-
Audiência de custódia
-
Érica Marcelina Cruz
-
Tomo Processo Penal, Edição 1, Agosto de 2020
A liberdade, depois da vida, é o bem mais caro do indivíduo. Logo, não seria por outra razão, a preocupação maior dos legisladores em blindá-lo com todo cuidado quando, ainda que por autorização legal e judicial, estiver na iminência de ter sua liberdade cerceada ou efetivamente a for.
Ser livre, no Estado Democrático de Direito, consiste na possibilidade de poder fazer tudo o que a lei não proíbe. Contudo, assegurar o direito ao exercício da liberdade é algo mais intenso, que implica em reanálises múltiplas e contínuas, no tempo, do binômio liberdade versus prisão; toda vez que alguém tiver dela sendo privado, ainda que de forma, previamente, fundamentada.
Se assim o é, com muito mais razão, quando a privação do direito à liberdade acabou de ocorrer, por se encontrar, supostamente, de indivíduo preso em estado de flagrante delito. O “tomar o corpo” e levá-lo à presença da Autoridade Judicial competente é de tal forma imediato que antecede até a impetração de eventual habeas corpus. É neste âmbito que ingressamos na seara da audiência de custódia. Isto é, o indivíduo que recebera voz de prisão em flagrante por, supostamente, estar executando uma conduta tipificada em lei como crime, se tiver a voz de prisão ratificada pela Autoridade Policial competente e permanecer no cárcere, em virtude da impossibilidade de concessão, de plano, de medidas cautelares diversas da prisão (art. 319 do CPP), deverá ser, imediatamente, apresentado ao Juiz de Direito competente. Só após a apreciação pela Autoridade Judiciária é que a sua permanência no cárcere será legítima. Caso contrário, questões diversas surgirão, colocando em voga a regularidade da prisão cautelar em comento.
Desta feita, pode-se, desde logo, asseverar que a relevância da temática se dá, principalmente, em dois aspectos: pela possibilidade de mácula ao direito fundamental de maior magnitude (liberdade), bem como pela celeridade na prestação jurisdicional; a qual impõe um julgamento antecipado (imediato) sobre todo o caminhar do processo (e não sobre o mérito, obviamente, embora repercuta sobre a condução do processo até chegarmos a ele). Dizemos isto porque as implicações do acusado em responder a um processo preso cautelarmente são inúmeras (impõe-se a inclusão do processo em pauta de audiência com máxima prioridade; deve haver indicação, se o caso, da necessidade de produção de prova (v.g. oitiva de testemunha de fora da terra com expedição de carta precatória); deverão ser empregados todos os meios hábeis ao cumprimento de cartas precatórias, de forma mais célere (uso de tecnologia, remessa de carta precatória devidamente cumprida contendo as oitivas das vítimas e/ou testemunhas por arquivo anexado em e-mail, certificações pelos serventuários do juízo deprecante e do juízo deprecado do cumprimento); cogita-se de impetrações sucessivas de habeas corpus em superiores instâncias, resultando em contínuas informações a serem prestadas pelo juízo monocrático de origem; dentre outras providências processuais pertinentes quando se trata de processo cujo polo passivo é ocupado por réu preso cautelarmente).
É evidente, portanto, que o indivíduo preso em flagrante que teve, na audiência de custódia, sua prisão convertida em prisão preventiva, provavelmente, responderá ao processo-crime (se denunciado for futuramente) no cárcere. E com maior probabilidade, se condenado for, terá negado seu direito de recorrer em liberdade (já que com a sentença se exara um juízo de certeza no que tange à autoria e materialidade do crime).
Consequentemente, a prestação da tutela jurisdicional deve respeitar, a fortiori, o princípio da duração razoável do processo. Por certo, os parâmetros de razoabilidade nesta situação posta (processo com réu preso desde a conversão da prisão em flagrante em preventiva na audiência de custódia) serão distintos daqueles que nortearão o processo-crime, cujo polo passivo venha a ser ocupado por acusado em liberdade.
Se o indivíduo teve, desde o limiar, sua prisão preventiva decretada (conversão do flagrante em preventiva), os prazos processuais serão exíguos e a sua observância é intensificada. Logo, o princípio da duração razoável do processo incide com muito mais precisão e imposição nos processos de réus presos do que, obviamente, nos feitos envolvendo réus soltos.
É por tudo isto que a audiência de custódia é o estopim de condução do processo penal brasileiro na atualidade. A depender da decisão adotada na aludida audiência no que diz respeito à prisão ou liberdade do indivíduo, o processo terá novos ares em juízo, se o indiciado denunciado for futuramente.
1. Conceituação e terminologia
A audiência de custódia é ato de realização impositiva1 como expoente do devido processo legal que tem por escopo, primordialmente, concretizar o direito do indivíduo preso ser conduzido, com a maior brevidade possível, à presença do Juiz de Direito; o qual apreciará a legalidade, necessidade e adequação da prisão, bem como as circunstâncias que dela se extraiam, culminando com prolação de decisão fundamentada e determinações jurídicas e multidisciplinares pertinentes, de forma a assegurar os direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito e com implicações futuras na eventual ação penal a ser proposta.
“A audiência de custódia consiste, basicamente, no direito de todo cidadão preso ser conduzido, imediatamente, num curto lapso temporal, à presença de uma autoridade judicial competente que deverá, nessa ocasião, analisar a legalidade e necessidade da prisão, bem como averiguar as questões relativas a eventuais maus tratos/tortura. O ato de guardar e proteger está diretamente relacionado com essa condução a qual deve ser submetida o preso, sem demora. Em suma, o conceito dado à audiência de custódia está totalmente vinculado à sua finalidade. Através da audiência de custódia, o juiz experimenta, pessoalmente, o drama vivido por milhares de cidadãos presos, muitas vezes de forma arbitrária, ou desnecessariamente, proporcionando uma análise muito mais profunda da prisão, e, consequentemente, mais completa e mais justa”.2
Denomine-se o ato judicial em foco de “audiência de custódia” ou “audiência de apresentação”. Fato é que a sua finalidade reside em propiciar a análise, pelo Juiz de Direito, da legalidade da prisão cautelar, a necessidade de permanência do preso no cárcere e a preservação de sua integridade física e dos demais direitos não cerceados.
“Do ponto de vista terminológico, recentemente, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux preferiu usar a denominação “audiência de apresentação”. O termo pode parecer mais apropriado, no sentido de não indicar que a regra será a conversão da prisão em flagrante delito em “custódia”, isto é, em prisão. A liberdade, sempre, deve ser a regra, a prisão, a exceção”.3
A audiência de custódia ou de apresentação é vista também como meio de “controle efetivo de todos os atos” dos agentes públicos envolvidos e como forma de efetivação do contraditório.
“O objetivo maior da audiência é estabelecer a condução do preso à presença da autoridade judiciária, fisicamente, logo após a prisão em flagrante, sendo que o mero encaminhamento do auto de prisão em flagrante para a autoridade judicial não cumpre com a função dessa garantia. Ademais, a audiência de custódia efetiva o contraditório, a transparência e o controle efetivo de todos os atos, garantindo-se todos os envolvidos”.4
Contudo, o objetivo primeiro do Juiz de Direito é analisar o binômio liberdade versus prisão, sem prejuízo de incursão nas demais circunstâncias que possam denotar violação a outros direitos fundamentais. No entanto, o julgador deve adotar cautelas para não ser desviado da finalidade pela qual preside o ato judicial e acabar por incorrer em error in judicando por declaração inverídica do preso de imputação de abuso de autoridade aos agentes públicos; o que, sem prejuízo de outras consequências, acaba por inibir o desempenho da atividade policial no que tange ao ditame constitucional quanto à segurança pública (art. 144 da CF). Portanto, independentemente da terminologia, a audiência tem uma razão de ser e esta que não pode ser deturpada.
“Todavia, não me parece errado continuar a utilizar a expressão “audiência de custódia”, que já pode considerar consolidada pela doutrina. Isso porque, uma das acepções da palavra custódia é exatamente a de “proteção, guarda”, ou ser “conservado sob segurança e vigilância, como medida de preservação, prevenção ou proteção”. Na referida audiência, o juiz zela, cuida, protege a liberdade do indivíduo”.5
Seja audiência de apresentação, para os que preferem esta terminologia, ou audiência de custódia, a conclusão inegável é que tal providência se constitui em mais um mecanismo de consagração das liberdades públicas e concretização do acesso à justiça, desde logo, isto é, logo após o preso ter seu direito de liberdade cerceado.
Sobre a temática, cumpre trazer à baila os ensinamentos do renomado jurista Marco Antonio Marques da Silva:
“A partir da consagração das liberdades públicas com uma consequente imposição de limites ao agir do Estado, o processo passa a ser um instrumento posto formalmente nas mãos do cidadão para assegurá-lo na defesa de seus direitos quando esses fossem ameaçados ou efetivamente atingidos por atos, tanto do poder público, quanto de particulares. Passa desse modo de mera praxe a direito público subjetivo a recorrer ao poder jurisdicional, cuja função é exatamente assegurar a incolumidade da esfera de direitos garantidos para os cidadãos. (...) O acesso à justiça num Estado Democrático de Direito deve ser entendido como a possibilidade ofertada ao cidadão de obter uma prestação jurisdicional do Estado, sempre que houver essa necessidade para a preservação do seu direito; deve ser realizado de modo imparcial, rápido, eficiente e eficaz. Para ser imparcial deve advir de um magistrado independente, política, econômica e moralmente, e que essa independência seja garantida constitucionalmente. Deve ainda ser rápida, sob pena da demora da decisão constituir-se em um mecanismo de afastamento do cidadão na busca da preservação do seu direito. Deve também ser eficiente e eficaz; para ser eficiente deve ser adequada ao direito que se põe em julgamento; para ser eficaz, é necessário que o comando contido na decisão se cumpra com toda a sua força, em tempo também razoável. De nada adianta uma decisão rápida e adequada se ela não consegue atuar na realidade em tempo razoável”.6
Cabe afirmar que a realização da audiência de custódia prestigia a garantia dos direitos fundamentais (em especial a liberdade) na medida em que permite, desde logo, a liberdade do indivíduo encarcerado, provisoriamente, por meio de violações de direitos ou de forma arbitrária (v.g. flagrante forjado, confissão na fase inquisitiva extraída mediante tortura, preso que sofrera sevícias por conduta dos agentes públicos).
Se assim o é, o instituto fortalece a Democracia, que, segundo Gabriela Mistral,7 deve ser sempre elevada, compreendida e não pode ser relegada a uma fase embrionária, ao contrário, deve se exaltada, a fim de, dentre outras intempéries, fulminar “simulações de justiça”.
A condução adequada do ato judicial, a fundamentação pertinente sobre a permanência da prisão cautelar, desta feita na modalidade prisão preventiva, ou sobre a concessão da liberdade provisória ou de outras medidas cautelares (art. 319 do CPP) e a adoção de providências imediatas assistenciais ao suspeito de forma a concretizar os direitos fundamentais são medidas que traduzem o real significado da audiência de custódia (audiência de apresentação).
2. Dignidade da pessoa humana
O art. 1º, III, da Constituição da República Federativa do Brasil, estabelece como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana. Bastaria que o Estado, por meio de seus agentes, em situação de limite interpretativo, se norteasse pela dignidade da pessoa humana que todas as soluções, seja no âmbito administrativo ou processual, estariam dentro da órbita da legalidade e do viés da justiça. Contudo, não é isto o que acontece; razão pela qual a Constituição Republicana ainda foi exaustiva ao elencar os direitos e garantias fundamentais de modo a contribuir para, justamente, a concretização do princípio em foco.
Conforme a glosa do Professor Doutor Marco Antonio Marques da Silva:
“A dignidade da pessoa humana é o reconhecimento constitucional dos limites da esfera de intervenção do Estado na vida do cidadão e por essa razão os direitos fundamentais, no âmbito do poder do Estado, dela decorrem; determinando que a função judicial seja um fator relevante para conhecer-se o alcance real destes direitos. A dignidade decorre da própria natureza humana – o ser humano deve ser sempre tratado de modo diferenciado em face de sua natureza racional. O seu respeito não é uma concessão ao Estado, mas nasce da própria soberania popular, ligando-se à própria noção de Estado Democrático de Direito. Inexiste uma específica definição para a dignidade humana, porém, ela se manifesta em todas as pessoas, já que cada um, ao respeitar o outro, tem a visão do outro. A dignidade humana existe em todos os indivíduos e impõe o respeito mútuo entre as pessoas, no ato da comunicação, e que se opõe a uma interferência indevida na vida privada pelo Estado. Tais direitos são inerentes, porque conhecidos pelas pessoas, não podendo, portanto, o Estado desconhecê-los. A este cabe, ainda, criar condições favoráveis para sua integral realização. A dignidade humana está ligada a três premissas essenciais: a primeira refere-se ao homem, individualmente considerado, sua personalidade e os direitos a ela inerentes, chamados direitos da personalidade; a segunda, relacionada à inserção do homem na sociedade, atribuindo-lhe a condição de cidadão e seus desdobramentos; a terceira, ligada à questão econômica, reconhecendo a necessidade de promoção dos meios para a subsistência do indivíduo”.8
A problemática reside justamente em se descortinar, em cada caso posto a exame, qual solução jurídica dá concretude à dignidade da pessoa humana. Não é demasiado dizer que a afronta ao direito à liberdade, de forma prevista em lei, mas desmedida, fere o fundamento constitucional citado.
Conforme revela Fabio Espitia Garzón, todo suspeito que responda a um processo penal deve ser tratado com o devido respeito à sua dignidade inerente ao ser humano, com aplicação das normas internacionalmente reconhecidas sobre direitos humanos, sem que em nenhum caso exista violação daquela.
