poderá ser cobrado com um crédito quirografário qualquer.
Para efeito da venda, não se distingue a mora do inadimplemento. Em qualquer dos casos, a instituição do mercado financeiro e de capitais poderá promover a venda, devendo apenas comprovar que notificou o devedor mediante carta registrada. Repare-se que não assinalamos “notificou da mora” e isso foi proposital. Porque a mora se caracteriza ex re, pelo simples vencimento e a notificação comprovada é apenas requisito para a apreensão do bem. Ela não constitui o devedor em mora, mas é simples comprovação da mora28. A notificação é relativa a mora já incorrida.
A comprovação da mora também é requisito para que o credor financeiro se valha do procedimento de busca e apreensão previsto pelo Decreto-Lei 911/1969. O pedido pode ser formulado em face do devedor ou de terceiro que detenha o objeto da garantia. Cabe a concessão liminar da medida. Em cinco dias do cumprimento da liminar, o credor consolidará a propriedade em seu nome, podendo requerer, se for o caso, o registro perante a repartição competente, em seu nome ou no de terceiro. Por que esse intervalo de cinco dias? Porque nele o devedor poderá purgar a mora, o que, nos expressos termos legais, significa pagar a integralidade da dívida pendente, compreendendo principal, atualização, demais acessórios e despesas29.
Se o bem não for encontrado, a ação de busca e apreensão pode ser convertida em execução. E o credor pode, desde logo, preferir o ajuizamento da execução da dívida, sendo a busca e apreensão uma simples faculdade.
O pedido de recuperação judicial ou extrajudicial não afeta o direito de o credor promover a busca e apreensão do bem. Havendo falência, o credor fiduciário poderá pedir a restituição do bem perante o Juízo universal.
Não ingressaremos aqui em outros detalhes processuais, pois era nossa intenção apenas explicitar as alternativas à disposição do credor integrante do mercado financeiro. Resta agora considerar a posição do credor civil, pois já vimos que a propriedade fiduciária pode garantir as obrigações em geral.
A contrario sensu do que até agora dissemos, ao credor civil de obrigação garantida por alienação fiduciária de coisa móvel resta a excussão judicial da garantia, conquanto dentre as modalidades contemporâneas também se admita a alienação a título particular, mesmo no Código de Processo Civil. O bem será judicialmente apreendido por ocasião da excussão judicial, mas convém frisar que o credor civil poderia se valer da reintegração de posse por ocasião da caracterização da mora. A mora é ex re, porque essa é a regra do ordenamento civil brasileiro e se consubstancia com o simples vencimento da obrigação. À semelhança do caso já estudado (instituições financeiras), eventual notificação do devedor serve apenas ad probationem. Não constitui em mora, mas fornece prova inconteste dela. Para deferir eventual liminar de reintegração de posse, essa prova é muito relevante, dando a certeza de que o devedor não cumpriu e que a posse direta perdeu sua razão de ser, dando azo a que o credor se reintegre na posse plena do bem – como preparação para futura excussão judicial do bem30.
Também o credor comum (que não seja instituição financeira) pode simplesmente intentar a execução, mesmo que não seja antecedida da reintegração de posse. E terá de restituir ao devedor eventual sobejo, podendo, por outra parte, prosseguir por saldo não coberto depois da alienação do bem. De novo, frisemos o contraste com a alienação fiduciária de coisa imóvel, quanto a esse ponto.
3. Alienação fiduciária de imóvel
Aplica-se à alienação fiduciária de imóvel, naturalmente, o regime geral a que já aludimos acima: o imóvel é alienado ao credor para fim de garantia, desdobrando-se a posse em direta (do devedor fiduciante) e indireta (do credor fiduciário). O propósito da transmissão delimita os contornos da propriedade fiduciária, também neste caso e como veremos essas limitações são ainda mais nítidas. O devedor fiduciante tem a expectativa de readquirir a propriedade plena, se cumprir a sua obrigação. Seu direito aquisitivo pode ser comparado à posição de um proprietário sob condição suspensiva ou ainda à do promitente-comprador em compromisso irretratável de compra e venda. Essa posição jurídica é um ativo em seu patrimônio, que inclusive pode ser penhorado (não o direito do credor, mas sim o direito aquisitivo do devedor). O credor fiduciário pode consolidar a propriedade fiduciária, no caso de inadimplemento, segundo procedimento que será examinado em tópico próprio. Trata-se, também aqui, de uma propriedade pro tempore e com teleologia bastante definida, resolúvel e limitada31. Cabe, por fim, a analogia que traçamos com o trust ajustado com propósito de garantia, em que se consubstancia a figura da propriedade “dividida”.
Encerrando esta recordação das características gerais do instituto, a constituição da propriedade fiduciária ou da titularidade fiduciária sobre direitos reais imobiliários dá-se por escrito, público ou particular, seguido de registro no RI. O Superior Tribunal de Justiça tem julgado no sentido de que esse registro é constitutivo, em se tratando de imóvel32. Além dos requisitos de forma, há os de fundo: a lei impõe cláusulas mínimas33, em atenção ao princípio da especialidade que – já o dissemos – envolve tanto a individualização da garantia, quanto do crédito. O contrato, portanto, deve conter: (a) o valor da dívida, o prazo e os acréscimos moratórios, a título de caracterização da obrigação exigível; (b) a especialização do objeto da garantia fiduciária; (c) a posse direta e o uso do imóvel pelo devedor fiduciante; (d) o valor de avaliação da garantia, não inferior à base de cálculo do imposto de transmissão inter vivos; (e) a cláusula descritiva do procedimento de execução extrajudicial, para o caso de convolação da mora em inadimplemento, abaixo descrita. Atendendo a reclamos doutrinários, a lei exige hoje que o valor de avaliação, contratualmente estipulado, tenha um piso34. Isso visa a evitar os expedientes abusivos das instituições financeiras, ao superavaliar ou subavaliar a garantia35.
3.1. Alienação fiduciária de imóvel: objeto
O objeto da modalidade que agora examinamos é o imóvel, ou seja, o solo, suas projeções aérea e subterrânea, dentro dos confins legais e as suas acessões. Geralmente se aplica às construções. Mas também é possível que o direito do credor fiduciário seja instituído sobre direitos reais imobiliários, como a enfiteuse, a superfície (durante seu prazo de duração), o direito de uso e o uso especial para fim de moradia.
O imóvel (ou o direito real em questão) há de ser alienável, mas não necessariamente penhorável. Assim, o bem de família conceituado pela Lei 8.009/1990 pode ser objeto de propriedade fiduciária, pois aquela lei apenas determina a sua impenhorabilidade (e a venda da garantia a terceiros não depende de penhora prévia)36. Já o bem de família instituído na forma do Código Civil não pode ser alienado fiduciariamente, pela simples e óbvia razão de que seu regime é o da inalienabilidade.
