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Revisão criminal
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Sérgio de Oliveira Médici
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Tomo Processo Penal, Edição 1, Setembro de 2020
Meio de impugnação de sentença penal transitada em julgado que contenha erro judiciário. Do latim, revisio, revisionem, a palavra revisão exprime de “examinar de novo; segunda leitura ou vista; vista minuciosa de escrito ou impresso para expurga-lo dos erros”.1 Nas ações criminais, em face da sistemática adotada pelo Código de Processo Penal, em geral é considerada “recurso que se interpõe para um tribunal superior de justiça por nulidade no processo ou por infração da lei na sentença”.2 Implica novo exame da causa já decidida; por meio desse instrumento processual, a justiça tem outra visão da decisão condenatória irrecorrível, com a finalidade de eliminar erros registrados no julgamento finalizado.
A revogação de atos decisórios firmes é prevista também no campo extrapenal, como a ação rescisória, de natureza civil, bem como as impugnações no âmbito do direito do trabalho e no setor administrativo – fato que revela a preocupação do legislador com a ocorrência de erro nas decisões, proporcionando o meio adequado de impugná-lo, em casos expressamente indicados na lei. Tal fato decorre do reconhecimento de que a estabilidade das decisões não pode prevalecer nos casos de notória injustiça, provocada por erro do julgador.
1. Concepção e origem
1.1. Conceito geral
A revisão consiste em meio de impugnação extraordinário, não suspensivo, parcialmente devolutivo e extensivo, tendente à eliminação da sentença condenatória passada em julgado, caracterizada por injustiça sucessivamente revelada por fatos ignorados pelo juízo que a pronunciou. 3 Para modificar, revogar ou anular uma decisão dispõe o acusado, fundado no contraditório e na ampla defesa assegurados constitucionalmente, de vários meios recursais previstos na legislação processual. Mas, esgotados os recursos, tem-se configurada a coisa julgada. É contra ela que se dirige a revisão criminal.
Não se admite revisão para simples reexame do mérito ou dos argumentos expostos e debatidos na causa. Mesmo que a decisão haja contrariado a jurisprudência dominante ou a doutrina majoritária, não é considerada cabível a revisão criminal, que exige a demonstração da ocorrência de um erro na sentença passada em julgamento. Em outras palavras: eventual injustiça contida no julgamento não pode ser sanada pela revisão, instrumento processual adequado para rescindir sentença condenatória irrecorrível que contrariou a lei ou a prova, baseou-se em prova falsa; ou então, se surgiram provas demonstrando a inocência do acusado.
1.2. Conceito no direito brasileiro
Em trabalho dedicado ao tema, Jorge Alberto Romeiro, conceituou a revisão como “o reexame jurisdicional de um processo penal já encerrado por decisão transitada em julgado, mirando à sua reforma, quando contenha erro cuja reparação, pelo próprio Judiciário, possa valorizá-lo como órgão do Estado gerador da coisa julgada”.4
Concepção semelhante encontramos em Espínola Filho:
“É uma provocação a que, em casos expressamente configurados na lei, o tribunal, prolator duma sentença condenatória passada em julgado, ou instância superior à do juiz de que emana tal decisão, faça o reexame do processo, no sentido de beneficiar o condenado, quer o absolvendo, quer lhe minorando a situação, com qualificação menos rigorosa da infração, ou diminuição da pena imposta, quer anulando o processo”.5
1.3. Origens
Impossível apontar no passado distante a existência de um instituto com todas as atuais características da revisão criminal. As regras legislativas refletem a cultura da época e estão diretamente ligadas ao desenvolvimento maior ou menor do sistema político, econômico, social e jurídico. Ou seja, “os direitos sempre foram espelhos das épocas”. 6
Nas sociedades primitivas, em que a administração da justiça, feita diretamente pelo povo ou pelo rei, é mais acentuada do que no Estado moderno a predominância do objetivo da certeza e segurança sobre o da justiça, registra Bueno Vidigal, em estudo dedicado à ação rescisória. E proclama: “A decisão dos litígios, feita em um só grau de jurisdição, torna-se coisa julgada, garantindo definitivamente ao vencedor o bem objeto da lide”.7 Com tais ressalvas, pode-se localizar na antiguidade instrumentos que revelam uma ideia de revisão criminal, a partir da configuração de um julgamento findo e da alegação da ocorrência de erro na decisão.
O direito romano, em geral, é o ponto de partida do estudo histórico da revisão criminal, a exemplo do que se faz com outros institutos jurídicos, devido à farta documentação existente sobre o sistema legislativo da antiga Roma. Pode-se afirmar que a primeira legislação regulamentadora deste tema foi a romana. Em sentido amplo, segundo Riccobono, o direito foi criado duas vezes em Roma: primeiro um direito agreste, rudimentar e rigoroso, com características primitivas e elementos essencialmente bárbaros, ditados pela Lei das Doze Tábuas, que foi elaborada no princípio do século VI ab urbe (303-304); o segundo, com características universais, surgiu após as guerras púnicas do século VI.
A partir deste momento, o direito romano tosco e primitivo foi lentamente aperfeiçoado e enriquecido, em seguida à expansão política de Roma, ao desenvolvimento do comércio no vasto território do império, da vida social e espiritual da república e dos primeiros séculos do principado, grandemente influenciado pelo contato com a cultura e a civilização helênicas. Os mais antigos instrumentos jurídicos estabelecidos pelo direito romano para propiciar a revisão de um julgamento foram a infitiatio e a revocatio in duplum, no campo civil, e a provocatio ad populum, no âmbito penal. Os primeiros, que só interessam ao tema em razão do julgamento dos delitos por meio das regras do processo civil, com possibilidade de condenação em sanção pecuniária, teriam surgido no período republicano, como informa Moacyr Lobo da Costa, após extensa pesquisa sobre o tema. 8
O meio de impugnação do direito romano que mais se aproxima da moderna revisão criminal é o da restitutio in integrum, 9 por pressupor inexistência de recurso ou esgotamento da via recursal (coisa julgada).10 Destinava-se a rescindir uma sentença que fez coisa julgada. Savigny a conceituou como a reintegração de um anterior estado jurídico, fundada na contraposição entre a equidade e o estrito direito, e efetuada graças à potestade pretória, que modifica cientemente um direito efetivamente existente.11 A restitutio in integrum, na visão de Cretella Jr., é o ato mais ousado do pretor, pois, com este instrumento, como que paralisa e aniquila o direito civil, indo além de sua missão normal de completar ou de interpretar pela equidade o rigor da lei diante do caso concreto. E sintetiza: “Restituere não significa restituir, mas colocar as coisas in statum quo ante, anulando totalmente – in integrum – ato executado”. 12
O meio de impugnação romano foi adotado pelo direito canônico como meio de revogação das sentenças com trânsito em julgado, fato observado por Guido Cocchi. Para este canonista, pode acontecer que, depois da configuração da coisa julgada, surjam fatos novos referentes à controvérsia, ou que se descubram fatos na verdade já existentes, involuntariamente ignorados, mas tão graves que admitam a modificação do julgado. Para apreciar os fatos dessa natureza, à luz da verdade e em defesa da justiça, o direito instituiu um peculiar remédio extraordinário, que pode ser usado em determinados casos. “Este remédio jurídico – assinala – tem origem no direito romano”. 13 Portugal acolheu os fundamentos romano e canônico relativos à revisão, desde as ancestrais Sete Partidas, até as Ordenações do Reino, que foram aplicadas no Brasil colônia e serviram de fonte para o regramento revisional no processo penal brasileiro.
2. Pressupostos da revisão criminal
Dois são os pressupostos fundamentais para a viabilidade da revisão: a configuração da coisa julgada e a demonstração de erro judiciário. Para o direito brasileiro, que não admite a revisão pro societate, o conceito do instituto pode ser extraído do texto legal: é o reexame do julgamento irrecorrível, se a sentença condenatória for contrária à lei penal ou à evidência dos autos, ou fundada em provas falsas; ou, ainda, se forem descobertas novas provas relativas à inocência do acusado ou à diminuição de pena. 14
2.1. A coisa julgada15
A coisa julgada – verdade provisória do mundo, na perfeita expressão de Teixeira de Freitas – é um fato de natureza processual, que impede qualquer modificação da prestação jurisdicional entregue com o julgamento.
A sentença definitiva não mais sujeita a reexames recursais, transforma a res judicanda em res judicata, e a vontade concreta da lei, afirmada no julgado, dá ao imperativo jurídico, ali contido, a força e a autoridade de lei especial entre as partes, no tocante ao litígio jurisdicionalmente decidido e solucionado, leciona Frederico Marques. “A res judicata – acentua – marca inconfundivelmente o ato jurisdicional, visto que ali se concentra, em sua plenitude, o comando emergente da sentença, tornando estável pela imutabilidade de que passa a revestir-se dentro e fora do processo”. 17
No dizer de Manzini, a autoridade a coisa julgada é a força reconhecida pela lei à decisão do juiz para regular juridicamente e em forma relativamente imutável (isto é, fora as hipóteses de mutabilidade expressamente previstas pela lei) o caso concreto decidido, de maneira que se imponha positivamente com eficácia coercitiva, ou seja, executiva (actio judicati), e negativamente, com eficácia proibitiva, como preclusão que proíbe a repetição total ou parcial do juízo sobre o mesmo objeto (exceptio rei judicatae)18. Esclarece, por outro lado, o célebre doutrinador italiano, que não se confunde autoridade da coisa julgada com irrevogabilidade da decisão:
“A irrevogabilidade é uma condição formal para que possa surgir o efeito substancial da coisa julgada, porém não constitui a essência dela; tanto assim que se podem dar decisões irrevogáveis, que não adquirem autoridade de coisa julgada. Igualmente não se pode confundir essa autoridade com a executoriedade de uma decisão, já que a executoriedade não é suficiente para atribuir a uma providência a autoridade da coisa julgada, e, às vezes, nem sequer o caráter da irrevogabilidade. De outra parte, pode haver decisões com autoridade de coisa julgada sem ser, no todo ou em parte, executáveis”. 19
Ao comentar o art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil, Maria Helena Diniz afirma que a coisa julgada é instrumento de controle ante o dinamismo jurídico. E conclui: “Se os elementos limitativos, que se manifestam nas normas atinentes aos direitos fundamentais e às garantias constitucionais, restringem a ação dos poderes estatais e dão a tônica do Estado de Direito, a atividade judicial tem na Constituição Federal e na lei seus limites e fundamentos. Consequentemente, a liberdade de julgar só será garantida dentro das limitações da órbita jurídica.” E conclui ”se o órgão judicante ultrapassar esses marcos, sua atividade tornar-se-á uma perturbação da ordem jurídico-social, por desgarrar-se dos fins constitucionais e legais, configurando-se um abuso de direito”. 20
A verdade da coisa julgada é meramente formal, observa Florêncio de Abreu: não pode converter-se numa realidade absoluta, se em contraste com a realidade material. Nesse sentido, cita a lição de Alimena:
“A norma res judicata pro veritate habetur contém antes o símbolo de uma necessidade prática do que a enunciação de uma verdade. Se, de fato, se quisesse enunciar fosse o princípio da coisa julgada a própria verdade, ter-se-ia dito: res judicata veritas est. Quando o juízo termina e, consequentemente, se profere o julgado, é necessário supor que este encerra a verdade, toda a verdade, nada mais que a verdade; e é necessário supô-lo, quer porque, se não fosse tido como justo, não teria nenhum valor na consciência pública, quer ainda porque, com as garantias processuais hodiernas, assim deve acontecer ou é de esperar que aconteça, pelo menos na maioria dos casos”.22
E arremata:
“Mas, se a coisa julgada deve presumir-se justa, essa presunção não pode ser levada ao ponto de resistir a uma translúcida prova, que demonstre a evidência contrária, até então insuspeitada. Dessas simples considerações emergem, portanto, dois princípios: que a coisa julgada deve conter-se dentro de limites razoáveis e que não se deva admitir contra ela qualquer remédio ordinário, fundado em presunção de erro”.
Assegurada pela Constituição Federal, a coisa julgada é plena no campo extrapenal, pois as revisões dos julgados estão limitadas no tempo. Findo o prazo, opera-se a imutabilidade absoluta. No âmbito penal, entretanto, o problema apresenta algumas peculiaridades, que exigem uma adequação desses conceitos às regras específicas da revisão criminal (art. 5º, inc. XXXVI, da Carta Magna). Diferentemente do que acontece no processo civil de caráter contencioso, observa Rogério Lauria Tucci, a exigência de irrevogabilidade do ato decisório de mérito não se faz absoluta, no processo penal: “Há sentenças penais que transitam em julgado apenas formalmente, podendo ser revogadas em qualquer tempo ou circunstância”. 23
Ao analisar a teoria de Liebman sobre a coisa julgada, bem como sua aplicação no campo penal, Ada Pellegrini Grinover conclui pela inexistência de diversidade ontológica da res judicata:
“A decisão pro reo reveste-se do caráter de imutabilidade absoluta, nos ordenamentos, como o nosso, em que não se admite revisão pro societate. Nesse sentido, podemos dar razão a Manzini, quando afirma que a autoridade da coisa julgada encontra sua atuação mais completa no tocante à sentença absolutória, contra a qual não se admite revisão. Mas não é a natureza da coisa julgada que se modifica: enquanto não atacada pela revisão, ou pela rescisória cível, é idêntico o fenômeno, em qualquer campo e qualquer que seja a natureza da sentença, absolutória ou condenatória. As diferenças ocorrem apenas quanto às hipóteses em que a rescisão se admite, na esfera penal e na esfera não penal, e quanto aos prazos: o que, a nosso ver, significa apenas uma regulamentação diversa da rescindibilidade, com vistas às diferentes relações jurídicas materiais discutidas, mas não uma diversidade ontológica da coisa julgada. Esta, como qualidade da sentença e de seus efeitos (imutabilidade), é uma só, enquanto existe”.24
A sentença penal serve ao processo, anota Miguel Fenech, enquanto resolve o seu objeto, e seus efeitos são consequência do processo no qual foi pronunciada:
“Quando falamos de coisa julgada, a própria expressão consagrada nos revela o mesmo: o substantivo coisa indica o objeto do processo, o adjetivo julgada indica a situação em que a coisa-objeto se encontra quando tiver sido definitivamente resolvida. O efeito da coisa julgada é o efeito da resolução do objeto do processo quando for decidido definitivamente”. 25
Para a coisa julgada penal é irrelevante a identidade de partes e da causa petendi, assinala Andrés de la Oliva Santos:
“O imperativo non bis in idem – mais forte aqui do que nos demais âmbitos – deve ser efetivo, ainda que haja alteração de uma das partes – concretamente, a parte acusadora – e ainda que a causa petendi ou título de acusação seja diferente, isto é, ainda que mudem os conceitos pelos quais se pretende obter uma decisão judicial que declare a procedência do ius puniendi estatal”. 26
Segundo Alfredo Buzaid,
“A medida que o processo avança, vai-se operando a superação das questões que, depois de decididas, ou são impugnadas por meio de recurso ou se tornam inatacáveis pela aquiescência da parte. É a preclusão o expediente de que se serve o legislador para assegurar o desenvolvimento do processo e a obtenção de seu resultado. Se, por um lado, a preclusão maior é a coisa julgada, que ocorre no momento final da instância, por outro lado ela produz seus efeitos também durante o processo, na medida em que, em seu curso, determinadas questões são decididas e eliminadas. (...) O instituto da preclusão destina-se a pôr termo à discussão, consistindo, pois, na perda de uma faculdade processual”. 27
Processo, de procedere, significa caminhar para frente, avançar na direção de um resultado. Juridicamente, é o desenrolar de atos e termos que se sucedem uns aos outros. É o encadeamento gradual e sucessivo da atividade judicial das partes, de servidores da justiça e do juiz, em busca da sentença definitiva. Em suma, o processo progride, rumo à decisão final. A preclusão, então, é instituto criado para assegurar essa progressão, ao impedir nova discussão, no decurso do processo, de questão incidente já decidida.
Para Rogério Lauria Tucci, imutável a sentença como ato processual, exaure-se, no processo em que foi prolatada, e, com a entrega da prestação jurisdicional solicitada, a função do órgão estatal do Poder Judiciário. Ocorre, então, a coisa julgada formal ou preclusão máxima, de sorte a impedir as partes de discutirem e ao juiz de versar novamente sobre as questões decididas.28 Coisa julgada de autoridade absoluta existe, afirma Sérgio Pitombo,
“quando se forma em face de sentença, ou acórdão, de natureza declaratória ou constitutiva. Sua imutabilidade perene decorre, simplesmente, da preclusão dos prazos recursais. É estável por natureza. Coisa julgada de autoridade relativa é adstrita à sentença penal de natureza condenatória, a qual se pode ver revogar ou modificar a qualquer tempo, seja mediante ação penal de habeas corpus, seja por via da ação de revisão criminal”. 29
Pode-se afirmar que também no campo penal, esgotados os recursos ou não utilizadas as vias recursais no prazo estabelecido pela lei, opera-se a coisa julgada, que se apresenta em dois sentidos – formal e material. Pelo primeiro, de efeito positivo, a sentença torna-se imutável na ação penal em que foi prolatada. Já a coisa julgada material impede novo pronunciamento judicial pelo fato decidido na sentença passada em julgado. Temos, então, o efeito negativo da coisa julgada. Por outro lado, o princípio da coisa julgada protege a relação controvertida e decidida contra a incidência da lei nova, como sustenta, com propriedade, Tercio Sampaio Ferraz Jr.:
“Alterando-se por esta quer as condições de ser titular, quer de exercer os atos correspondentes, o que foi fixado perante o tribunal não pode ser mais atingido retroativamente. A doutrina da irretroatividade da eficácia da lei nova conhece, no entanto, exceções. É o caso de uma alteração, por exemplo, na lei penal, que descriminaliza ato anteriormente considerado ilícito. A nova lei retroage, sua eficácia atinge a incidência da lei antiga, o ato já ocorrido e incriminado anteriormente por normas de conduta, não obstante anterior à nova lei, cessa de ser considerado ilícito. É a retroatividade in bonam partem”. 30
Essa imutabilidade, instituída em nome da estabilidade social, entretanto, não prevalece diante de instrumentos de amparo da liberdade individual: habeas corpus, mandado de segurança, pedido de unificação de penas e revisão criminal (somente em favor do condenado). Se a coisa julgada é plena nos casos de sentenças de absolvição (a imutabilidade, aqui, é absoluta), o mesmo não acontece com a sentença condenatória, que apresenta imutabilidade relativa, pois pode ser alterada a qualquer momento. A explicação está na ocorrência de erro no julgamento do condenado – expressão máxima da injustiça –, que não pode ser amparada pela segurança jurídica, representada pela coisa julgada. Assim, conquanto verificado após o trânsito em julgado da decisão, o erro judiciário ocorreu no processo de conhecimento, ou seja, no passado. Consequentemente, parece-nos inadequada a justificativa da revisão criminal com fundamento na cláusula rebus sic stantibus, voltada para modificações substanciais posteriores à formação da coisa julgada. 31
A cláusula rebus sic stantibus (a permanecerem assim as coisas)32 é assim explicada por Renzo Tosi:
“Essa fórmula é hoje usada na linguagem comum para esclarecer que dada afirmação é verdadeira, contanto que não haja mudanças na situação de fato. Sua origem é jurídica, sendo usada, tecnicamente, nos contratos de execução contínua, periódica e diferida, como prevenção contra a possibilidade de que mudanças na situação de fato tornem excessivamente oneroso o respeito do acordo por qualquer uma das partes”. 33
Tal cláusula, atinente às sentenças determinativas, como a que decide sobre a guarda dos filhos e a que estabelece o valor de pensão alimentícia, possibilita ao juiz adaptar a situação julgada com o novo estado de fato superveniente. No âmbito criminal, aceitável a aplicação da cláusula rebus sic stantibus no processo de execução – como na remição e no indulto –, pois houve uma alteração fática depois do trânsito em julgado da condenação.