“A dignidade com sua necessária compreensão histórica é condição primeira para a existência de cidadãos em uma República. A historicidade do conceito é seu elemento fundamental: dignidade é um conjunto de condições sociais, econômicas, culturais e políticas que permitem que cada pessoa possa exercer seus direitos com liberdade e esclarecimento consciente, em meio a um ambiente de respeito e efetividade dos direitos individuais, sociais, políticos e econômicos de todos e cada uma das pessoas. (...) Um mundo onde a pessoa seja vista sempre como pessoa, em toda sua complexidade e singularidade, sejam quais forem suas identificações ou identidades este é o mundo onde a paz e a justiça serão possíveis e logo onde a dignidade será uma exigência. Se vemos no outro um igual, seja qual for sua identificação coletiva, se vemos no outro uma pessoa, a indignidade não será mais tolerada”.9
Pode-se dizer, desde logo, que, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana, mesmo sem indicação específica na Constituição Federal, a audiência de custódia é de execução obrigatória. Até porque a Constituição é escrita na folha de papel em branco, mas a margem de preenchimento continua quando ingressamos na “Constituição jurídica” porque seu significado é desenhado por quem o próprio texto concedeu poder para interpretá-la: os Juízes.
“Mas que relação existe com o que vulgarmente chamamos de Constituição: com a Constituição jurídica? Não é difícil compreender a relação que ambos os conceitos guardam entre si. Juntam-se esses fatores reais do poder, escrevemo-los em uma folha de papel, dá-se-lhes expressão escrita e, a partir desse momento, incorporados a um papel, não são simples fatores reais de poder, mas sim verdadeiro direito, nas instituições jurídicas, e quem atentar contra eles atenta contra a lei, por conseguinte é punido.”10
“O mundo vem lutando para que a dignidade humana se realize por completo, tornando-se um autêntico paradigma ético; os direitos nela inseridos constituem hoje um dos mais importantes instrumentos de nossa civilização, visando assegurar um convívio social digno, justo e pacífico”.11
Por tudo isto, concluímos que, quando o Juiz de Direito, na audiência de custódia, analisa o fato e emprega fundamentação jurídica de acordo com a gravidade em concreto da conduta do agente para converter a prisão em flagrante em preventiva ou, ainda, adota medidas assistenciais ao preso (tais como: encaminhamento para tratamento em órgãos públicos de preservação do direito à saúde, v.g., CAPS; determinação para realização de exame de corpo de delito ad cautelam) está atuando nos estritos termos da lei (com observância à finalidade do ato judicial: audiência de custódia), mas mais do que isto: está dando concretude ao princípio da dignidade da pessoa humana.
3. Descentralização das normas
Curioso é dizer que, ao mesmo tempo em que o direito penal e o direito processual penal são regidos pelo princípio da legalidade estrita, não existe nenhuma norma no ordenamento jurídico brasileiro (ao menos em termos de legislação constitucional e infraconstitucional (lei federal)) (nem na CF, CP ou CPP), em que se possa encontrar, expressamente, a previsão da obrigatoriedade da realização da audiência de custódia. Mesmo assim, como dito, a execução de tal ato procedimental é impositiva.
“Um dos aspectos mais relevantes dessa idéia é a sujeição do Estado ao império da lei, mas da lei que realize os princípios da igualdade e da dignidade, ou seja, um regime jurídico de legalidade qualificada pelo reconhecimento das garantias e direitos individuais. Estado Democrático de Direito, pelo seu sentido crítico, não se satisfaz com uma pura e simples interpretação a partir de uma norma, como uma verdade universal e perene, distante da realidade onde deve intervir. Através dessa percepção, temos que o Direito não pode ser visto como um mero conjunto de normas, dissociado do compromisso com a realidade política e social do país, o que o tornaria um Estado meramente legalista, minoração que não deve ser aceita. Os princípios que norteiam os direitos e garantias, numa democracia, são as linhas mestras que estabelecem os limites de atuação do Estado na sociedade contemporânea”.12
De outra banda, é certo que a audiência de custódia tem previsão no art. 7.5 da Convenção Americana de Direitos Humanos. E não é menos certo que tal dispositivo vale por si só para impor a obrigatoriedade de observância ao instituto na seara jurídico-penal brasileira. Isto não apenas pelo que dispõe o art. 5º, § 2º e § 3º da CF, mas sim porque, hodiernamente, se pode afirmar que, em se tratando de direitos e garantias fundamentais, existe uma ordem jurídica uniforme regente e que alcança todos os territórios ditos soberanos, sem, é claro, que isto se configure em violação da soberania. Fala-se na existência de um sistema normativo universal único em matéria de direitos fundamentais (direitos humanos).
“Todo Direito positivo, a ordem jurídica internacional, assim como todas as ordens jurídicas nacionais, como um sistema jurídico internacional. Dentro desse sistema, as normas do chamado Direito internacional geral são as normas centrais, válidas para um território que compreende os territórios de todos os Estados efetivamente existentes, e o território em que os Estados podem potencialmente existir. As ordens jurídicas dos Estados são normas locais desse sistema. Enquanto o território do Estado, a esfera territorial de validade de uma ordem jurídica nacional, é limitada por dispositivos do Direito internacional, a esfera territorial de validade da ordem jurídica internacional não é juridicamente limitada. O direito internacional é válido onde quer que as suas normas devam ser aplicadas”.15
Ocorre que, além da realização formal do ato (instalar a audiência de custódia), a transformação da realidade do indivíduo e a indicação do norte do processo-crime são consequências diretas da decisão proferida neste primeiro momento de contato entre o suspeito da prática de um delito e o Magistrado.
É fato inconteste que a soltura de um indivíduo detido em flagrante, após sacramentada a voz de prisão desta natureza pela Autoridade Policial, que não cometeu a conduta tipificada como crime pelo ordenamento jurídico, é providência imediata que deve ser adotada pela Autoridade Judiciária. É justamente a audiência de custódia que possibilita, ao Estado-juiz, o contato, em um estágio inicial, com o indiciado suspeito da prática de conduta ilícita e espraia, desde logo, a concretização do espírito de justiça. Isto porque, no exemplo citado, se não há indícios de que o indivíduo tenha cometido o delito, ou seja, se sua conduta não tipifica crime, sua prisão provisória não pode subsistir. Tal providência prestigia os valores de “verdade e justiça”.
“Se podemos alegar valores universais, tais como a verdade, a justiça, a beleza, que todos evocam, e que ninguém recusa, esse acordo só subsiste enquanto se fica nas generalidades. Assim que se tenta passar desse acordo, in abstracto, para casos de aplicação concreta, as controvérsias surgem mais tardar. Não é, de fato, porque se respeita e se admira a verdade, a justiça e a beleza, que se estará necessariamente de acordo sobre o que deve ser qualificado de verdadeiro, de justo e de belo. Assim também, poderia realizar-se um acordo sobre as normas gerais, apresentadas como absolutas e universalmente válidas, tidas como “é preciso fazer o bem e evitar o mal”, “não se deve fazer ninguém sofrer sem necessidade”, “é preciso sempre procurar o bem maior do maior número”, “cumpre que a máxima de nossa ação possa sempre servir ao mesmo tempo como regra de uma legislação universal”.16
O Professor Doutor e Livre-Docente Marco Antonio Marques da Silva se aprofunda no exame do tema para, de forma absolutamente inquestionável, sedimentar que, principalmente na esfera penal, devem ser evitados “raciocínios lógico-dedutivos” e uma interpretação meramente formal. Entendemos, de acordo com os ensinamentos do reconhecido jurista, que a audiência de custódia, já que propicia ao julgador um exame do fato relacionado às circunstâncias da prisão, das condições existenciais do indivíduo suspeito da prática do crime, de modo a rechaçar preconceitos, inibe a construção dos ditos raciocínios lógico-dedutivos e a interpretação meramente formal. O raciocínio lógico-dedutivo seria automatizar, no sentido de que, se houve estado de crepitação (flagrante – flagrare; o que está em chamas, crepitando, ocorrendo, acontecendo ou acabara de ocorrer), deverá culminar na decretação da prisão preventiva. Ora, devem ser repelidos, com uma fundamentação exaustiva, ao menos no tocante à situação prisional posta, raciocínios como o explanado, pois não necessariamente o cárcere provisório deve perdurar sem que haja a necessidade e o risco à ordem pública, visto que a prisão é exceção. Desta feita, podem existir outros elementos, extraídos da execução da audiência de custódia, que propiciem ao indivíduo obter a liberdade, ainda que vigiada, ou seja, a chamada liberdade provisória (condicionada às limitações que lhe forem impostas pelo juiz, como, por exemplo, a obrigatoriedade de comparecimento periódico em juízo para justificar suas atividades ou outra medida cautelar prevista no art. 319 do Código de Processo Penal).
Sobre a quaestio iuris suscitada, é mister conferir os ensinamentos do ilustre jurista Marco Antonio Marques da Silva:
“A criação de mecanismos formais e a de atualização legislativa podem evitar que as pessoas carreguem o peso de uma pendência judicial, por tempo indefinido ou indeterminado, como ocorre na atualidade no direito brasileiro, causando, muitas vezes, danos irreparáveis à dignidade humana do cidadão. (...) Faz-se necessária a fundamentação das decisões e sentenças, como exigência também indisponível, do direito processual brasileiro, evitando-se os raciocínios lógico-dedutivos que partam de um a priori deduzido da mera interpretação formal”.17
Frise-se que macula o valor justiça obrigar que o indivíduo preso em flagrante responda ao processo no cárcere provisório sem a existência de uma decisão exaustivamente fundamentada na situação fática e nos ditames da lei processual penal.
“Como se deve conceber o ideal de um juiz justo? Qual o seu papel na administração da justiça? Um juiz não é um espectador objetivo e desinteressado, cujo julgamento seria justo porque, descrevendo fielmente o que vê, se amoldaria a uma realidade exterior dada. Com efeito, ele não pode contentar-se em deixar os próprios fatos falarem: deve tomar posição a respeito deles. O juiz justo será imparcial: não tem vinculação com nenhum daqueles que lhe submetem seu ponto de vista, aplicará a todos as regras jurídicas prescritas pelo sistema de direito a que pertencem os indivíduos sujeitos à jurisdição. O juiz não é um mero espectador, pois tem uma missão, que é a de dizer o direito: com suas decisões, deve fazer que se respeitem as normas da comunidade”.18
Não se descura, ainda, que o juiz presidente da audiência de custódia, embora não seja o julgador que irá apreciar o mérito ao final em sentença (ao menos é este o modelo vigente, hodiernamente, no processo penal brasileiro), não pode e não deve se desatentar para o que o Professor Doutor Marco Antonio Marques da Silva denomina como “agir justo”. Isto implica em dizer que a audiência de custódia não pode ser conduzida como meio de coação, ainda que moralmente, para o preso falar o que não pretende sobre o mérito da causa ou, no caso de concurso de agentes e associação criminosa, delatar seus comparsas. Enfim, o preso não pode ser compelido a responder questionamentos umbilicalmente pertinentes à futura defesa, se processo-crime sobrevier com eventual recebimento da denúncia (ou queixa-crime, se se tratar de ação penal genuinamente privada ou ação penal privada subsidiária da pública; estas em menor escala).
Ressalte-se, desde logo, que não estamos afirmando que ao Juiz de Direito estará vedado perguntar sobre o fato tipificado como crime. Não é isto. Na verdade, o juiz poderá e deverá enveredar por este caminho, mas desde que tais questionamentos estejam relacionados à possibilidade de análise e, se o caso, concessão de liberdade provisória ou outra medida cautelar (art. 319 do Código de Processo Penal) em prol do encarcerado. Em resumo, o juiz poderá incutir sobre a conduta criminosa imputada ao preso se os questionamentos neste sentido forem imprescindíveis para a análise mais adequada (o agir justo) para prolação da decisão sobre o binômio liberdade/prisão cautelar.
“Devemos ter a consciência de que o “agir justo” é procurar o bem de todos os seres humanos, fundamento da solidariedade que deve pautar a vida comunitária. Trata-se, pois, de elemento essencial à igualdade e respeito, que tornam possível a convivência”.19
Portanto, o “agir justo” pauta a conduta de todos os seres humanos e, com muito mais razão, a daquele que representa o Estado-juiz e deve analisar os fatos de acordo com as normas infraconstitucionais, mas também espraiado em princípios de uma ordem mundial uniforme; tais como o da dignidade da pessoa humana, da duração razoável do processo, do devido processo legal, em especial em sua vertente material (decisão justa).
4. Interligação de dispositivos constitucionais
Acontece que não se fala mais em processo penal de forma a aplicar a pena a alguém que cometeu um delito. O processo penal é instrumento de garantia. Tal assertiva quer significar, dentre outras finalidades, o processo com o objetivo de assegurar ao acusado as garantias constitucionais. É por isto que se costuma dizer que nenhum ramo do direito, hoje, persiste sem uma prévia interpretação constitucional. Em outras palavras: o processo penal é constitucional. Só por meio dele a aplicação da pena se faz legítima. Isto se dá porque somente a Constituição aplicada legitima um ordenamento jurídico democrático.
“Toda constituição é feita para ser aplicada. Nasce com o destino de reger a vida de uma nação, construir uma nova ordem jurídica, informar e inspirar um determinado regime político-social. (....) Infelizmente se é difícil fazer uma Constituição, mais difícil ainda é pô-la em movimento e fazê-la funcionar; mas isto é um imperativo inderrogável, a menos que se refaça ou se modifique o edifício constitucional. (...) Não é admissível que uma Constituição permaneça parcialmente desaplicada e se prolongue um vácuo e uma fase de incerteza do Direito. Não basta, com efeito, ter uma constituição promulgada e formalmente vigente; impende atuá-la, completando-lhe a eficácia, para que seja totalmente cumprida; pois “uma é a Constituição vigente, solenemente promulgada; outra é a Constituição eficaz, isto é, desde logo aplicável, exigível, com força obrigatória; outra, afinal, a Constituição aplicada, efetivamente cumprida, em nossa vida política, administrativa, econômica e social”.20
Por isto a liberdade do indivíduo somente pode ser legitimamente cerceada pelo Estado quando do devido processo legal. Não sem razão dispõe o art. 5º, LIV, da Constituição Federal: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. A audiência de custódia é ato procedimental inerente ao devido processo legal, sob este enfoque, em sua vertente formal.
“A Magna Carta, de 1215, dispunha, em seu art. 39, que “nenhum homem livre será detido ou sujeito à prisão, ou privado dos seus bens, ou colocado fora da lei ou exilado, ou de qualquer modo molestado, e nós não procederemos ou mandaremos proceder contra ele, se não mediante um julgamento regular pelos seus pares e de harmonia com a lei do país”. Em sua origem histórica, a ideia de devido processo (due process) está associada à proteção da liberdade e, dessa forma, à noção de legalidade. Qualquer restrição à liberdade – assim entendida como esfera pessoal de liberdade que compreende a propriedade – somente pode ser realizada mediante processo e julgamento previamente definidos em lei.”21
Prossegue, o Constituinte, no art. 5º, LXI, da CF quando prevê que: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.