Como já apontamos, o direito aquisitivo do devedor pode ser penhorado, mas não se o objeto se constituir como bem de família da Lei 8.009, pois a impenhorabilidade também abrange a propriedade em fase de aquisição. Por outro lado, a propriedade fiduciária em si não pode ser penhorada por conta de dívidas do devedor fiduciante para com terceiros, pois o credor fiduciário, de regra, não é responsável por elas37.
3.2. Alienação fiduciária de imóvel: modalidades e regimes
A alienação fiduciária pode garantir o financiamento com vistas à aquisição do próprio imóvel definido como garantia ou ainda outras dívidas. Assim, costuma-se distinguir a propriedade fiduciária instituída para financiamento habitacional daquela pratica com o fito de fomento empresarial. A primeira é compreendida dentro do Sistema Financeiro Imobiliário, tendo por isso função social pronunciada. A segunda não. Não há qualquer impedimento a que a propriedade fiduciária seja instituída para garantir operações de empréstimo para capital de giro; ou também outros contratos de mútuo e financiamentos atípicos. Mas como tais operações não tem a mesma função social do financiamento imobiliário, essa diferença terá impacto sobre a compreensão do instituto. Por exemplo, seria defensável que o saldo devedor, não cobrável após a excussão extrajudicial no âmbito do SFI, sê-lo-ia no caso de financiamento de capital de giro.
3.3. Alienação fiduciária de imóvel: a pessoa jurídica estrangeira como proprietário fiduciário
A lei que determina restrições à aquisição de imóvel rural por pessoa jurídica estrangeira delimita, dentre outras balizas, certas finalidades.38 Desse modo, é questionável se o credor estrangeiro-pessoa moral poderia adquirir propriedade fiduciária para fins de garantia. Em nosso modo de sentir, a exclusão do estrangeiro não tem razão de ser. A lei estabelece limitações para a aquisição de propriedade no sentido comum e ordinário do termo, a bem da soberania nacional. Essa soberania não é ameaçada pela propriedade fiduciária que, ademais de temporária, é teleologicamente limitada quanto aos poderes e faculdades do titular. No entanto, há quem aponte, com argúcia, que a adjudicação do imóvel pelo credor estrangeiro não seria possível, por contrariar a lei de regência (Lei 5.709/1971)39.
3.4. Alienação fiduciária de imóvel: sede normativa e o regime consumerista
A propriedade fiduciária imobiliária (e outras formas de titularidade fiduciária) rege-se pelo Código Civil e pela Lei 9.514/1997. Sendo esta última especial, normalmente prevalece, mas se deve notar que a Lei 9.514 é voltada ao Sistema Financeiro Imobiliário. Então, suas normas nem sempre se ajustam à garantia, quando firmada a bem de obrigações fora daquele sistema – mesmo que sejam créditos de instituições financeiras.
Quanto ao Código de Proteção de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/1990, entendemos que deveria ser aplicado quando a relação obrigacional fosse, também, de consumo, o que notoriamente é o caso dos financiamentos de aquisição habitacional. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não obstante, tem afastado a aplicação do Código do Consumidor sob o fundamento da especialidade da Lei 9.51440. Mas isso deve ser compreendido cum grano salis. Cautela é necessária aqui. A especialidade divisada pelo STJ diz respeito aos financiamentos inadimplidos e à cobrança extrajudicial, notadamente quanto aos valores eventualmente restituíveis ao devedor, após a resolução do contrato de financiamento e a alienação da garantia. Para o tribunal – e com razão – deve ser restituído ao devedor o que sobejar, depois de satisfeito o principal, acréscimos e despesas previstos pela Lei 9.514. Quanto a esse detalhe, realmente não faria sentido – como já se viu na praxe forense – aplicar a regra de que, desfeito o contrato, o credor (fornecedor de serviços) retivesse parcela (de 10% a 20%) a título de despesas e restituísse o restante, corrigido, pois há regras expressas na Lei 9.514 a esse respeito (arts. 26 e 27)41. Quanto a esse detalhe há, realmente, “especialidade”, indicando que ao devedor cabe apenas o que sobejar, alienada a coisa e imputado no pagamento o arrecadado no leilão. Mas a posição jurisprudencial já estabelecida cinge-se a esse aspecto, do quanto pode o credor “reter” na cobrança e do quanto há de “restituir”. Por isso, não se pode dizer a priori que nenhuma regra do Código do Consumidor seja aplicável. Para dar um exemplo marcante, a regra da inversão do ônus da prova, nas hipóteses em que cabível é aplicável em benefício do devedor-consumidor. Da mesma forma, as normas relativas aos contratos de adesão.
3.5. Alienação fiduciária de coisa imóvel: mora e inadimplemento
A mora do devedor é ex re; dá-se pela ausência de pagamento no vencimento. Mas para maior segurança e proteção do devedor, ela é comprovada por meio de um procedimento previsto na Lei 9.514/1997. O credor fiduciário deve notificar o devedor por intermédio do Cartório de Registro de Imóveis para purgar a mora em 15 dias. Dita notificação não deve ser confundida com a notificação do leilão. Se o devedor purgar a mora – até aqui, as parcelas em atraso, juros, atualização e multa de mora – no prazo previsto, o contrato “convalesce”, isto é, não é rompido – e o devedor poderá retomar o pagamento das prestações nos termos contratuais originalmente previstos. Se o devedor falhar na purgação, o contrato se resolverá, com o vencimento antecipado do saldo devedor, correndo ainda encargos e despesas. E o credor consolidará a propriedade em seu nome, mas não poderá ficar com a coisa para si. Explicá-lo-emos adiante.
O procedimento descrito não faz com que a mora seja considerada ex persona. Isso porque ele não diz respeito à conformação da mora (a mora se dá com o vencimento da parcela inadimplida), mas à sua comprovação e convolação em inadimplemento definitivo. Caracterização da mora e comprovação da mora são fatos jurídicos diferentes . Pelo menos, esse é o espírito da lei, ao qual a jurisprudência nem sempre é fiel. A comprovação formal da mora e da sua conversão em inadimplemento é um requisito para que o credor tenha acesso ao procedimento de alienação extrajudicial da garantia. Mas a mora, propriamente dita, irradia seus efeitos desde o vencimento – portanto, é mora ex re. Tais efeitos são ilididos pela purgação tempestiva, mas isso é elementar.