Na revisão, o condenado propõe a ruptura da coisa julgada em razão de erro pretérito, sem ter em vista fatos futuros. A prova que fundamenta o pedido pode ter sido obtida posteriormente, mas a revisão vai demonstrar a ocorrência de erro no julgamento e não em fatos supervenientes. Por outro lado, a garantia constitucional da coisa julgada nasce do processo, através da imutabilidade dos efeitos da sentença, mas transforma-se, posteriormente, em verdadeira garantia de direito material, porque incorpora ao patrimônio jurídico de seu beneficiário o direito substancial definido na sentença. Essa garantia, afirma Greco Filho, atua até contra as inovações legislativas, que não poderão retroagir para modificar a situação consagrada por sentença transitada em julgado.34
Vale, ainda, analisar um derradeiro aspecto, qual seja da diferença entre o conteúdo e efeitos da sentença, assim como a distinção entre ambos e os efeitos da sentença penal transitada em julgada, cuja utilidade foi bem realçada por Botelho de Mesquita:
“Essas distinções constituem, a meu ver, o melhor ponto de partida para um adequado entendimento da coisa julgada. O conteúdo, no que interessa à coisa julgada, é a conclusão última do raciocínio do juiz, que vai compor o que denominamos elemento declaratório da sentença, presente em toda e qualquer sentença de mérito; no caso, a conclusão (implícita por força de lei) sobre a existência ou inexistência da obrigação de indenizar. O efeito é a alteração que a sentença de procedência produz, a pedido do autor, nas relações de direito externas ao processo. No caso da sentença condenatória penal, é a constituição de um título executivo judicial a favor da vítima, vinculado ao reconhecimento implícito da existência da obrigação. Por sua vez, o efeito do trânsito em julgado é tornar imutável e indiscutível entre as partes o já referido elemento declaratório da sentença. Observe-se que os efeitos da sentença não são imutáveis. O indulto penal e a prescrição civil, supervenientes à sentença, são exemplos de atos ou de fatos que modificam ou extinguem os efeitos de uma sentença, mesmo que transitada em julgado. Por aí se esclarece que o efeito civil da sentença condenatória penal não é o reconhecimento da existência da obrigação de indenizar o dano; isto é apenas o seu conteúdo implícito, o seu elemento declaratório. O efeito civil da sentença condenatória é a constituição do título executivo judicial a favor da vítima. Este é o efeito do trânsito em julgado. Efeito do trânsito em julgado é somente o de tornar imutável e indiscutível entre as partes a conclusão última do julgado, o seu elemento declaratório; no caso, o implícito reconhecimento da existência, ou inexistência, da obrigação de indenizar”.35
2.2. O erro judiciário
Considera-se erro judiciário a má aplicação do direito ou a deficiente apreciação dos fatos da causa, por parte do órgão jurisdicional, que resulta em decisão contrária à lei ou à verdade material. O erro faz parte da natureza humana. Daí o antigo adágio latino errare humanum est, reconhecendo a limitação e a falibilidade do homem. Assim, ainda que, teoricamente, sempre superável, o erro, com larga frequência, não pode ser evitado, em virtude da presença de dificuldades extraordinárias.
A palavra erro, derivada do latim error, do verbo errare, significa falsa concepção acerca de uma pessoa, de uma coisa ou de um fato. É a ideia contrária à verdade, podendo ser o falso tomado como verdadeiro ou o verdadeiro como falso.37 Segundo os escolásticos, o erro é predicado do juízo. Um juízo é errôneo quando está em luta com a realidade à qual se refere. Como a verdade é a adequação da mente à coisa, ou seja, a conformidade do juízo com a coisa, infere-se que o erro é contrário à verdade. Comumente, e em oposição ao pensamento escolástico, o erro é, também, predicado das ideias e das proposições. Diz-se que estas últimas são errôneas ou falsas quando expressam um juízo contaminado de erro, ao qual contestam aqueles que, em tal caso, a consideram proposição mentirosa, ponto de vista inadmissível, porque a mentira pressupõe um ato consciente e voluntário de quem a leva a cabo e, em muitos casos, quem formula uma proposição falsa ignora que seja falsa. As representações também podem ser errôneas, falsas, inadequadas, porque não representam bem a coisa à qual se referem.38
O erro é um juízo explícito ou implícito, no qual quem o formula se equivoca, sem o saber, quanto ao objeto da apreciação. Difere da falsidade lógica, em que esta concerne meramente à relação objetiva de um juízo com o objeto, enquanto o erro inclui também a tomada de posição subjetiva. O conteúdo de um juízo que não corresponde ao objeto é falso; entre os ímpetos próprios do erro deve-se contar, ademais, o de afirmar como verdadeiro um conteúdo justificativo falso, por desconhecer sua falsidade. A possibilidade do erro é um fato que apenas se deve declarar. Encerra, porém, um problema: como pode errar o entendimento se, por sua natureza, está orientado pela verdade? O entendimento, a causa de sua finalidade, pode sucumbir à aparência de verdade e à influência de interesses não teoréticos da vontade que induzem a julgar precipitadamente. 39
Os filósofos fazem distinção entre fontes lógicas e fontes psicológicas do erro. Ambas as classes, entretanto, colaboram, sempre, ainda que em distintas medidas, para o juízo errado. As mais importantes fontes lógicas do erro, segundo Walter Brugger, são: a generalização, concluindo de casos particulares a todos em geral, sem suficiente fundamento; o uso de frases feitas ou tópicos, quer dizer, de fórmulas verbais que ocasionem uma tomada de posição de base sentimental carente de fundamentação objetiva; concluir do inconcebível ao impossível: se nossa inteligência não entende uma coisa, isso não significa que isto seja impossível; o raciocínio post hoc, ergo propter hoc: de que um acontecimento segue outro no tempo, infere-se injustificadamente que o primeiro (temporalmente) seja a razão do segundo; por último, os sofismas de todas as classes.
Explica o mesmo autor que as fontes psicológicas do erro resultam de nossos limitados pensar e querer, perturbados sempre por alguma espécie de paixão. De parte do entendimento, os erros podem estar condicionados pela dependência do nosso pensamento a respeito da ambiguidade da linguagem; pela dependência com relação aos sentidos e à memória, que podem enganar; pelos prejuízos, a falsa educação e a precipitação ao julgar; pela falta de formação e ciência unida à necessidade de resolver rapidamente as questões e, ademais, pela torpeza e escassez de inteligência e a supervalorização da autoridade. De parte da vontade, são fontes do erro: o caráter apaixonado, a perversa inclinação do coração a um falso objeto, o espírito de contradição, a deficiente vontade de verdade. Pode-se dizer, também, que o erro corresponde à falsa representação da realidade, enquanto a ignorância é a ausência absoluta de conhecimento. Assim, se o primeiro revela uma ideia, ainda que equivocada, a segunda exprime a inexistência de qualquer percepção. No entanto, nos seus efeitos, quase sempre, equivalem-se.41
Jiménez de Asúa expõe que Savigny via sempre um estado de ignorância, pois o erro surge da ignorância de alguma coisa, enquanto Carrara, contrariando esta tese, reconhecia que, metafisicamente, diferem de modo profundo erro (estado positivo) e ignorância (estado negativo), não havendo razão para se ocupar de situações negativas, posto que não podem ser causa de ação; em consequência, o criminalista não teria motivo para estudar a ignorância, senão somente o erro.42
Assim, se o Direito está sempre voltado, direta ou indiretamente, para acontecimentos da vida humana, não poderia ignorar a ocorrência do erro. O nosso direito positivo reconhece a sua ocorrência e fixa regras para suas consequências, nos âmbitos civil, processual civil, empresarial, tributário etc. e, especialmente, na legislação penal e processual penal. Para o Direito Penal, o erro pode excluir o dolo do agente (no erro de tipo, art. 20, caput, do Código Penal), ou isentá-lo de pena (nas descriminantes putativas, art. 20, § 1º, e no erro de proibição, art. 21, caput). Também disciplina o erro determinado por terceiro (art. 20, § 2º), o erro sobre pessoa (art. 20, § 3º), o erro na execução, ou aberratio ictus (art. 73), e erro que provoca resultado diverso do pretendido, ou aberratio criminis (art. 74). Já o Código de Processo Penal, além da revisão, refere-se ao erro em outros artigos, como 77, II; 386, V; 411 etc.
O erro judiciário é o cometido pelos juízes, voluntária ou involuntariamente, em suas sentenças e acórdãos. A decisão judicial, contaminada pelo erro, projeta-se em oposição à verdade ou, mais adequadamente, à certeza. Resulta o erro judiciário, conforme Silvio de Macedo, da não observância da lei ou fundado em engano resultante de ato e documentos da causa. É inerente a atos do processo, judiciários, judicativos ou das partes. 43Alvaro Villela, por sua vez, alerta que “um fantasma negro acompanha sempre o organismo judiciário, como se fosse a sua sombra. É a projeção de um quid ínsito a todos os juízos humanos – a eterna falibilidade, e chama-se erro judiciário”. E, depois de considerar extremada a afirmação de Orano, que julga o erro judiciário mais desastroso que os terremotos, as tormentas e as epidemias e mais lacrimantes do que as guerras, concorda com Ortolan, para quem as decisões judiciais erradas constituem uma calamidade pública e, quando não prevenidas nem remediadas, transformam-se em fator de dissolução social.44
Na órbita processual penal, o erro judiciário pode ser focalizado em sentido amplo e estrito. O primeiro significa a falsa representação fática ou jurídica de uma decisão, produzindo absolvição ao invés de condenação, ou vice-versa, ou, ainda, imposição de pena maior ou menor que a merecida pelo condenado. No sentido estrito – de interesse dos sistemas que, como o nosso, conhecem somente a revisão em favor do condenado – o erro judiciário provoca a condenação de um inocente (quando, v.g., inexiste o crime ou o imputado não foi autor ou partícipe da infração; quando configurada uma causa excludente de ilicitude ou de culpabilidade não reconhecida na sentença); a tipificação de um crime mais grave do que o efetivamente cometido pelo punido; ou a fixação de pena superior à cominada para o fato reconhecido no julgado.
As causas mais importantes que determinam a ocorrência de erro no julgamento, segundo Max Hirschberg, são as seguintes: ausência ou deficiência na análise crítica da confissão do acusado; valoração equivocada a respeito da acusação feita por coacusados; avaliação não crítica dos depoimentos testemunhais; erro no reconhecimento do acusado; mentira ou contradição como prova da culpabilidade; valoração não crítica dos laudos periciais.45
Fala-se em error in judicando e em error in procedendo para separar as duas modalidades de erro verificadas numa decisão judicial. Os errores in judicando, segundo opinião doutrinária generalizada, são aqueles cometidos pelo juiz, relativamente ao juízo de direito, quer no tocante ao direito material, quer ao direito processual. Em outras palavras, a violação ou a errada aplicação da lei, pelo juiz ou tribunal, ao julgar, configura error in judicando. 46 A não observância, pelo juiz, dos preceitos estabelecidos nas leis processuais, relativamente à disciplina do procedimento, configura o error in procedendo. Segundo Eduardo J. Couture, no error in procedendo configura-se o desvio ou apartamento, pelo juiz, dos meios assinalados pelo direito processual para a sua direção do juízo. “Por erro das partes ou por erro próprio, pode, com esse apartamento, diminuir as garantias do contraditório e privar as partes de uma defesa plena de seu direito. Este erro compromete a forma dos atos, sua estrutura externa, seu modo natural de realizar-se”.47
Possível, ainda a distinção entre erro absoluto e erro relativo. O primeiro, radical, é tanto o da condenação como o da absolvição infundada, falsa, insubsistente. O erro relativo ou superficial é tanto o de uma condenação que impõe pena maior ou menor do que a sanção adequada em determinado julgamento.48 O meio adequado de correção dos erros judiciários é a revisão, como salienta Rogério Lauria Tucci:
“Bem é de ver que a revisão criminal se apresenta, no âmbito da jurisdição penal, como a atuação judicial destinada à verificação, e, se for o caso, obviamente, à respectiva sobrelevação, de erro judiciário contido em sentença condenatória. Sua utilização é, destarte, restrita às situações em que tenha sido proferido julgamento desfavorável ao acusado num ato decisório contemplativo do meritum causae, formalmente transitado em julgado; apenas, portanto, pro reo”.49
Focalizando a legislação da Espanha, Martín, Gamazo, Muñoz e León expõem entendimento semelhante:
“O recurso de revisão é um remédio processual a ser interposto perante os órgãos jurisdicionais para tornar sem efeito sentenças firmes por motivos específicos e extraordinários. A lei processual considera que os erros judiciais apontados no recurso de revisão são de suficiente envergadura de forma que não haja a tramitar nenhum outro procedimento contra tais erros, e a sentença de revisão abra diretamente o caminho administrativo para sua indenização”. 50
2.3. Estabilidade social e justiça
O objeto da coisa julgada consiste na garantia da estabilidade das relações jurídicas e sociais, evitando que a indefinição de um pronunciamento do órgão judiciário competente fomente a discórdia entre as pessoas. Mas se a coisa julgada é essencial à ordem jurídica, o erro da decisão impede a almejada estabilidade, pelo clamor que provoca entre as pessoas, direta ou indiretamente relacionadas com o julgamento de uma ação penal condenatória.
Uma justiça que reconhece os próprios erros e se corrige – proclama Alimena – é uma justiça sublime, é uma justiça que se acusa e se julga a si mesma, ao passo que, ao contrário, a desconfiança nasce precisamente do erro, que se conserva e se defende por meio de fórmulas vãs. 51
O princípio da res judicata pro veritate habetur, adverte Osório da Gama, é um princípio de utilidade e não de justiça, e assim não pode impedir a revisão da sentença quando haja fortes elementos de convicção de que a decisão proferida não corresponde, em matéria de fato, à verdade histórica que o processo penal quer e precisa em todos os casos alcançar. E conclui: “[s]e o processo civil admite a rescisão do caso julgado, com mais razão a deve admitir o processo penal. Mas isto é hoje um ponto sobre que quase todos estão de acordo. Só a Inglaterra, e pouco mais, é que continuam a querer alcançar o mesmo resultado por meio da graça do príncipe”.52
Mais humano e mais lógico do que deixar às vítimas dos erros judiciários a simples esperança de que medidas de graça venham modificar a sua situação, argumenta Palma Carlos, é dar-lhes garantias legais que lhes permitam afirmar a sua inocência e exigir a reparação dos erros cometidos. 53 Tais garantias, segundo Orano, podem ser divididas em preventivas, como os graus de instância e a existência dos tribunais de cassação, e reparatórias, como a regulamentação da graça soberana e a revisão. 54
O ideal, portanto, não é sacrificar a Justiça para garantir a segurança, ou vice-versa, e sim conciliar a segurança com a Justiça, disciplinando a correção dos erros judiciários. Assim, conquanto se oponha, formalmente, a uma decisão irrecorrível, a revisão constitui instrumento jurídico que valoriza a coisa julgada, pois o que a sociedade espera é a estabilidade da decisão justa e não a perenidade do pronunciamento judicial caracterizado por erro de fato ou de direito.
3. Espécies de revisão criminal
Duas são as espécies de revisão, de acordo com a extensão da admissibilidade legal deste instrumento processual: a restrita (sistema francês) e a ampla (sistema germânico). A primeira, de tradição latina, admite unicamente a revisão favorável ao condenado, em hipóteses expressamente indicadas em lei. Seguem esta orientação as legislações francesa, italiana, belga, espanhola, portuguesa e da maioria dos países latino-americanos, inclusive o Brasil.
A segunda modalidade, originária do código processual penal austríaco de 1873, admite a revisão de modo amplo em favor do condenado e, em casos específicos, a “reabertura do processo findo” (coisa julgada) em desfavor do acusado. A Alemanha adota este critério desde 1877, seguido por outros países de língua alemã e por nações que integravam o extinto bloco soviético. Na essência, a distinção entre os dois sistemas está na concepção de coisa julgada penal.
O sistema francês, por motivos políticos e sociais, impede a reabertura do processo se o acusado foi absolvido e a sentença transitou em julgado, ainda que evidente o erro judiciário. Impera, aqui, o princípio do non bis in idem,55 que impede uma nova acusação contra aquele que foi declarado inocente por sentença firme: o processo penal deve ter um fim, declarado pela lei, mas a coisa julgada pode ser afastada, para fazer justiça a um condenado, em benefício da paz social. A quebra da res judicata em prejuízo do acusado, entretanto, não se justifica, uma vez que já se esgotaram os meios de persecução penal, sem a comprovação da existência do fato ou da participação do inculpado.
Já o sistema germânico tem como pressuposto a busca da verdade material como fim do processo penal.56 Tal concepção, introduzida na doutrina alemã por Mittermaier57 no século passado, provocou a predominância, entre seus adeptos, da tese de que nenhuma sentença penal podia manter-se firme, se demonstrada que a mesma não reflete a situação jurídica material verdadeiramente existente. Amplo na permissão da revisão pro reo, o sistema germânico, entretanto, limita as hipóteses em que se admite rever as decisões absolutórias com trânsito em julgado. Assim, para obter a revisão da condenação, basta a demonstração, pelo imputado, da existência de novos fatos ou de novos elementos de prova. Para a revisão pro societate não são suficientes novos fatos ou novos elementos de prova: requer-se a adequação destes a uma das hipóteses previstas em lei (como, por exemplo, a falsificação da prova ou a confissão do autor do delito).
A questão foi, também, objeto de debate por parte dos doutrinadores adeptos das chamadas escolas penais, pois, enquanto a Escola Clássica sustentava a impossibilidade da revisão pro societate, a Escola Positiva defendia posição contrária. 58 O mesmo autor reproduz a seguinte sustentação de Enrico Ferri, em nome dos positivistas:
“A recusa da revisão, em detrimento dos réus já definitivamente julgados, é exatamente a consequência de um sistema que nós faríamos votos para ver desaparecer; que consiste em considerar os acusados, mesmo depois do plenário e da condenação, como vítimas perseguidas, cuja salvação é preciso assegurar a custo de qualquer preço; ora, se isto pode ser verdade em relação aos processos políticos, não tem nenhuma razão de ser em processos contra delinquentes por atavismo. É precisamente por este motivo que a revisão das sentenças favoráveis aos acusados é, para nós, o correlativo lógico e necessário de igual remédio concedido aos réus condenados”.
