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Fazenda Pública
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Anselmo Prieto Alvarez
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Tomo Processo Civil, Edição 2, Setembro de 2021
O conceito de Fazenda Pública é usado no Processo Civil como sinônimo de Estado, assim entendido como ente federado (União, Estados, Município e Distrito Federal) em sentido amplo, quando atua como parte ou interveniente na relação jurídica processual.
Doravante, passaremos a analisar o conceito em debate à luz da doutrina, do CPC/2015, da jurisprudência e da legislação especial.
1. Conceito: considerações gerais
Em princípio, são reputadas como Fazenda Pública as chamadas pessoas jurídicas de direito público interno (art. 41 do Código Civil), assim entendidas como os entes políticos (União, Estado, Municípios e Distrito Federal) e suas respectivas autarquias (por exemplo o INSS é uma autarquia Federal) e fundações (por exemplo o Procon/SP é uma fundação estadual), tipicamente exercentes de poder público, de forma direta ou indireta.
2. Visões sobre o tema
2.1. Doutrina
A doutrina, majoritariamente, filia-se a esse enfoque mais estrito do conceito de Fazenda Pública e, nesse espectro, Hely Lopes Meirelles sustenta que:
“[...] a administração pública, quando ingressa em juízo por qualquer de suas entidades estatais, por suas autarquias, por suas fundações públicas ou por seus órgãos que tenham capacidade processual, recebe a designação tradicional de Fazenda Pública, porque seu erário é que suporta os encargos patrimoniais da demanda.”1
Igualmente, Sérgio Shimura indaga, respondendo em seguida:
“Que se entende por Fazenda Pública? Refere-se às pessoas jurídicas de direito público interno, a saber: União, Estados, Municípios, Distrito Federal, Territórios, autarquias e fundações públicas. As agências reguladoras gozam de natureza autárquica, competindo-lhes tarefa normativa sobre, por exemplo, setores de energia elétrica, petróleo e comunicação.
[...]
Excluem-se, pois, as empresas públicas, sociedades de economia mista e serviços sociais autônomos, destinados a fomentos públicos (ex.: Sesi, Senai, Sebrae e Sesc). Essas entidades, ao desenvolverem atividades de natureza privada, equiparam-se aos agentes econômicos, submetendo-se ao regime de direito privado, com os mesmos deveres e obrigações.”2
Já Cândido Rangel Dinamarco leciona que a Fazenda Pública:
“[...] é a personificação do Estado, especialmente consideradas as implicações patrimoniais das relações jurídicas em que se envolve. Em sede administrativa, Fazenda designa tradicionalmente a administração financeira do Estado, aparecendo o vocábulo em locuções como Ministério da Fazenda (União) ou Secretaria da Fazenda (Estados), para designar o que na esfera municipal vem com o título de Secretaria de Finanças. Em processo civil, Fazenda vale como o Estado em Juízo e, como se verá, o Código de Processo Civil vigente emprega o vocábulo com razoável regularidade e com isso oferece critério satisfatório para a interpretação dos textos em que comparece.”3
2.2. CPC/2015
A expressão “Fazenda Pública” é encontrada 35 (trinta e cinco) vezes no texto do CPC/2015, porém o Código não se preocupa em atribuir-lhe um conceito específico.
Não obstante, o CPC/2015 (arts. 182 a 184) ao disciplinar a advocacia pública, ou seja, a carreira que é responsável por exercer a postulação judicial em favor da Fazenda Pública, deixa claro que as pessoas jurídicas de direito público interno que integram a administração direta e indireta, serão assim reputadas como tal, e por aquela instituição serão patrocinadas no processo.
2.3. STF
Contudo, a jurisprudência algumas vezes, não se contenta com esse enfoque estrito do conceito de Fazenda Pública, dando interpretação ampliativa, de modo a alcançar, em determinadas situações concretas, as pessoas jurídicas de direito privado vinculadas a um determinado ente político.
É isso o que acontece, por exemplo, para efeitos de utilização ou não pelo credor, de execução de rito especial para buscar o pagamento de quantia certa contra o Ente Federado em sentido amplo, assim denominada execução contra a Fazenda Pública. Aqui, o Supremo Tribunal Federal adota interpretação ampliativa do conceito anteriormente exposto.
É certo que, pelos termos do artigo 173 da Constituição Federal, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado é permitida por meio de sociedades de economia mista ou empresas públicas, ou seja, pessoas jurídicas de direito privado, somente quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo.
Tal intervenção poderá ocorrer, por sua vez, em três frentes: no desempenho de atividade econômica submetida ao regime da livre concorrência; no exercício de serviço público essencial; ou em atividade destacada para a segurança nacional, essas duas últimas em regime de monopólio.
Nesse contexto, podemos afirmar que somente as empresas públicas e sociedades de economia mista que explorem atividade não monopolizada encontram-se rigorosamente sujeitas ao mesmo regime jurídico a que se submetem as empresas e companhias privadas.
Isso porque, quando o Estado, através de suas empresas públicas e sociedades de economia mista, exerce atividade econômica submetida ao regime da livre concorrência, deve fazê-lo sujeitando-se às regras de mercado, sem qualquer prerrogativa, pois caso contrário reuniria condições para praticar preço em melhores condições que seus concorrentes, portanto violando o princípio da livre concorrência, gerando um desequilíbrio no mercado.