Como advertimos, há um costume jurisprudencial no sentido de “postergar” a convolação da mora em inadimplemento e de conferir-se prazos para a purgação, ultrapassando o marco legal43. Está claro que isso advém de uma noção confusa a propósito da função social do contrato, por meio da qual o interesse da sociedade é sacrificado em prol do interesse do inadimplente, sem que ao menos se averigue se o inadimplemento foi culposo. Em outras palavras, há uma tendência paternalista pró-inadimplência. Ela conduz a que se aceite “purgação” intempestiva, até o momento do leilão, provocando uma série de desvios. Dentre eles, a escassez de financiamento e a alta dos juros bancários, preço que é pago por toda a sociedade. Daí dizermos que a função social é invocada aqui de modo completamente torcido. Não estamos cometendo nenhum exagero, pois que função social pode haver no prêmio à inadimplência, às custas de toda a sociedade? A lei previu um sistema equilibrado, cujas premissas são as seguintes: (a) deve haver segurança jurídica na caracterização formal do inadimplemento; (b) comprovado o inadimplemento, o credor tem acesso a um sistema mais eficiente e expedito de excussão extrajudicial, mas deve atender aos prazos e formas legais; (c) a contrapartida para o devedor é a de que, se o procedimento de execução extrajudicial não for plenamente bem sucedido, ainda assim ele terá “quitação” de suas obrigações, sem a exigência de saldo. Como se vê, o sistema provê a liquidez do sistema de financiamento imobiliário, mas também considera os interesses do devedor. Se as suas regras são afastadas discricionariamente, o equilíbrio se rompe e o SFI se torna deficiente. A deficiência tem um custo, que será arcado por todos, mesmo aqueles que nada têm a ver com o inadimplemento. Outro desvio grave está na perpetuação de devedores, com nenhum interesse na renegociação da dívida, na posse dos imóveis, cujas despesas passam, também, a ficar em aberto.
O costume judicial contra legem não tem origem apenas na psicologia dos julgadores ou na má compreensão do que seja a função social do contrato. Ele também nasce de confusão conceitual entre as categorias da mora, do inadimplemento definitivo e de aplicação retrospectiva do Direito: aplica-se – indevidamente - à propriedade fiduciária da Lei 9.714/97 o regime da execução hipotecária do Decreto-Lei 70/1966. Nessa execução hipotecária, sim, era possível a purgação da mora até a assinatura do auto de arrematação. Essa regra foi equivocadamente transposta para a propriedade fiduciária. Hoje, há expressa proibição de que as regras procedimentais da execução extrajudicial do velho DL 70 sejam estendidas para a execução extrajudicial de imóvel alienado fiduciariamente44.
Em conclusão: modificar o regime de mora e de inadimplemento da Lei 9.714 é virar todo o sistema pelo avesso, destruindo o equilíbrio que foi balanceado pelo legislador, com consequências muito negativas para o crédito imobiliário e, no fim das contas, para o consumidor, que terá de pagar encargos mais altos e deparar-se com a escassez da oferta de crédito45.
Ao devedor que incidiu em mora, portanto, cabem as seguintes alternativas:
(a) Purgar as parcelas de dívida vencidas, mais despesas, em cartório e dentro dos quinze dias legais;
(b) Decorrido o prazo para purgação da mora em cartório, exercer preferência, em igualdade de condições, até o segundo leilão, oferecendo preço não inferior ao da dívida, encargos, despesas, além dos ônus relativos à própria aquisição. Por que a lei chama a isso de “preferência”? A pergunta se justifica, porque as parcelas integrantes do preço equivalem a uma remição da dívida. É que essas parcelas compõem, igualmente, o piso para aceitação do lanço vencedor em segundo leilão. Dessarte, o direito de preferência só pode ser exercido dentro da baliza mencionada e, simultaneamente, deve equivaler, pelo menos, ao maior lanço oferecido, em qualquer dos leilões;
(c) Dar o imóvel em pagamento. Mas terá, simultaneamente, de fazê-lo com a anuência do credor e antes que o imóvel seja adquirido por lanço vencedor, em qualquer dos leilões. Resta claro que, se a garantia já foi alienada em leilão, o credor não tem mais legitimidade para consentir com a dação em pagamento;
(d) Nas operações compreendidas pelo programa social instituído pela Lei 11.977/2009 – e somente nessas – o devedor conta com um prazo maior para purgar a mora. Além dos 15 dias em Cartório, o credor deve aguardar 30 dias para consolidar a propriedade em seu nome e, nesse interregno, tolera-se que o devedor pague as parcelas vencidas e despesas. Essa exceção, aliás, confirma que outra é a regra.
Esse é o sistema legal, bem azeitado e equilibrado. Insistimos nisso porque é frequente, como acontece com todo sistema complexo, que seja mal compreendido, atribuindo-se elasticidade aos prazos aludidos e oportunidades inexistentes para a purgação, em flagrante prejuízo do correto funcionamento. Falta agora explicar por que persistimos em dizer que ele é bem equilibrado. As razões são abaixo elencadas:
(a) A sistemática legal foi erigida para que houvesse certeza jurídica em torno da caracterização da mora e, também, da sua convolação em inadimplemento, de sorte que a máquina de cobrança extrajudicial só possa ser colocada em movimento se, por procedimento formal, foi apurado que o devedor está em atraso e deixou de purgar a mora em cartório. Secundariamente, o sistema visa a poupar o Poder Judiciário, constantemente acossado com demandas que objetivam elidir os prazos legais ou, simplesmente, deixar o imóvel com um devedor que não tem a menor intenção de pagar, procrastinando indefinidamente a cobrança;
(b) O sistema oferece um benefício final ao devedor que não pagou, não deu o imóvel em pagamento, não transigiu, não purgou a mora e não exerceu o direito de preferência. Não há cobrança de saldo em aberto, uma vez que tenha sido encetada a cobrança extrajudicial. O credor deve promover a realização dos dois leilões previstos e, mesmo que não sejam bem-sucedidos, o saldo é considerado extinto, não podendo ser cobrado sequer como crédito quirografário. Em outras palavras, o pior dos cenários, para o devedor, é a perda do imóvel dado em garantia e não mais que isso; daí que, por outro lado, os prazos e formas legais para purgação da mora devam ser respeitados. Anote-se a diferença com o credor e a hipoteca, no âmbito das quais o saldo pode ser cobrado como um crédito comum, sem privilégio;
(c) Não há razão para dar outros benefícios ao devedor inadimplente, com uma única exceção, a do adimplemento substancial, já comentada. Isso não quer dizer, evidentemente, que o controle judicial não possa ser exercido se o credor violou as regras legais para a caracterização da mora, para sua transformação em inadimplemento ou mesmo as procedimentais.
3.6. Alienação fiduciária de imóvel: a consolidação da propriedade e seus efeitos
Dá-se o nome de consolidação da propriedade ao efeito imediato do ato do registrador que, verificando a convolação da mora em inadimplemento, pela ausência de purgação tempestiva, inscreve a propriedade em nome do credor fiduciário. A lei define tal ato como averbação da consolidação . Seguem-se duas consequências: (a) o credor deve promover a execução extrajudicial do bem, marcando os leilões públicos dentro dos prazos previstos (frise-se que não se trata de uma faculdade, mas de um poder-dever: se o credor quiser evitá-lo, terá de optar pela cobrança por outros meios); (b) passa a correr taxa de ocupação, equivalente a 1% do valor de avaliação e devida até o instante em que o credor, ou terceiro sejam imitidos na posse do imóvel; (c) efeito relacionado com o anterior é o direito de o credor fiduciário (ou seus sucessores, cessionários e o terceiro arrematante) reintegrar-se (ou imitir-se, conforme o caso) na posse plena da coisa, inclusive liminarmente, com prazo de 60 dias para a desocupação47.