“O dispositivo examinado, portanto, integra a tradição constitucional do direito brasileiro de exigir a reserva de jurisdição para a decretação de prisão, com exceção do flagrante delito e das infrações militares”.22
Pode-se dizer que a reserva de jurisdição foi ampliada com a audiência de custódia, uma vez que a limitação temporal exígua do fundamento da prisão em flagrante revela a intensificação do papel do juiz de garantias no processo penal.
“A Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU, de 1948, contém dispositivo bastante genérico, no artigo IX: “Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado”. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969, aprovada em São José da Costa Rica e promulgada no Brasil pelo Decreto n. 678, de 6/11/1992, apesar de não conter dispositivo idêntico ao examinado, reforça a garantia constitucional prevista no direito interno, ao estabelecer, no artigo 2º, que “ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas constituições políticas dos Estados-Partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas” e, no artigo 3º, que “ninguém pode ser submetido à detenção ou encarceramento arbitrários”. O conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão (Resolução n. 43/173, da ONU, de 9/12/88) contemplou a necessidade de ordem escrita de uma autoridade para a manutenção da prisão, no princípio 37: “A pessoa detida pela prática de uma infração penal deve ser apresentada logo após a sua captura a uma autoridade judiciária ou outra autoridade prevista em lei. Essa autoridade decidirá sem demora acerca da legalidade e necessidade da detenção. Ninguém pode ser mantido em detenção aguardando a abertura de instrução ou julgamento salvo por ordem escrita da referida autoridade. A pessoa detida, quando apresentada a essa autoridade, tem o direito de fazer uma declaração sobre a forma como foi tratada durante sua detenção”. Note-se que esse documento internacional referiu-se, apenas, à autoridade sem designar qual, pois em alguns países a prisão pode ser decretada pelo Ministério Público, em alguns casos excepcionais. A Constituição portuguesa contempla tratamento similar ao brasileiro. O artigo 27.2 cuida da prisão em virtude de sentença judicial condenatória, como regra, mas contempla, no item e artigo seguintes, as exceções da prisão preventiva em flagrante, da prisão disciplinar imposta a militares, da detenção por decisão judicial decorrente de desobediência à ordem judicial ou não comparecimento perante autoridade judicial competente e da prisão preventiva sem culpa formada. A diferença entre os sistemas brasileiro e português, no tema ora comentado, é que, em Portugal, o Ministério Público é considerado autoridade judiciária e, portanto, pode decretar a detenção para assegurar o comparecimento do arguido a sua presença. A Constituição italiana prevê a inviolabilidade da liberdade pessoal no artigo 13, admitindo sua restrição por determinação da autoridade judiciária e, em casos excepcionais de necessidade e urgência, da autoridade de segurança pública, que deve comunicar àquela autoridade em 48 horas, sob pena de revogação da medida. Dando seguimento à norma constitucional, o Código italiano prevê duas modalidades de privação da liberdade sem ordem judicial, mas que devem ser submetidas ao crivo jurisdicional em 48 horas; uma em estado de flagrância e outra sem esse estado, mas havendo perigo de fuga, e em hipóteses de crimes graves especificados pela lei. A Constituição espanhola consagra a liberdade pessoal no artigo 17, prevendo que o preso deve ser submetido à autoridade judicial no prazo de 72 horas”23.
Na mesma toada, o art. 5º, LXII, da CF versa sobre o dever de comunicação da prisão ao juiz competente, in verbis: “a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada”.
A imediatidade da comunicação, principalmente considerando o disposto no art. 306 do Código de Processo Penal Brasileiro pode ser entendida como a comunicação em 24 horas. Como se percebe, o dispositivo constitucional não prevê a apresentação do preso ao Juiz de Direito. No entanto, mesmo antes da implementação da audiência de custódia, já se entendia que a falta de previsão no ordenamento interno não vedava a adoção de tal providência, qual seja, apresentação do preso ao Juiz togado.
Cumpre assentar que o dever de comunicação da prisão ao juiz não é inovação da Constituição Federal de 1988, visto que a Constituição do Império em seu art. 179 e a Carta de 1967 em seu art. 153 apresentavam disposições no mesmo viés. Contudo, a alteração consiste em intensificação deste direito do preso, que passa a ser previsto no início da Lei Maior (art. 5º) e ainda, atualmente, com uma releitura. Isto porque não é apenas a comunicação da prisão que deverá ser levada ao juiz, mas também o preso na presença daquele para realização da audiência de custódia.
“A notícia da prisão, obviamente, é elemento de fundamental importância para que providências possam ser tomadas a respeito, no sentido de desfazê-la; em caso contrário, além do cerceamento à liberdade também acresceria, ao preso dificuldades para o exercício do direito de defesa e, até mesmo, de assistência pessoal. A Constituição de 1824 também dispunha sobre a obrigatoriedade de comunicação da prisão ao juiz competente, embora não se referisse à família ou pessoa indicada pelo preso (art. 179, n. 8). O Texto de 1967 não cuidava de comunicação à família do preso, ou à pessoa por este indicada, o que é inovação e - salutar – do texto atual; mas determinava a comunicação à autoridade competente (art. 153, 12) tanto em caso de prisão como de detenção”.24
É a correlação entre as normas constitucionais que permite concluir que a ausência específica de previsão da audiência de custódia ainda no Código de Processo Penal não reduz a regularidade procedimental com a simples comunicação da prisão do suspeito ao Juiz de Direito.
“O ordenamento constitucional brasileiro não esgota toda a disciplina do dever de comunicação. Importa em salutar inovação consiste na norma do artigo 7º, n. 5, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que determina a apresentação do preso, sem demora, à presença do juiz. A falta de previsão neste sentido em norma de direito interno não é óbice para a plena aplicabilidade da medida.”25
Entretanto, já se decidiu que a ausência26 de audiência de custódia não se traduz em nulidade processual se a prisão preventiva foi posteriormente decretada em decisão devidamente motivada na gravidade em concreto da conduta e, em especial, de acordo com as hipóteses previstas no art. 312 do Código de Processo Penal.
Por outro lado, quando o Juiz de Direito, na audiência de custódia, relaxa a prisão em flagrante, por ausência de materialidade diante da não apreensão de nenhuma substância entorpecente, quando se suspeita da prática do crime previsto no art. 33 da Lei 11.343/2006, nada mais estará fazendo do que aplicar o disposto no art. 5º, LXV, da CF, visto que “a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”.
“Há uma diferença fundamental entre o relaxamento da prisão e a liberdade provisória, com ou sem fiança. Aquela ocorre quando a prisão é ilegal por não reunir as formalidades necessárias ou por não se inserir nas hipóteses autorizadoras. Na liberdade provisória, a prisão é legal, apenas a lei não considera necessária a sua manutenção na forma da lei ordinária. (...) Trata-se de medida que pode ser tomada de ofício pelo juiz competente, não sendo necessário qualquer requerimento. Não se trata, porém, de habeas corpus de ofício, porque, com a comunicação, passa a ser o juiz o responsável pela prisão e, assim, haveria confusão entre a autoridade coatora e a autoridade concedente do remédio constitucional. Lembremo-nos de que a autorização constitucional para que a autoridade policial ou qualquer do povo prenda alguém em flagrante é excepcional e que o ato de tal prisão, para ser convalidado, deve ser submetido imediatamente à autoridade judiciária, que, com a comunicação, assume a responsabilidade por ela”.27
Logo, tecnicamente, se a defesa pretende a liberdade do indivíduo, após a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva pelo juiz presidente da audiência de custódia, em regra, correto será formular pedido de revogação da citada prisão cautelar ou concessão das medidas cautelares previstas no art. 319 do Código de Processo Penal. Exceção será a hipótese de relaxamento de prisão, uma vez que a legalidade já foi analisada pelo juiz presidente da audiência de custódia; o que resultou na conversão do flagrante em preventiva.
Já no art. 5º, LXVI, da CF temos a regra da subsidiariedade da prisão, ou seja, no Estado Democrático de Direito, a liberdade é regra e a prisão, exceção. É por isto que em citado dispositivo está assegurado que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança.”
“O dispositivo vai além de exigir uma razão suficiente para a restrição da liberdade física. Ele exige também a permanência desta razão, ao ponto de determinar a substituição da medida constritiva da liberdade sempre que a lei permitir a concessão da liberdade provisória, com ou sem fiança. Por sua excepcionalidade, a prisão, para vingar, para ser legítima, deve preencher os requisitos legais, dentre os quais a necessidade, a adequação e a proporcionalidade. Além disso, carece de adequada fundamentação. Caso contrário, será inócua para constranger a liberdade individual”.28
Desde logo, ou seja, desde a prisão em flagrante (isto é, nas 24 horas, em regra, de sua duração) até logo após a audiência de custódia e durante todo o processo-crime caberá, ainda, a impetração do remédio constitucional liberatório, ou seja, a propositura da ação constitucional de habeas corpus. Assim, se o Delegado de Polícia efetuou a prisão em flagrante, por exemplo, em hipótese em que não se tratava daquelas previstas no art. 302 do Código de Processo Penal ou se a conduta não estivesse tipificada como crime, caberá a apresentação de simples petição, desde logo, ao juízo da audiência de custódia, com pedido de relaxamento da prisão ilegal ou concessão de liberdade provisória ou, ainda, impetração de habeas corpus. Da mesma forma, se o juiz presidente da audiência de custódia converteu a prisão em flagrante em prisão preventiva, única e exclusivamente com base em fundamentação consistente em se tratar de preso reincidente (quando, na verdade, a folha de antecedentes continha realmente anotação, contudo, não referente à condenação anterior com trânsito em julgado), antes mesmo da remessa do expediente ao juiz natural competente (Juiz de Direito de Vara Criminal em cujo território o delito ocorreu, de acordo com as regras de competência previstas no art. 69 e seguintes do Código de Processo Penal) para examinar a lide, à parte caberá a impetração de habeas corpus diretamente ao Tribunal (Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais, a depender da competência estadual ou federal, respectivamente).
Neste sentido, cumpre citar o disposto no art. 5º, LXVIII, da CF com a seguinte redação: “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.”
“Considerado o great writ of liberty, o habeas corpus consiste na mais importante garantia constitucional ao ius libertatis. Não obstante a ação autônoma de tutela da liberdade remontar à experiência inglesa do século XIII, consolidada, após, em todo o mundo ocidental com a Revolução Francesa e a Independência dos Estados Unidos da América, foram as configurações socioestatais regressivas do nazi-fascismo da primeira metade do século XX que levaram as Constituições surgidas ao término da Segunda Grande Guerra – especialmente a alemã e a italiana - a inscreverem em seus textos uma série de garantias voltadas à proteção, dentre outros direitos, das liberdades individuais. (...) O writ constitucional do habeas corpus é remédio destinado à proteção do direito à liberdade de locomoção, como, aliás, revela sua origem etimológica: do latim, habeo/habere significa exibir ou trazer e corpus/corporis significa corpo. Plenamente justificada, portanto, a expressão, visto que, historicamente, o efeito direto da ação consistia na apresentação do corpo (sujeito detido) ao julgador para o exame da regularidade da prisão”.29
Por fim, entendemos que, no sistema constitucional, a interligação de normas fundamenta a obrigatoriedade da audiência de custódia no processo penal brasileiro como um caminho sem volta, ou seja, a impossibilidade de supressão desta garantia processual do indivíduo suspeito da prática de um crime reside também nos seguintes dispositivos constitucionais: art. 5º, § 1º “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”; § 2º “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”; § 3º “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional 45, de 2004) (Atos aprovados na forma deste parágrafo)”.
O Supremo Tribunal Federal já se posicionou sobre a íntima relação entre o remédio de habeas corpus e o ato processual da audiência de custódia, bem como sobre a incidência dos tratados30 de direitos humanos em matéria de garantias processuais, principalmente sobre o alcance da norma que prevê a realização da audiência de custódia e, nesta toada, estatuiu que “o artigo 7º, item 5, da Convenção Americana de Direitos Humanos, ao dispor que “toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz”, sustou os efeitos de toda a legislação ordinária conflitante com esse preceito convencional. Isso se deve ao caráter supralegal que os tratados sobre direitos humanos possuem no ordenamento jurídico brasileiro, como ficou assentado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 349.703, relator para acórdão o Ministro Gilmar Mendes, Pleno, DJe de 5.6.2009: tratados e convenções internacionais com conteúdo de direitos humanos, uma vez ratificados e internalizados, ao mesmo passo em que criam diretamente direitos para os indivíduos, operam a supressão de efeitos de outros atos estatais infraconstitucionais que se contrapõem à sua plena efetivação. Esse é o escólio de Konrad Hesse,31 em comentários ao art. 25 da Constituição Federal Alemã:
“A essas regras, o artigo 25 da Lei Fundamental dá primazia sobre as leis e, com isso, também sobre as normas jurídicas de hierarquia inferior, de modo que elas prevalecem sobre cada norma jurídica estatal que fica atrás delas ou as contradiz, não, ao contrário, sobre a própria Constituição, na qual assenta aquela validez intraestatal como direito federal e que não conhece direito federal que está, em hierarquia, sobre ela. As regras gerais de Direito Internacional Público tornaram-se, com isso, em virtude do Direito Constitucional, obrigatórias diretamente para o poder legislativo, executivo e judiciário. Na medida em que elas, como regras de Direito Internacional Público, fundamentam direitos e deveres para o particular, criam elas também direitos e deveres diretamente para os habitantes do território federal. Nessa proporção, o artigo 25 da Lei Fundamental garante a concordância entre a ordem jurídica de Direito Internacional Público e intra-estatal, uma garantia na qual se manifesta claramente a ‘amabilidade para o Direito Internacional Público’ da Lei Fundamental.”