No entanto, quando as sociedades de economia mista ou empresas públicas são criadas e existem para o exercício de atividade monopolizada, ou seja, aquelas que o texto constitucional não entregou à livre iniciativa, não há que se falar na aplicação sem ressalvas do regime jurídico a que se submetem as pessoas jurídicas de direito privado.
Nesse toque aparece a razão da impenhorabilidade de seus bens, pois afetados a prestação do serviço público ou a atividade de segurança nacional, cuja continuidade verte benefícios a toda a sociedade, de modo que o interesse individual do exequente na expropriação de tais bens não pode prevalecer sobre o bem comum.
A partir dessa visão, o Supremo Tribunal Federal ampliando a visão de Fazenda Pública prevista no CPC/2015 entende que as empresas públicas4 e as sociedades de economia mista5 que atuam na economia sob regime de monopólio, mesmo sendo pessoas jurídicas de direito privado, não podem ter seus bens penhorados, e portanto quem for delas credor, deve executá-las por intermédio do procedimento especial da execução contra a Fazenda Pública (arts. 534, 535 e 910 do CPC) que possui um sistema específico de pagamento de dívida, denominado precatório (art. 100 da Constituição Federal).
Para ilustrar ainda mais a polêmica sobre o tema, no julgamento do recurso extraordinário com repercussão geral 938.837/SP (julgamento em 19.04.17 e publicado em 08.08.17), analisando a situação dos chamados conselhos de classe (por exemplo Conselho Federal de Medicina), que são autarquias federais, portanto, pessoas jurídicas de direito público, o STF adota visão restritiva em relação ao conceito de Fazenda Pública.
No julgamento referido, afirmou o STF que como esses órgãos não recebem orçamento da União, mas sim, em especial dos próprios profissionais que integram a classe (por exemplo dos engenheiros que são fiscalizados pelo Conselho Federal de Engenharia) através do recolhimento da anuidade, muito embora sendo uma autarquia federal, não serão reputadas como Fazenda Pública e poderão ter seus bens penhorados.
Portanto, o credor irá executar o Conselho, com fundamento na execução de procedimento comum objetivando a obtenção de quantia certa, através da penhora de bens do devedor e não através da execução de rito especial contra a Fazenda Pública.
2.4. Legislação especial
Por fim, é importante ressaltar que a própria lei especial pode ampliar a acepção de Fazenda Pública trazida no CPC/2015.
É o que faz, por exemplo, a Lei do Juizado Especial Federal (Lei 10.259/01) em seu art. 6º, inc. II , inserindo as empresas públicas federais quaisquer que sejam , atuem ou não em regime de livre concorrência (por exemplo a Caixa Econômica Federal é um banco e atua na economia concorrendo com outros bancos privados), no âmbito de competência desse órgão jurisdicional, em princípio destinado a julgamento de causas onde deveriam figurar como Ré: a União e suas autarquias e fundações (pessoas jurídicas de direito público).
Notas
1 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p. 693.
2 SHIMURA, Sérgio Seiji. Título executivo, pp. 252 e 254.
3 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno, pp. 179-180.
4 Entendendo que a Empresa de Correios e Telégrafos (ECT) se submete ao procedimento especial da execução contra à Fazenda Pública, temos: STF AgR RE 393.032/MG, 1ª Turma, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 27.10.2009, DJe 18.12.2009; e caso emblemático: STF AgR AI 243.250/RS, 1ª Turma, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJe 10.02.2004.
5 STF - RG RE 599.628/DF, Plenário, rel. designado Min. Joaquim Barbosa Ayres Britto, DJe 01.06.2011.
Referências
ALVAREZ, Anselmo Prieto. Honorários advocatícios contra a Fazenda Pública e o novo CPC. Honorários advocatícios. 3. ed. Marcus Vinícius Furtado Coelho, Luiz Henrique Volpe Camargo (coords.). Salvador: Editora JusPODIVM, 2019, pp. 421-431.
__________________. As prerrogativas da Fazenda Pública no novo CPC. O Novo Código de Processo Civil Brasileiro. Thereza Alvim, Luiz Henrique Volpe Camargo, Leonard Ziesemer Schmitz e Nathália Gonçalves de Macedo Carvalho (coords.). Rio de Janeiro: Editora Forense, 2015, pp. 37-52.
__________________. A razão do discrímen da execução contra a Fazenda Pública e a legitimidade de partes. O direito de estar em juízo e a coisa julgada. Arlete Inês Aurelli, Leonard Ziesemaer Schmitz, Lúcio Delfino, Sérgio Luiz de Almeida Ribeiro e William Santos Ferreira (coords.) São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, pp. 443-454.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed., v. 1. São Paulo: Malheiros, 2002.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 36. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
SHIMURA, Sérgio Seiji. Título executivo. 2. ed. São Paulo: Método, 2005.
Citação
ALVAREZ, Anselmo Prieto. Fazenda Pública. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Processo Civil. Cassio Scarpinella Bueno, Olavo de Oliveira Neto (coord. de tomo). 2. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2021. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/466/edicao-2/fazenda-publica
Edições
Tomo Processo Civil, Edição 2,
Setembro de 2021
Última publicação, Tomo Processo Civil, Edição 3,
Novembro de 2024