A consolidação da propriedade não significa que o credor possa ficar com a coisa para si. Ela tem os efeitos acima descritos, mas ainda é teleologicamente orientada pela função social de garantia. E não é da tradição de nosso Direito que o credor possa ficar com a garantia para si. Há de aliená-la, seja pelos leilões previstos em lei, seja, na hipótese de fracasso da cobrança extrajudicial, pela venda particular48.
3.7. Alienação fiduciária de imóvel: outros aspectos da cobrança extrajudicial
Uma das peculiaridades interessantes do contrato de alienação fiduciária de coisa imóvel está em que, dentre as cláusulas mínimas desenhadas por lei, está a de procedimentos. O contrato deve alertar o devedor para a possibilidade de cobrança extrajudicial e, em nosso modo de ver, deve detalhar o procedimento a ser seguido, cujo esqueleto foi arquitetado na Lei 9.714. Esse é um aspecto, aliás, do direito à informação que compete ao devedor enquanto consumidor de serviços. Lembramos ao leitor que os princípios consumeristas não são completamente afastados do funcionamento dessa espécie contratual, por mais especial que seja.
Outro aspecto importante está no equilíbrio que se busca no desenho da cobrança em si mesma. Se o devedor tem prazos e modos para purgar a mora ou para exercer outras faculdades legais, por um lado, por outro lado o credor não pode ser desidioso. Em trinta dias da consolidação da propriedade em seu nome, há de promover o 1º público leilão. Esse leilão só é considerado frutuoso se for oferecido lanço igual ao valor de avaliação da garantia, contratualmente definida e não inferior à base fiscal para fins de transmissão. Senão, em quinze dias deve ser realizado o segundo público leilão, pelo maior lanço, mas não inferior ao valor das dívidas, encargos e despesas pendentes. O devedor deve ser comunicado dos leilões, mesmo que de forma eletrônica, da maneira prevista pelo contrato. E, como assinalamos, mesmo que os leilões não logrem sucesso segundo a definição legal, a dívida será considerada extinta, sendo de rigor a conferência de comprovante (que a lei chama de “termo de quitação da dívida” ) ao devedor. O nome “quitação” é de todo impróprio, porque não houve pagamento, mas compreende-se qual é a finalidade: o devedor não pode mais ser incomodado por eventual saldo em aberto e inclusive tem direito a que a extinção da dívida seja atestada, fornecendo-se o termo dentro do prazo de cinco dias da data do segundo leilão. E se o primeiro leilão for bem-sucedido, a ponto de apurar o exato para a satisfação do credor? Apesar do silêncio da lei, cremos que se aplica, por analogia bem justificada, o prazo de cinco dias para que seja fornecido ao devedor comprovante de extinção da dívida (“termo de quitação”, na curiosa linguagem legal). E na hipótese rara de haver sobejo, apurando-se mais do que o necessário em qualquer dos leilões? Nesse caso, o excesso deve ser entregue ao devedor, também no prazo de cinco dias e, mais uma vez, apesar o silêncio legal, nesse mesmo prazo deve-lhe ser atestado que a obrigação se encontra extinta. A importância que sobejar cobre também o valor de eventuais benfeitorias, mas, simultaneamente, prevê-se expressamente que não se aplica o art. 516 do Código Civil de 1916, cujo equivalente vigente é o art. 1.219 do Código Reale. É difícil estabelecer uma interpretação satisfatória. Está-se dizendo que não há direito de retenção por benfeitorias ou que não há crédito por elas? E, no primeiro caso, haveria tal crédito no leilão que não apura excesso? Em prol dessa intepretação, a lei declara a benfeitorias compensadas – e não há compensação sem créditos compensáveis. Apesar de tudo, acreditamos que a lei esteja excetuando o próprio crédito por benfeitorias, imunizando a excussão extrajudicial contra eventuais óbices dele decorrentes. Porque não haveria sentido lógico em tratar diferentemente os leilões conforme o resultado obtido, quanto a esse aspecto.
3.8. Alienação fiduciária de imóvel: responsabilidades das partes
O devedor fiduciante responde, enquanto estiver com o bem, pelas despesas ligadas à posse direta e ao uso, por exemplo, as condominiais. Responde também pelas despesas necessárias à eventual cobrança da dívida50. Mas há situações que exigem um comentário mais apropriado às suas nuances:
(a) Débitos condominiais: o credor fiduciante responderá pelos débitos condominiais incidentes após a sua imissão na posse do bem, se ela for necessária em virtude de cobrança da dívida. Mas se houver obrigações anteriores em aberto, responderá também por ela, dado o seu caráter propter rem, podendo ulteriormente recobrá-las ao devedor fiduciante (a quem competia primacialmente a responsabilidade, em razão da posse direta). Para evitar que se acumulem, já se admitiu nos tribunais que o boleto de condomínio fosse expedido em nome do credor fiduciário;
(b) Lesão a direitos de vizinhança: a responsabilidade por lesões a direitos de vizinhança é objetiva. Aquela incorrida pelo possuidor direto decorre, porém, de um ilícito pessoal , quando compreendida na cláusula geral do art. 1.277 do Código Civil (uso anormal da propriedade, em prejuízo do sossego, saúde e segurança dos vizinhos). Ilícitos pessoais, por sua vez, não se transmitem, não podendo ser cobrados do credor fiduciário. Diferem disso as disposições especiais em matéria de vizinhança, exempli gratia aquelas relativas a cabos e tubulações, uso das águas, direito de construir, tapagem, limites e árvores limítrofes. Nesses casos, as obrigações advindas são propter rem e podem passar para o credor fiduciário, caso ele venha a se apossar do imóvel;
(c) Passivos ambientais: o ilícito ambiental implica em responsabilidade objetiva e solidária. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem-na caracterizado como risco integral. Por corolário, dificilmente o credor fiduciário se eximirá de responder, enquanto possuidor indireto, por danos ambientais, notadamente os de natureza coletiva52;
(d) Responsabilidade pelo imposto predial: a sujeição passiva direta ou indireta depende de previsão em lei complementar. Assim, temos que o previsto da Lei 9.514, no sentido de que o devedor fiduciante responda pelo imposto predial, com exclusão do fiduciário, deve ser entendido como regra contratual e não de âmbito fiscal53. Tal regra define as obrigações entre as partes e é inoponível ao Fisco. Resultando disso, o Fisco pode cobrar o credor fiduciário pelo imposto predial em aberto, mas esse credor pode reembolsar-se junto ao devedor fiduciante, pelo que incidiu durante sua posse direta. Em outros termos, a responsabilidade contratual do devedor fiduciante não se confunde com a responsabilidade tributária, pois esta não pode ser definida em lei ordinária, como a Lei 9.514 e, ademais, de cunho federal, sendo o imposto em questão municipal54. Na sua redação vigente, o Código Tributário Nacional prevê a sujeição dos possuidores direto e indireto por impostos incidentes sobre a propriedade, de modo que, se a lei municipal assim instituir, o imposto poderá ser cobrado do credor fiduciário, solidariamente ou em substituição ao devedor fiduciante. A posição aqui defendida assim o é porque se considera a mais consentânea com o Direito Tributário pátrio , sem prejuízo da responsabilidade final contratual do devedor fiduciante perante o credor fiduciário que paga o tributo. Lembremos, novamente, que as convenções particulares não são oponíveis ao credor fiscal e a previsão da Lei 9.514 insere-se como obrigação contratual. Porém, essa não é a posição mais encontradiça em nossa jurisprudência. Os tribunais federais têm negado a legitimidade do credor fiduciário para a execução fiscal municipal, até o momento em que este texto foi composto. A jurisprudência leva em conta um aspecto importante e frisado até aqui, o da limitação finalística da propriedade fiduciária, mas, ressalvado o devido respeito, deixa de lado as normas gerais de Direito Tributário, em uma questão que não é puramente da alçada civil-obrigacional.