E conclui o expoente do positivismo:
“Não poderíamos compreender porque, surgindo contra uma sentença favorável ao acusado suspeitas análogas às que induzem a revisão das sentenças condenatórias, deva a sociedade ser constrangida a sofrer tranquilamente as absolvições injustas e as imerecidas mitigações da responsabilidade penal. O réu pode ter se aproveitado de um falso testemunho, de uma falsa perícia, de documentos falsos, da intimidação ou da corrupção do juiz, ou de outro crime. Não é possível tolerar que ele continue tranquilamente fruindo os resultados obtidos de sua ação criminosa. Pode também acontecer tenha sido ele absolvido, por isso que a acusação, que não tem o dom da onisciência e somente pode servir-se do que lhe foi fornecido pela instrução, não tenha tido conhecimento de um documento decisivo, que não se encontrava junto aos autos. Pode ainda o réu injustamente absolvido declarar cinicamente, em face mesmo dos jurados ou dos magistrados que julgaram a apelação, a sua culpabilidade, sem temor de ser com isto molestado”. 59
A crítica de Alvaro Villela aos clássicos, quanto ao “grave problema de deixar de condenar os delinquentes”, era contundente:
“Os representantes da escola clássica ou não supõem ou a desmentem para dar uma solução negativa. Ao contrário da nova escola penal, em que todos são unânimes em sustentar que ao interesse social tanto importa que se salve o inocente como que sejam eliminados os delinquentes, e por isso propugnam o paralelismo do juízo revisório, tanto a favor como contra o acusado”.60
E assim expressava o jurista lusitano sua convicção:
“As absolvições indevidas trazem consigo o perigo da reincidência, que é muitas vezes o destino daqueles mesmos que foram condenados e cumpriram a pena: provocam o alarme social, pondo em liberdade um indivíduo que atrai sobre si a desconfiança pública, tornam impaciente o estado dos efetivamente condenados, mostrando-lhes que a lei, que foi para eles uma dura realidade, se transformou para os outros numa escandalosa mentira; em suma, premeiam com a impunidade um inimigo da sociedade. A sua intangibilidade constitui evidentemente uma flagrante injustiça. Depois da injustiça vem a incoerência. A revisão pro societate é um correlativo lógico, necessário, da revisão pro reo, quase universalmente reconhecida pelas legislações dos povos cultos”. 61
Em consequência da argumentação da Escola Positiva, João Vieira de Araújo considerava a revisão contra o acusado um “instituto moderno”. 62
3.1. Revisão pro reo
Historicamente, a revisão foi criada para sanar os erros que determinaram a condenação de um inocente. No sistema legislativo brasileiro, a revisão é meio de corrigir o erro da sentença condenatória. Não pode, em hipótese alguma, ser utilizada para rever absolvição decorrente de sentença irrecorrível. O legislador pátrio optou pela instituição deste instrumento jurídico somente em favor do condenado, seguindo a orientação restrita, de origem latina ou francesa. De plena harmonia com essa posição, o Código Penal e a Lei de Imprensa vedaram, expressamente, a produção da prova da verdade na acusação por calúnia, se a pessoa ofendida foi absolvida por sentença irrecorrível. 63
Para Nélson Hungria, trata-se de ilação necessária do cânon jurídico, segundo o qual res judicata pro veritate habetur:
“Desde que o ofendido já foi absolvido do crime imputado, por decisão irrecorrível, a falsidade da acusação presume-se juris et de jure. Se a sentença criminal absolutória, uma vez passada em julgado, não pode ser revista, ainda que surjam novas provas, não se pode admitir que a qualquer pessoa seja dado provar contra a res judicata”.64
Magalhães Noronha é incisivo ao comentar a proibição da exceção da verdade nesta hipótese: “Seria revisão criminal às avessas, ao contrário do que prescreve o Código de Processo, art. 621”. 65
Os principais argumentos em defesa da existência da revisão criminal somente em favor do condenado são os seguintes: 1. A garantia constitucional da liberdade pessoal não pode ser sobrepujada pelos interesses ligados à segurança jurídica; 2. O erro na condenação de uma pessoa provoca repercussão negativa, na coletividade, muito superior à causada pela absolvição fundada em equívoco do julgador; 3, A revisão pro reo, ainda que requerida inúmeras vezes pelo mesmo condenado, não produz consequência negativa para a Justiça, ou para a sociedade; já a revisão pro societate pode transformar-se em instrumento de perseguição ou de indesejável constrangimento para a pessoa absolvida por decisão com trânsito em julgado.
O Código-Tipo de Processo Penal para a América Latina 66 estabelece que “la revisión procederá contra las sentencias firmes, sin limitación temporal, y solo em favor del condenado o de que aquel a quien se le hubiera impuesto una medida de seguridad y correción”. 67
3.2. Revisão pro societate
O fundamento da revisão criminal está na necessidade de correção do erro judiciário após a configuração da coisa julgada. Por isso, em princípio, tanto a sentença condenatória como a absolutória deveriam admitir o reexame do processo por meio deste instituto.68 O constitucionalista João Barbalho assim justificava a revisão ampla dos processos findos:
“Justiça é, sim, mandar em paz o inocente perseguido, mas também é castigar o culpado reconhecido como tal. E se este em dados casos, previstos em lei, poderá ser isento de pena, não o deve, entretanto, ficar, se iludiu a justiça ou se ela enganou-se ao absolvê-lo. A punição dos criminosos é condição de segurança geral e a autoridade pública trai a sua missão e compromete os mais altos interesses e deveres da sociedade, quando tem contemplações com o crime. Num caso, proclamando inocente o injustamente condenado, a sociedade o reabilita e paga-lhe uma dívida; no outro, fazendo recair a pena legal sobre o criminoso considerado falsamente inocente, a sociedade desafronta a justiça, defende outros inocentes, os demais membros da comunhão, que nela descansam, na confiança de serem protegidos contra os criminosos”. 69
Um dos principais adeptos da instituição da revisão em favor da sociedade, entre os juristas pátrios, Evandro Steele argumenta que
“A estabilidade ocorrida em função da sentença absolutória transitada em julgado deve encontrar limite, quando, em circunstâncias de tal envergadura e evidência, conduzam o julgador à absoluta certeza moral da culpabilidade, estabelecida solidamente a convicção de que a segurança social encontra-se ameaçada pela impunidade do delinquente que, além de infringir o tipo penal, logrou realizar um verdadeiro dribling na ação da justiça. O órgão jurisdicional não pode se curvar ante a manifesta evidência de uma conduta delituosa não punida, nem o agente pode se beneficiar a pretexto e sob o manto protetor da coisa julgada”.
E assim completa seu raciocínio: “São sólidas exigências do valor justiça e do valor segurança social que ditam a conveniência da adoção da reformatio in pejus. E, além dos mencionados valores, é a dignidade da função jurisdicional que se mantém ameaçada”.70 Propõe Evandro Steele a adoção da revisão pro societate nas seguintes hipóteses: quando o agente confessar a prática do delito e o conjunto de circunstâncias evidenciar que a confissão corresponde à realidade dos fatos; quando a punibilidade tiver sido julgada extinta com fundamento na morte do agente, e, posteriormente, se verificar que o óbito não ocorreu; quando a sentença absolutória se basear em testemunhos, perícias e demais provas manifestamente falsas e que serviram de condição sine qua non para a absolvição; quando a sentença absolutória tiver assento em crime de prevaricação praticado por jurados ou juízes; quando surgirem novos fatos e circunstâncias que demonstrem a manifesta evidência do erro da sentença de absolvição, e que, diante delas, nenhum argumento poderá restar em favor do agente. 71
Magalhães Noronha sustenta, em defesa da possibilidade de revisão das absolvições, que “sob o ponto de vista de lógica rigorosa, não há negar que a revisão devia também caber contra os interesses do acusado. Se, depois de transitar em julgado sentença absolutória, descobrirem-se provas de culpa (em sentido amplo) do réu, não seria de acordo com os interesses da Justiça que o afortunado delinquente fosse punido?” Mas, em seguida, apresenta as seguintes objeções à revisão pro societate: 71
“Por outro lado, há a considerar a segurança da coisa julgada. Esta não pode estar a todo momento sujeita a reexames. Os interesses da Justiça periclitariam, ante a instabilidade de suas decisões, uma vez que fosse permitido a toda hora e a todo instante reabrir-se a persecutio criminis. De ponderar, também, que a paz e o sossego das pessoas necessitam da segurança do julgado. Considere-se ainda que os elementos para a reabertura do processo, como para seu início anterior, são eventuais e aleatórios, pois muito longe está a pretensão punitiva, mesmo no caso de flagrante, de trazer em si a certeza condenatória”.
Assinala, ainda, que, quando está em jogo o status libertatis da pessoa, desaparece aquela exigência da estabilidade da decisão. E conclui lembrando que sempre foi de nossa tradição jurídica admitir somente a revisão em favor do condenado. 72
Os principais argumentos a favor da instituição da revisão das decisões absolutórias são, em síntese, os seguintes: 1. Muitos países a adotam, sem que haja clamor público na reabertura do processo encerrado com absolvição; 2. A verdade real deve prevalecer sobre os interesses da pessoa que foi absolvida por erro judiciário; 3. A extinção da punibilidade, pela morte do agente, declarada judicialmente com base em atestado de óbito falso ou referente a outra pessoa.
A revisão pro societate, entretanto, não nos parece aceitável, por uma série de razões. A primeira é de ordem histórica, pois a ideia de revisão sempre esteve ligada à existência de uma sentença condenatória firme. Não há registro seguro de admissão da revisão pro societate na Antiguidade. No direito romano, o primeiro a estruturar o instituto por meio da restitutio in integrum, as fontes conhecidas se referem somente a revisão de condenações.74 Além disso, a concepção revisional está essencialmente fundada na equidade, a exemplo de institutos como a graça, o perdão judicial e a anistia, conforme exposto na parte histórica deste trabalho.
Importante lembrar que não só no âmbito penal a legislação brasileira adota o sistema francês, mas também no campo administrativo, no qual o pedido revisional pode ser feito exclusivamente pelo punido. É inegável a existência de uma orientação uniforme de nossa lei, ao conceber a revisão como instrumento tipicamente de defesa. Por outro lado, se alguns países admitem a revisão contra o acusado, muitos outros somente a instituem em favor do condenado, sem que este critério coloque em risco o prestígio da Justiça.
Um dos principais motivos para a proibição de revisão da sentença absolutória firme consiste na diversidade de repercussão do erro judiciário. Enquanto a absolvição do culpado é rapidamente absorvida pela sociedade, com a passagem do tempo, a condenação do inocente produz efeitos permanentes, com graves consequências para o condenado e seus familiares. Só a correção do erro é que faz cessar a repercussão e o prejuízo sofrido pela pessoa condenada em decorrência de decisão equivocada.
Dispõe o Estado de amplos poderes para demonstrar a autoria, a materialidade e a culpabilidade do acusado, por meio da investigação policial e, depois, pela ação penal. Com o trânsito em julgado da sentença absolutória, o Judiciário está reconhecendo a improcedência da acusação, em termos definitivos. Inconcebível que a ação pudesse ser revista a qualquer momento, provocando a intranquilidade de todos os que se submeteram ao julgamento criminal, ou seja, tanto os que foram absolvidos por erro quanto os que obtiveram a plena demonstração da inocência.
Como se presume que o número de decisões absolutórias corretas seja bastante superior àquelas assentadas em erro ou ilegalidade, a possibilidade da revisão pro societate configuraria um injustificável constrangimento aos primeiros. A revisão da sentença absolutória firme propicia, então, um verdadeiro abuso da acusação, violando-se, ainda que indiretamente, a garantia do non bis in idem, ou do perigo de dupla acusação (em inglês, double jeopardy; em francês, autre fois acquit), consagrada nas principais declarações internacionais relativas aos direitos humanos.
Registra Renzo Tosi que a expressão ne bis in idem, hoje genericamente empregada como recomendação de não se repetir, na realidade era um princípio do direito processual romano, segundo o qual uma mesma actio não podia ser movida pela segunda vez, fosse qual fosse o resultado da primeira. A fonte mais importante é um trecho de Instituições de Gaio (4,108), mas Quintiliano também trata dessa norma (7, 6, 4), ressaltando sua indubitável obscuridade e perguntando se bis diz respeito ao autor ou à ação; é possível que a ele fizesse alusão a expressão Actum, ne agas, “já foi feito, não o faças” (cf., por exemplo, Terêncio, Phormio, 419; Cícero, Eistulae ad Atticum, 9,6,6; 9,18; 3. Uma regra jurídica desse tipo também devia existir no direito grego, visto que Demóstenes (Contra Leptinem, 147) nos diz que as leis não permitiam dupla ação judiciária sobre o mesmo assunto. Atualmente, no uso comum, essa expressão ainda é às vezes relacionada erroneamente com a conhecida advertência de não cair duas vezes no mesmo erro. 75
O preceito segundo o qual ninguém pode ser processado duas vezes pelo mesmo crime era reconhecido nos direitos grego e romano. Além disso, segundo M. Cherif Bassiouni, a doutrina do double jeopardy existe no direito consuetudinário desde o ano de 1250. Adverte este autor que a impossibilidade de dupla acusação pelo mesmo fato – garantia radicada no senso de equidade e de justiça – está prevista na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, na Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, na Convenção Europeia sobre Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais de 1959 e na Organização da Convenção dos Estados Americanos sobre Direitos Humanos de 1965.76 Acrescente-se, ainda, que a proibição de persecução penal múltipla relativa à mesma infração, acolhida pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969, e vigente no Brasil desde 1992, tem a seguinte redação: “O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos”.77 Em estudo dedicado a julgados da Corte Suprema da Argentina, reconhecendo a garantia contra o duplo julgamento, Alejandro D. Carrió conclui que a proteção não se limita à impossibilidade de imposição de nova penalidade, pois também evita o risco da instauração de outra ação penal referente a fato já apreciado pela justiça.78
Por se tratar de garantia da liberdade individual, a regra do non bis in idem não impede a impugnação da sentença condenatória transitada em julgado, por meio da revisão criminal. Não existe, neste caso, dupla acusação ou risco de agravamento da punição, e sim instrumento de tutela do direito de liberdade da pessoa condenada, diante da demonstração de erro judiciário. 79 Poucos são os casos que justificariam uma revisão contra a pessoa absolvida por sentença firme. Um dos mais cogitados refere-se à extinção da punibilidade por morte do agente, obtida graças a um atestado de óbito falso. Neste caso, basta a previsão legal de que tal decisão não faz coisa julgada, como estabelece a legislação italiana.80
Devemos considerar, em derradeiro aspecto, que os fundamentos da lei penal do tempo guardam plena harmonia com o sistema restrito de revisão criminal, acolhido pela legislação processual penal brasileira. Assim, a regra da retroatividade da lei nova descriminadora (abolitio criminis) ou favorável ao acusado (novatio legis in melius), prevista na Constituição Federal (art. 5º, inc. XL) e no Código Penal (art. 2º, caput e parágrafo único), mostra-se plenamente compatível com a revisão pro reo, pois ambas constituem instrumentos aptos a afastar a coisa julgada. Já a absoluta proibição da retroatividade in pejus (da lei nova incriminadora ou desfavorável ao acusado), ajusta-se à impossibilidade da revisão criminal pro societate: se a modificação legislativa, que impõe novo ordenamento jurídico à sociedade, não pode ser invocada para afastar a coisa julgada da sentença absolutória, menos aceitável atacá-la com fundamento em questões regidas pela mesma ordem legal. Daí a tradição de nosso sistema legislativo que, desde a primeira Carta Constitucional, optou pela adoção da revisão somente em benefício do acusado.
4. Natureza jurídica da revisão criminal
A discussão relativa à natureza jurídica da revisão criminal é de fundamental importância não só no âmbito teórico, como na aplicação prática do instituto. Conceituada como instrumento recursal, ficará a revisão submetida às regras gerais dos recursos; se é ação, deve observar os preceitos que regem as ações, ou, então, respeitar as normas de ambos, caso se adote o entendimento de que se trata de instituto misto; finalmente, apartada de ambos, a revisão terá disciplina própria, livre das limitações impostas às ações e aos recursos.
A questão envolve, obviamente, o conceito e a natureza jurídica das ações e dos recursos, que não será objeto de análise deste trabalho. Não obstante, é preciso registrar que autores como Emilio Betti e Giovanni Leone conceituaram o recurso como espécie e modalidade do direito de ação, filiando-o, o último, à categoria das ações constitutivas. 81 Este entendimento, contudo, é rejeitado por Frederico Marques, com apoio em Del Pozzo: “O poder de agir tem por objeto a iniciativa do processo genericamente considerado, enquanto o poder de recorrer tem por objeto apenas uma fase do mesmo processo, ou, mais precisamente, o controle da decisão sobre o pedido”. 82 Del Pozzo acrescenta que “o recurso é direito que nasce no processo, no próprio instante em que a decisão judicial declara qual o direito existente e põe fim à atividade processual já realizada, enquanto o direito de ação, embora de natureza processual, preexiste logicamente a este”. 83
4.1. Revisão como recurso
A primeira ideia que se tem da revisão é a de que se trata de um recurso, por propiciar um novo pronunciamento sobre uma causa penal já julgada. A legislação brasileira, aliás, sempre disciplinou a revisão entre os recursos. Esta observação já fora feita por Sady de Gusmão, ao assinalar que “o Código incluiu a revisão entre os recursos, seguindo a opinião alienígena sobre instituto semelhante de direitos estrangeiros e a grande corrente dos nossos constitucionalistas, Barbalho, Pedro Lessa e Carlos Maximiliano”. 84
João Vieira de Araújo, depois de discorrer sobre a dificuldade em conceituar recurso como gênero no direito brasileiro, conclui ser a revisão uma espécie recursal. 85 Para chegar a tal conclusão, entretanto, este renomado jurista limitou-se à análise da lei que, no final do século passado, previa cinco recursos: apelação, embargos ao acórdão, protesto por novo julgamento, recurso em sentido estrito e revisão. Assim também entendia João Mendes Jr., que, após noticiar a criação do recurso de revisão pela Constituição da República, classificou o instituto entre os “recursos posteriores”. 86 Para Borges da Rosa, “revisão é o recurso por meio do qual se pede novo exame do caso julgado ou processo findo, no intuito de se conseguir a sua reforma total ou parcial”. 87
O apego ao texto legal induziu Oliveira e Cruz a conceituar a revisão como recurso: “[a] revisão criminal (recurso sui generis, misto de ação e de recurso, mas recurso por imposição legal) é a provocação, feita pelo réu, ao tribunal competente, nos casos expressos em lei, para que reexamine o seu processo já findo, absolvendo-o ou beneficiando-o”. Este, também, era o pensamento de Magalhães Noronha:
“A revisão é um recurso misto, e sui generis. Muitos lhe negam até a natureza de recurso, afirmando antes a de ação, apontando o fato de ela dar-se após o processo findo e admitir a produção de novas provas. (...) Não há dúvida de que ela se aproxima da rescisória, mas difere em seus pressupostos, prazo e processamento. Trata-se, pois, de recurso (muitos a entendem como remédio) de natureza toda peculiar, sui generis, como se disse”. 89
O mesmo pode ser verificado em legislações estrangeiras, como a portuguesa.90 Maia Gonçalves assim conceitua o instituto em exame:
“A revisão é um recurso extraordinário, admitido no processo civil e também, por maioria de razão, em processo penal, pois que este demanda mais vincadamente a verdade material. O princípio res judicata pro veritate habetur não pode impedir um novo julgamento, quando posteriores elementos de apreciação põem seriamente em causa a justiça do anterior”. 91
O jurista argentino Ernesto Rodriguez Rossi conceitua a revisão como “recurso que se interpõe para obter a revogação da sentença firme em casos extraordinários determinados pelas leis”. Mas, para incluí-la entre os recursos, conceituou-os de forma ampla: “Observe-se nossa definição de recurso, tantas vezes recordada: modo de promover em juízo o controle da legalidade da sentença”. 92
Julio Maier, em estudo comparativo entre o processo penal alemão e o argentino, critica o esforço da doutrina para excluir a revisão do conceito genérico de recurso, pois trata-se de ataque a uma decisão judicial injusta, promovido pela manifestação de vontade de um dos intervenientes no processo. 93 Na Alemanha, a revisão (Die Wiederaufnahme des Verfahrens, ou reabertura do processo), não obstante as objeções de Beling, 94 tem sido considerada modalidade de recurso, ainda que extraordinário, por juristas modernos, como Claus Roxin.95
O principal argumento que se opõe à ideia de revisão como recurso situa-se no fundamento essencial dos meios recursais, ou seja, a recorribilidade da decisão: a revisão foi instituída exatamente para propiciar o reexame dos julgamentos irrecorríveis. Para que a revisão criminal seja considerada espécie de recurso, torna-se necessária a ampliação do conceito deste, de modo que a impugnação da sentença transitada em julgado seja incluída entre as modalidades recursais. Ainda assim, teríamos o paradoxo de admitir recurso contra decisão irrecorrível.