Destarte, também o item 5 do art. 7º da referida convenção deve ser tido por norma supralegal, sendo imperioso passar em revista a legislação ordinária à luz do seu conteúdo normativo. Para tanto, cumpre observar, primeiramente, que a garantia trazida pelo art. 7º, item 5, da Convenção Americana de Direitos Humanos não é uma inovação; muito pelo contrário, suas origens remontam à Magna Carta, documento basilar de garantia dos direitos do homem, que no dia 15 de junho deste ano de 2015 completou 800 anos. Embora alguns autores apontem semelhanças do habeas corpus com outros institutos do direito romano ou germânico anterior, a gênese do remédio heroico, tal como hoje o conhecemos, encontra-se na Magna Carta, cujos arts. 39 e 40 assim dispunham:
“Art. 39. Nenhum homem livre será apreendido ou preso, ou despojado dos seus direitos ou bens, ou banido ou exilado, ou privado de seu status de qualquer forma, tampouco usaremos força contra ele, nem ordenaremos que outros o façam, exceto por meio de um julgamento legítimo por parte de seus pares ou em virtude da lei do país.
Art. 40. Para ninguém venderemos, negaremos ou atrasaremos um direito ou a justiça.”
As normas colacionadas acima representaram verdadeira revolução na tutela da liberdade individual, na medida em que atribuíram aos tribunais ingleses pela primeira vez o poder de efetuar o controle de legalidade das prisões.32 A fim de realizar adequadamente tal controle, os juízes ingleses passaram a proferir o writ (ordem) de habeas corpus ad subjiciendum, que consistia na ordem de apresentação do preso ao Juiz, para que este, então, decidisse sobre a legalidade da prisão, à vista do homem e do caso. A essência do habeas corpus, portanto, está justamente no contato direto do Juiz com o preso, para que o julgador possa, assim, saber do próprio detido a razão pela qual foi preso e em que condições se encontra encarcerado. Não é por acaso, portanto, que o Código de Processo Penal brasileiro consagra regra de pouco uso na prática forense, mas ainda assim fundamental, no seu art. 656, segundo o qual “recebida a petição de habeas corpus, o juiz, se julgar necessário, e estiver preso o paciente, mandará que este lhe seja imediatamente apresentado em dia e hora que designar”. De todos os dispositivos processuais que regulamentam o habeas corpus, talvez este seja o único que em hipótese alguma poderia faltar, eis que dá o nome ao instituto e encerra o seu elemento mais essencial. Nesse sentido, colaciono a lição de Aury Lopes Júnior:33 “[q]uando o habeas corpus é de competência dos juízes de primeiro grau, o procedimento está previsto no art. 656. A apresentação imediata do preso ao juiz é uma medida salutar, além de, como lembra Pontes de Miranda, relacionar-se com o próprio nome da ação, que iniciava pela fórmula ‘trazer o corpo’. Deveria ser uma regra para o writ que tramita em primeiro grau”. É clara, por conseguinte, a imbricação da audiência de custódia com o remédio constitucional do habeas corpus, uma vez que ambos são instrumentos voltados para a imediatidade no processo penal, especificamente no seu momento mais crítico, em que a liberdade do indivíduo é cerceada. Destarte, há que se perscrutar no que a vetusta disciplina legal do habeas corpus precisa ser reinterpretada após a internalização na ordem jurídica brasileira da Convenção Americana de Direitos Humanos. Nessa toada, uma primeira constatação parece inarredável: se é direito subjetivo do preso ser apresentado ao Juiz sem demora, também é evidente que nessa ocasião o preso poderá pedir a sua liberdade, como lhe assiste o art. 5º, XXXIV, “a”, da Constituição Federal (direito de petição). Esse pedido de liberdade nada mais é do que um pedido de habeas corpus, nos termos do art. 5º, LXVIII, da Constituição Federal, verbis: “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. Se, contudo, o próprio preso não fizer esse pedido, seu defensor, por dever de ofício, deverá pedir a sua liberdade. Se nem o defensor pedir a liberdade do detido, ainda poderá o Ministério Público pedi-la. Em último caso, mesmo que ninguém peça a liberdade do preso, ainda deverá o Juiz, constatando ilegalidade, soltá-lo de ofício, ou seja: conceder habeas corpus ex officio. Em outras palavras, o direito convencional a uma audiência de custódia deflagra o procedimento legal de habeas corpus perante a Autoridade Judicial. Tem-se aqui terreno fértil para o reconhecimento da dimensão objetiva dos direitos fundamentais, no que têm destaque os chamados de “direitos a organização e procedimento”, os quais, segundo pontua Robert Alexy,34 “são direitos essenciais a uma proteção jurídica efetiva”. Essa perspectiva contemporânea da dogmática juspublicista teve seus fundamentos expostos no magistério do professor Daniel Sarmento:
“(...) na medida em que os direitos fundamentais exprimem os valores nucleares de uma ordem democrática, seus efeitos não podem se resumir à limitação jurídica do poder estatal. Os valores que tais direitos encarnam devem se irradiar para todos os campos do ordenamento jurídico, impulsionando e orientando a atuação do Legislativo, do Executivo e do Judiciário. Os direitos fundamentais, mesmo aqueles de matriz liberal, deixam de ser apenas limites apara o Estado convertendo-se em norte da sua atuação”.35
É nesse sentido, outrossim, a lição de Gomes Canotilho ao sustentar uma “proteção jurídica temporalmente adequada” aos direitos fundamentais, os quais passam a exigir um suporte procedimental (processual) idôneo a garantir-lhes a eficácia material.36
“Dessa premissa é possível desdobrar outras conclusões quanto a esse processo de habeas corpus que se instaura em Juízo, o que passo a detalhar. Pois bem, como destacado acima, apresentado o preso ao Juiz, poderá ele mesmo, seu defensor ou o Ministério Público pedir a concessão da ordem. Residualmente, deverá o Juiz apreciar a legalidade do ato de prisão, de ofício. Em qualquer situação, a cognição judicial terá enfoque, basicamente, na qualificação do preso e nas circunstâncias em que foi detido, como preceitua o art. 654 do Código de Processo Penal. Antes de decidir sobre a legalidade da prisão, porém, o Juiz deverá conceder ao preso a possibilidade de autodefesa através do interrogatório, que tem previsão expressa no caput art. 660 do CPP, ao referir que “efetuadas as diligências, e interrogado o paciente, o juiz decidirá”. Constatada a ilegalidade pelo Juiz, a ordem deve ser concedida de imediato, como se depreende da dicção do parágrafo segundo do art. 660: “se os documentos que instruírem a petição evidenciarem a ilegalidade da coação, o juiz ou o tribunal ordenará que cesse imediatamente o constrangimento”. Sendo assim, o prazo de 24 horas mencionado no caput do art. 660 deve ser compreendido como o interregno integral para a conclusão do procedimento de que ora se trata. Isso porque a lei deve ser interpretada de forma sistemática, de modo que as suas normas tenham harmonia e concordância prática. Ora, se o Juiz constata a ilegalidade, deve decidir imediatamente, não fazendo o menor sentido que aguarde mais 24 horas para proferir a sua decisão, em detrimento da liberdade do preso. Assim, a compreensão correta do caput do art. 660 e do seu § 2º deve ser a de que efetuada a prisão, no prazo de 24 horas devem ser realizadas as diligências necessárias (lavratura do auto de prisão em flagrante e condução do preso à presença da Autoridade Judicial), interrogado o detido e proferida decisão, esta imediatamente após o interrogatório. Logicamente, esse prazo de 24 horas para a conclusão do procedimento em tela poderá ser alargado, desde que haja motivação idônea. Assim, por exemplo, em Municípios que não sejam sede de comarca ou cujo acesso seja excepcionalmente difícil, poderá não ser possível a apresentação do preso em 24 horas. Também no caso de o mesmo auto de prisão em flagrante envolver vários presos ou várias testemunhas, poderá não ser viável a sua finalização dentro de tal prazo. Outra situação que poderá gerar a impossibilidade de apresentação do preso em 24 horas se configurará quando ele precisar de atendimento médico urgente, com eventual internação. Além disso, deve ficar consignado que entre o interrogatório e a decisão do Juiz, evidentemente, terão a oportunidade de se manifestar o Ministério Público e a defesa, por força da garantia do contraditório (art. 5º, LV, da Constituição Federal). Quanto ao conteúdo da decisão judicial, as hipóteses legais que poderão configurar a ilegalidade da prisão também já estão previstas pelo art. 648 do CPP, em rol que não é exaustivo. Algumas situações previstas nesse dispositivo legal merecem especial destaque, na medida em que guardam perfeita correspondência com as disposições do art. 310 do CPP, que regulam do conteúdo da decisão judicial que aprecia a legalidade do auto de prisão em flagrante – o qual será necessariamente apresentado junto com o preso, no mesmo prazo de 24 horas (art. 306, § 1º, do CPP), sendo imperiosa a sua apreciação nesse mesmo momento. Primeiramente, o inciso VI do art. 648 do CPP se refere à constatação pelo Juiz de nulidade manifesta. Aqui se percebe a correlação com o inciso I do art. 310 do CPP, que determina ao Juiz o relaxamento da prisão em flagrante ilegal. Prosseguindo, o inciso I do art. 648 se reporta à ausência de justa causa para a coação, o que deve ser compreendido, em visão sistemática, como a falta de prova da materialidade ou de indícios de autoria, o que impede a prisão preventiva (art. 312, caput, do CPP, in fine), ensejando a concessão da liberdade provisória (art. 310, III, do CPP). (...) Em suma, o procedimento ora analisado pode ser assim sumarizado: a) efetuada a prisão em flagrante e lavrado o respectivo auto pela Autoridade Policial, deverá o preso ser apresentado ao Juiz; b) o Juiz interrogará o preso quanto à sua qualificação e circunstâncias da prisão; c) Ministério Público e defesa poderão formular pedidos e apresentar as respectivas razões; d) imediatamente, o Juiz decidirá sobre a legalidade da prisão; e) todo esse procedimento, da prisão à decisão do Juiz, deverá ser concluído em 24 horas, salvo impedimento devidamente justificado.”
Como visto, o citado acórdão da Corte Constitucional Brasileira consagra a obrigatoriedade da audiência de custódia e mais do que isto a eleva à garantia constitucional tal como ou acima, se é que é possível, do remédio constitucional habeas corpus.
5. O direito à liberdade e a garantia do art. 7.5 da CADH
A intensa proteção ao direito à liberdade é norte a ser seguido em todo ordenamento jurídico hodierno. Em regra, durante o processo-crime, a liberdade somente será cerceada se houver risco à ordem pública, ao perecimento das provas em juízo, ou diante da probabilidade de fuga do acusado.
“Sobre o direito à liberdade, cumpre assentar que ninguém pode ser privado dela senão em virtude de decisão da autoridade judiciária competente, ou seja, por mandado de prisão expedido com as formalidades legais e por motivação definida na lei. O princípio da motivação das decisões judiciais é ainda mais incidente quando se trata de decisão de privação do direito à liberdade. Como consequência, quem se considera privado ilegalmente de sua liberdade pode invocar, perante qualquer juiz, e a todo tempo, por si ou por interposta pessoa, o habeas corpus, que segundo a legislação estrangeira tem o prazo de 36 horas para ser apreciado. (Lei 1.095/2006). Mesmo assim, a prisão somente é possível por determinação judicial, salvo raras hipóteses em que é permitida sua execução por qualquer do povo ou outra autoridade. De outra banda, é função do juiz do controle de garantias ordenar medidas de coerção de caráter pessoal quando dos elementos probatórios e das evidências fáticas e informações se podem extrair que o acusado é autor ou partícipe da conduta a qual se investiga, sempre e quando a medida se fizer necessária para evitar que o acusado obstrua a justiça, constitua-se em um perigo para a sociedade ou para a vítima ou exista probabilidade de que ele não compareça aos atos do processo ou não cumpra a sentença (art. 2º, III, modificado pelo art. 1º da Lei 1.142/2007, e 308)”.37
“A Constituição de 1988 assegura uma série de garantias em relação à prisão cautelar, visando a conter abusos e estabelecer um conjunto de meios protetivos para evitar que tal prisão possa implicar qualquer outra restrição além daquelas estritamente previstas na lei. Não assegurou, todavia, o direito de qualquer pessoa ser levada, sem demora, ou o mais prontamente possível, perante uma autoridade judiciária, para que esta verifique a legalidade de sua prisão”.38
O que existe na lei procedimental penal é a exigência de comunicação ao juiz de direito sobre a prisão em flagrante do suspeito. Contudo, salvo em casos excepcionais, como por exemplo: preso baleado recebendo tratamento no hospital, preso que após cometer feminicídio contra a esposa e homicídio contra os filhos do casal tentou suicídio e está recebendo cuidados médicos, caso fortuito ou força maior que impossibilitem a apresentação o preso ao juiz de garantias presidente da audiência de custódia (ataque da criminalidade organizada à delegacia de polícia onde o preso está custodiado), ele deverá ser levado com a maior brevidade possível à presença do juiz, com a finalidade primeira de conceder-lhe a palavra, ou seja, com o objetivo de que se realize sua oitiva. Agora, com mais razão, que a comunicação da prisão do suspeito ao juiz é providência imediata a ser adotada pela Autoridade Policial, com a subsequente apresentação daquele.
“No caso da prisão em flagrante delito, assegura-se uma comunicação imediata da prisão ao juiz. Até mesmo porque, em tal situação, por se tratar de uma medida que nasce administrativamente, é necessária a sua mais pronta jurisdicionalização, para que um juiz relaxe a prisão se ilegal, ou a convalide, se legal, hipótese em que o acusado não ficará preso se for adequada a liberdade provisória”.39
Existe entendimento no sentido de que a não comunicação ao juiz, no prazo de 24 horas, da prisão do suspeito não é vista com rigor e que, em algumas situações devidamente justificadas, a ausência de comunicação pode constituir mera irregularidade.40
“Não exige a Constituição, contudo, que a tal comunicação se siga uma audiência de convalidação da prisão ou, como se vem denominando, uma “audiência de custódia”. Muito menos exige a Lei Maior que o preso seja imediata ou prontamente interrogado por um juiz, limitando-se a prever que, se interrogado – e, nesse momento, normalmente o será por autoridade policial, terá o direito de permanecer calado. (...) O cenário é diverso, no plano dos diplomas internacionais de direitos humanos, que integram o ordenamento jurídico nacional. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, no art. 9.3 assegura que: “Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou e ser posta em liberdade”. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, igualmente assegura, no art. 7.5 que: “Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade por lei a exercer funções judiciais”.41
Entendemos que, no atual estágio de evolução democrática do processo penal, a audiência de custódia é obrigatória42 e sua não realização pode até ser admitida desde que, por exceção casuística, na qual persista fundamentação fática e jurídica no que tange à impossibilidade de realização. Isto porque a audiência de custódia é desdobramento do princípio do devido processo legal como meio de evitar que o indivíduo preso seja manipulado e como forma de constatação da legitimidade do ato de coerção.