3.9. Alienação fiduciária de imóvel: pedido de restituição
Um dos aspectos atraentes da alienação fiduciária está na possibilidade de o credor fiduciário pedir a restituição do bem perante o juízo universal, em caso de falência do devedor fiduciante56. Na recuperação judicial, o credor fiduciário terá de aguardar o prazo de suspensão das ações e execuções, nunca superior a 180 dias, se o imóvel em questão for essencial à atividade da empresa em recuperação57. A faculdade de evitar o juízo universal é uma das razões que levou ao engrandecimento da propriedade fiduciária às custas da hipoteca, que entrou em decadência entre nós. Aquela, sendo direito de garantia sobre coisa própria, avantaja-se do ponto de vista processual sobre a hipoteca, direito sobre coisa alheia.
3.10. Alienação fiduciária de imóvel: oponibilidade a terceiro adquirente de unidade condominial
A propriedade fiduciária é garantia sobre coisa própria e, dada sua natureza, oponível contra todos. O mesmo já não se diz com tanta firmeza da hipoteca, pois, segundo a jurisprudência, ela não é oponível ao terceiro adquirente de unidade autônoma, se formalizada entre a instituição financeira e o incorporador. Assim reza o enunciado 308 da Súmula de jurisprudência dominante do STJ58. Essa é outra razão para a relativa decadência da hipoteca. Mencionamos o assunto aqui não apenas para efeito comparativo, mas também porque a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem dado indicações no sentido de estender esse entendimento para a propriedade fiduciária59, o que lhe retiraria parte do interesse prático, pelo menos nas incorporações imobiliárias.
3.11. Propriedade fiduciária de imóvel: extinção
As causas extintivas da propriedade fiduciária sobre bem imóvel são: as mesmas do penhor.
(a) o pagamento, como forma normal de extinção, pois a garantia é acessória à obrigação garantida. Terão, portanto, efeitos semelhantes a dação em pagamento (expressamente tratada pela Lei 9.514), o pagamento por consignação e as demais formas de extinção das obrigações (como a compensação, a remissão e a confusão). Se houver extinção parcial, a garantia subiste íntegra, por força do princípio da indivisibilidade, salvo convenção em contrário. Daí ser preocupante o hábito das instituições financeiras “fragmentarem” a garantia, isto é, exigirem diversos imóveis, de valor cumulativo muito superior ao do crédito, o que pode ser considerado cláusula abusiva;
(b) pela renúncia à garantia que, como já dissemos, não se confunde com o perdão. A remissão do crédito está incluída no item anteriormente tratado. A transação, hoje tratada pelo direito civil como um contrato pode envolver a extinção da garantia fiduciária, se assim dispuserem as partes, fazendo uso de sua autonomia privada;
(c) pela execução extrajudicial da garantia fiduciária imobiliária, descabendo, como já explicamos, a cobrança de eventual saldo por outros meios. A execução judicial é cabível – e única para o credor que não seja instituição financeira, como já opinamos – e, naturalmente, leva à extinção da propriedade fiduciária.
O contrato de alienação fiduciária sobre coisa imóvel também se extingue nos casos (a) e (b), podendo-se ainda mencionar a extinção por resolução, no caso de inadimplemento do devedor fiduciante, caracterizado pela não-purgação da mora na forma da lei. Pode ainda extinguir-se por distrato (resilição bilateral) e, judicialmente, se forem preenchidos os requisitos da resolução por onerosidade excessiva, não sendo viável a sua revisão judicial ou negocial.
Notas
1“Desse modo, o proprietário fiduciário não dispõe de todos os poderes inerentes ao domínio, notadamente os direitos de usar e de fruir, pois a consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário se dá exclusivamente com o propósito de satisfazer o débito.” (AgInt nos EDcl no REsp 1.378.468/SP, 3ª Turma, rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe 21.05.2018)
2CHALHUB, Melhim Namem. Negócio fiduciário, p. 32.
3Essa garantia, por sua vez, pode ser constituída pelo próprio bem financiado ou por conta de outra obrigação. Por exemplo, neste precedente: “A lei não exige que o contrato de alienação fiduciária de imóvel se vincule ao financiamento do próprio bem, sendo legítima a sua formalização como garantia de toda e qualquer obrigação pecuniária.” (AgInt no AREsp 829.403/PR, 3ª Turma, rel. Ministro Moura Ribeiro, DJe 31.10.2017.)
4O negócio jurídico de cessão fiduciária, a seu turno, pode ter por objeto direitos de crédito.
5No Brasil, a Lei 8.668/1993 instituiu uma espécie de propriedade fiduciária com fito de investimento. Os bens e direitos integrantes do fundo de investimento imobiliário, seus imóveis, frutos e rendimentos não se comunicam com o patrimônio da instituição financeira (embora sob propriedade fiduciária desta), formando, portanto, um patrimônio separado (PEDROTTI, Irineu Antonio. Arrendamento mercantil (leasing) e alienação fiduciária, pp. 93-94).
6TURNER, Chris; BRAY, Judith. Equity and trusts, pp. 8-11.
7MOFFAT, Graham. Trust law: text and materials, p. 3.
8É tradição, no direito brasileiro, chamar de “cessão”, onerosa ou gratuita, o negócio jurídico transmissivo que tenha como objeto bens imateriais. Conforme Chalhub, “por meio da cessão, o cessionário é investido da condição de credor, com todos os poderes inerentes a este, inclusive o de valer-se de todas as ações e execuções a que o credor está legitimado, mas, recebendo o crédito, não pode apropriar-se da totalidade do produto, mas apenas do quantum correspondente ao seu crédito, ou retendo o produto recebido até que o devedor-cedente pague sua dívida” (CHALHUB, Melhim Namen. Negócio fiduciário, p. 51).
9O Diploma básico é o Decreto-Lei 70/1966, que regulamenta a execução extrajudicial hipotecária e já foi invocado, por simetria, em matéria de alienação fiduciária de imóveis. Hoje, a lei proíbe expressamente essa aplicação analógica.