Ao afastar-se do conceito de recurso, a revisão livra-se, também, de regras específicas dos meios recursais, como o aforismo tantum judicatum quantum deductum. 96Também não está o condenado, em nenhuma hipótese, obrigado a recolher-se à prisão, para requerer revisão criminal. 97
4.2. Revisão como ação penal
A tendência de considerar a revisão como espécie de ação penal é predominante na doutrina e na jurisprudência brasileiras. 98 Pontes de Miranda assim se posicionou a respeito do tema, em estudo dedicado ao processo civil:
“A revisão criminal é ação, e é remédio jurídico processual, e não recurso. Não se confunde com a revista; há ação do réu – ação, no Brasil, de direito constitucional, para a revisão do processo findo. E há o remédio processual específico, a ‘ação’ de revisão criminal. Não se trata, pois, de simples recurso. A ação rescisória contra sentenças não se aplica a decisões criminais. Mas a revisão faz-lhe as vezes. Já alhures dissemos nós: ‘A revisão criminal é remédio jurídico processual da mesma natureza, mutatis mutandis, que a ação rescisória; todavia, em seus pressupostos, prazo e consequências, é inconfundível com essa. A ação rescisória não se aplica às sentenças criminais’”. 99
Em outra obra, assim se expressou o renomado jurista:
“A ação de revisão criminal é ação constitutiva negativa. Por ela exerce-se a pretensão à desconstituição da sentença criminal, pelos fundamentos que a lei ordinária estabelece, e não podem ser tais que elidam o direito e a pretensão a que as sentenças criminais injustas, ou, pelo menos, as de injustiça mais gritante, sejam corrigidas. Nos resultados, rescinde-se a sentença, como se passa com a ação rescisória. O termo ‘revisão’ alude à reapreciação da prova, sem os óbices que se criam a tal apreciação, em se tratando de sentenças cíveis, inclusive de direito público”. 100
Frederico Marques igualmente situou a revisão entre as ações: “[a] revisão criminal não é recurso, mas sim ação penal (ação penal constitutiva), funcionando como o equivalente penal da ação rescisória civil. (...) A revisão criminal é ação penal constitutiva, de natureza complementar, destinada a rescindir sentença condenatória em processo findo. Ela é ação constitutiva, porque visa a desfazer os efeitos de sentença condenatória”. 101 Não diverge desse entendimento Tourinho Filho:
“Muito embora arrolada pelo legislador processual penal como recurso, a revisão criminal, na verdade, não passa de mera ação penal de natureza constitutiva. Até mesmo aqueles que não admitem seja trasladada para o processo penal a moderna classificação da ação civil (ação condenatória, declaratória, constitutiva, cautelar e executória por título judicial ou extrajudicial), como Alcalá-Zamora, quando analisam a revisão criminal, afirmam: ‘Su efecto es manifestamente constitutivo’, mesmo porque seu objeto é desfazer uma sentença com trânsito em julgado”. 102
Fundado na sistemática processual civil, que estabelece a dicotomia recursos-ações de impugnação, Gama Malcher sustenta que a revisão criminal tem natureza de ação direta de impugnação de sentença penal condenatória transitada em julgado:
“Na revisão, manifestada através da ação direta de impugnação, temos o ius rescindens e o ius rescissorium; o primeiro, quando o tribunal, depois de examinado o pedido de revisão diante dos elementos trazidos, desconstitui a coisa julgada acolhendo o pedido de rescisão da coisa julgada; e o segundo quando, em seguida, de acordo com o pedido, emite nova decisão, rejulgando a matéria”.103
A revisão é “ação autônoma impugnativa da sentença passada em julgado, de competência originária dos tribunais”, no entendimento de Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes.
“A relação processual atinente à ação condenatória – completam – já se encerrou e pela via da revisão instaura-se nova relação processual, visando a desconstituir a sentença (juízo rescindente ou revidente) e a substituí-la por outra (juízo rescisório ou revisório). Por isso, trata-se em regra de ação com dúplice pedido (art. 626, caput, do CPP, nas três primeiras hipóteses: alterar a classificação, absolver o réu ou modificar a pena), levando a uma sentença objetivamente complexa (constitutiva, no juízo rescindente, e declaratória – de absolvição, ou de alteração da classificação e/ou da pena – no rescisório)”. 104
Para caracterizar a revisão como ação, Rogério Lauria Tucci propõe interessante classificação das ações penais de conhecimento: declaratória que se caracteriza por objetivar providência jurisdicional meramente declaratória, a fim de eliminar-se a incerteza sobre a existência de uma relação jurídica disciplinada pelo Direito Penal; constitutiva (visa à criação, modificação ou extinção de uma relação jurídica); condenatória (ou ação penal em sentido estrito, cuja finalidade está na imposição de sanção ao autor de uma infração penal). 105 A revisão, no entendimento de Rogério Lauria Tucci, situa-se no segundo grupo:
“Trata-se, outrossim, de ação – ação de conhecimento de caráter constitutivo –, destinada, precipuamente, a desconstituir a condenação imposta em sentença de que já não caiba recurso, vale dizer, uma autêntica ação rescisória penal, assim por nós definida: ação adequada ao reexame da causa penal finalizada com sentença condenatória, a fim de, no interesse da justiça, reparar-se um erro judiciário”. 106
Atos, sujeitos e regras essenciais das ações, entretanto, não estão presentes na revisão criminal, como a citação, as partes (mesmo que somente em sentido formal) e o contraditório pleno ou efetivo. Assim, ainda que se considere o condenado o autor, quem será a parte contrária (o requerido ou o réu da ação revisional)? Dir-se-á que é o Estado. Neste caso, quem o representa? A Procuradoria Geral do Estado e a Advocacia da União não são citadas para a defesa da entidade pública.
O Ministério Público, chamado a opinar na revisão criminal, não representa o Estado ou a União. Manifesta-se livremente, a favor ou contra o pedido, não intervindo na revisão como parte contrária ao condenado. Conforme dispõe o Código de Processo Penal, se o requerimento não for indeferido in limine, abrir-se-á vista dos autos ao procurador-geral, que dará parecer no prazo de dez dias. Esta regra indica, claramente, que a função ministerial será de custos legis, propiciando ao oficiante opinar a respeito do cabimento do pedido e, no mérito, pronunciar-se favorável ou contrariamente à rescisão do julgado (art. 625, § 5º).
O substantivo parecer tem significado de “opinião acerca de algum problema, juízo, modo de apreciar jurídico”; “opinião que o advogado, consultor jurídico, procurador de órgão da administração pública, ou qualquer funcionário competente, dá sobre determinada matéria, de acordo com os seus conhecimentos profissionais ou funcionais sobre a mesma. Modo de ver expresso por órgão do Ministério Público, ou de qualquer pessoa com função judicial, sobre questão a respeito da qual deve ser ouvida. Opinião técnica sobre determinado assunto”; “a opinião escrita, ou mesmo verbal, dada por uma pessoa acerca de determinado negócio, mostrando as razões justas ou injustas, que possam determinar sua realização, ou não. E, nesta acepção, o parecer, na maioria dos casos, culmina em ser tomado como um voto dado a favor ou contra o mesmo negócio. Parecer, pois, é a manifestação de uma opinião, ou modo de pensar, acerca de um fato ou negócio. E, segundo as circunstâncias, pode ser favorável ou contrário a ele”. 107
Quisesse a lei situar o Ministério Público como parte, na revisão criminal, teria empregado a palavra adequada para expressar tal posicionamento, como resposta, contrarrazões, oposição. Jamais parecer, que, como ficou claro, significa opinião ou manifestação favorável ou contrária ao requerimento do condenado. Em suma, o procurador de justiça não advoga, não representa a parte, não busca o triunfo. Fala pelo atendimento da lei, ao opinar em revisão criminal. Consequentemente, o contraditório 108também não se consubstancia de forma efetiva, pois o Ministério Público jamais figura no polo oposto ao do condenado, conquanto possa opinar pela improcedência do pedido revisional e interpor recursos (especial e extraordinário).
A impossibilidade de intervenção do ofendido no processo revisional, como assistente do Ministério Público (arts. 268 e seguintes do Código de Processo Penal), afasta ainda mais a revisão das ações.109 Entende a doutrina que o ofendido não interfere na revisão, “ainda que se trate de crime de exclusiva ação penal privada, como se pode concluir pela análise do parágrafo 5º do art. 625 do CPP”. 110
Julgada uma ação, por sentença, as partes podem recorrer de forma ampla à instância superior (geralmente por apelação), para obter novo julgamento sobre o mérito. Na revisão, isso não acontece. Da decisão que defere ou indefere o pedido do condenado somente são cabíveis os recursos especial e extraordinário, que não se prestam ao mero reexame da prova. 111 Em virtude desta limitação recursal, não se pode falar em duplo grau de jurisdição na revisão criminal, diversamente do que ocorre nas ações em geral. É certo que em processos de competência originária dos tribunais também não existe possibilidade de se interpor apelação. Tal fato, contudo, não invalida nosso argumento, pois o fundamento de não haver recurso de apelação, neste caso, é outro: entende-se dispensável a garantia do duplo grau de jurisdição no julgamento por órgão colegiado de magistrados togados. Já na revisão, o duplo grau foi assegurado na ação penal cujo julgado se reexamina.112
Ademais, a doutrina que considera qualquer provocação da jurisdição como sendo ação, posta em juízo, não é aceita pela maioria dos processualistas, conforme registro de Sérgio Pitombo, que assim analisou o tema:
“Faço questão de entender que a revisão criminal se coloca entre os instrumentos de tutela, e não como ação penal constitutiva negativa, ou desconstitutiva. A revisão pode ter o efeito constitutivo negativo, porém se exibe mais próxima do habeas corpus do que de uma ação judiciária, como, normalmente, surge concebida. Deixando de lado relevantes questões doutrinárias, basta lembrar que na revisão criminal não há parte passiva. Não se divisa a actio trium personarum. É interessante notar, de outra sorte, que não se admite, na revisão criminal, a intervenção de terceiro. Guarda, portanto, o modelo de remédio jurídico-processual extraordinário, tanto quanto o habeas corpus. Não tem a figura de ação: autor, que pede; demandado, que responde; e juiz, que decide”. 113
Adotada, por outro lado, a distinção entre ação judiciária e ação das partes – proposta por Canuto Mendes114 e interpretada por Sérgio Pitombo 115 – torna-se aceitável a caracterização da revisão criminal como ação (exclusiva do condenado). Ensina Rogério Lauria Tucci que diferente da ação judiciária (correspondente ao exercício da jurisdição) é a ação das partes ou dos partícipes do processo judiciário:
“Estas, ou estes, ao cogitar da movimentação do aparelhamento judiciário, quer por via do impulso inicial, quer por força da atividade subsequente, e sempre imbuídos do indispensável espírito de colaboração para com o órgão jurisdicional, em prol da consecução da finalidade do processo – uma decisão contemplativa das pretensões deduzidas pelos interessados –, exercem mera atuação secundária, instrumental por natureza e definição, com os mesmos caracteres de certo posicionamento, cuja mais expressiva conotação reside na necessidade de agir para obter-se um autofavorecimento”. 116
Somente a admissão de ações sem parte contrária e sem citação permitiria a caracterização da revisão como uma ação. Diante de tal dificuldade, os autores qualificam a revisão como ação sui generis ou extraordinária.
Entendemos que, na revisão, a ação penal já encerrada é revista, ou revivida. O condenado, ou alguém por ele, ao sustentar a ocorrência de um erro ou ilegalidade na decisão, vai postular um novo pronunciamento da Justiça, mas não a instauração de nova ação O pedido de revisão não transforma o condenado de acusado em acusador ou em autor: haverá outro processo, mas para reapreciar fatos relativos à mesma ação penal já julgada. Tanto assim que a lei, expressamente, veda o agravamento da pena imposta pela decisão revista.
No caput do art. 626 do Código de Processo Penal estão indicadas as decisões possíveis em sede revisional: “[j]ulgando procedente a revisão, o tribunal poderá alterar a classificação da infração, absolver o réu, modificar a pena ou anular o processo”. E, no parágrafo único, a nítida limitação: “[d]e qualquer maneira, não poderá ser agravada a pena imposta pela decisão revista”. Em outras palavras: denegada a revisão, mantém-se inalterada a sentença condenatória. Trata-se da proibição de reformatio in pejus em revisão, como já proclamou o Supremo Tribunal Federal.117 Evidencia-se, assim, uma estreita ligação entre o julgamento impugnado e o novo pronunciamento judicial, fato que reforça o nosso entendimento contrário à característica de ação da revisão criminal. Por essas e outras razões, afastamos a conceituação da revisão criminal como uma espécie de ação penal.
Como consequência, amplia-se o âmbito revisional, livre que se apresenta dos rigores de condições e requisitos formais de uma ação propriamente dita. A jurisprudência, ainda que vacilante em apartar a revisão das ações, já reconheceu a supremacia da necessidade de correção do erro judiciário sobre as formalidades processuais: “Tem-se admitido a ampliação da causa petendi quando se vislumbra erro judiciário. Seria fátuo formalismo pretender que a instância superior fingisse não notar causa legítima de revisão apenas porque não foi deduzida. Esta pode e deve ser considerada de ofício”.118 Aceitou o julgado, ainda que implicitamente, a possibilidade da existência de jurisdição sem ação. Outro importante reflexo de nosso entendimento recai sobre o chamado ônus da prova: como a revisão não consiste em nova ação, mas na reabertura da ação penal finda, inadequada a ampla exigência do encargo probatório por parte do condenado.
Sem dúvida que, em alguns casos, o requerente deve juntar documentos ou autos de justificação (se a revisão fundar-se, e.g., em falsidade ou descoberta de novas provas), para propiciar o processamento da revisão. Assim, incumbe ao revisionando a prova das alegações que lançar (art. 156 do Código de Processo Penal), mas sem acarretar inversão de todo o ônus probatório, como sustentado por doutrinadores e julgadores. Aplicável, aqui, integralmente, a lição de Giuseppe Bettiol, quando evidencia a diferença entre os processos civil e penal, neste aspecto: “Devendo o juiz procurar, com todos os meios, a verdade dos fatos, sem ficar limitado por quaisquer presunções contra ou a favor do arguido, pode sempre substituir-se à atividade do Ministério Público para provar que o crime foi efetivamente cometido, ou à atividade do arguido, para provar o contrário”. 119A regra, portanto, mantém-se inalterada na revisão, cabendo aos julgadores a busca da verdade, sem declarar que toda a prova, agora, compete ao condenado.
Significativa, a propósito, a sugestão de Azevedo Franceschini, aprovada no III Congresso Nacional de Direito Penal e Ciências Afins, ao indicar a prevalência da busca da verdade real, na revisão criminal: “autorizado o processamento da revisão, cabem na ação todas as providências de instrução que assegurem o conhecimento da verdade real, a serem tomadas pelo relator, como preparador do processo, ou pelo órgão judicante, que para tal poderá converter o julgamento em diligência”. 120
4.3. O caráter misto da revisão criminal
A dificuldade em demonstrar a natureza jurídica da revisão propiciou o surgimento de uma corrente doutrinária que a considera misto de recurso e ação. Assim entende Ary Azevedo Franco: “A revisão é, no fundo, verdadeira ação, ou tipo especial de ação rescisória em sede penal, obedecendo, contudo, à forma dos recursos. Como a ação rescisória, participa da natureza das ações e dos recursos. A diferença consiste em que nas ações rescisórias é prevalente o caráter de ação, com o juízo prévio rescindente e rescisório; nas revisões criminais é prevalente o caráter de recurso”. 121
Inegável que a revisão apresenta algumas características de ação e outras de recurso. Tal fato, entretanto, não é suficiente para situá-la como um instituto híbrido, impossível de ajustar-se plenamente às regras fixadas para ações e recursos. Ademais, se contestamos a conceituação da revisão como recurso ou como ação, não podemos concordar com um proposto caráter misto, que implicaria a aceitação dos argumentos das duas correntes doutrinárias anteriores.
Nos anos 60 do século passado, Everardo da Cunha Luna já proclamava a necessidade de posicionar-se a revisão em livro próprio do Código de Processo Penal, sem integrar capítulos destinados aos recursos ou às ações:
“Repudiamos o estéril hibridismo de ação-recurso ou recurso-ação; mais ação do que recurso; mais recurso do que ação; ora ação, ora recurso. Se mais ação do que recurso ou mais recurso do que ação, a nosso ver nem ação nem recurso ou... nem recurso nem ação. Se ora ação, ora recurso, a revisão é uma palavra com dois conceitos: ação revisória, recurso revisório. De qualquer forma, um ataque à boa construção doutrinária do instituto, que exige sistematização, com o apoio dos traços gerais e caracteres dominantes, e não com o fundamento de exceções e particularidades que, por existirem e serem aceitas na vida, nem por isso devem servir de paradigmas na esfera da lógica e da ciência”. 122
Sinesio Rocha, depois de reconhecer que a revisão não é recurso – “e sim medida facultada pelo legislador ao condenado por meio da qual pode ele pleitear a absolvição pela reparação de um erro judiciário, a diminuição da pena imposta na sentença ou a desclassificação do crime cometido” – também não a incluiu entre as ações.123
4.4. Revisão como remédio extraordinário
Alguns autores, para apartar a revisão dos conceitos de recurso e de ação, conceituam-na como remédio extraordinário. Assim, Pereira e Sousa, após comparar a apelação com a revista, considerando-as como instrumentos de provocação, feita da sentença, salienta que a segunda difere do apelo por configurar um remédio extraordinário, “porque só concede-se nos dois casos extraordinários de manifesta nulidade ou injustiça notória”.124
A expressão remédio extraordinário, bastante antiga, encontra explicação na parte histórica deste trabalho: concedida em Roma pelo pretor, com fundamento na equidade, a restitutio in integrum não integrava a ordem jurídica. Por isso, era remédio extraordinário – “fora da ordem do juízo comum”, na expressão de Almeida Oliveira, que acrescenta: “Executado ou não o ato lesivo, pedia-se o benefício ao pretor em processo expedito e rápido, chamado cognitio, o qual corria extra ordinem. (...) O lesado não intentava ação, pedia uma cognitio, donde as expressões cognitionem impetrare del postulare. Depois do decreto do pretor é que se tratava da ação”.125
É evidente que no âmbito criminal a questão se resolvia com a concessão da restitutio, pois eventual ação, de natureza reparatória, só poderia ser proposta na esfera civil. Integrada à legislação, entretanto, devido à larga aplicação do instrumento revisional, a restitutio, teoricamente, deixa de ser considerada extraordinária. Trata-se de meio processual disciplinado pelo ordenamento jurídico e não de instituto extra ordinem.
Já a palavra remédio, em direito, tem sido usada como sinônimo de recurso e, também, de ação.126 Assim, a expressão remédio extraordinário mostra-se inadequada para a conceituação da revisão criminal, pois, se esta não é recurso nem ação, também não pode ser remédio (a menos que se empregue a palavra no sentido genérico). E, como integra a ordem jurídica, nada tem de extraordinário (a não ser que a palavra seja invocada para designar um instrumento sui generis).
Florêncio de Abreu emprega a expressão remédio revisório para conceituar o instituto em exame, sugerindo a seguinte classificação: “Há duas espécies de remédios, em geral: preventivos e reparatórios. Entre os primeiros, os mais geralmente aplicados são os graus de jurisdição; entre os segundos inclui-se a revisão. A revisão tem, assim, por objeto a reparação de um erro judiciário”. 127
Agrícola Barbi, em estudo dedicado ao mandado de segurança, considera superada a distinção entre remédios judiciais e ações, “própria do direito medieval”. E, com apoio em Maynard, esclarece que “as ações começavam por um libellus e os remédios por uma imploratio officii judicis. Aquelas eram pedidos fundados em um direito; estes eram apelo à equidade”. 128 A revisão criminal, direito constitucionalmente assegurado ao condenado, há muitos anos afastou-se da característica dos remédios judiciais, fundados essencialmente na equidade (imploratio).