“Um valor intrínseco ao fato de que o indivíduo passível de coação não seja simplesmente manipulado, que possa ser partícipe de um diálogo (por meio do processo) em que se trata de convencê-lo – assim como ele tratará de convencer do contrário – sobre a legitimidade do ato de coação. Trata-se de respeitar a dignidade da pessoa considerando-a capaz de valorar e participar da busca conjunta da verdade (processual)”.43
Como visto, a busca conjunta pela verdade é providência inicial a ser adotada pelo juízo, ou seja, antes mesmo do início da ação penal (que se dá com recebimento da denúncia ou queixa-crime) e o estopim em juízo é a audiência de custódia, informada eminentemente pelo princípio da oralidade.
Sobre a importância de tal providência e sua interligação com a democracia e com os valores fundamentais cumpre consignar que o controle judicial e a oralidade se justificam em uma sociedade democrática e desenvolvida no sentido de transmitir uma série de aspectos de caráter ético – os valores que fundamentam os direitos políticos da democracia e o controle do poder – assim como a legitimidade social de todo julgamento.44
Logo, a audiência de custódia é de incidência imediata. Pois, “seja defendendo a natureza constitucional das normas internacionais garantidoras de direitos humanos, seja adotando a posição do STF, que lhes confere status supralegal, as leis ordinárias, anteriores ou posteriores à CADH, que com ele colidirem, não terão eficácia jurídica. No caso, entre a CADH e o CPP, deve prevalecer aquela”.45 Sua não realização, segundo posicionamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, pode, inclusive, culminar em responsabilidade e indenização por parte do Estado violador de garantias.
Pela importância do precedente, cumpre-nos citar os principais aspectos do julgamento, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, do Caso Tibi versus Equador.
A Corte, em resumo, no julgamento do Caso Tibi, decidiu que a garantia de apresentação do preso ao juiz de garantias se constitui em um meio de controle idôneo para evitar capturas arbitrárias e ilegais, e que, além da proteção do direito de liberdade, também assegura e protege outros direitos, como a vida, a integridade pessoal, a saúde, etc.
Nesta quadra, temos:
No Caso Tibi versus Equador restou decidido que o Estado infrator não outorgou ao Senhor Tibi a possibilidade de interpor recurso contra os maus tratos supostamente por ele sofridos, durante sua detenção, nem contra o próprio ato de prisão preventiva prolongada, contra a qual se alega violação da própria legislação interna, e nem sequer existia recurso célere que pudesse ser apresentado ao tribunal competente para se proteger das violações a seus direitos fundamentais.
De acordo com os fatos alegados, em resumo, o senhor Daniel Tibi era um comerciante de pedras preciosas. Em 27 de setembro de 1995, enquanto conduzia seu veículo por uma das ruas da Cidade de Quito, no Equador, o senhor Tibi foi detido por oficiais da polícia, sem ordem judicial. Logo foi levado, de avião, para a cidade de Guayaquil, aproximadamente a 600 quilômetros de Quito, onde foi recolhido à prisão e lá permaneceu, ilegalmente, por 28 meses. A comissão acrescentou que o senhor Daniel Tibi afirmou que era inocente e que foi torturado em diversas ocasiões, que recebeu golpes, foi queimado e asfixiado; tudo para que confessasse sua participação em um caso de narcotráfico. A comissão acrescentou que o senhor Tibi teve arrestado bens de sua propriedade, valorados em um milhão de francos franceses, os quais não lhe foram devolvidos, mesmo quando liberado em 21 de janeiro de 1998. A comissão entendeu que as circunstâncias da prisão e do arresto de bens se traduziam em diversas violações de obrigações que a Convenção Americana impõe aos Estados partes.46
Mesmo assim, a comissão solicitou à Corte que ordenasse ao Estado a adoção de uma efetiva reparação na qual se incluísse indenização por danos morais e materiais sofridos pelo senhor Tibi. Além disso, pediu que o Estado adotasse medidas legislativas ou de outra forma necessárias para garantir o respeito aos direitos consagrados na Convenção, no que pertine aos indivíduos sob sua jurisdição, para evitar, no futuro, violações semelhantes às cometidas no caso fático em exame. Finalmente, a comissão requereu à Corte que ordenasse ao Estado o pagamento das custas e gastos razoáveis e justificadamente gerados na tramitação do caso durante a jurisdição interna e perante o sistema interamericano.
Entendeu-se que as garantias do art. 7.5 da Convenção estão orientadas tanto para a revisão judicial de qualquer privação da liberdade, como para o controle do tempo em que uma pessoa permanece detida ou encarcerada. A revisão judicial é um mecanismo de controle idôneo para evitar detenções arbitrárias e ilegais. Os objetivos da apresentação do preso perante um juiz ou outra autoridade são: avaliar os fundamentos jurídicos para a prisão antes do julgamento, salvaguardar o bem-estar do preso e evitar violações dos direitos fundamentais do detento. O senhor Daniel Tibi não foi levado à presença de um juiz para exame da causa. Tampouco há informação de que um juiz tenha se dirigido à penitenciária em que estava detido o senhor Tibi. Se a pessoa detida é levada a um funcionário que não seja o juiz, a jurisprudência internacional tem assentado que aquele funcionário deve cumprir três requisitos: estar autorizado por lei a exercer funções judiciais, satisfazer a garantia de independência e imparcialidade, ter a faculdade de revisar os motivos da detenção e, de se o caso, conceder a liberdade. No presente caso, Daniel Tibi foi levado a um fiscal, nunca compareceu perante um juiz e o fiscal citado não cumpria os requisitos mencionados. No Equador, os processados simplesmente não comparecem perante um juiz, quer dizer, a exigência: “sem demora” de apresentação do preso ao juiz não é cumprida. No Equador, a prisão preventiva não é decretada excepcionalmente, mas sim como regra. E, no caso em exame, não existia nenhum indício forte, inequívoco e direto que significasse uma presunção grave, precisa e concreta contra o senhor Tibi, que justificasse o prolongamento de sua prisão por mais de dois anos.47
A Corte considerou que o art. 7º da Convenção Americana dispõe que: 1. Toda pessoa tem direito a liberdade e a segurança pessoal. 2. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo por causas e condições fixadas previamente pelas Constituições políticas dos Estados partes ou pelas leis existentes em sua conformidade. 3. Ninguém pode ser submetido à prisão ou encarceramento arbitrários. 4. Toda pessoa detida ou retida deve ser informada dos motivos de sua prisão e notificada, sem demora, do fato ou dos fatos a ela imputados. 5. Toda pessoa presa ou detida deve ser levada, sem demora, à presença de um juiz ou outro funcionário autorizado por lei para exercer funções judiciais e terá direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou ser posta em liberdade, sem prejuízo de que continue o processo. Sua liberdade poderá estar condicionada a garantias que assegurem seu comparecimento em juízo. 6. Toda pessoa privada da liberdade tem o direito de recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que se decida, sem demora, sobre a legalidade do arresto ou prisão ou se ordene sua liberdade ou se a prisão foi ilegal. Nos Estados partes cujas leis preveem que toda pessoa presa tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente a fim de que se decida sobre a legalidade de tal ato, tal direito a este recurso não pode ser restringido ou abolido. Os recursos podem ser interpostos por si ou por interposta pessoa.
Na decisão da Corte ainda restou estatuído que, de conformidade com os arts. 19.17 da Constituição Política do Equador e 172 e 174 do Código de Processo Penal do Equador, vigentes no momento, é exigível ordem judicial para a prisão de uma pessoa, salvo se surpreendida em flagrante delito. No presente caso, restou provado que a prisão do senhor Daniel Tibi não observou o procedimento estabelecido nas citadas normas. Efetivamente, a pretensa vítima não foi surpreendia em flagrante, mas sim foi detida quando conduzia seu automóvel na cidade de Quito, sem que existisse ordem de prisão contra si, a qual somente foi expedida no dia seguinte a sua prisão, quer dizer, em 28 de setembro de 1995. Assim, a prisão do senhor Daniel Tibi configura violação ao art. 7.2 da Convenção Americana. Além disso, foi constatado que a prisão do senhor Tibi se sustentava em declaração singular de corréu, o que está proibido pelo art. 108 do Código de Processo Penal, que estabelece que em nenhuma hipótese o juiz admitirá como testemunha os coacusados.48
A Corte também considerou indispensável destacar que a prisão preventiva é a medida mais severa que se pode aplicar a um acusado da prática de um delito, motivo pelo qual sua decretação deve ocorrer em caráter excepcional, em virtude de se encontrar limitada por princípios de legalidade, presunção de inocência, necessidade e proporcionalidade, indispensáveis em uma sociedade democrática. O Estado realizou a prisão preventiva do senhor Daniel Tibi, sem que existissem indícios suficientes para supor que a presente vítima fora autora ou coautora de um delito; tampouco provou a necessidade da citada medida. Por isto, o Tribunal considerou que a prisão preventiva a que estava submetido o senhor Tibi foi arbitrária e constituiu violação do art. 7.3 da Convenção. Os incisos 4, 5 e 6 do art. 7º da Convenção Americana estabelecem obrigações de caráter positivo que impõem exigências específicas tanto aos agentes do Estado como a terceiros que atuem com tolerância ou anuência destes e sejam responsáveis pela prisão.
O art. 7.5 da Convenção dispõe que a prisão de uma pessoa seja submetida à revisão judicial, como medida de controle idôneo para evitar capturas arbitrárias e ilegais. O controle judicial imediato é uma medida tendente a evitar a arbitrariedade ou ilegalidade das prisões, tendo em vista que, no Estado de direito, é dever do julgador garantir os direitos do preso, autorizar a adoção de medidas cautelares ou de coerção, quando sejam estritamente necessárias, e procurar, em geral, que o acusado seja tratado de acordo com o princípio da presunção de inocência. Tanto a Corte Interamericana quanto a Corte Europeia de Direitos Humanos têm destacado a importância de que se reveste o pronto controle judicial das prisões; que quem é privado da liberdade sem controle judicial deve ser liberado ou posto, imediatamente, à disposição do juiz. A Corte Europeia de Direitos Humanos tem sustentado que o significado do vocábulo “imediatamente” deve ser interpretado de acordo com as características especiais de cada caso, contudo, nenhuma situação, por mais grave que seja, outorga à autoridade a possibilidade de prorrogação indevida do período de prisão, porque isto viola o art. 5.3 da Convenção Europeia.49
O art. 173 do Código de Processo Penal do Equador estabelece que: a detenção de que trata o art. 172 não poderá exceder 48 horas e, ao término deste período, se o indivíduo cujo delito se investiga continuar preso, imediatamente deverá ser posto em liberdade. Caso contrário, deverá se iniciar o respectivo processo penal no qual, se viável for, autorizará o decreto da prisão preventiva. No presente caso, o senhor Tibi foi apresentado em 28 de setembro de 1995 a um agente fiscal. E neste momento foi outorgada sua rendição pré processual. O Estado alegou que o procedimento informativo de investigação realizado pela polícia nacional foi remetido ao juiz competente no dia 29 de setembro de 1995, quer dizer, dois dias depois de sua prisão, o que demonstraria que foi levado perante as autoridades judiciais sem violar, de forma alguma, o termo “sem demora” utilizado no art. 7.5 da Convenção. Mas, segundo a comissão e os representantes do senhor Tibi, ele não compareceu pessoalmente e sem demora perante o juiz ou autoridade competente. O Tribunal achou por bem realizar algumas considerações sobre este ponto. Em primeiro lugar, os termos da garantia estabelecida no art. 7.5 da Convenção são claros quanto ao fato da pessoa presa ser levada sem demora à presença do juiz ou outra autoridade judicial competente, conforme os princípios do controle judicial e imediatidade processual. Isto é essencial para a proteção do direito à liberdade individual e para outorgar proteção a todos os outros direitos, como a vida e a integridade física. O direito de que um juiz tenha conhecimento da causa ou lhe seja remetido o procedimento policial investigativo, como alegou o Estado, não satisfaz esta garantia, exatamente porque o preso deve comparecer pessoalmente perante o juiz ou autoridade competente. E, no caso em análise, o senhor Tibi destacou que prestou declaração perante um ‘escrivão público’ em 21 de março de 1996, ou seja, seis meses depois de sua prisão. E, no processo, não existe prova alguma para se chegar a uma conclusão diversa. Em segundo lugar, ‘um juiz ou outro funcionário autorizado por lei a exercer as funções judiciais’ deve satisfazer os requisitos estabelecidos no primeiro parágrafo do art. 8º da Convenção. E, nas circunstâncias do caso em apreço, a Corte entendeu que o agente fiscal do Ministério Público que recebeu a declaração processual do senhor Tibi, em conformidade com o art. 116 da Lei de Substâncias Entorpecentes e Psicotrópicas, não estava dotado de atribuições para ser considerado ‘funcionário autorizado para exercer funções judiciais’, no sentido do art. 7.5 da Convenção, até porque a própria Constituição Política do Equador estabelece os órgãos que têm atribuições para exercer funções judiciais e não outorga esta competência aos agentes fiscais. Desta forma, o agente fiscal não tinha faculdade para assegurar o direito à liberdade e a integridade pessoal da qualificada vítima. De outra parte, o art. 7.5 da Convenção Americana estabelece que a pessoa presa “tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou ser colocada em liberdade, sem prejuízo da continuidade do processo”. Assim, a Corte considerou que o Estado-parte descumpriu com sua obrigação de apresentar o preso senhor Daniel Tibi, sem demora, à autoridade judicial competente, como prevê o art. 7.5 da Convenção. Como consequência, a Corte concluiu que o Estado violou os arts. 7.1, 7.2, 7.3, 7.4 e 7.5 da Convenção Americana.50
6. Vertentes e procedimento
Como ficou clarividente no julgado acima analisado, o art. 7.5 da Convenção Americana de Direito Humanos dispõe que toda pessoa presa deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz. Este direito deverá analisado em cinco vertentes: imposição ou faculdade?, hipóteses de cabimento, vertente temporal, aspecto subjetivo e procedimento.