10O art. 22, § 1o, da Lei 9.514/1997 é expresso nesse sentido.
11A propriedade fiduciária de coisa móvel infungível era a hipótese cediça quando da formulação do anteprojeto de Código Civil; as demais advieram durante sua longa tramitação. Isso explica as inconsistências do texto vigente.
12Art. 1.367 do Código Civil, com a redação da Lei 13.043/2014: “A propriedade fiduciária em garantia de bens móveis ou imóveis sujeita-se às disposições do Capítulo I do Título X do Livro III da Parte Especial deste Código e, no que for específico, à legislação especial pertinente, não se equiparando, para quaisquer efeitos, à propriedade plena de que trata o art. 1.231.” (grifo nosso)
13Art. 1.361, § 1o, do Código Civil.
14Arts. 23 e 38 da Lei 9.514/1997.
15Como consequência prática, aponta-se que a busca e apreensão do Decreto-lei 911/1969 não prevalece contra terceiros de boa-fé, se não houver o devido registro. Do mesmo modo, não pode ser empreendida contra o veículo automotor em mãos de terceiro, se não foi anotada no certificado de registro (Cf. MICHELAZZO. Da busca e apreensão na alienação fiduciária, p. 23).
16Historicamente, as garantias reais evoluíram no sentido de não privar o devedor da posse direta do bem. Nesse sentido, a hipoteca (pignus obligatum) foi também um avanço em relação ao penhor (pignus datum). Assim, o arrendatário da terra não precisaria desfazer-se de seus instrumentos de trabalho (invecta et illata), conquanto dados em garantia (Cf. MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito romano, p. 365).
17Art. 66-B, § 1o, da Lei 4.728/1965 e art. 19, I, da Lei 9.514/1997.
18Há uma exceção a isso quanto a cobrança de taxa de ocupação na alienação fiduciária de imóveis. Remetemos o leitor ao tópico próprio.
19Pacto comissório é o acordo, anterior ao vencimento da dívida, que permita ao credor ficar com a garantia no caso de inadimplemento. Ele não deve ser confundido com a dação em pagamento do bem, realizada após o vencimento da dívida. Nem deve ser confundido com o pacto marciano, cláusula que habilita o credor a adquirir o bem dado em garantia, mediante apuração justa de seu valor de mercado de forma independente por um terceiro.
20“Segundo a teoria do adimplemento substancial, que atualmente tem sua aplicação admitida doutrinária e jurisprudencialmente, não se deve acolher a pretensão do credor de extinguir o negócio em razão de inadimplemento que se refira a parcela de menos importância do conjunto de obrigações assumidas e já adimplidas pelo devedor. A aplicação do referido instituto, porém, não tem o condão de fazer desaparecer a dívida não paga, pelo que permanece possibilitado o credor fiduciário de perseguir seu crédito remanescente (ainda que considerado de menor importância quando comparado à totalidade da obrigação contratual pelo devedor assumida) pelos meios em direito admitidos, dentre os quais se encontra a própria ação de busca e apreensão de que trata o Decreto-Lei 911/1969, que não se confunde com a ação de rescisão contratual - esta, sim, potencialmente indevida em virtude do adimplemento substancial da obrigação” (REsp 1255179/RJ, 3ª Turma, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 18.11.2015).
21Como dizem autores de prestígio: “(...) nas hipóteses de adimplemento substancial, configurando-se o inadimplemento mínimo do devedor, após cumprir de forma quase integral a obrigação duradoura, terá o credor de aceitar a prestação, sob pena de incidir em abuso do direito (art. 187 do CC)”. (FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: obrigações, p. 442.)
22A violação de norma cogente desprovida de sanção expressa é a invalidade mais grave, isto é, a nulidade. Na acepção mais rigorosa, o nulo não poderia ser objeto de retificação, nem de ratificação, mas estamos diante de um caso que indica solução contrária. Para ilustrar, considere-se que esse não é o único. As cláusulas abusivas no Direito do Consumidor são nulas, mas admitem revisão judicial, o que, fosse aplicada a concepção tradicional do nulo, não deveria ser possível. Outro exemplo: o casamento nulo putativo produz efeitos, contra o que se esperaria.
23Em sentido contrário, Chalhub assenta que a diferença prática, quanto aos bens fungíveis, é procedimental: “...já se se tratar de propriedade fiduciária de bem fungível, direitos creditórios ou títulos de crédito, o credor é investido na posse dos bens no mesmo ato em que se contratar a constituição da propriedade, de modo a que possa promover ele mesmo a venda ou a cobrança e pagar-se diretamente com o produto apurado.” (CHALHUB, Menim Namen. Alienação fiduciária, incorporação imobiliária e mercado de capitais: estudos e pareceres, p. 190.)
24Art 66-B § 1o, da Lei 4.728/1965, com a redação da Lei 10.931/2004: “Se a coisa objeto de propriedade fiduciária não se identifica por números, marcas e sinais no contrato de alienação fiduciária, cabe ao proprietário fiduciário o ônus da prova, contra terceiros, da identificação dos bens do seu domínio que se encontram em poder do devedor.”
25Art 66-B § 4o, da Lei 4.728/1965, combinado com art. 18 da Lei 9.514/1997.
26Isso não exclui que, ajuizada a demanda, os juros sejam computados a medida que se forem vencendo.
27Ensina-se que, na verdade, o credor fiduciário – instituição financeira dispõe de quatro opções: (a) alienação da coisa, se foi entregue pelo devedor; (b) ação de busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente; (c) ação de depósito se o bem não foi encontrado; e (d) ação executória autônoma (Cf. SCHONBLUM, Paulo Maximilian W. Mendlowicz. Contratos bancários, p. 223).
28Ou se poderia dizer que comprova o inadimplemento, pois a mora se presume a partir do vencimento, devendo o devedor provar o contrário.
29Tema clássico, nesse ponto, é o da abusividade dos encargos cobrados por instituições financeiras, do qual não podemos tratar aqui. Dando as linhas gerais do problema, ensina Arnaldo Rizzardo que “nem sempre se acima das taxas estabelecidas na lei importam em abusividade. Desde que mantida a média de mercado, reconhece-se a normalidade, admitindo-se, então, a busca e apreensão (...)” (RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de crédito bancário, p. 416).
30Estamos a tratar de situação muito incomum, para a qual oferecemos a solução exposta, por parecer a mais compatível com o ordenamento vigente. Há projeto, porém, no sentido de tornar as execuções por quantia certa extrajudiciais. Em tal ambiente, se e quando venha a se confirmar, não restaria mais base para negar ao credor civil a excussão extrajudicial do bem dado em garantia fiduciariamente.