Outro é o conceito de Pontes de Miranda sobre os remédios jurídicos:
“O remédio jurídico processual é direito oriundo da lei processual, o caminho que tem de ser perlustrado por aquele que vai a juízo, dizendo-se com direito subjetivo, pretensão e ação, ou somente com ação. Tão diferentes são ação e remédio jurídico processual que todos os dias, ao julgarem os feitos, os tribunais declaram que o indivíduo não tem a ação. No entanto, usaram do remédio jurídico processual. Poderiam dizer mais: que não tinham, sequer, pretensão; nem, ainda mais, direito subjetivo. A pretensão à prestação jurisdicional é pré-processual. A pretensão ao exercício de determinado remédio jurídico processual é pretensão processual, oriunda de direito público subjetivo ao remédio jurídico processual, e.g., à ‘ação’ de obra nova, à ‘ação’ executiva de títulos extrajudiciais. É da máxima importância, para quem aplica o direito e, certamente, para quem o expõe, pois a responsabilidade não é menor, distinguir a pretensão à tutela jurídica, a pretensão processual que nasce do exercício daquela, a pretensão objeto do litígio e o remédio jurídico processual. Lamentável é que, na linguagem corrente, se empregue, a cada passo, o termo ação para qualquer dos quatro”.129
O entendimento formulado pelo renomado jurista brasileiro para o processo civil, mas adaptado ao âmbito processual penal, afasta ainda mais a possibilidade de se considerar a revisão um remédio jurídico. Primeiro, porque este, na visão exposta por Pontes de Miranda, é meio pré-processual e, assim, antecede a ação. Consequentemente, superada a fase do remédio, teríamos uma ação. Depois, não revela a natureza jurídica de nenhum instituto jurídico, por estar, pelo menos em princípio, presente em todos eles. Entre os constitucionalistas modernos, como José Afonso da Silva, subsiste o emprego da palavra remédio:
“A Constituição inclui entre as garantias individuais o direito de petição, o habeas corpus, o mandado de segurança, o mandado de injunção, o habeas data, a ação popular, aos quais se vem dando, na doutrina e na jurisprudência, o nome de remédios de Direito Constitucional, ou remédios constitucionais, no sentido de meios postos à disposição dos indivíduos e cidadãos para provocar a intervenção das autoridades competentes, visando a sanar, corrigir, ilegalidade e abuso de poder em prejuízo de direitos e interesses individuais. Alguns desses remédios revelam-se meios de provocar a atividade jurisdicional, e, então, têm natureza de ação: são ações constitucionais”.130
4.5. Condenação como meio constitucional de impugnação da condenação
De acordo com o art. 621 do Código de Processo Penal, admite-se revisão dos processos findos, isto é, com sentença condenatória transitada em julgado. A revisão, portanto, tem como pressuposto a existência da coisa julgada originária de uma condenação irrecorrível. 131 A coisa julgada, por outro lado, está consagrada entre os direitos e garantias fundamentais instituídos pela Constituição da República. 132 Por conseguinte, para que a lei admita a revisão, há necessidade de autorização constitucional – caso contrário, o Código de Processo Penal afrontaria a Lei Maior ao instituir meio jurídico que se oponha à coisa julgada. Por essa razão é que todas as nossas Constituições, ressalvada a Polaca de 1937, trataram do instituto revisional. A Carta de 1891 foi a que deu maior amplitude ao tema, ao instituir, com contornos fundamentais, a revisão pro reo (art. 81, caput e parágrafos). As demais somente referiram-se a ela na parte relativa à competência dos tribunais.133
O caráter de direito constitucional da revisão foi apontado pelo desembargador Sebastião Vasconcellos Leme, em antigo julgado: “Sendo a revisão recurso instituído tão-só em benefício do condenado, para que possa a todo tempo, mesmo depois do cumprimento da pena e até depois da morte, demonstrar a injustiça da decisão que o condenou, superando a autoridade da coisa julgada, inscreve-se naturalmente entre os direitos e garantias individuais que a própria Constituição implicitamente reconheceu, quando fez inscrever no art. 144 que a especificação dos que tinham sido expressos não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios que ela adota”.134
Pelo sistema do atual Código de Processo Penal, a revisão é admitida se a sentença condenatória contrariou a lei ou a prova, fundou-se em prova falsa, se surgiram novas provas demonstrando a inocência do condenado, ou se ficou configurada nulidade processual. Em todas as hipóteses estaremos diante de condenação assentada em erro judiciário (causadora, portanto, de injustiça máxima), com flagrante ofensa à liberdade do condenado. Justiça e liberdade são valores supremos da sociedade, conforme consigna o Preâmbulo da Constituição vigente.135 Além disso, ao enumerar os direitos e garantias fundamentais, a Carta Magna assegura o respeito à liberdade e à lei. E, nos princípios fundamentais, há expressa proteção à dignidade da pessoa humana. 136 Consequentemente, a condenação contra a lei ou contra a prova atenta, também, contra a dignidade da pessoa humana, obrigada a suportar uma pena decorrente de um erro judiciário. Decisão contrária à lei ou à prova ofende a regra constitucional do devido processo legal,137 que exige respeito à lei e à prova. Se a sentença se fundamentou em prova falsa, certamente esta foi obtida por meio ilícito, vedado pelo art. 5º, LVI, da Constituição Federal.
Outra evidência, a esse respeito, está na possibilidade da revisão das decisões definitivas e firmes do tribunal do júri. A Constituição assegura, expressamente, a soberania dos veredictos do júri popular.138 Se a revisão não estivesse incluída entre as garantias constitucionais, a decisão condenatória dos jurados, com trânsito em julgado, jamais poderia ser revista. Nesse sentido, a precisa lição de Frederico Marques: “A soberania dos veredictos proferidos pelo tribunal do júri não impede, outrossim, a revisão, desde que condenatória a sentença. Nem poderia ser de outra forma, uma vez que a revisão é direito individual provindo diretamente da Constituição, tanto como o julgamento perante o júri”.139Por outro lado, a procedência do pedido revisional implica o reconhecimento de erro judiciário, que deve ser reparado, segundo norma constitucional expressa: “[o] Estado indenizará o condenado por erro judiciário”.140 A Constituição vigente, aliás, admite a configuração de outros direitos e garantias não expressos em seu texto, decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais celebrados pelo Brasil.141 Entre estes, merece realce o já referido Pacto de São José da Costa Rica, vigente no País desde 1992, que proclama o direito de a pessoa, condenada em sentença passada em julgado, por erro judiciário, receber indenização.142
Comprova-se, assim, pelo exame desses dispositivos, que a revisão criminal é uma garantia constitucional, cujo fundamento consiste na defesa do condenado em face de sentença caracterizada por erro judiciário. Ao requerer a revisão criminal, o condenado não está simplesmente recorrendo ou propondo uma ação penal desconstitutiva, e sim aforando pedido de tutela consistente em garantia constitucional, corolário direto da plenitude do direito de defesa.143 Nos tribunais, o caráter de garantia constitucional da revisão já foi reconhecido expressamente: “[a] revisão criminal, garantia de índole constitucional, passou por evolução, na prática, transformando-se de revisão de decisão a revisão de processo”.144 Pode-se, portanto, incluí-la como elemento do sistema denominado garantismo penal, modelo normativo próprio do Estado de Direito, que no plano epistemológico se caracteriza como cognoscitivo ou de poder mínimo, no plano político como técnica de tutela capaz de minimizar a violência e de maximizar a liberdade, e, no plano jurídico, como conjunto de vínculos impostos à potestade punitiva do Estado em garantia dos direitos dos cidadãos. Em consequência, é garantista todo sistema penal que se ajusta normativamente a tal modelo e o satisfaz de maneira efetiva. 145
Diante das objeções já expostas quanto à definição da natureza jurídica da revisão, preferimos situá-la entre os instrumentos processuais que denominaremos meios impugnativos dos julgados, sem que, obviamente, tal expressão tenha o mesmo significado de recursos. Estes, conquanto configurem meios de impugnação, são cabíveis somente antes da configuração da coisa julgada. A revisão, ao contrário, tem cabimento exclusivamente após o trânsito em julgado da sentença condenatória.146 As decisões, no processo penal, podem ser atacadas por instrumentos estabelecidos em lei e destinados a assegurar a apuração da verdade real. Propiciam, estes instrumentos, a correção dos atos decisórios judiciais, eliminando eventuais equívocos, ou afastando injustiças neles contidos. Os meios de impugnação das decisões, 147em suma, possibilitam o reexame da decisão pelo mesmo órgão prolator ou por outro, de instância superior. O Código de Processo Penal da Itália 148 inclui a revisão criminal entre os meios de impugnação das decisões. 149 Mas estes, para a legislação italiana, correspondem aos instrumentos recursais: “A impugnação penal – conceitua sinteticamente Del Pozzo – é o remédio jurídico do provimento decisório do juiz penal”.150 Mais ampla a definição de Leone: “Meio de impugnação é um remédio jurídico atribuído às partes, para remover uma desvantagem nascente de uma decisão do juiz”.151
Para estes renomados autores italianos, os meios de impugnação podem ser classificados de várias formas: devolutivos e não devolutivos; suspensivos e não suspensivos; ordinários e extraordinários. Interessa-nos esta última, com vistas a uma adaptação do tema ao direito brasileiro. Os meios ordinários impedem que a decisão passe em julgado, enquanto os extraordinários se dirigem contra a sentença irrecorrível.
Podemos, portanto, afirmar que os meios de impugnação das decisões são instrumentos processuais instituídos para propiciar novo pronunciamento do Poder Judiciário, a respeito de questões já apreciadas anteriormente. No direito processual penal brasileiro, duas são as espécies desses meios: os anteriores e os posteriores ao trânsito em julgado da sentença. Assim, temos os meios impugnativos das decisões recorríveis e os que se opõem às decisões irrecorríveis ou firmes: os primeiros são os recursos: 152 recurso em sentido estrito, embargos, agravos, carta testemunhável, protesto por novo júri, correição parcial, apelação, recurso especial, recurso ordinário e recurso extraordinário; e, eventualmente, o habeas corpus e o mandado de segurança. Já a revisão criminal constitui instrumento específico de impugnação à decisão condenatória com trânsito em julgado; em alguns casos, tal impugnação pode ser feita por meio de habeas corpus ou mandado de segurança.153
O pedido de unificação de penas também se opõe à coisa julgada, pois, ao requerer a unidade de sanções impostas em dois ou mais processos distintos, o condenado propõe a correção dos dispositivos das sentenças já transitadas em julgado.154 Hélio Tornaghi refere-se a meios ordinários e meios extraordinários:
“Meios ordinários são os destinados a impedir a formação da coisa julgada; extraordinários são os que se voltam contra a própria coisa julgada para desconstituí-la. No Código de Processo Penal brasileiro é meio extraordinário a revisão, pois ataca a própria sentença condenatória transitada em julgado”.155
A distinção essencial entre a revisão e os recursos está na qualidade da decisão impugnada, pois estes pressupõem a inexistência do trânsito em julgado, enquanto aquela se volta exatamente contra a coisa julgada. As outras diferenças não são substanciais; consequentemente, eventual alteração legislativa não modificaria a essência da revisão criminal, como, e.g., a instituição da revisão pro societate e a inclusão ou exclusão de alguns fundamentos do pedido revisional. No mais, tais instrumentos processuais se aproximam, razão pela qual se justifica a reunião deles numa concepção ampla como a dos meios de impugnação das decisões.
Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes sustentam que, pelo nosso sistema, não se pode afirmar que a distinção entre ações de impugnações e recursos se faça com base na existência ou inexistência de coisa julgada:
“É certo que o recurso será sempre anterior à formação da coisa julgada, mas o inverso não é verdadeiro: existem ações autônomas de impugnação oponíveis contra decisões não transitadas em julgado: é o que ocorre, no processo penal, com numerosos habeas corpus e, em qualquer processo, com o mandado de segurança contra ato jurisdicional: verdadeiras ações, que não guardam a natureza de recursos, muito embora a decisão que por elas se ataca não tenha ainda passado em julgado”.156
Entendemos, entretanto, que, na revisão criminal, conquanto sejam admitidas novas provas, o fato-crime a ser reapreciado é sempre o mesmo. Com isso, reabre-se a discussão, ainda que limitada, sobre a mesma causa: tem-se um novo processo, mas não há instauração de outra ação penal, ou nova “relação jurídica processual”. Por isso, ao comentar o pedido revisional fundado em julgado contra a evidência dos autos, Florêncio de Abreu afirma tratar-se de “espécie de apelo para terceira instância”, com esta justificativa: “Examina-se, em regra, pela terceira vez, o mesmo processo, que é julgado mediante as mesmas provas já produzidas e apreciadas em primeira e segunda instância. A lei estabelece, contudo, uma importante restrição: a sentença revidenda deve ser contrária à evidência dos autos – equiparando-se até certo ponto a revisão, nesse caso, à apelação das sentenças do júri, que somente são passíveis de reforma quando não encontrem apoio algum na prova existente nos autos”.157
Autores italianos mais modernos conceituam a revisão como meio extraordinário de impugnação, 158 mediante o qual é possível rescindir a sentença condenatória irrevogável, marcada por erro judiciário. 159 Saliente-se que as diferenças entre a sistemática do estatuto processual penal italiano e a do nosso Código de Processo Penal não impedem a adoção da concepção da revisão como meio de impugnação da decisão condenatória irrecorrível.
O habeas corpus também pode ser empregado para atacar decisões com trânsito em julgado. Neste caso, alia-se à revisão no segundo grupo dos meios de impugnação das decisões. Mas, como instrumento amplo de garantia da liberdade de locomoção, destina-se igualmente ao combate das demais decisões e até dos atos extrapenais e extrajudiciais, violadores do direito individual de ir e vir.160 Quanto ao mandado de segurança, admitido no âmbito da justiça criminal, pode prestar-se à impugnação de uma decisão irrecorrível, desde que, é óbvio, não se relacione com a liberdade de locomoção do condenado.161 Assim, e.g., se ao acusado foi imposta multa acima do valor cominado pela lei, por evidente erro de cálculo, o mandado de segurança pode ser a via adequada para impedir a constrição de bens do punido, na fase da execução.162
Em razão de jurisprudência sumulada do Supremo Tribunal Federal, houve certa resistência à admissão do mandado de segurança contra ato judicial (Súmula 267) e contra decisão judicial com trânsito em julgado (Súmula 268). A própria Corte Suprema, entretanto, abrandou o rigor de tais posicionamentos, primeiro admitindo a impetração do writ no caso em que, do ato impugnado, advém dano irreparável cabalmente demonstrado; depois, para evitar a imutabilidade de decisões teratológicas.163
Ao admitir a possibilidade de impetrar mandado de segurança contra atos jurisdicionais, José Ignacio Botelho de Mesquita contesta a natureza de ação deste instituto: “Não há hipótese em que menos se ajuste o MS ao conceito de ação do que nos casos de MS contra atos judiciais. Pense-se um pouco no absurdo de considerar o juiz como réu, ou substituto processual do Estado”.164
Importante argumento apresentaram Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes, a respeito do cabimento do mandamus em face de decisões judiciais: “No curso da demanda surgem com bastante frequência atos jurisdicionais ilegais, cuja execução é apta a provocar dano irreparável a uma das partes. E a existência de recurso contra esse ato pode não ser suficiente para evitar o dano, quando a impugnação não tiver efeito suspensivo. Nesses casos, o único meio capaz de evitar o dano é o mandado de segurança, notadamente pela suspensão liminar do ato impugnado. Pode-se afirmar, portanto, que, se o writ não pretendia, inicialmente, ser instrumento de controle de atos jurisdicionais, as necessidades da via judiciária acabaram levando-o a preencher essa finalidade”.165
Afirma Rogério Lauria Tucci que
“Afigura-se indiscutível o cabimento do mandado de segurança, em sede penal, quando o direito a ser por ele tutelado não se relacione, imediata e diretamente, com a liberdade de locomoção do indivíduo”. Referindo-se à lição de Castro Nunes, esclarece Tucci que “não estando o interessado preso nem ameaçado de prisão, mas apenas cerceado no exercício de um direito, ainda que pressuposta a necessidade de mover-se livremente como condição necessária ao seu exercício”.166
Quanto à impetração do mandamus em face de decisões irrecorríveis, assim se manifestou Tucci, após indicar acórdãos favoráveis a tal posicionamento: “Nenhuma perplexidade deve causar, realmente, o fato de conceder-se a utilização do writ estudado, inclusive nas hipóteses de atos decisórios do Poder Judiciário, no exercício da jurisdição, cobertos pela coisa julgada”. 167
Carnelutti refere-se aos meios de impugnação dos julgados como instrumentos de crítica da decisão,168 esclarecendo que a eficácia da decisão, positiva ou negativa, direta ou reflexa, supõe praticamente sua justiça: não por outra razão, impõe-se aos órgãos da execução arrestar ou deter o condenado, ou deixar livre o absolvido, ou se impede a outro ou inclusive ao mesmo juiz voltar a julgar o que havia sido julgado, senão porque atualmente à dúvida se substituiu a certeza, não no sentido formal expresso no aforismo res iudicata pro veritate habetur, mas sim no sentido substancial, segundo o qual res iudicata in veritate est . Em outras palavras: res iudicata pro veritate habetur porque in veritate est. Porém – indaga o renomado jurista italiano – e se faltar tal fundamento de verdade? “A este respeito é necessário recordar as múltiplas referências por mim feitas, a propósito da frequência e inclusive da inevitabilidade do erro judiciário. Como se concilia esta triste realidade com a eufórica presunção de verdade que constitui o fundamento da eficácia do julgado?” E completa com a seguinte resposta: “Vem à imaginação, aqui, imediatamente, o que ocorre na vida comum quando alguém teme haver julgado mal a respeito de algo. Em tal caso se fala, comumente, de reflexão, a qual consiste em concentrar-se sobre si mesmo e voltar a pensar o já pensado ou, o que vem a ser o mesmo, julgar de novo o já julgado”.
Conceituada a revisão como meio de impugnação, pode-se considerar que o condenado, ao requerê-la, não age, mas reage contra o decisum que o condenou (em sentido amplo) erroneamente. A natureza do instrumento jurídico-processual criado para rever sentenças condenatórias irrecorríveis sempre provocou dúvidas e divergências entre os doutrinadores. Por isso, textos mais antigos, como o romano e o canônico, a ele se referiam como remédio extraordinário. Legisladores e jurisconsultos não adequavam a revisão (ou mais especificamente a restitutio in integrum) entre as ações ou entre os recursos. Em relação à revisão prevista na legislação brasileira vigente, a opinião da maioria dos juristas não se alterou. Mas um exame profundo permite concluir que não se trata de recurso, de ação ou de uma combinação entre ambos, conquanto apresente algumas características de ação e de recurso. Se não existe possibilidade de interpor recurso após o trânsito em julgado da sentença, é evidente que a revisão dele se afasta, eis que por meio dela o condenado objetiva exatamente a revista do julgado irrecorrível.
Por outro lado, não pode ser considerada ação em razão da inexistência de partes, como reconhecido na jurisprudência: “A ausência de partes – mesmo em sentido, tão-só, formal – desponta manifesta na revisão. Impossível asseverar que a d. Procuradoria Geral de Justiça tenha legitimação passiva ad causam. Acha-se, no processo, legitimada para, opinando, velar pela correta aplicação da lei (art. 625, § 5º, do Código de Processo Penal). Ora, judicium est actum trium personarum, mas na revisão inexiste pólo passivo. Arredada, por isso, resta a contraditoriedade. Já a falta de atividade continuativa, de logo, afasta a ideia de recurso. Cuida-se de outro processo”.169 Acrescente-se que, nas ações penais, após a prolação da sentença, é possível a interposição de recurso que permita a rediscussão do mérito, de forma ampla. Em face do julgamento da revisão, não existe tal via recursal, restando ao condenado, ou ao Ministério Público, a interposição de recurso especial ou extraordinário (que não admitem o simples reexame de provas).
Preferimos, então, afastar a revisão das características específicas dos recursos e das ações. Trata-se de meio de impugnação das sentenças condenatórias definitivas irrecorríveis, que propicia o reexame de uma causa penal já julgada, como garantia do condenado em face de demonstração de erro ou ilegalidade no julgado. Na revisão, conquanto sejam admitidas novas provas e outros fundamentos jurídicos, o fato criminoso a ser reapreciado, bem como a pessoa do condenado, são os mesmos. Com isso, reabre-se a discussão, ainda que limitada, sobre a mesma causa: tem-se um novo processo, mas não há instauração de outra ação penal.