Registre-se, desde já, que
“O simples fato de se tratar de instituto processual decorrente de Tratado Internacional Protetivo de Direitos Humanos já permitiria concluir, de imediato, ser objetivo da audiência de custódia, proceder ao asseguramento dos direitos humanos da pessoa presa. De modo mais específico, pode-se afirmar – inclusive, como já referido anteriormente – ser o principal objetivo da audiência de custódia fazer cessar ou evitar o risco de incidência de um dos principais problemas verificados nessa fase inicial da persecução penal, que é a ocorrência de violações à incolumidade física e/ou psíquica, tais como a tortura ou maus-tratos, dos indivíduos que tiveram sua liberdade privada em razão de prisão cautelar ou definitiva. No entanto, por consistir em ato processual, no qual, além da aferição do asseguramento dos direitos humanos da pessoa presa, faz-se imprescindível a efetivação das garantias processuais. Uma vez que há exercício de jurisdição, evidentemente, devem ser assegurados o contraditório e a ampla defesa, e as demais garantias constitucionais inerentes ao devido processo penal”.51
A audiência de custódia deverá ser realizada toda vez que houver cerceamento da liberdade de ir e vir do indivíduo: prisão em flagrante, temporária, preventiva, decorrente de dívida alimentícia.
No que diz respeito às hipóteses de cabimento da audiência de custódia, a doutrina assim se posiciona:
“isto é, em que casos de restrição da liberdade será aplicável o direito do art. 7.5 da CADH. A própria redação do dispositivo indica que será cabível em qualquer forma de restrição da liberdade de locomoção: ‘toda pessoa presa, detida ou retida’ deve ser conduzida à presença de um juiz”. (...) Indica que em qualquer forma de privação de liberdade sua legitimidade está condicionada, dentre outros requisitos, a uma audiência com autoridade judiciária”.52
A necessidade da realização da audiência de custódia para conferir legitimidade ao ato de prisão cautelar está de acordo com os princípios que norteiam o direito penal e o direito processual penal na atualidade. Mais do que isto, o renomado processualista Marco Antonio Marques da Silva preleciona que o respeito aos direitos e garantias individuais (e acrescentamos, sua concretização por meio da audiência de custódia) comprova a “verdadeira vocação de uma democracia”.
“Na sociedade contemporânea, a atuação dos Estados e seus órgãos têm seus limites nos princípios que norteiam o direito penal e direito processual penal, tendo as pessoas no direito sua realização e as garantias constitucionais permitem, neste nexo, a concretização de um Estado Democrático de Direito. Os princípios constitucionais do processo penal cumprem uma função fundamentadora da intervenção estatal, através de uma integração do direito penal e direito processual penal, determinando o verdadeiro acesso à justiça penal, pelas garantias que proporciona às partes envolvidas. (...) Num Estado Democrático de Direito, o sistema do direito penal deve ter como limite os direitos humanos acolhidos pela Constituição Federal, nos tratados e convenções internacionais. Este é o caráter conciliador do direito penal, uma vez que a pena não desestimula o crime. O respeito incondicional aos direitos fundamentais, no âmbito do direito penal, e às garantias individuais, no do processo penal indicam a verdadeira vocação de uma democracia. Assim, a eficiência do Estado, com relação à criminalidade moderna, embora possa se diferenciar, quanto aos meios, mas não pode ignorar estas garantias. O cumprimento dos princípios constitucionais que norteiam a persecução criminal e o processo penal serão o verdadeiro primado das garantias individuais, efetivando os direitos fundamentais inscritos na nossa Carta Magna”.53
É certo que o adolescente, no Brasil, que comete ato infracional equiparado a crime não pode ser preso em flagrante, mas sim apreendido. Veja-se que as hipóteses que autorizam a apreensão do adolescente em flagrante devem espelhar o que preceitua o art. 302 do Código de Processo Penal, aplicado por analogia, sob pena de ilegalidade. Desta feita, defendemos que o menor infrator apreendido em flagrante deve ser, atualmente, não apenas apresentado à sede do Ministério Público para sua oitiva informal pelo Promotor de Justiça, mas sim também deve ser levado à presença do juiz para audiência de apresentação (ou seja, defendemos a antecipação da audiência de apresentação do adolescente prevista no ECA somente após a representação do MP). Ousamos ainda assentar que a audiência de apresentação para oitiva do adolescente pode ser realizada antes mesmo de eventual peça denominada por “representação” formulada pelo Ministério Público. Isto porque ao menor infrator também deve ser assegurado o direito de oitiva perante o Juiz de Direito acerca das circunstâncias de sua apreensão. Entendemos, ainda, que, nesta hipótese, o julgador estará autorizado a questionar e ouvir o adolescente sobre todos os aspectos, não apenas aqueles referentes à forma de sua apreensão, mas, se inerentes a ela, aspectos sobre a conduta tipificada como ato infracional equiparado a crime. A justificativa reside no fato de que, ao mesmo tempo em que as garantias processuais devem ser asseguradas aos adolescentes infratores, eles estão em condição diferenciada, dado o fato de ostentarem a condição de ser humano ainda em desenvolvimento. Logo, não questionar o adolescente infrator ou não lhe conferir oportunidade para se manifestar sobre a alegada conduta típica que ensejou a apreensão em flagrante pode comprometer sua compreensão sobre o próprio ato judicial que se realiza (audiência de apresentação) (até porque ele pode ter acabado de deixar a sala do Promotor de Justiça em sua oitiva informal, na qual se manifestou sobre a conduta típica).
“Assim, por exemplo, qualquer forma de prisão no processo penal deve observar a regra do art. 7.5: a prisão cautelar ou prisão com cumprimento de pena privativa de liberdade. Entre as prisões cautelares, tanto a prisão em flagrante delito, quanto à prisão preventiva ou temporária. Mas o direito também se aplica, por exemplo, à prisão civil por dívida alimentar, ou a apreensão do adolescente, no regime do ECA”54 (grifos nossos).
O tempo decorrido entre a prisão do suspeito (e/ou apreensão do menor infrator) e sua apresentação em juízo deve ser o máximo de 24 horas. Entretanto, o prolongamento deste lapso temporal pode ocorrer de acordo com as peculiaridades do caso em concreto. Imaginemos um auto de prisão em flagrante com oito vítimas, sete indiciados e concurso de crimes. Evidentemente que desde o momento de ratificação da voz de prisão em flagrante pelo Delegado de Polícia até o próprio término da lavratura do autor de prisão em flagrante já pode ter decorrido mais do que o tempo indicado de 24 horas. O que propomos é a iniciativa da Autoridade Policial de empreender esforços para que a apresentação do preso ao Juiz de Direito se aproxime, o máximo possível, das 24 horas. Contudo, dada as condições fáticas e jurídicas de cada caso, pode ocorrer que a apresentação se dê em marco temporal mais elástico, mas desde que não se distancie, sem motivação, do acima indicado (24 horas). Talvez esta visão possa indicar o real significado da expressão: apresentação do preso ao Juiz de Direito “sem demora”. Isto quer dizer que a apresentação do preso não pode ocorrer por lapso temporal mais extenso sem qualquer justificativa. A contrario sensu, em existindo motivação, nenhuma irregularidade ou ilegalidade terá ocorrido.
“No que diz respeito ao aspecto temporal, isto é, o prazo máximo para que se realize a condução do preso até a autoridade judiciária, a CADH se vale da expressão “sem demora”. Não se trata de um marco cronológico fixo, mas de um standard no plano internacional, que decorre da necessidade de acomodar a convenção à legislação dos diversos países membros. Estes, contudo, deverão, em suas leis internas, estabelecer um prazo, em dias ou horas, para a realização de tal apresentação. (...) O termo inicial de tal período é o momento em que a pessoa é presa e privada de sua liberdade. Na jurisprudência internacional, prevalece o posicionamento no sentido de que o termo “sem demora” deve ser interpretado “caso a caso”, de acordo com suas características particulares. Como explica Medina, normalmente, a legislação dos Estados Partes estabelece o prazo de apresentação, que, normalmente, é de 24 ou 48 horas, podendo tal período servir de base ou padrão, para que a Corte considere se houve ou não violação do art. 7.5. (...) Por outro lado, tomando por base a jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos, Miguel Ángel Encimar del Pozo afirma que é possível estabelecer alguns critérios: (i) a Corte geralmente considera violada a Convenção quando o prazo da detenção excede o legalmente previsto no direito interno; (ii) a Corte costuma julgar com severidade a detenção sem apresentação perante a autoridade judicial quando se prolonga por período de 4 dias ou mais; (iii) a Corte não costuma aceitar como justificativa para a ampliação ou prolongamento do prazo da detenção o fato de se tratar de luta contra o terrorismo ou o fato de as investigações policiais ainda não terem terminado”.55
A vertente subjetiva da audiência de custódia implica em estatuir, no Direito Processual Penal Brasileiro, quem é a autoridade competente para presidir o ato, ou seja, a quem o preso deverá ser apresentado e quem o ouvirá. Entendemos que apenas o Juiz de Direito é a autoridade judiciária que poderá exercer o controle judicial sobre o ato de prisão, ou seja, a única autoridade autorizada, por lei, a exercer o que dispõe o art. 7.5 da Convenção Americana de Direitos Humanos, no sistema de justiça criminal brasileiro, é o juiz togado.
“Do ponto de vista subjetivo, isto é, quem será a autoridade que deverá exercer o controle da prisão, o art. 7.5 da Convenção Americana de Direitos Humanos prevê que o preso deve ser apresentado a “um juiz ou outra autoridade autorizada por lei para exercer funções judiciais”. (...) A expressão juiz não demanda maiores esclarecimentos. Trata-se de autoridade judiciária, em relação a qual se exige os atributos do art. 8.1, quais sejam, independência, imparcialidade e competência estabelecida por lei. (...) Já a expressão “outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais” é mais problemática. A CoIDH não tem admitido que esse controle da legalidade da prisão seja realizado por membros do Ministério Público. Surgiu, entre nós, posicionamento no sentido de que a Autoridade Policial poderia ser essa “autorizada por lei a exercer as funções judiciais”, o que encontrou, inclusive, alguma acolhida nos tribunais”.56
Apenas o magistrado, também evidentemente suscetível a erros na justiça dos homens por ser um deles, ainda é o único quem possui autoridade atribuída por lei e o preparo técnico-científico para presidir a audiência de custódia. Até porque é ele o único autorizado a administrar Justiça! De outra banda, o magistrado presidente das audiências de custódias, com muito mais razão, não pode se “acostumar à contemplação cotidiana das tristezas humanas”.
“O drama do juiz é a contemplação cotidiana das tristezas humanas, que preenchem todo o seu mundo, onde não encontram lugar os rostos amáveis e repousantes dos afortunados que vivem em paz, mas apenas os rostos dos sofridos, conturbados pelo rancor do litígio ou pelo aviltamento da culpa. Mas, acima de tudo, o drama do juiz é a rotina, que, insidiosa como uma doença, o desgasta e o desencoraja até fazê-lo sentir sem revolta que decidir da honra e da vida dos homens tornou-se para ele uma prática administrativa ordinária. O juiz que se acostuma a administrar justiça é como o sacerdote que se acostuma a dizer missa. Feliz o velho pároco do interior que até o último dia experimenta, ao se aproximar do altar com o vacilante passo senil, aquela sagrada perturbação que o acompanhou, padre novato, em sua primeira missa; feliz o magistrado que, até o dia que precede a aposentadoria compulsória, experimenta, ao julgar, aquele sentimento quase religioso de consternação que o fez estremecer cinquenta anos antes, quando, nomeado pretor; teve de pronunciar sua primeira sentença. Um velho magistrado, sentindo-se morrer, pregava serenamente em seu leito: - Senhor, gostaria ao morrer de estar seguro de que todos os homens por mim condenados morreram antes de mim. Porque não posso pensar em deixar nas prisões deste mundo, sofrendo penas humanas, aqueles que nelas foram encerrados por ordem minha. Gostaria, Senhor, quando me apresentar a teu juízo, de encontrá-los em espírito à tua porta, para me dizerem que sabem que os julguei segundo a justiça, segundo aquilo que os homens chamam de justiça; e, se com algum deles fui injusto sem perceber, a este mais que os outros gostaria de encontrar lá, a meu lado, para lhe pedir perdão e para dizer-lhe que, ao julgar, nunca me esqueci de que eu era uma pobre criatura humana, escrava do erro; que, ao condenar, nunca pude reprimir a perturbação da consciência, tremendo diante de um ofício que, em última instância, só pode ser teu, Senhor”.57
Com isto queremos demonstrar que o “sentir” do juiz na audiência de custódia sobre a situação da prisão posta à análise é de extrema relevância. Pois, na verdade, sua decisão poderá implicar na imposição de responder, o indivíduo, a toda instrução do processo-crime no cárcere ou em liberdade.
Consigne-se que, o ato normativo a regulamentar, de maneira uniforme em âmbito nacional, a audiência de custódia, no direito processual penal brasileiro, foi a Resolução nº 213 do Conselho Nacional de Justiça. O art. 1º do citado diploma determina que toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas da comunicação da prisão em flagrante à autoridade judicial competente, e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão. Conforme disposto no § 1º do art. 1º da Resolução citada, a comunicação da prisão em flagrante à autoridade judicial se dará por meio do encaminhamento do auto de prisão em flagrante, de acordo com as rotinas previstas em cada Estado da Federação e isto não supre a apresentação pessoal do preso ao juiz.
Segundo preceitua a resolução, entende-se por “autoridade judicial competente” aquela assim disposta pelas leis de organização judiciária locais, ou, salvo omissão, definida por ato normativo do Tribunal de Justiça ou Tribunal Federal local que instituir as audiências de apresentação, incluído o juiz plantonista (art. 1º, § 2º, da Resolução 213 do CNJ).
Se se tratar de prisão em flagrante delito da competência originária de Tribunal, a apresentação do preso poderá ser feita ao juiz que o Presidente do Tribunal ou Relator designar para tal finalidade.
No caso de indivíduo preso acometido de grave enfermidade, ou havendo circunstância comprovadamente excepcional que o impossibilite de ser apresentado ao juiz no prazo de 24 horas fixado, deverá ser assegurada a realização da audiência no local em que o preso se encontre e, nos casos em que o deslocamento se mostre inviável, deverá ser providenciada a condução para a audiência de custódia imediatamente após restabelecida sua condição de saúde ou de apresentação.