31Estamos adotando a terminologia predominante. No entanto, alguns autores advertem que há uma diferença entre a resolução como conditio iuris (decorrente do regime jurídico) e a resolução decorrente de cláusula acidental, isto é, da vontade das partes aposta como condição em negócio jurídico. O primeiro seria o caso da propriedade fiduciária, diferente, portanto, do caso da propriedade resolúvel meramente em razão de contrato. Dessarte, admitida essa diferença, “a propriedade fiduciária, resolúvel em decorrência da conditio iuris, tem peculiaridades próprias, distintas da propriedade resolúvel, cuja resolução depende da condição resolutiva do art. 119 do Código Civil” (VAZ, Ubirayr Ferreira. Alienação fiduciária de coisa imóvel: reflexos da lei n. 9.514/97 no registro de imóveis, p. 41).
32Dada a importância dessa questão, anoto o seguinte excerto: “No ordenamento jurídico brasileiro, coexiste um duplo regime jurídico da propriedade fiduciária: a) o regime jurídico geral do Código Civil, que disciplina a propriedade fiduciária sobre coisas móveis infungíveis, sendo o credor fiduciário qualquer pessoa natural ou jurídica; b) o regime jurídico especial, formado por um conjunto de normas extravagantes, dentre as quais a Lei n. 9.514/1997, que trata da propriedade fiduciária sobre bens imóveis. Quanto à propriedade fiduciária de bem imóvel, regida pela Lei n. 9.514/1997, verifica-se que a garantia somente se constitui com o registro do contrato que lhe serve de título no registro imobiliário do local onde o bem se situa. Dessa maneira, sem o registro do contrato no competente Registro de Imóveis, há simples crédito,situado no âmbito obrigacional, sem qualquer garantia real nem propriedade resolúvel transferida ao credor. Assim, na ausência de registro do contrato, não é exigível do adquirente que se submeta ao procedimento de venda extrajudicial do bem para só então receber eventuais diferenças do vendedor.” (EAREsp 1.835.598-SP, 3ª Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, por maioria, DJe 17.02.2021, in Informativo STJ 685, 22.02.2021). É de notar que o Tribunal sujeitou a propriedade fiduciária sobre imóvel, no plano da existência, ao registro. Outro ponto a se destacar: a decisão aparentemente passa por alto da menção que o Código Civil faz aos bens móveis e imóveis no art. 1.367, com a redação que recebeu a partir da Lei 13.043/2014.
33“O contrato é típico e nominado, tendo requisitos obrigatórios que deverão nele constar, sob pena de não produzir os efeitos que a alienação fiduciária prescreve” (HOFFMANN, Dirceu. Alienação fiduciária em garantia de bens imóveis no Brasil, p. 113).
34Art. 24, parágrafo único, da Lei 9.514/1997 – redação atribuída pela Lei 13.465/2017.
35Explicamos esses expedientes abusivos no seguinte artigo: GRAMSTRUP, Erik Frederico; PEREIRA DE BARROS, Paula Cristina Lippi. Alienação fiduciária de imóvel: aporias na contratação, pp. 121-159.
36“(…) tem-se que a própria Lei 8.009/90, com o escopo de proteger o bem destinado à residência familiar, aduz que o imóvel assim categorizado não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, mas em nenhuma passagem dispõe que tal bem não possa ser alienado pelo seu proprietário. 11. Não se pode concluir que o bem de família legal seja inalienável e, por conseguinte, que não possa ser alienado fiduciariamente por seu proprietário, se assim for de sua vontade, nos termos do art. 22 da Lei 9.514/97. 12. Reconhecida, na espécie, a validade da cláusula que prevê a alienação fiduciária do bem de família, há que se admitir que o imóvel, após a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, seja vendido, nos termos do art. 27 da já referida lei.” (REsp 1.677.015/SP, 3ª Turma, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, rel. p/ Acórdão Ministra Nancy Andrighi, DJe 06.09.2018).
37“Não se admite a penhora do bem alienado fiduciariamente em execução promovida por terceiros contra o devedor fiduciante, haja vista que o patrimônio pertence ao credor fiduciário, permitindo-se, contudo, a constrição dos direitos decorrentes do contrato de alienação fiduciária. Precedentes.” (REsp 1.677.079/SP, 3ª Turma, rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 01.10.2018)
38Art. 5º da Lei 5.709/1971: “As pessoas jurídicas estrangeiras referidas no art. 1º desta Lei só poderão adquirir imóveis rurais destinados à implantação de projetos agrícolas, pecuários, industriais, ou de colonização, vinculados aos seus objetivos estatutários.”
39Cf. PINTO E SILVA, Fábio Rocha. Garantia imobiliárias em contratos empresariais: hipoteca e alienação fiduciária, p. 148.
40“A Lei 9.514/1997, que instituiu a alienação fiduciária de bens imóveis, é norma especial e também posterior ao Código de Defesa do Consumidor - CDC. Em tais circunstâncias, o inadimplemento do devedor fiduciante enseja a aplicação da regra prevista nos arts. 26 e 27 da lei especial” (AgInt no REsp 1.822.750/SP, 3ª Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 20.11.2019).
41Dita regra tem em mira contratos de compra e venda ou compromissos de venda pagos em parcelas. E não contratos de mútuo ou financiamentos atípicos.
42Estamos seguindo a posição majoritária. Mas faz sentido dizer que a notificação via RI comprova o inadimplemento e não a mora. Nesse sentido: “a notificação, a nosso ver, não tem função de comprovar a mora e sim, de caracterizar o incumprimento definitivo da obrigação do devedor. A mora não se prova pela notificação, mas se presume quando o credor declara não ter recebido, devendo o devedor exibir prova do pagamento para comprovar que cumpriu a obrigação (art. 313 a 326 do CCB).” (PINTO, Marcos Mello Ferreira. Sistema financeiro imobiliário brasileiro: contratos e a circulação do crédito, p. 119)
43“A jurisprudência do STJ possui entendimento no sentido de que, no âmbito de contrato de alienação fiduciária de bem imóvel (Lei n. 9.514/1997), é possível a purga da mora até a assinatura do auto de arrematação do leilão público do bem objeto da contratação, desde que cumpridas todas as exigências previstas no art. 34 do Decreto-Lei n. 70/1966, o que na espécie, não ocorreu” (AgInt no AREsp 1.353.105/SC, 4ª Turma, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 04.06.2019).
44Art. 39 da Lei 9.514/1997, com a redação da Lei 13.465/2017.
45A propósito do termo para purgação da mora, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que “a alteração introduzida pela Lei nº 13.465/2017 ao art. 39, II, da Lei 9.514/97 tem aplicação restrita aos contratos celebrados sob a sua vigência, não incidindo sobre os contratos firmados antes da sua entrada em vigor, ainda que constituída a mora ou consolidada a propriedade, em momento posterior ao seu início de vigência” (TJSP, Tema 26, Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas 2166423-86.2018.8.26.0000, j. 25.11.2019). Desse modo, o sistema da Lei 13.465 só se aplicaria aos contratos firmados depois de 12/07/2017. E, nos contratos firmados anteriormente ao precitado termo, seria possível a purga da mora até a assinatura do auto de arrematação. Até a uniformização, havia correntes que propugnavam (a) pela aplicação imediata da Lei 9.514 a todos os contratos; (b) pela aplicação aos procedimentos expropriatórios iniciados sob a égide da nova lei; e (c) pela aplicação apenas aos contratos celebrados após a vigência da nova lei, corrente, essa, que se saiu vencedora no âmbito tribunal paulista.