Nos tribunais, a revisão é concebida como ação, de forma quase unânime. Os acórdãos, entretanto, não denominam de autor o condenado que apresenta o pedido revisional. Verificamos, em breve pesquisa, que este é designado peticionário,170 requerente, 171 revisando, 172 revisionando173 e impetrante.174 Para o Código de Processo Penal, são também variadas as referências àquele que pede revisão: condenado (art. 621, III), réu (arts. 623 e 626, caput), interessado (art. 630), impetrante (art. 630, § 2º, letra a) e pessoa (art. 631). Não utilizou o legislador, em nenhum dispositivo, os vocábulos recorrente e autor. A revisão, para o Código, é formulada por requerimento (art. 625, caput e § 5º) ou por pedido (art. 625, § 3º).
A configuração da coisa julgada impede um novo julgamento. Em nome da estabilidade jurídica e social, a decisão irrecorrível deve ser aceita como verdadeira. Mas, se houve condenação fundada em erro ou ilegalidade, pode o condenado requerer a rescisão da sentença, pois a revisão exclui o efeito da coisa julgada. Haverá, então, um novo julgamento sobre a mesma causa. Pode-se afirmar, portanto, que uma ação penal vista (cognitio) será revista (recognitio) por meio da revisão criminal.175
Vicente de Azevedo, em antiga lição, expressou ideia semelhante:
“O processo criminal tem por fim (permita-se-nos a imagem) VER o crime e o criminoso. Os meios de fato e de direito, os instrumentos de prova, a instrução criminal são recursos para tornar certa essa visão. A coisa julgada revela a expressão judicial dessa visão. E, quando fatos posteriores demonstram que essa visão foi ilusória, foi errônea, o juízo criminal deve novamente VER, isto é, tornar a ver, RE-VER o fato e o seu autor, o crime e o criminoso. Aparece, então, como instrumento dessa operação, a revisão”. 176
A plena concessão da revisão, conforme o art. 627 do Código de Processo Penal, implicará a absolvição do acusado e o restabelecimento de todos os direitos perdidos em virtude da condenação (restitutio in integrum).177 Por isso, de todo procedente a observação de Nunes da Rocha, antes mesmo da edição do vigente Código de Processo Penal, ao afirmar que a revisão traz, em sua essência, os altos desígnios de, amparando ou resguardando a liberdade e a honra do indivíduo, restituí-lo, em qualquer tempo, ao convívio ou ao respeito de seus semelhantes: “destina-se a revisão a devolver a liberdade e a honra, atributos sagrados do cidadão, atributos de que fora despojado ou por uma apreciação errônea da prova produzida ou pelo aparecimento de elementos convincentes de sua inocência ferida ou ameaçada por um erro real ou possível”. 178
Com a revisão, consigna Pontes de Miranda, o acórdão que condenara é totalmente desconstituído; a condenação, portanto, desaparece, ex tunc; a própria eficácia declaratória estabelece-se em sentido contrário; em vez de se dizer que o crime existiu, diz-se que o crime não existiu.179 Ou que algo dele não existiu. Não haverá, entretanto, uma inversão das partes (consideradas em sentido processual): o condenado não se transforma, na revisão criminal, de acusado em “autor”, ou vice-versa. Mesmo porque, no âmbito penal, não existe tal possibilidade. Por meio deste instrumento processual-constitucional, o condenado vai pleitear absolvição, redução de pena ou nulidade do julgado. Eventual indenização, inobstante arbitrada em revisão, é consequência da rescisão ou modificação da sentença e não o seu objeto principal. Tanto que a liquidação será feita no juízo cível (art. 630, caput e § 1º, do Código de Processo Penal). A revisão, portanto, ao propiciar a reabertura do processo, enseja novo julgamento a respeito do mesmo crime, imputado à mesma pessoa. Pode-se dizer, então, que a ação penal condenatória, julgada por decisão irrecorrível, fica submetida a outro julgamento por meio da revisão.
Notas
1 TORRINHA, Francisco. Dicionário português latino; FONTINHA, Rodrigo. Novo dicionário etimológico da língua portuguesa. A palavra revista tem significado semelhante nesses dicionários (“ação de examinar de novo”, no primeiro; “ação ou resultado da ação de revistar; segundo exame duma coisa”, no segundo). Também Antonio Moraes Silva registra a similaridade de ambos os vocábulos: “Revisão, s.f. usual. O trabalho de rever alguma obra para emendá-la, corrigi-la. Revista, s.f. segunda vista, exame; v.g. revista da causa julgada em última instância ordinária; v.g. concedeu-se ao autor revista por alegar que a sentença foi dada por juízes peitados” (SILVA, Antonio Moraes. Diccionario da lingua portugueza, p. 1813).
2 AULETE, Caldas. Dicionário contemporâneo da língua portuguesa, v. 4. Assim conceitua Laudelino Freire: “Ação ou efeito de rever, de examinar de novo; segunda leitura ou vista. Vista minuciosa de um escrito ou impresso para expurgá-los dos erros. (...) Recurso interposto, nas causas criminais, para um tribunal superior de justiça, por nulidade no processo ou por infração de lei na sentença” (cf. Grande e novíssimo dicionário da língua portuguesa).
3 Conceito de Guido Galli: “La revisione è un mezzo di impugnazione straordinario, non sospensivo, parzialmente devolutivo ed estensivo, tendente all’eliminazione della sentenza di condanna passata in giudicato, la cui ingiustizia venga successivamente revelata da fatti ignoti al giudice che la pronunciò”. (GALLI, Guido. Novissimo digesto italiano, p. 1.204).
4 O trabalho doutrinário de Jorge Alberto Romeiro (intitulado Revisão: aspectos), apresentado inicialmente como dissertação para habilitação à livre docência de Direito Judiciário Penal, na Faculdade Nacional de Direito (Rio de Janeiro), foi reproduzido na parte inicial do livro Elementos de direito penal e processo penal, pp. 3-65. O conceito acima citado está nas pp. 42-43.
5 ESPINOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal Brasileiro anotado, p. 312.
6 ALTAVILA, Jayme de. Origem dos direitos dos povos, p. 8.
7 BUENO VIDIGAL, Luis Eulalio. Da ação rescisória dos julgados, pp. 15-16.
8 LOBO DA COSTA, Moacyr. A revogação da sentença. Revista da Faculdade de Direito da USP, v. LXXII, p. 18.
9 Sobre restitutio in integrum ver, entre outros, os seguintes autores: LAMAËSTRE, M. Étienne de. De la restitutio in integrum en droit romain; MOMMSEN,Théodore. Le droit pénal romain, t. II, pp. 166-175; RAGGI, Luigi. La restitutio in integrum nella cognitio extra ordinem; CERVENCA, Giuliano. Studi vari sulla restitutio in integrum, e verbete no Novissimo digesto italiano, v. XV, pp. 739-744; SCIASCIA, Gaetano, verbete em Nuovo digesto italiano, v. XI, pp. 493-494; LAURIA, Mario. Iurisdictio nos studio in onore di Bonfante. Milano, v. 2, pp. 513-530; FABBRINI, Fabbrizio. Per la storia della restitutio in integrum. Labeo – Rassegna di diritto romano, nº 13, f. 2; SARGENTI, Manlio. Studi sulla restitutio in integrum. Bullettino dell’Instituto di Diritto Romano, v. 69, pp. 235-260; LOBÃO, Manoel de Almeida e Sousa de. Notas de uso pratico, parte II, pp. 643-670; OLIVEIRA, A. de Almeida. O benefício de restituição in integrum; COSTA, Moacyr Lobo da. A revogação da sentença, cit.; e A revogação da sentença (perfil histórico). Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. LXXIII, p.155-226; TUCCI, José Rogério Cruz e. Contribuição ao estudo histórico do direito processual penal, pp. 10-16.
10 Restitutio in integrum in genere sic solet definiri: ut sit pristini status amissi recuperatio – A restituição na íntegra pode, em geral, ser assim definida: que haja a recuperação do estado primitivo perdido (RODRIGUES, Dirceu A. Victor. Dicionário de brocardos jurídicos). A expressão restitutio ad integrum é usada na Medicina no sentido de “volta completa da saúde” (FORTES, Hugo. Dicionário médico inglês-português).
11 SAVIGNY, Federico Carlo di. Sistema del diritto romano attuale, p. 119.
12 CRETELLA JR., José. Direito romano moderno, p. 294.
13 COCCHI, Guido. Commentarium in codicem iuris canonici ad usum scholarium, p. 387.
14 Art. 621, CPP.
15 Sobre coisa julgada ver, entre outros: NEVES, Celso. Coisa julgada civil; LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença; GRINOVER, Ada Pellegrini. Eficácia e autoridade da sentença penal; TUCCI, Rogério Lauria. Curso de direito processual, pp. 67-130; CHIOVENDA, Giuseppe. Sulla cosa giudicata. Saggi di diritto processuale civile. NAJARIAN, Krikor. L’autorité de la chose jugée au criminel sur le criminel. OLIVA SANTOS, Andrés de la. Sobre la cosa juzgada.
16 TEIXEIRA DE FREITAS, Augusto. Primeiras linhas sobre o processo civil, p. 227. Ao comentar a Lei de 18.09.1828, Teixeira de Freitas ressalta que tal norma firmou “o sapientíssimo pensamento do art. 164, I, da Constituição do Império, segundo o qual as decisões do Poder Judiciário, depois de passadas em julgado, são as verdades provisórias do mundo, que nenhum dos outros poderes políticos pode revogar ou modificar”.
17 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal, p. 69.
18 MANZINI, Vincenzo. Tratado de derecho procesal penal, p. 511.
19 MANZINI, Vincenzo. Tratado de derecho procesal penal, p. 512. Assinala Manzini que “la autoridad de cosa juzgada encuentra su más absoluta aplicación en orden a las sentencias de absolución, respecto de las cuales no se admite la revisión”.
20 DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro interpretado, pp. 193-194. O Decreto-lei 4.657, de 1942, foi alterado pela Lei 12.376, de 2010, que adotou a denominação de Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
21 ABREU, Florêncio de. Comentários ao Código de Processo Penal, p. 388. Refere-se o autor aos estudos de Giuseppe Borsani e Luigi Casorati.
22 ALIMENA, Bernardino. Studi di procedura penale. A tradução é de Florêncio de Abreu (ABREU, Florêncio de. Comentários ao Código de Processo Penal, p. 388).
23 Por meio de habeas corpus ou de revisão criminal (Cf. TUCCI, Rogério Lauria. Jurisdição, ação e processo penal, p. 22).
24 GRINOVER, Ada Pellegrini. Eficácia e autoridade da sentença penal, pp. 5-6. A autora contesta a distinção entre coisa julgada transeunte e coisa julgada estável, proposta por Birkmeyer: “A diferença reside nos casos em que a coisa julgada pode ceder frente à Miguel. rescisória ou à revisão. Mas aí não haverá mais coisa julgada”.
25 FENECH, Miguel. Derecho procesal penal, p. 528. O advérbio definitivamente, como se deduz, foi empregado pelo autor com sentido de irrevogabilidade.
26 SANTOS, Andrés de la Oliva. Sobre la cosa juzgada, p. 157. Acrescenta este autor que o objeto do processo penal é um factum e não um crimen: “O objeto do processo se identifica – o mesmo que a coisa julgada – pela pessoa do acusado e pelo fato. Se o fato – com suas dificuldades de delimitação – e o inculpado são os mesmos em um e outro processo, há coisa julgada e o segundo processo deve ser excluído o quanto antes ou terminar com uma sentença absolutória sobre o mérito, e não na instância, ainda que sem necessidade de examinar o fundo”.
27 BUZAID, Alfredo. Preclusão. Revista dos Tribunais, v. 320, pp. 45-50.
28 TUCCI, Rogério Lauria. Curso de direito processual, p. 77.
29 PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes, citado por Rogério Lauria Tucci em Direitos e garantias individuais, p. 327, nota n. 30.
30 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito, pp. 251-252.
31 Segundo Francisco Rezek, a máxima conventio omnis intelligitur rebus sic stantibus foi encontrada por Alberico Gentili na obra de Tomás de Aquino, e analisada em De Jure Belli, seu livro de 1598. Significa que toda convenção deve ser entendida sobre a premissa de que as coisas permanecem no estado em que se achavam quando da assunção do compromisso. O autor analisa a cláusula à luz do direito internacional, concluindo que: “O tratamento dado pela Convenção de Viena ao princípio rebus sic stantibus leva à ideia de sua invocação pela parte interessada em ver extinto ou suspenso o tratado, à conta da mudança nas circunstâncias. Essa invocação tem por destinatárias as restantes partes, às quais não se impõe. Não há, pois, que invocar a cláusula depois de consumada a afronta ao compromisso. A cláusula rebus não justifica a ruptura unilateral dos tratados: sua invocação reclama um acordo entre as partes reconhecendo a mudança fundamental das circunstâncias ou, na falta desse acordo, uma decisão arbitral ou judiciária” (cf. Direito internacional público: curso elementar, pp. 117-119).
32 Expressão abreviada da fórmula “contractus qui habent tractum, sucessivum et dependentiam de futuro rebus sic stantibus intelliguntur”.
33 Dicionário de sentenças latinas e gregas, tradução de Ivone Castilho Benedetti, verbete n. 1.166. Em Cretella Jr., encontramos o seguinte conceito: “A expressão rebus sic stantibus significa ‘se tudo continuar para o futuro do mesmo modo em que se encontra agora, no presente.’ Esta proposição consubstancia e serve de fundamento à denominada teoria da imprevisão. A teoria da imprevisão encontrou extraordinária repercussão e fecundo emprego no âmbito do direito administrativo, motivo por que os postulados sobre que repousa não pertencem nem ao campo do direito público nem ao campo do direito privado, mas, sem dúvida alguma, à teoria geral do direito, responsável por seus princípios informativos e pela estrutura geral daquele sistema que procura justificar, diante do direito, um estado de coisas que foge à rotina previsível das épocas normais. No fundo, a teoria da imprevisão é um aspecto da luta que se trava entre o homem e o tempo. O homem deseja criar obras perenes e, com esse objetivo, desafia o tempo. O tempo, entretanto, corre inexoravelmente. As situações se alteram. Por isso, o direito, que é o termostato da sociedade, procura equilibrar o patrimônio do homem, impedindo o seu desnível ou equilíbrio. Daí o nascimento da teoria da imprevisão, de grande aplicação nos contratos administrativos” (CRETELLA JR, José, Dicionário de direito administrativo).
34 GRECO FILHO, Vicente. Tutela constitucional das liberdades, p. 124.
35 BOTELHO DE MESQUITA, José Ignacio. Da autoridade civil da coisa julgada penal. Estudos de direito processual em memória de Luiz Machado Guimarães, p. 239.
36 A frase completa, atribuída a Sêneca, é: “Errare humanum est, sed in errore perseverare dementis”. O adágio foi empregado por vários autores da antiguidade, na Grécia e em Roma, e popularizado por Santo Agostinho, em sermão no qual se tem “Humanum fuit errare, diabolicum est per animositatem in errore manere, ou, resumidamente, errare humanum est, perseverare autem diabolicum” (TORSI, Renzo. Dicionário de sentenças latinas e gregas verbete n. 457).
37 De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, v. 2, p. 611.
38 PALLARES, Eduardo. Diccionario de filosofía, pp. 199-200. Conclui este autor que a tese escolástica consiste em sustentar que não há erro onde não há juízo, ou seja, até o momento em que a mente afirma ou nega um atributo de um sujeito, porém, se a verdade é a adequação da mente à coisa, seu contrário, o erro, deve ser a não adequação da própria mente, e como é função desta não só elaborar juízos, senão também criar representações, dele se infere que as representações das coisas também podem ser falsas. Em todo caso, trata-se de uma questão de palavras, ou seja, a concernente de saber se com o vocábulo erro temos que expressar uma condição especial dos juízos ou também das representações.
39 BRUGGER, Walter. Diccionario de filosofia, p. 170.
40 ASÚA, Luis Jiménez de. La ley y el delito, p. 490
41 Revela o renomado jurista que a distinção entre erro e ignorância já fora sugerida por Platão, acrescentando que aquele exprime um estado positivo, enquanto esta, um estado negativo. (Ibidem.)
42 Ibidem. Para Manoel Cavaleiro de Ferreira, “ignorância e erro são conceitos diferentes, mas que têm idêntico regime jurídico. Ignorância é a falta, a ausência de conhecimento de uma realidade; erro é um conhecimento falso de uma realidade. Mas o erro, sendo conhecimento do que não é, é também ignorância do que é” (cf. Lições de direito penal. Parte geral, p. 332).
43 Cf. verbete Erro judiciário em Enciclopédia Saraiva de Direito, v. 32. A história registra casos célebres de erro judiciário: Bíblia, Reis, I, Cap. 21; julgamentos de Sócrates, Sacco e Vanzetti, Dreyfus, e, no Brasil, o caso dos Irmãos Naves (v. acórdão do Supremo Tribunal Federal de 14 de junho de 1972, publicado na Revista Trimestral de Jurisprudência 61/587-590). Sobre erro judiciário, ver: LAILLER, Maurice; VONOVEN, Henri. Les erreurs judiciaires et leurs causes; GUILHERMET, Georges. Comment se font les erreurs judiciaires; BERLET, A. De la réparation des erreurs judiciaires; ESCOFIER, J. Revision des procès criminels el correctionnels et les indemnites aux victimes d’erreurs judiciaires; ROCCO, Arturo. La riparazione alle vittime degli errori giudiziari; GIURATI, Domenico Giurati. Gli errori giudiziari: diagnosi e remedi; CONCI, Francesco. L’errore giudiziario nell’arte, nella storia, nella cronaca; FIORI, Pacifico. Sono innocente: errori giudiziari di tutti paesi; CAPALOZZA, Enzo. Contributo allo studio dell’errore giudiziario in materia penale; FLORIOT, René. Les erreurs judiciaires; HIRSCHBERG, Max. La sentencia erronea en el proceso penal; MARTIN, Valeriano Hernández; GAMAZO, Fernando Azpeitia; MUÑOZ, José María Villalvilla; LEÓN, Carmen González. El error judicial; CAPPELLETTI, Mauro. Juízes irresponsáveis?; ALAMY FILHO, João. O caso dos irmãos Naves: um erro judiciário; HENTZ, Luiz Antonio Soares. Indenização do erro judiciário; CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado.
44 VILLELA, Alvaro. A revisão no processo criminal, p. 10. Refere-se o autor ao jurista italiano Giuseppe Orano (Sulla revisione dei giudicati penali, pp. 3-13) e ao penalista francês J. Ortolan (Eléments de droit pénal). O primeiro, na introdução de sua obra, assim se expressa: “Fra le maggiori calamità umane vi è quella dell’errore giudiziario penale”. E, em seguida, faz uma comparação entre as desgraças provocadas pelo erro judiciário com aquelas advindas dos terremotos, das epidemias e das guerras.
45 Cf. HIRSCHBERG, Max. La sentencia erronea en el proceso penal, pp. 17-92.
46 MIRANDA, Paulo de. Enciclopédia Saraiva de Direito, v. 32, verbete Error in iudicando. A respeito do assunto, é a seguinte a lição de Pontes de Miranda: “A distinção entre direito, que se invoca em juízo como regulador do direito, da pretensão ou ação de direito material, e direito processual está à base da dicotomia error in iudicando e error in procedendo. O homem, a respeito daquele direito material (da res in iudicium deducta), convenceu-se da sua própria falibilidade, da relatividade de todas as relações do mundo, de certas antinomias que impedem a perfeição dos julgamentos, isto é, a solução sempre e integralmente certa. Viu que, se B tem direito à vida e A o mata, a sentença é impotente para fazer ressuscitar B, e o Estado satisfaz-se com a prisão (ou a morte do réu), e os interessados na vida de B, com a indenização. Já aí começa a relatividade da eficácia da aplicação da lei. Mas agrava-se a relatividade quando se procura saber qual a incidência da lei e há dúvida (subjetiva) do juiz, ou erro, quanto à inteligência da lei ou do fato em que deverá incidir. Nada disso, porém, se refere ao processo mesmo. O processo tem a sua lei que, segundo o dizer de Oskar Bülow, que bem traduziu a divergência entre a lei material e o processo, e a incindibilidade entre lei processual e processo, não há processo de processo. Isso não impediu que alguns juristas quisessem apagar a dicotomia errores in iudicando e errores in procedendo. Principlamente Ernst Beling, que se pôs a ver, do lado do juiz, e não acima do processo, como observador científico, as duas classes de erros; e aventurou que o juiz, ao aplicar, erroneamente, o direito material, viola, não esse direito, mas a norma de direito processual que lhe ordena julgar de acordo com o direito material. Destarte, errar in iudicando seria errar in procedendo. Não caberia distinguirem-se aquele erro no julgar e o erro no procedimento, uma vez que são uma e a mesma coisa. Tal atitude deve ser combatida. E sempre o fizemos” (Cf. Comentários ao Código de Processo Civil. Atualização legislativa de Sergio Bermudes. 3.a ed., Rio de Janeiro, Forense, 1996, t. III, p. 522-523).