Também admitimos a hipótese de a audiência de custódia ser realizada por videoconferência. Veja-se que, na sociedade da informação, a tecnologia altera apenas a forma do ato processual, mas não seu conteúdo em si. Logo, preservados os direitos do preso e contribuindo para a celeridade processual na análise do binômio prisão versus liberdade, a audiência de custódia poderá ser realizada por videoconferência.
No mais, é possível asseverar que, no sistema processual penal brasileiro, a única autoridade presidente da audiência de custódia é o juiz togado com competência estabelecida em lei.
Não se desconhece as posições divergentes, atribuindo à autoridade policial a possibilidade de realização da audiência de custódia. Nesta toada, cumpre dizer que as normas vigentes no direito interno e a praxe já repeliram tal posicionamento. Entretanto, ainda que assim não fosse, tem-se que somente a autoridade judiciária, isenta, imparcial e com olhares para os ditames da justiça pode apreciar, nesta fase, a legalidade e a necessidade de permanência ou revogação da prisão cautelar. Ressalte-se que a equidistância permite uma análise multifocal sobre as circunstâncias da prisão.
Por uma postura fidedigna ao posicionamento contrário, vale citar os principais argumentos dos que defendem a presidência do ato por autoridade diversa do juiz (posição, no nosso entender, minoritária e superada no processo penal brasileiro):
“Para saber quem é esta outra autoridade além do juiz, vale consulta a precedente da Corte Interamericana de Direitos Humanos: Este Tribunal considera que, para satisfazer a garantia estabelecida no artigo 7.5 da Convenção em matéria migratória, a legislação interna deve assegurar que o funcionário autorizado pela lei para exercer funções jurisdicionais cumpra as características de imparcialidade e independência que deve reger todo órgão encarregado de determinar direitos e obrigações das pessoas. Nesse sentido, o Tribunal já estabeleceu que ditas características não só devem corresponder aos órgãos estritamente jurisdicionais, senão que as disposições do artigo 8.1 da Convenção se aplicam também às decisões de órgãos administrativos. Toda vez que em relação a essa garantia corresponder ao funcionário a tarefa de prevenir ou fazer cessar as detenções ilegais ou arbitrárias, é imprescindível que a dito funcionário esteja facultado colocar em liberdade a pessoa se sua detenção for ilegal ou arbitrária. (CIDH, Caso Velez Loor vs Panamá, Sentença de 23/11/2010. Ainda que o caso verse sobre prisão administrativa, a garantia contra custódia ilegal é substancialmente a mesma, não interessando se administrativa ou processual penal). Ideia semelhante é encontrada nas regras mínimas padrão das nações unidas para a administração da justiça da criança e do adolescente (Regras de Pequim - Resolução 40/33 da ONU): 10.2 Um juiz, oficial ou organismo competente deve, sem demora, considerar a liberação. (...) A questão da liberação (Regra 10.2) deve ser levada em consideração sem demora por um juiz ou outro oficial competente. Oficial é qualquer pessoa ou instituição no sentido mais amplo do termo, incluindo (...) autoridades policiais. Logo, a autoridade não precisa ser jurisdicional, podendo perfeitamente ser administrativa. Pudesse apenas o juiz presidir a audiência de apresentação do preso, a redação do tratado internacional teria parado na “presença de um juiz”, sem prosseguir “ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais”. Não se desconhece a jurisprudência negando ser o Ministério Público esta outra autoridade, (CIDH, Caso Chaparro Alvarez y Lapo Íñiquez vc Equador, Sentença de 21/11/2007; Caso Acosta Calderón vs Equador, Sentença de 24/06/2005; Caso Tibi vs Equador, Sentença de 07/09/2004), tanto por ser parte, quanto por não ter poder de conceder liberdade, objeções que não se aplicam ao delegado de polícia (que não é parte e tem poder liberatório). Ademais, os julgados analisaram sistema jurídico que, diferentemente do Brasil, não possui a autoridade de Polícia Judiciária, cargo pertencente à carreira jurídica e responsável pelo primeiro controle de legalidade da investigação criminal (realizado em seguida novamente pela autoridade judicial). Além disso, esse funcionário precisa ser imparcial e independente, tal qual o delegado de polícia. Tanto porque não possui qualquer interesse no processo posterior, compromissado apenas com a busca de uma verdade possível dentro da investigação criminal, produzindo, não raro, provas e elementos de informações que favoreçam o próprio investigado. Quanto porque, em razão de sua liberdade para formular a análise técnico-jurídica do fato (artigo 2º, §6º da Lei 12.830/13), possui autonomia para prender ou deixar de prender alguém, livre de requisição de superior hierárquico ou de outra autoridade. (STF, HC 115.015, Rel. Min. Teori Zavascki, DJ 27/08/2013; STJ, RHC 47.984, Rel. Min. Jorge Mussi, DJ 04/11/2014)”.58
Entretanto, como visto alhures, tal posicionamento não foi encampado pela jurisprudência pátria,59 visto que o Supremo Tribunal Federal,60 na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5240 deixou a cargo dos tribunais a disciplina acerca da apresentação do preso à autoridade judicial competente. Logo, a Corte Constitucional Brasileira considerou como única autoridade possível de apresentação do preso como sendo o Juiz de Direito.
“De qualquer forma, a Constituição Brasileira prevê que a comunicação seja feita ao “juiz competente” (art. 5, caput, LXII) e que a prisão ilegal será relaxada pela “autoridade judiciária” (art. 5, caput, LXV). Trata-se, pois, de exigência de controle por um juiz de direito e não por autoridade policial, como se fosse um longa manus do Poder Judiciário. Além disso, os Delegados de Polícia não gozam das garantias de independência, imparcialidade e competência ou, no caso, atribuição, estabelecida previamente por lei”.61
Logo, se assim o é com a comunicação do auto de prisão em flagrante, a fortiori concluir que somente a apresentação do preso ao juiz de direito competente redundará no cumprimento do disposto no art. 7.5 da Convenção e do que prevê a Resolução 213 do CNJ.
No que diz respeito à vertente procedimental da audiência de custódia, é mister afirmar que ela se “instrumentaliza, por meio de atos concretos a serem praticados na persecução penal, o direito do preso ser apresentado, sem demora, a um juiz competente, para analisar a legalidade e adequação de sua prisão. (...) Tratando a questão à luz do art. 5.3 da Convenção Europeia de Direitos Humanos, a Corte decidiu que a revisão judicial da prisão deve ser automática e independente de requerimento da pessoa detida. O sentido da expressão “deve ser apresentado prontamente”, lido à luz do objetivo e da finalidade de tal garantia, deixa evidente que a oitiva pessoal do preso pelo juiz é um requisito procedimental essencial, antes de o juiz decidir sobre a legalidade e necessidade da prisão.62
É requisito essencial porque a notícia de que um crime foi cometido e sua imputação inicial, ainda que na fase inquisitiva investigativa, já apresenta, em princípio, duas consequências: reclama exame sobre a situação dita criminosa que abala a sociedade e impõe uma oportunidade para o dizer do preso e a análise pelo juiz, ainda que de forma não exauriente, de sua personalidade individualizada.
“Na realidade da vida social, a notícia de um crime reclama inevitavelmente sobre o homem que o cometeu, a atenção e o exame, primeiramente pela consciência pública, depois pela polícia judiciária e depois pelo magistrado que deve remetê-lo a julgamento ou julgá-lo. (...) Na lei, quer dizer, nas normas gerais que a constituem, o delinquente vem individualizado, não só, indiretamente, pela diversa gravidade do crime praticado, mas sobretudo, e diretamente, pela diferente categoria antropológica, que é sempre por si mesma índice de uma diversa temibilidade, e pela medida desta, segundo as circunstâncias de maior ou menor periculosidade, além das circunstâncias específicas modificadoras de cada crime ou delito, além dos seus elementos constitutivos”.63
“A CoIDH no Caso Chaparro Álvarez decidiu que para satisfazer a exigência do art. 5 de “ser levado” ante um juiz, “a autoridade judicial deve ouvir pessoalmente o preso e valorar todas as explicações que este lhe proporcione, para decidir se determina sua liberação ou mantém a privação da liberdade”.
Sobre o precedente “Caso Chaparro Álvarez” cumpre assentar que a comissão indicou que, na oportunidade, o senhor Chaparro, de nacionalidade chilena, era proprietário da fábrica de caixas isotérmicas denominada “Asilantes Plumavit Companhia Limitada” (a seguir denominada apenas por ‘fábrica’ ou ‘fábrica Plumavit’), dedicada à elaboração, transporte e exportação de produtos, enquanto o senhor Lapo, de nacionalidade equatoriana, era o gerente da dita fábrica. Segundo o alegado, em cumprimento de diligências na ‘Operação Antinarcotráfico Rivera’, oficiais da polícia de narcóticos encontraram, em 14 de novembro de 1997, no Aeroporto Simón Bolivar, na cidade de Guayaquil, um carregamento de pescado da companhia ‘Marisco Oreana Maror’, que iria ser embarcado com destino à cidade de Miami, nos Estados Unidos da América. Em dito carregamento, afirmou, a comissão, que foram encontradas caixas térmicas, em cujo interior existiam cloridrato de cocaína e de heroína. Segundo alegado, o senhor Chaparro foi considerado suspeito de pertencer a uma “organização internacional criminosa” dedicada ao tráfico internacional de drogas, posto que sua fábrica se dedicava à elaboração de caixas isotérmicas semelhantes às encontradas, motivo pelo qual a Juíza da Décima Segunda Vara Criminal de Guayas determinou apreensões na fábrica e a prisão, com finalidade investigativa, do senhor Chaparro. Segundo a comissão, no momento da prisão do senhor Chaparro, as autoridades não lhe informaram os motivos do cerceamento de sua liberdade, nem tampouco o seu direito de solicitar assistência jurídica e consular de seu país de nacionalidade. A comissão informou que o senhor Lapo foi detido, juntamente com outros empregados da fábrica Plumavit, durante a apreensão na dita fábrica. A prisão do senhor Lapo, supostamente, não foi em flagrante e nem estava precedida de ordem judicial, tampouco lhe tinham informado os motivos e razões de sua prisão.
Conforme jurisprudência da Corte, em outro caso relativo ao Estado equatoriano, não se pode considerar que a declaração das vítimas perante um fiscal cumpra com o direito consagrado no art. 7.5 da Convenção do preso ser levado perante um “juiz ou outro funcionário autorizado por lei para exercer funções jurisdicionais”. Por outro lado, a Corte não aceitou o argumento estatal referente à alegação no sentido de que se cumpriu o disposto no art. 7.5 porque a Juíza da causa esteve presente no momento da prisão e exerceu um controle judicial direto, dando a entender que não havia necessidade de levar as vítimas novamente diante dela. Mesmo que a presença da Juíza possa significar uma garantia adicional, não é suficiente para satisfazer a exigência do art. 7.5 de “ser levado” perante um juiz. A autoridade judicial deve ouvir, pessoalmente, o preso e valorar todas as explicações que ele lhe apresente, para decidir se deve conceder-lhe a liberdade ou manter a prisão provisória. No caso em análise, não existe evidência de que isto tenha ocorrido. Diante do exposto, a Corte concluiu que a duração do tempo de prisão do senhor Chaparro ultrapassou o máximo legal permitido, violando o disposto no art. 7.2 da Convenção, e que ele não foi levado à presença de um Juiz ‘sem demora’; o que também violou o disposto no art. 7.5 da Convenção.64
“No caso de prisão em flagrante, essa situação é ainda mais importante, porque a medida não é fruto de uma prévia decisão judicial, na qual um sujeito independente e imparcial decide sobre a presença ou não do pressuposto e dos requisitos da prisão. (...) “Evidente que o preso deverá ser levado ao juiz e estar presente na audiência de custódia. Mas a presença de um advogado e de representante do Ministério Público também é obrigatória na audiência”.65
A prisão em flagrante é uma prisão administrativa, sem qualquer início de atividade jurisdicional. Já a prisão temporária, embora precedida de ordem judicial, também impõe a apresentação do preso na audiência de custódia. A primeira, assim, com mais razão por ser prisão exclusivamente administrativa.
O ato de oitiva do preso na audiência de custódia confere-lhe liberdade para se expressar da forma que pretender, é claro que preservando valores éticos e com respeito a todos os presentes, e, mais do que isto, sobre o que achar pertinente. Por isto, não concordamos com a ideia segundo a qual, na audiência de custódia, é vedado qualquer questionamento sobre a ação tipificada como crime. Ora, se o preso quiser tangenciar para o fato porque as circunstâncias da prisão são inerentes a ele ou, como queiram, decorrentes dele, caberá ao juiz ouvi-lo e, portanto, estará autorizado a questionar-lhe sobre o fato típico, se tal medida for indissociável da análise da regularidade de sua prisão.
“Tal interrogatório, contudo, é um interrogatório de garantia, destinado exclusivamente a permitir ao juiz verificar a legalidade da prisão e os pressupostos e requisitos da medida aplicada. A oitiva do preso tem característica precípua de um interrogatório pro libertate, prescindindo de uma finalidade investigativa. Irá possibilitar-lhe o exercício da própria autodefesa, esclarecendo sua posição com relação à individualização das exigências cautelares contra ele consideradas existentes”.66
O juiz vai questionar o preso sobre as circunstâncias de sua prisão e, neste momento, deverá incutir sobre os motivos que a sustentam. Isto é, se há indícios de que o preso possa ter cometido uma conduta tipificada em lei como crime e surpreendido em flagrante ou se os fundamentos são outros alheios a qualquer conduta criminosa por parte do preso, como por exemplo, um flagrante forjado. Com isto se quer dizer que a percussão sobre a motivação dos atos é sempre pertinente e, portanto, pode e deve ser objeto de questionamento pelo juiz.