46Art. 26, § 7º, da Lei 9.514/1997, com a redação da Lei 10.931/2004.
47“(...) a consolidação da propriedade do bem no nome do credor fiduciante confere-lhe o direito à posse do imóvel.” (REsp 1.155.716-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13.03.2012).
48Essencialmente, é o que também se sustenta a seguir: “(...) a sistemática da nova lei não contraria o princípio da proibição do pacto comissório, eis que o credor (fiduciário) tem o dever legal de realizar o leilão com objetivo declarado de vender o imóvel para que utilize o lance vencedor para se cobrar, restituindo eventual diferença ao devedor (TERRA, Marcelo. Alienação fiduciária de imóvel em garantia, p. 55).
49Art. 25, § 1º, da Lei 9.514/1997.
50Segundo o art. 26, § 1º, da Lei 9.514/1997, o principal e acessórios, quando da oportunidade para a purgação da mora, compreendem “a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação.”
51Não há contradição. No abuso de direito, também há um ato ilícito e, nada obstante, a responsabilidade por ele é objetiva. A equiparação entre delito e responsabilidade subjetiva está superada.
52Em sentido contrário, já se defendeu que, se a instituição financeira credora realizar due diligence documental do imóvel, cumprindo seu dever de cautela, não poderá ser responsabilizada por qualquer dano ambiental (Cf. CASTANHO, Renata O. Pires; CANELA, Carina. Alienação fiduciária de bens imóveis e outras garantias, pp. 62-63).
53O mesmo raciocínio se aplica, e pelas razões que serão deduzidas, ao art. 1.368-B do Código Civil, acrescentado pela Lei 13.043/2014.
54Dizendo de outra forma, a sujeição passiva tributária depende de lei nacional complementar, posição hoje ocupada pelo Código Tributário de 1966. De nada adianta o Código Civil disciplinar o assunto, exceto quanto ao aspecto obrigacional e privado.
55O STJ, presentemente, tem reconhecido que se trata de questão constitucional, deixando de conhecer dos recursos especiais interpostos: “1. A controvérsia versa sobre a legitimidade passiva da Caixa Econômica Federal, como credora fiduciária, em execução fiscal de IPTU.2. A apreciação sobre a possibilidade de lei ordinária determinar quem é o contribuinte do IPTU refere-se a questão constitucional, prevista no artigo 146 da CF. Conforme dispõe o art. 105 da CF, a competência do Superior Tribunal de Justiça restringe-se à interpretação e uniformização do direito infraconstitucional federal, restando a impossibilidade de exame de eventual violação a dispositivos e princípios constitucionais, sob pena de usurpação da competência atribuída ao STF.” (REsp 1670295/SP, 2ª Turma, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 13/09/2017)
56“(...) no caso de falência do devedor fiduciário, vale também o regime do contrato garantido. Caberá ao administrador judicial decidir pela continuação ou não do contrato garantido, seja ele bilateral ou unilateral. Caso não haja prosseguimento do contrato, o credor fiduciante, por ter a propriedade do bem, poderá realizar o pedido de restituição para a retomada do bem e, obtendo a retomada, deverá promover sua alienação para a satisfação do seu crédito (Decreto-lei no 911/69 – art. 7o). O eventual saldo positivo será remetido para a massa falida. Em caso de saldo negativo, deverá haver a habilitação do crédito. A mesma solução vale para os três tipos de alienação fiduciária.” (TOMAZETE, Marlon. Curso de direito empresarial: falência e recuperação de empresas, p. 562).
57“O credor titular da posição de proprietário fiduciário ou detentor de reserva de domínio de bens móveis ou imóveis não se sujeita aos efeitos da recuperação judicial (Lei 11.101/2005, art. 49, § 3º), ressalvados os casos em que os bens gravados por garantia de alienação fiduciária cumprem função essencial à atividade produtiva da sociedade recuperanda.” (AgInt no AgInt no AgInt no CC 149.561/MT, 2ª Turma, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 24.08.2018.)
58“A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.”
59“(...) 6. De acordo com a Súmula 308/STJ, a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.7. A Súmula 308/STJ, apesar de aludir, em termos gerais, à ineficácia da hipoteca perante o promitente comprador, traduz hipótese de aplicação circunstanciada da boa-fé objetiva ao direito real de hipoteca.8. Dessume-se, destarte, que a intenção da Súmula 308/STJ é a de proteger, propriamente, o adquirente de boa-fé que cumpriu o contrato de compra e venda do imóvel e quitou o preço ajustado, até mesmo porque este possui legítima expectativa de que a construtora cumprirá com as suas obrigações perante o financiador, quitando as parcelas do financiamento e, desse modo, tornando livre de ônus o bem negociado.9. Para tanto, partindo-se da conclusão acerca do real propósito da orientação firmada por esta Corte - e que deu origem ao enunciado sumular em questão -, tem-se que as diferenças estabelecidas entre a figura da hipoteca e a da alienação fiduciária não são suficientes a afastar a sua aplicação nessa última hipótese, admitindo-se, via de consequência, a sua aplicação por analogia” (REsp 1837203/RS, 3ª Turma, rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe 22.11.2019).
Referências
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CHALHUB, Menim Namen. Alienação fiduciária, incorporação imobiliária e mercado de capitais: estudos e pareceres. Rio de Janeiro: Renovar, 2012.
CHALHUB, Melhim Namem. Negócio fiduciário. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.
FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. 11. ed. Curso de direito civil: obrigações. Salvador: Podium, 2017.
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PINTO E SILVA, Fábio Rocha. Garantia imobiliárias em contratos empresariais: hipoteca e alienação fiduciária. São Paulo: Almedina, 2014.
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TERRA, Marcelo. Alienação fiduciária de imóvel em garantia. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1998.
TOMAZETE, Marlon. Curso de direito empresarial: falência e recuperação de empresas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2017.
TURNER, Chris. BRAY, Judith. Equity and trusts. Oxon-New York: Routledge, 2014.
VAZ, Ubirayr Ferreira. Alienação fiduciária de coisa imóvel: reflexos da lei n. 9.514/97 no registro de imóveis. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1998.
Citação
GRAMSTRUP, Erik Frederico. Alienação fiduciária em garantia. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Civil. Rogério Donnini, Adriano Ferriani e Erik Gramstrup (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/471/edicao-1/alienacao-fiduciaria-em-garantia
Edições
Tomo Direito Civil, Edição 1,
Dezembro de 2021
Tomo Direito Civil, Edição 2,
Setembro de 2022
Última publicação, Tomo Direito Civil, Edição 3,
Julho de 2024