47 Cf. Enciclopédia Saraiva de Direito, verbete Error in procedendo.
48 ARAUJO, João Vieira de. A revisão dos processos penaes, pp. 17-18.
49 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro, pp. 457-458. Distingue o renomado processualista o julgamento errado (aquele em que o órgão jurisdicional aplica mal o direito) do julgamento injusto (em que há má ou distorcida apreciação dos fatos versados nos autos do processo findo).
50 MARTIN, Valeriano Hernández; GAMAZO, Fernando Azpeitia, MUNÕZ, José M. Villalvilla; LEÓN, Carmen González. El error judicial, p. 172.
51 ALIMENA, Bernardino. Studi di procedura penale, p. 433.
52 BATISTA, Luís Osório da Gama e Castro de Oliveira. Comentário ao Código do Processo Penal português, p. 402.
53 PALMA CARLOS, Adelino da. Do erro judiciário, p. 76.
54 ORANO, Giuseppe. Sulla revisione dei giudicati penali, p. 17. Palma Carlos, entretanto, registra o caráter preventivo da revisão nos casos em que a pena não chegou a ser executada (op. cit., p. 108).
55 O princípio do non bis in idem é reconhecido no sentido processual, ao proibir a múltipla persecução penal, e não somente a múltipla condenação penal (sentido material).
56 Verdade material entendida no sentido aristotélico de adaequatio intellectus rei.
57 MITTERMAIER, C.J.A. Teoria della prova nel processo penale.
58 ABREU, Florêncio de. Comentários ao Código de Processo Penal, pp. 396-397.
59 ABREU, Florêncio de. Comentários ao Código de Processo Penal, pp. 397-398.
60 VILLELA, Alvaro. A revisão no processo criminal, p. 21.
61 Idem, p. 239.
62 ARAÚJO, João Vieira de. A revisão dos processos penaes, pp. 210-240.
63 Ver Código Penal, artigo 138, § 3º, inc. III; e Lei 5.250, de 09.02.1967, que regula a liberdade de manifestação do pensamento e de informação, art. 20, § 2º. A vigência desta lei foi suspensa por decisão do Supremo Tribunal Federal.
64 HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal, p. 83.
65 MAGALHÃES NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal, pp. 330-331.
66 Redigido no encontro preparatório realizado em Roma, no dia 4 de maio de 1990 (Consiglio Nazionale delle Ricerche – Progetto Italia-America Latina).
67 A ressalva nos parece desnecessária; basta estabelecer que, em tais hipóteses, a sentença absolutória não faz coisa julgada, a exemplo do critério adotado pelo Código de Processo Penal da Itália.
68 Os argumentos dos adeptos da Escola Positiva, favoráveis à revisão pro societate, já foram expostos no início deste Capítulo.
69 Cf. Constituição Federal brasileira,
70 STEELE, Evandro Barbosa. Revisão criminal “pro societate”, pp. 32-33.
71 Idem, p. 39.
72 MAGALHÃES NORONHA, Edgard. Curso de direito processual penal, pp. 374-375.
73 Sobre revisão contra o acusado ver, entre outros, a fundamentação dos seguintes autores: STEELE, Evandro Barbosa, Revisão criminal “pro societate”, e Revisão pro societate. Justitia, v. 83, p. 237-243.; MAZZILLI, Hugo Nigro Mazzilli. Revisão pro societate. Justitia, v. 125, pp. 138-142, e na Revista dos Tribunais, v. 594, pp. 296-298; OLIVEIRA, Jacyr Villar de. Da revisão criminal, artigo na Revista de Direito, Rio de Janeiro, v. 20 (1974), p. 68-76; Horácio Bortz, Revisão pro societate. Justitia, v. 71, pp. 235-241.
74 Os autores que sustentam a existência da revisão da sentença absolutória em Roma, em geral se referem a Paulus, fr. 18, § 1º de Questionibus D. XLVIII, 18 (Reus evidentioribus argumentis obpressus repeti in quaestionem potest, maxime si in tormenta animum corpusque duraverit.) Mas, como observa Alimena, o texto se refere à repetição do interrogatório e não à repetição do julgamento, depois de pronunciada a sentença (Studi di procedura penale, p. 438). O renomado autor italiano também rejeita como fonte de revisão contra o acusado a condenação da vestal Cornélia que, depois de absolvida pela prática de incesto, acabou condenada por ter pecado de novo e foi sepultada viva (Svetionio, Domitianus, VIII). Neste caso, não houve revisão da absolvição, mas condenação por outro crime.
75 Cf. TOSI, Renzo. Dicionário de sentenças latinas e gregas, verbete 1.114.
76 BASSIOUNI, M. Cherif. Diritto penale degli Stati Uniti d’America, p. 321. Assinala, ainda, este autor, que a proteção contra o double jeopardy encontra proteção constitucional no Federal Bill of Rigths dos Estados Unidos da América
77 Art. 8.º, n. 4. O Pacto de São José da Costa Rica entrou em vigor, para o Brasil, em 25.09.1992, data em que o Governo brasileiro depositou a Carta de Adesão na Organização dos Estados Americanos. O Decreto Presidencial 678, de 06.11.1992, promulgou oficialmente a Convenção, cujo texto foi publicado na íntegra pela Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 1, pp. 253-269.
78 CARRIÓ, Alejandro D. Garantias constitucionales en el proceso penal, pp. 113-118.
79 Neste sentido, a lição de Mario Chiavario: “Il ne bis in idem, viceversa, proprio in quanto espressione di garanzia della persona, non impedisce che il giudicato possa essere sottoposto ad un’impugnazione straordinaria quale è, nel nostro ordinamento, la ‘revisone’, concepita soltanto favore del condannato (o, al limite, a favore del prosciolto, ma com l’obiettivo dell’otteniemento di una sentenza di proscioglimento più favorevole, se quella passata in giudicato contenga effetti pregiudizievoli per l’interessato” (cf. Processo e garanzie della persona, p. 199).
80 O art. 69 do Código de Processo Penal da Itália estabelece, no item 1, que a morte do imputado determina a extinção da punibilidade, a ser pronunciada pelo juiz na forma estabelecida pelo art. 129. Em seguida, no item 2, consigna a seguinte regra: “La sentenza non impedisce l’esercizio dellázione penale (50) per il medesimo fatto e contro la medesima persona (649), qualora successivamente si accerti che la morte dell’imputato è stata erroneamente dichiarata”.
81 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal, p. 185.
82 Ibidem.
83 DEL POZZO, Carlo Umberto. Le impugnazioni penali, parte generali, p. 137. A tradução foi extraída da obra acima referida de José Frederico Marques.
84 A posição dos antigos constitucionalistas brasileiros recebeu a seguinte crítica de Pontes de Miranda: “Não se trata, como se verá, de recurso. Recurso, disseram-no todos os comentadores da Constituição de 1891 (e.g., João Barbalho, Comentários, 348; Pedro Lessa, do Judiciário, 85; Carlos Maximiliano, Comentários, 645). Bastaria isso para se documentar quanto distanciados se achavam do conhecimento do instituto e até que ponto ia a ignorância deles, com respeito ao direito processual penal brasileiro” (Cf. Tratado das ações, p. 603).
85 O conceito de recurso formulado por este autor é o seguinte: “Recursos no seu sentido mais geral são os atos pelos quais as partes em processo criminal impugnam a decisão contra elas proferida, a fim de que o mesmo juiz ou tribunal, ou um superior, a anule, ou reforme, ou tenha lugar um novo julgamento”. Rogério Lauria Tucci, em obra dedicada ao processo civil, conceitua recurso como “o poder de vontade, juridicamente regulado, conferido à parte vencida, ou a outrem, para invocar novo ato decisório, em regra de órgão jurisdicional hierarquicamente superior, acerca do objeto formal ou do objeto material do processo” (ARAUJO, João Vieira de. Curso de direito processual civil: processo de conhecimento, p. 253).
86 Os recursos, para João Mendes Júnior, eram anteriores ou posteriores à sentença. Os primeiros eram os interpostos em face de decisões proferidas no curso da ação penal. Os posteriores, que propiciavam a reforma da sentença, eram três: apelação, protesto por novo júri e revisão (Cf. O processo criminal brasileiro, 2.º v., pp. 415-421).
87 BORGES DA ROSA, Inocêncio. Processo penal brasileiro, p. 735.
88 OLIVEIRA E CRUZ. João Claudino de. Prática dos recursos, p. 213. O mesmo conceito foi apresentado por Heribaldo Rebello: “O nosso Código a considera recurso, com o que estamos de acordo. (...) Entendemos ser um recurso ‘especial’, ou sui generis” (Cf. Breves lições de direito judiciário penal, v. II, p. 184). Assim também entende Manoel Martins da Costa Cruz: “Revisão é um recurso interposto perante o Supremo Tribunal Federal, a favor de réus condenados, em casos permitidos por lei, para a reparação a injustiças a erros cometidos em sentença já passada em julgado. (...) É um recurso sui generis; mais ação rescisória do que recurso” (Cf. Curso elementar de prática do processo criminal, p. 356).
89 Posição semelhante foi exposta por Mariano de Siqueira Filho: “Natureza. É um recurso misto e sui generis. Muitos o consideram uma verdadeira ação, por ter lugar após terminado o processo, e permitir a produção de prova nova. Aproxima-se da rescisória, que é ação, mas difere em seus pressupostos, prazo e processamento. Por isso é de natureza peculiar” (Curso básico de processo penal, p. 219).
90 O vigente Código de Processo Penal de Portugal classifica os recursos em ordinários e extraordinários e inclui a revisão entre os extraordinários (artigos 449 a 466), ao lado da fixação da jurisprudência (artigos 437 a 447).
91 MAIA GONÇALVES, Manuel Lopes. Direito penal, p. 609. No mesmo sentido: SILVA, Germano Marques. Curso de processo penal.
92 E assim conclui Ernesto Rodriguez Rossi: “No acemos mérito de la condición objetiva de la sentencia, que en el caso particular tratado tiene que ser pasada en autoridad de cosa juzgada, y sí del contralor, que por medio de este recurso se realiza en las circunstancias que la ley determina, teniendo en cuenta el bien jurídico protegido: la libertad, el honor, la administración de justicia” (ROSSI, Ernesto Rodriguez. Apelación a la corte suprema y otras posibilidades recursivas, p. 227-228).
93 A essência da argumentação de Julio B.J. Maier é a seguinte: “Nosotros pensamos que es um recurso sobre la base de creer que las notas más claras, sencillas y notorias de ese concepto son: a) el ataque a una decisión de un órgano jurisdiccional postulándola como injusta; y b) la manifestación de voluntad de uno de los intervenientes en el proceso que pretende separarla y reemplazzarla por otra, total o parcialmente, porque la decisión le causa perjuicio a él mismo o a otra persona por la que está habilitada a recurrir” (Cf. La ordenanza procesal penal alemana, v. II, p. 302).
94 Segundo Julio Maier, as principais objeções à concepção da revisão como recurso são: o pedido revisional não tem verdadeiro efeito devolutivo nem suspensivo; inexistência de fixação de prazo; legitimidade ativa ampla e particularidade do exame” (La ordenanza procesal penal alemana, v. II, v. II., p. 302).
95 ROXIN, Claus. Strafverfahrensrecht, p. 353.
96 Assim já decidiu o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo: “Revisão – Pena não justificada imposta na sentença revidenda – Circunstância não abordada no pedido – Aforismo tantum judicatum quantum deductum não aplicável à espécie – Revisão deferida extra petita” (RT 581/342, Revisão 121.820, relator Juiz Adauto Suannes).
97 Nesse sentido, a Súmula 393 do Supremo Tribunal Federal: “Para requerer revisão criminal o condenado não é obrigado a recolher-se à prisão”.
98 No final do século passado, o Supremo Tribunal Federal já proclamava que “o processo de revisão é um processo novo, à parte, distinto e separado do da condenação e constitui instância nova, onde é autor o recorrente, a quem incumbe o ônus da prova” (Acórdão de 29 de janeiro de 1898, citado por Affonso Dyonisio Gama (Código Penal brasileiro, p. 121).
99 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado das ações, t. IV, p. 603. O autor propôs uma distinção entre ação e “ação”, com a seguinte fundamentação: “Ação (em direito material) e ‘ação’ (em direito processual) – A ação exerce-se principalmente por meio de ‘ação’ (remédio jurídico processual), isto é, exercendo-se a pretensão à tutela jurídica, que o Estado criou. A ação exerce-se, porém, de outros modos. Nem sempre é preciso ir-se contra o Estado para que ele, que prometeu a tutela jurídica, a preste; nem, portanto, estabelecer-se a relação jurídica processual, na qual o juiz haja de entregar, afinal, a prestação jurisdicional. A ação nada tem a pretensão à tutela jurídica” (Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Op. cit., t. I, p. 110).
100 Cf. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969, t. IV, p. 47.
101 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal, pp. 325-332.
102 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, p. 482.
103 GAMA MALCHER, José Lisboa da. Manual de processo penal brasileiro, v. II, pp. 163-164. Em consequência deste posicionamento, o autor sustenta a existência de três estágios no julgamento da revisão: “O primeiro, da admissibilidade do pedido, em que, liminarmente (pelo relator) ou no julgamento, se controlam os pressupostos da ação (cabimento); o segundo, em que se faz o exame de pedido de rescisão, em que o tribunal resolve rescindir ou não a sentença impugnada (ius rescindens); e o terceiro, em que se opera o prejulgamento da matéria que fora decidida pela sentença já sem a imutabilidade (ius rescissorium)”.
104 Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini, GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. Recursos no processo penal, pp. 307-308.
105 TUCCI, Rogério Lauria.“Habeas corpus”, ação e processo penal, pp. 70-71. Em outra obra, Tucci classificava as ações penais em três grupos: ação de conhecimento, ação executiva e ação cautelar (Cf. Do corpo de delito no direito processual penal brasileiro, pp. 135-148). Recentemente, entretanto, passou a denominar as últimas de medidas cautelares penais (Cf. Direitos e garantias individuais, p. 337).
106 Cf. Direitos e garantias, p. 458. Rogério Lauria Tucci tratou da revisão criminal também no livro Persecução penal, prisão e liberdade, pp. 285-288.
107 Cf., respectivamente: BUENO, Silveira Bueno. Grande dicionário etimológico-prosódico da língua portuguesa. São Paulo: Saraiva, 1968, p. 2.887; NÁUFEL, José. Novo dicionário jurídico. Rio de Janeiro: José Konfino, 1969, p. 2887; SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, p. 1120.
108 Assinala Rogério Lauria Tucci, com apoio em Figueiredo Dias, que o contraditório (real e indisponível) se faz ínsito ao processo penal: “‘Indeclinável injunção legal’, a defesa do acusado, nem a sua revelia exclui a garantia constitucional da contrariedade do processo. A efetivação da defesa há de ser contínua e contraditória à acusação, de sorte a atender às ‘exigências comunitárias inscritas no Estado de Direito’, à ‘essência do Direito como tarefa do homem’ e ‘ao espírito do processo, como coparticipação de todos os interessados na criação da decisão” (Cf. Jurisdição, ação e processo penal, p. 21).
109 A participação do assistente só é admitida “enquanto não passar em julgado a sentença” (art. 269). Como a revisão propicia a reabertura de processo findo (coisa julgada), não será possível a intervenção do ofendido. O Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (de 1992) contém regra expressa sobre essa questão: “Art. 589. O ofendido não poderá intervir no procedimento revisional e nem recorrer de seu julgamento”.
110 Cf. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, v. 4, p. 504. Argumenta este autor que “embora contrariando a lógica (assistente de réu não existe), devia a vítima ser notificada a se manifestar sobre o pedido revisional, em face do seu indisfarçável interesse na satisfação do dano ex delicto, mormente se já recebeu o quantum devido. Infelizmente, de jure constituto, tal não é possível. Mesmo em se tratando de ação exclusivamente privada, não pode intervir o ofendido. Cremos que essa exclusão do sujeito passivo do crime repousa na circunstância de que o Estado transferiu à vítima do crime, em certos casos, apenas o jus accusationis. Uma vez proferida sentença condenatória com trânsito em julgado, cessou o jus accusationis, dando lugar ao jus punitionis, que é exclusivo do Estado”. Nota-se que, conquanto favorável, em tese, à intervenção do ofendido na revisão, Tourinho Filho apresenta argumento doutrinário plenamente convincente, em sentido oposto.
111 Cf. Súmulas 279 do Supremo Tribunal Federal e 7 do Superior Tribunal de Justiça. Quanto aos embargos infringentes, entendem os doutrinadores que são incabíveis em sede revisional, “por não se tratar de recurso”. Nesse sentido: Damásio E. Jesus (Código de Processo Penal anotado, p. 406), Tourinho Filho (op. cit., p. 504); Júlio Mirabete (Código de Processo Penal interpretado, p. 708) e Eduardo Espínola Filho (Código de processo penal brasileiro anotado, v. 6, p. 290). O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal admite expressamente a apresentação de embargos infringentes se a decisão não unânime do plenário ou turma “julga improcedente a revisão criminal” (art. 333, inciso II). O Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça somente admite os embargos aos julgamentos de apelação e ação rescisória (art. 260). E o Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo veda expressamente a interposição de embargos infringentes às decisões proferidas em revisão criminal (art. 842). A jurisprudência está dividida, registrando-se decisões favoráveis à admissão desses embargos (RT 606/384, 614/346, 681/369, 718/452) e contrárias (RT 561/332, 581/386, 588/325; RTJ 46/616).
112 O duplo grau de jurisdição é considerado uma garantia de reta administração da justiça e fator de grande segurança na aplicação da lei (MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal, p. 186). Após o julgamento, e por meio de recurso adequado, toda a fundamentação jurídica e fática sustentada em primeiro grau pode ser renovada no grau superior (ou na mesma instância). Mas a decisão proferida em sede revisional não pode ser atacada por um recurso que devolva ao grau superior de jurisdição a ampla reapreciação. O requerente e o Ministério Público somente podem interpor os recursos constitucionais (especial e extraordinário), limitados aos casos expressamente indicados nos artigos 102, III, e 105, III, da Constituição Federal. Tal fato se explica pela garantia do duplo grau de jurisdição presente na ação renovada na revisão.
113 Cf. PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Constituição da República e processo penal. Revista Especial do Tribunal Regional Federal, pp. 133-139.
114 MENDES DE ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes. Processo penal, ação e jurisdição.
115 A distinção, em essência, consiste no seguinte: “O Poder Judiciário, Juízes e Tribunais, cuja atividade específica se ostenta na própria jurisdição, detém o poder-dever do Estado (Poder Jurídico) de processar e julgar as causas. Tal poder-dever tem a potência de gerar a ação judiciária, ou seja, o exercício efetivo da jurisdição. A tutela jurisdicional, por conseguinte, surge, em potência, na jurisdição e, em ato, na ação judiciária do Juiz ou Tribunal. Há, entretanto, outra ação, que Canuto Mendes denomina ação em sentido estrito, ou simplesmente ‘ação’, a qual aflora como atividade do autor e do réu, não como direito, mas como ônus do impulso processual. Irrompe sob a forma de atividade processual cooperativa. A ‘ação’ nem por isso perde a instrumentalidade. Destaca-se como atividade de cumprimento de ônus processuais” (PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Ainda o direito de ação. Ciência penal, p. 430-431.
116 TUCCI, Rogério Lauria, na apresentação da obra Processo penal, ação e jurisdição, de Canuto Mendes de Almeida. A objeção anteriormente exposta à concepção da revisão como ação não se estende a este posicionamento, que permite conceituá-la como “ação do condenado”.
117 Cf. RT 591/424 e 687/388. Neste segundo acórdão do Supremo Tribunal Federal, formulou-se o seguinte conceito: “A revisão criminal é meio processual cujo único objetivo é o reexame de sentença ou acórdão em prol do condenado” (rel. Min. Marco Aurélio).
118 Cf. RT 599/329, Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, relator Juiz Dante Busana. O acórdão decidiu pedido revisional formulado canhestramente pelo próprio condenado, mas constatou nulidade do processo por não conter alegações finais. Fundou-se o julgado em lição de Manzini: “O pedido pode ser acolhido, ainda quando as razões nele aduzidas autorizariam a rejeição, se a Corte encontra outros elementos que induzem a acolhê-las. Tratando-se de um interesse superior de justiça, o juízo da própria Corte, na verdade, não pode ficar limitado às razões propostas, que podem ser impróprias ou infundadas, mas se estende a tudo aquilo que pode trazer à luz o erro judiciário. Seria fátuo formalismo pretender que a Corte de Cassação fingisse não notar uma causa legítima de revisão apenas porque não foi deduzida. Esta pode e deve ser considerada de ofício” (Trattato di diritto processuale penale, v. 4.º/896). Em outro acórdão, relatado pelo Juiz Canguçu de Almeida, nulidade foi decretada de ofício em revisão criminal: “Não deverá quedar-se inerte o tribunal à vista de flagrante nulidade insanável, comprometedora da defesa do réu, simplesmente porque ele, ignorante das coisas da lei, não trouxe ao pretório ao formular, de próprio punho, sem assistência de um bacharel em Direito, pedido revisional” (RT 581/343, Revisão 122.056).
119 BETTIOL, Giuseppe. Instituições de direito e processo penal, p. 299. Para o renomado jurista italiano, “entende-se por ônus da prova o encargo que, no processo civil, impende sobre o autor de demonstrar o bem fundado da sua pretensão contra o réu, se quer evitar que o juiz rejeite in limine litis o seu pedido; e o que recai sobre o réu de demonstrar a validade da sua exceção em relação ao pedido do autor se quiser que o juiz a tome em conta”.
120 Anais, p. 484. O III Congresso Nacional de Direito Penal e Ciências Afins foi realizado em São Paulo, em novembro de 1968.
121 AZEVEDO FRANCO, Ary. Código de Processo Penal, v. 2, p. 334.
122 LUNA, Everardo da Cunha. Da revisão penal no anteprojeto, p. 193.
123 ROCHA, Sinesio. Da revisão, do recurso extraordinário e da carta testemunhável. Anais do Primeiro Congresso Nacional do Ministério Público, v. 8, p. 224.
124 Os conceitos formulados por Joaquim José Caetano Pereira e Sousa, nas clássicas obras Primeiras linhas sobre o processo criminal e primeiras linhas sobre o processo civil, estão integralmente reproduzidos na parte histórica deste trabalho, dedicada ao direito lusitano.
125 OLIVEIRA, A. de Almeida, O benefício de restituição in integrum, p. 120.
126 Vicente Sabino Júnior explica que “o vocábulo remédio corresponde, na sistemática jurídica, ao meio pelo qual se procura obter o reconhecimento de um direito, seja ele representado pela ação, seja pelo recurso ou postulação, para que a instância superior reexamine o caso e se pronuncie a respeito” (Cf. O “habeas corpus” e a liberdade pessoal, p. 40).
127 ABREU, Florêncio de. Comentários ao Código de Processo Penal, pp. 389 e 414-415.
128 BARBI, Celso Agrícola. Do mandado de segurança, p. 44.
129 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória, p. 37.
130 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 386. Com esse entendimento, o autor equipara os remédios às ações.
131 A palavra condenação é empregada em sentido largo, abarcando as condenações impróprias e anômalas, relativas às sentenças que impõem medida de segurança ou concedem perdão judicial, conforme exposto anteriormente.
132 Art. 5.º, inciso XXXVI: A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
133 Afonso Arinos de Melo Franco, referindo-se ao autor da Constituição de 1937, escreveu: “Os modelos usados por Francisco Campos foram os das Constituições ditatoriais e anticomunistas da Europa. O presidente era o poder praticamente absoluto, o Supremo Tribunal ficava anulado como poder político, as garantias individuais reduziram-se a nada. O poder pessoal desceu sobre a nação escravizada” (Cf. Direito constitucional, p. 172). A não inclusão da revisão criminal na Carta de 1937, imposta ao país pelo regime ditatorial denominado Estado Novo, indiretamente, revela a natureza de garantia constitucional do instituto.
134 RT v. 204/89-90. O artigo referido no texto é da Constituição Federal de 1946. Corresponde ao art. 5º, § 2o, da Constituição vigente.
135 Preâmbulo da Constituição de 1988: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”.
136 Constituição, art. 5º, caput e inc. II, e 1º, inc. III.
137 Constituição, art. 5º, inc. LIV.
138 Constituição, art. 5º, inc. XXXVIII.
139 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal, p. 334. Sobre revisão e a decisão do júri, consultar também: TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, p. 488; MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de Processo Penal interpretado, p. 723; e JESUS, Damásio E. Código de Processo Penal anotado, p. 416. O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou sobre a questão, admitindo a revisão da condenação pelo júri (RTJ 115/1.114).
140 Constituição, art. 5º, inc. LXXV. O Código de Processo Penal também prevê a possibilidade de indenização pelos prejuízos sofridos, no art. 630.
141 Art. 5º, § 2º: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Esta regra, consagrada, também, pelas Cartas anteriores (1969, art. 153, § 36; 1946, art. 144; 1937, art. 123; 1934, art. 114; 1891, art. 78), somente não constou da Constituição Imperial de 1824. Por outro lado, o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, no art. 265, parágrafo único, estabelece que se aplica ao processo de revisão o disposto nos incisos I e II do art. 191, integrante do Título VII – Das Garantias Constitucionais.
142 Cf. art. 10 do Pacto de São José da Costa Rica.
143 Pontes de Miranda conceituou a revisão como ação de direito constitucional (Tratado das ações, t. IV, p. 603). No mesmo sentido, José Frederico Marques: “Como ação penal destinada à tutela do direito de liberdade, a revisão criminal pro defensionis é, ao demais, direito e garantia individual decorrente da própria Constituição. Trata-se de corolário imediato da plenitude do direito de defesa, tão solenemente proclamada no art. 141, § 25, da Lei Maior” (Cf. Apontamentos sobre o processo criminal brasileiro, de Pimenta Bueno, p. 514). Em outra obra, Frederico Marques sintetiza: “A revisão é direito subjetivo do condenado, que se encontra previsto e tutelado na Constituição Federal” (Cf. Elementos ..., p. 328).
144 RT 584/352 – Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, Revisão n. 126.324-9, relator Juiz Adauto Suannes. O acórdão cuidou de questão relativa à reiteração de matéria já repelida na apelação, conhecendo do pedido. Na fundamentação, consignou o relator: “A deficiência com que é exercida, muita vez, a garantia constitucional da ampla defesa poderia explicar o fenômeno. O fato é que a reiteração na revisão de matéria própria de apelação ou mesmo (como no caso) a substituição da apelação (em relação à qual houve renúncia), pela instância revisional, sempre será uma oportunidade a mais para fazer-se justiça, em nome do amor da verdade real”.
145 Cf. FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoría del garantismo penal, pp. 851-852.
146 Como assinala Enrique Vescovi, “tradicionalmente, al menos en el sistema iberoamericano, se habla de recurso, como medio impugnativo. En realidad, aquél es sólo uno de los distintos medios, aunque el más importante. Como dice Devis Echandía, la impugnación es el género; el recurso, la especie” (Los recursos judiciales, p. 14).
147 Impugnação, segundo De Plácido e Silva, “do latim impugnatio, de impugnare (atacar, combater, contradizer), na prática forense quer exprimir todo ato de repulsa, de contestação, de contradita, praticado contra atos do adversário, ou parte contrária, pelos quais se procura anular ou desfazer suas alegações ou pretensões, ou impedir que promova ato processual, demonstrado ou julgado injusto. (...) Pode apresentar-se como contestação, contrariedade, exceções, como pode ser considerada sob a modalidade de recursos, que não passam estes de impugnações aos despachos ou decisões proferidas no processo” (Vocabulário jurídico, v. II, p. 801).
148 Tanto o vigente como o Código de Processo Penal de 1930. O atual Código italiano destina à impugnação um livro inteiro – o nono – dividido em quatro títulos: disposições gerais, apelo, recurso por cassação e revisão. Os autores, entretanto, concordam que a indicação não é taxativa, devido à existência de outros meios de impugnação.
149 Sobre impugnação penal consultar: MAURO, G.B. De. Le impugnazioni dei provvedimenti giudiziari nel sistema del codice di procedura penale; PROVINCIALI, Renzo. Delle impugnazioni in generale; DEL POZZO, Carlo Umberto. Le impugnazioni penali; CARNELUTTI, Francesco. Lecciones sobre el proceso penal; LEONE, Giovanni. Lineamenti di diritto processuale penale e Trattato di diritto processuale penale; PETRELLA, Generoso. Le impugnazione nel processo penale; RAMAJOLI, Sergio. Le impugnazioni penali; VESCOVI, Enrique. Los recursos judiciales.
150 DEL POZZO, Carlo Umberto. Le impugnazioni penali, parte generali, p. 63.
151 LEONE, Giovanni. Trattato di diritto processuale penale, p. 3.
152 Súmula 124 das Mesas de Processo Penal da Universidade de São Paulo: “Conceitua-se o recurso como meio voluntário de impugnação de decisões, utilizado antes da preclusão e na mesma relação jurídica processual, apto a propiciar ao recorrente resultado mais vantajoso, decorrente da reforma, da invalidação, do esclarecimento ou da integração da decisão”.
153 O habeas corpus e o mandado de segurança, garantias constitucionais da liberdade de locomoção e do direito líquido e certo, respectivamente (art. 5º, incisos LXVIII e LXIX, da Constituição Federal), podem ser impetrados antes mesmo de iniciado qualquer procedimento na esfera penal, durante a ação penal e após o trânsito em julgado da sentença.
154 O deferimento do pedido importa em correção dos critérios de fixação de pena (artigos 59 e 71 do Código Penal), como ficou exposto no Capítulo 6 deste trabalho (item relativo à execução penal). Assim, e.g., a configuração do crime continuado, não acolhida no processo de conhecimento, pode ser pleiteada na fase da execução, com consequente modificação da coisa julgada.
155 Cf. TORNAGHI, Helio. Curso de processo penal, v. 2, p. 309. Classificação semelhante foi proposta por José Carlos Barbosa Moreira para o processo civil: “Os meios de impugnação dividem-se, pois, em duas grandes classes: a dos recursos – assim chamados os que se podem exercitar dentro do processo em que surgiu a decisão impugnada – e o das ações impugnativas autônomas, cujo exercício, em regra, pressupõe a irrecorribilidade da decisão. No direito brasileiro, protótipo da segunda classe é a ação rescisória, eventualmente cabível para impugnar sentenças (de mérito) já transitadas em julgado” (Cf. O novo processo civil brasileiro, p. 133).
156 GRINOVER, Ada Pellegrini, GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. Recursos no processo penal, p. 30.
157 ABREU, Florêncio de. Comentários ao Código de Processo Penal, p. 426.
158 Preferimos não empregar o adjetivo extraordinário para designar este meio de impugnação de decisões, por duas razões: primeiro, porque pode sugerir a existência de um meio não previsto na lei, ou estranho à ordem jurídica (“extra-ordem”); depois, para não confundi-lo com o recurso extraordinário (art. 102, III, da Constituição Federal).
159 Nesse sentido, Delfino Siracusano, Andrea A. Dalia, Antonino Galati, Giovanni Tranchina e Enzo Zappalà: “La revisione è un mezzo di impugnazione straordinario, estensivo, non devolutivo e non sospensivo, mediante il quale è possibile rimuovere sentenze di condanna o decreti penali di condanna già irrevocabili, che, alla luce di emergenze conosciute successivamente al giudicato, appaiono frutto di ingiustizia” (Cf. Manuale di diritto processuale penale, p. 487).
160 Sobre habeas corpus ver: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. História e prática do “habeas corpus”; SABINO JÚNIOR, Vicente. O “habeas corpus” e a liberdade pessoal; TUCCI, Rogério Lauria. TUCCI, Rogério Lauria.“Habeas corpus”, ação e processo penal; CAMPOS, Antonio Macedo de. “Habeas corpus”: doutrina, prática, legislação.
161 Sobre o cabimento de mandado de segurança em sede penal, ver: TUCCI, Rogério Lauria. Do mandado de segurança contra ato jurisdicional penal; José Damião Pinheiro Machado Cogan, Mandado de segurança na justiça criminal e Ministério Público. São Paulo: Ed. Saraiva, 1992; Eduardo Appio. Mandado de segurança criminal. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 1995; e Heráclito Antônio Mossin. Mandado de segurança em matéria penal. São Paulo: Ed. Atlas, 1994.
162 Com o advento da Lei 9.268, de 01.04.1996, está vedada a conversão da multa em detenção. Assim, eventual abuso na cobrança da sanção pecuniária pode ser objeto de impetração de mandado de segurança.
163 Segundo relato de Milton Flaks, o leading case reformulatório do verbete n. 267 foi o acórdão de 5 de dezembro de 1973, relatado pelo Ministro Xavier de Albuquerque: “Esse entendimento, a partir daí, vem sendo invariavelmente mantido. Em aresto mais recente, teve o Pretório Excelso a oportunidade de reafirmá-lo, ao decidir que ‘não se pode transformar a ação de segurança num sucedâneo do recurso adequado previsto em lei, porquanto tal liberalidade subverte a ordem jurídico-processual’, mas se deve aceitá-la para ‘corrigir prejuízo manifesto e irreparável’, quando o recurso devolutivo se mostre inadequado para impedir que se concretize aquele dano real”. Em relação ao mandamus impetrado contra coisa julgada, assinala este autor que “enfrentou o STF, contudo, o problema de coarctar decisões teratológicas, no dizer de um ilustre ministro, capazes de produzir lesões imediatas e irreparáveis, mas insuscetíveis de recurso suspensivo ou correição, esta dotada, em regra, de eficácia liminar” (Cf. FLAKS, Milton. Mandado de segurança: pressupostos da impetração, pp. 182-183).
164 Em O mandado de segurança, conferência publicada na revista Estudos de Direito Público, São Paulo, v. IV (1985) e V (1986), pp. 45-68. A conclusão do autor é a seguinte: “De minha parte, posso hoje admitir plenamente o MS contra atos judiciais, mas apenas porque o passei a considerar como medida de natureza administrativa preordenada à tutela da liberdade diante do poder estatal. Como o seu fundamento não é a relação jurídica litigiosa, mas a liberdade individual, não o limitam nem a coisa julgada, nem a litispendência. E sabem os senhores que há vários casos em que foi concedida a segurança contra a coisa julgada. Isso explica, inclusive, porque o MS tem que ter fundamento constitucional. É porque, assim como o habeas corpus, é instrumento de tutela da liberdade diante do Estado” (p. 57).
165 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. Recursos no processo penal. p. 393. O Superior Tribunal de Justiça concedeu mandado de segurança “para emprestar efeito suspensivo a agravo que enfrenta decisão, onde se decreta prisão de depositário infiel” (RMS 4.761-0, em DJU de 08.05.1995, p. 12.302, rel. Min. Gilberto Gomes de Barros).
166 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro, pp. 452-453. O autor sustenta que “pode, inclusive, acontecer que, indireta e remotamente, o ato impugnável contenha ameaça de comprometimento da liberdade pessoal. Mesmo assim, há de verificar-se, em tal circunstância, a possibilidade de obstação dos respectivos efeitos, de pronto (imediata e diretamente – repetimos), pelo mandado de segurança; facultando-se, então, ao titular de direito público subjetivo prestes a ser violado, a utilização dessa espécie de writ para enfrentá-lo, de sorte a impedir sua consumação”. E apresenta os seguintes exemplos: “Assim, quando se tenha provido ao solucionamento de questões de direito material, não concernentes à liberdade física, propriamente, mas de outra índole (referentemente, e.g., aos bens que constituem instrumento ou produto, direto ou indireto, da infração penal; à hipoteca legal efetivada sobre bem imóvel pertencente ao infrator; ou, ainda, à apreensão de móvel ou semovente de propriedade de terceiro, estranho à relação concreta de direito penal versada nos autos do processo); ou quando se trate de questões relacionadas, estritamente, com o processo ou o procedimento em curso”.
167 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro, p. 77.
168 CARNELLUTTI, Francesco. Lecciones sobre el processo penal, v. IV, pp. 101 e ss.
169 Cf. Revisão Criminal 234.784/2 do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, rel. Sérgio Pitombo, j. 18.05.1994.
170 RT 717/401, 716/438, 711/312 e 324, 701/325, 698/325, 697/290 e 334, 671/330, 668/263, 610/338, 598/429; RJTJESP 139/303, 136/562, 134/484 e 486; RJDTACRIM-SP 20/235, 19/230 e 234, 18/196-198, 17/225, 16/215, 217 e 219.
171 RT 702/392, 699/350, 696/394, 663/298, 608/367, 603/413, 585/342.
172 RT 666/327, 591/400; RJDTACRIM-SP 13/213.
173 TACrim-SP, Revisões Criminais 220.708/4 e 234.784/2.
174 A palavra impetrante foi empregada com frequência nos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Federal no final do século passado e reproduzidos na obra de João Vieira de Araújo (ARAÚJO, João Vieira de. A revisão dos processos penaes, pp. 247, 250, 258).
175 Recognitio, onis, tem o sentido de rever ou examinar de novo, revista, inspeção; revista da causa já julgada (Cf. CRETELLA JR., José. Direito romano moderno. Rio de Janeiro: Forense, 1980).
176 AZEVEDO, Vicente de Paulo Vicente de. Curso de direito judiciário penal. São Paulo: Saraiva, 1958, v. 2, p. 346-347. Conquanto a ideia seja basicamente a mesma exposta nesta dissertação, outra foi a conclusão do referido jurista: “A revisão é, pois, um recurso, ou melhor, uma ação destinada a corrigir a decisão judicial penal de que já não mais caiba recurso ordinário. E, assim, o ter a sentença transitado em julgado constitui condição necessária para o exercício desse remédio salutar e reparador: um pressuposto, como se diz hoje na técnica processual”.
177 Código de Processo Penal, art. 627: “A absolvição implicará o restabelecimento de todos os direitos perdidos em virtude da condenação, devendo o tribunal, se for caso, impor a medida de segurança cabível”. Idêntica a redação do Código de Processo Penal Militar (art. 559). A Lei Federal 8.112/90, que instituiu o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, também prevê a restitutio in integrum: “Julgada procedente a revisão, será declarada sem efeito a penalidade aplicada, restabelecendo-se todos os direitos do servidor, exceto em relação à destituição de cargo em comissão, que será convertida em exoneração” (art. 182).
178 Cf. NUNES DA ROCHA, Ruy Albertino. Revisão criminal: seu conceito, características e fins. Revista Judiciária, v. 9, nº 35, p. 322.
179 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, t. IV, p. 46.
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Citação
MÉDICI, Sérgio de Oliveira. Revisão criminal. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Processo Penal. Marco Antonio Marques da Silva (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/452/edicao-1/revisao-criminal
Edições
Tomo Processo Penal, Edição 1,
Setembro de 2020