“A causa para delinquir. Antes, porém, de examinar as provas específicas do fato, é preciso indicar os motivos, porque, só por si, o assalto, a extorsão, pode ter unicamente por motivo roubar dinheiro à vítima; mas se no processo existem alguns elementos que nos ponham diante de outros motivos, de outras causas que não excluam, mas reforcem aquela, devemos examiná-las”.67
Na mesma linha de raciocínio, as mazelas humanas, no mais das vezes, são indissociáveis do impulsionamento para a prática de condutas perniciosas no meio social. Na audiência de custódia, com mais razão, o magistrado perquire sobre os dramas humanos. Para aclarar o que se pretende mostrar, pensemos no indivíduo preso em flagrante sob a suspeita da prática do crime de tráfico de drogas, que também se declara dependente químico. Se por um viés, parece ser medida cabível a conversão da prisão em flagrante em preventiva, nada impediria o magistrado decidir, de forma cumulativa, por determinar que o preso receba, no cárcere preventivo, tratamento adequado de saúde, após exame médico respectivo para desintoxicação. Se o Estado dispõe de estrutura para execução desta ordem, é outra história! Contudo, tal problemática não pode, por si só, inibir o advento da decisão judicial legítima e justa.
“Procurei participar emocionalmente do seu drama humano, e antes de passar aos interrogatórios de fato, sempre me esforcei para compreender os problemas pessoais de todos e coloca-los em um contexto preciso”.68
“No caso de prisão em flagrante, o juízo a ser realizado na chamada audiência de custódia é complexo ou bifronte: não se destina apenas a controlar a legalidade do ato já realizado, mas também a valorar a necessidade e adequação da prisão cautelar, para o futuro. Há uma atividade retrospectiva, voltada para o passado, com vista a analisar a legalidade da prisão em flagrante, e outra, prospectiva, projetada para o futuro, com o escopo de apreciar a necessidade e adequação da manutenção da prisão, ou de sua substituição por medida alternativa à prisão ou até mesmo a simples revogação sem imposição de medida cautelar”.69
O consagrado jurista Marco Antonio Marques da Silva preceitua que o juiz deverá analisar os requisitos intrínsecos e extrínsecos da prisão em flagrante. Deverá, ainda, atender às garantias constitucionais, corrigir, com sua decisão, eventual defeito do auto de prisão em flagrante e sanar ilegalidades.
“Após o recebimento do auto de flagrante, o juiz analisará se os requisitos intrínsecos e extrínsecos do ato foram observados. Intrínsecos porque atendidas as garantias constitucionais; extrínsecos se os requisitos legais inerentes ao ato foram plenamente observados. Equivale dizer, o relaxamento tem cabimento quando a prisão desatende a legalidade imposta no ordenamento constitucional ou infraconstitucional. Em sendo a prisão em flagrante ilegal, em qualquer grau, o juiz tem o dever de pôr o preso em liberdade. A ilegalidade pode ter origem formal ou material. Fala-se que o defeito é formal quando desatendidos requisitos legais indispensáveis à formalização do ato prisional constantes do auto de prisão em flagrante; por exemplo, não entrega da nota de culpa, omissão do interrogatório etc. O defeito é material quando atinge o fato; por exemplo, é atípico quando atinge o ato prisional ilegal, como o flagrante realizado 3 dias após a ocorrência do crime, em ação distante das hipóteses previstas no art. 302 etc.”.70
Cumpre saber, também, se a regra do atual art. 31071 do Código de Processo Penal Brasileiro atende à garantia do art. 7.5 da CADH? Desde já dizemos que não atende por completo. A apresentação do preso ao juiz da custódia (juiz de garantias) é providência correlata, obrigatória e, portanto, não substituível pela adoção das providências contidas no citado regramento processual penal. Ora, é mister assentar que o art. 7.5 da CADH é self-executing.
O termo inicial do prazo de 24 horas é o momento efetivo da prisão e não da comunicação do flagrante. O entendimento neste sentido sobre a contagem inicial do prazo prestigia a expressão “sem demora” para apresentação do preso em juízo, em uma visão jurídica. Mais do que isto, em uma vertente humanista, propicia ao magistrado o contato imediato com o recém-encarcerado. Esta proximidade do magistrado com o término da ação criminosa, em tese, executada pelo preso, bem como da ação prisional desempenhada, no mais das vezes, pelos agentes da lei, amplia o espectro de conhecimento conduzindo a uma análise mais detida e, portanto, mais acertada da realidade a fim de escolher, fundamentadamente, como serão as diretrizes processuais no tocante ao binômio prisão versus liberdade.
“Não se trata apenas de mera impossibilidade de se predizerem todas as consequências lógicas de determinado ato – pois se assim fosse um computador eletrônico seria capaz de predizer o futuro -, pois a imprevisibilidade decorre diretamente da estória que, como resultado da ação, se inicia e se estabelece assim que passa o instante fugaz do ato. O problema é que, seja qual for o caráter e o conteúdo da estória subsequente – quer transcorra na vida pública ou na vida privada, quer envolva muitos ou poucos atores -, seu pleno significado pode se revelar somente quando ela termina”.72
O preso ainda goza de direito à entrevista prévia com seu advogado, segundo previsão contida no art. 6º da Resolução 213/2015 do CNJ, in verbis:
“Antes da apresentação da pessoa presa ao juiz, será assegurado seu atendimento prévio e reservado por advogado por ela constituído ou defensor público, sem a presença de agentes policiais, sendo esclarecidos por funcionário credenciado os motivos, fundamentos e ritos que versam a audiência de custódia. Parágrafo único. Será reservado local apropriado visando a garantia da confidencialidade do atendimento prévio com advogado ou defensor público”.
Não obstante tal previsão, como já se decidiu que nem mesmo a ausência de audiência de custódia73 pode, a depender do caso em concreto, caracterizar ilegalidade ou nulidade processual, quanto mais a ausência de entrevista prévia por motivo justificado e desde que não demonstrado prejuízo.
É papel do juiz de direito, na audiência de custódia, ouvir o preso de acordo com o que preceitua o art. 8º da Resolução 213/2015, ou seja, devendo, primeiramente, esclarecer o que é a audiência de custódia, ressaltando as questões a serem analisadas; assegurar que a pessoa presa não esteja algemada, salvo em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, devendo a excepcionalidade ser justificada por escrito; dar ciência sobre seu direito de permanecer em silêncio; questionar se lhe foi dada ciência e efetiva oportunidade de exercício dos direitos constitucionais inerentes à sua condição, particularmente o direito de consultar-se com advogado ou defensor público, o de ser atendido por médico e o de comunicar-se com seus familiares; indagar sobre as circunstâncias de sua prisão ou apreensão; perguntar sobre o tratamento recebido em todos os locais por onde passou antes da apresentação à audiência, questionando sobre a ocorrência de tortura e maus tratos e adotando as providências cabíveis; verificar se houve a realização de exame de corpo de delito, determinando sua realização nos casos em que: (a) não tiver sido realizado; (b) os registros se mostrarem insuficientes; (c) a alegação de tortura e maus tratos referir-se a momento posterior ao exame realizado; (d) o exame tiver sido realizado na presença de agente policial, observando-se a Recomendação CNJ 49/2014 quanto à formulação de quesitos ao perito; abster-se de formular perguntas com finalidade de produzir prova para a investigação ou ação penal relativas aos fatos objeto do auto de prisão em flagrante; adotar as providências a seu cargo para sanar possíveis irregularidades; averiguar, por perguntas e visualmente, hipóteses de gravidez, existência de filhos ou dependentes sob cuidados da pessoa presa em flagrante delito, histórico de doença grave, incluídos os transtornos mentais e a dependência química, para analisar o cabimento de encaminhamento assistencial e da concessão da liberdade provisória, sem ou com a imposição de medida cautelar. Após a oitiva da pessoa presa em flagrante delito, o juiz deferirá ao Ministério Público e à defesa técnica, nesta ordem, reperguntas compatíveis com a natureza do ato, devendo indeferir as perguntas relativas ao mérito dos fatos que possam constituir eventual imputação, permitindo-lhes, em seguida, requerer: I - o relaxamento da prisão em flagrante; II - a concessão da liberdade provisória sem ou com aplicação de medida cautelar diversa da prisão; III - a decretação de prisão preventiva; IV - a adoção de outras medidas necessárias à preservação de direitos da pessoa presa. A oitiva da pessoa presa será registrada, preferencialmente, em mídia, dispensando-se a formalização de termo de manifestação da pessoa presa ou do conteúdo das postulações das partes, e ficará arquivada na unidade responsável pela audiência de custódia. A ata da audiência conterá, apenas e resumidamente, a deliberação fundamentada do magistrado quanto à legalidade e manutenção da prisão, cabimento de liberdade provisória sem ou com a imposição de medidas cautelares diversas da prisão, considerando-se o pedido de cada parte, como também as providências tomadas, em caso da constatação de indícios de tortura e maus tratos. Concluída a audiência de custódia, cópia da sua ata será entregue à pessoa presa em flagrante delito, ao Defensor e ao Ministério Público, tomando-se a ciência de todos, e apenas o auto de prisão em flagrante, com antecedentes e cópia da ata, seguirá para livre distribuição. Proferida a decisão que resultar no relaxamento da prisão em flagrante, na concessão da liberdade provisória sem ou com a imposição de medida cautelar alternativa à prisão, ou quando determinado o imediato arquivamento do inquérito, a pessoa presa em flagrante delito será prontamente colocada em liberdade, mediante a expedição de alvará de soltura, e será informada sobre seus direitos e obrigações, salvo se por outro motivo tenha que continuar presa.
Sobre tal dispositivo, não se pode olvidar que, se a defesa assim entender, após os questionamentos e o deferimento da palavra pelo juiz, deverá formular o pedido de liberdade cumulado com as medidas cautelares diversas da prisão, se adequadas ao caso em concreto. Se assim o é, deve apresentar os documentos que comprovam os requisitos para concessão do benefício, dentre eles: comprovante de residência, carteira de trabalho ou declaração do empregador de desenvolvimento de atividade laborativa, ainda que informal; eventuais declarações, por escrito, de testemunhas no sentido de que o detento apresenta bom comportamento e por isto não oferece risco à ordem pública etc. Isto porque de nada adiantaria conceder oportunidade para manifestação da defesa se o pedido liberatório não fosse formulado ou se formulado fosse, contudo, sem qualquer lastro de, ao menos, plausibilidade. Nesta quadra, é evidente que a ausência de documentação mínima implica em falta de plausibilidade da alegação.
Neste sentido, temos:
“Na realização da audiência de custódia após a oitiva da pessoa presa em flagrante delito, o magistrado deferirá ao Ministério Público e à defesa técnica, nesta ordem, reperguntas compatíveis com a natureza do ato, devendo indeferir as perguntas relativas ao mérito que possa constituir eventual imputação, após abrirá vista as partes para realizarem os requerimentos. No final da audiência, o magistrado decidirá, de plano, acerca do estado de liberdade, podendo conceder a liberdade provisória, relaxamento da prisão ou decretar a prisão preventiva. Nesse momento, o advogado deve estar munido dos mesmos documentos que juntaria no pedido de liberdade provisória, quais sejam: comprovante de residência, declaração de trabalho, certidão criminal e procuração. Devendo requerer a juntada no início dos trabalhos”.74
Segundo disposto no art. 9º da Resolução 213/2015 do CNJ, a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319 do Código de Processo Penal deverá compreender a avaliação da real adequação e necessidade das medidas, com estipulação de prazos para seu cumprimento e para a reavaliação de sua manutenção, observando-se o Protocolo I da Resolução. O acompanhamento das medidas cautelares diversas da prisão determinadas judicialmente ficará a cargo dos serviços de acompanhamento de alternativas penais, denominados Centrais Integradas de Alternativas Penais, estruturados preferencialmente no âmbito do Poder Executivo estadual, contando com equipes multidisciplinares, responsáveis, ainda, pela realização dos encaminhamentos necessários à Rede de Atenção à Saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) e à rede de assistência social do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), bem como a outras políticas e programas ofertados pelo Poder Público, sendo os resultados do atendimento e do acompanhamento comunicados regularmente ao juízo ao qual for distribuído o auto de prisão em flagrante após a realização da audiência de custódia. Identificadas demandas abrangidas por políticas de proteção ou de inclusão social implementadas pelo Poder Público, caberá ao juiz encaminhar a pessoa presa em flagrante delito ao serviço de acompanhamento de alternativas penais, ao qual cabe a articulação com a rede de proteção social e a identificação das políticas e dos programas adequados a cada caso ou, nas Comarcas em que inexistirem serviços de acompanhamento de alternativas penais, indicar o encaminhamento direto às políticas de proteção ou inclusão social existentes, sensibilizando a pessoa presa em flagrante delito para o comparecimento de forma não obrigatória. O juiz deve buscar garantir às pessoas presas em flagrante delito o direito à atenção médica e psicossocial eventualmente necessária, resguardada a natureza voluntária desses serviços, a partir do encaminhamento ao serviço de acompanhamento de alternativas penais, não sendo cabível a aplicação de medidas cautelares para tratamento ou internação compulsória de pessoas autuadas em flagrante que apresentem quadro de transtorno mental ou de dependência química, em desconformidade com o previsto no art. 4º da Lei 10.216, de 6 de abril de 2001, e no art. 319, VII, do Código de Processo Penal.
Na sequência, o art. 10 do mesmo diploma revela que a aplicação da medida cautelar diversa da prisão prevista no art. 319, IX, do Código de Processo Penal, será excepcional e determinada apenas quando demonstrada a impossibilidade de concessão da liberdade provisória sem cautelar ou de aplicação de outra medida cautelar menos gravosa, sujeitando-se à reavaliação periódica quanto à necessidade e adequação de sua manutenção, sendo destinada exclusivamente a pessoas presas em flagrante delito por crimes dolosos puníveis com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos ou condenadas por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Código Penal, bem como pessoas em cumprimento de medidas protetivas de urgência acusadas por crimes que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, quando não couber outra medida menos gravosa. Por abranger dados que pressupõem sigilo, a utilização de informações coletadas durante a monitoração eletrônica de pessoas dependerá de autorização judicial, em atenção ao art. 5º, XII, da Constituição Federal.
Por fim, o art. 11 impõe que, havendo declaração da pessoa presa em flagrante delito de que foi vítima de tortura e maus tratos ou entendimento da autoridade judicial de que há indícios da prática de tortura, será determinado o registro das informações, adotadas as providências cabíveis para a investigação da notícia e preservação da segurança física e psicológica da vítima, que será encaminhada para atendimento médico e psicossocial especializado. Com o objetivo de assegurar o efetivo combate à tortura e maus tratos, a autoridade jurídica e funcionários deverão observar o Protocolo II da Resolução com vistas a garantir condições adequadas para a oitiva e coleta idônea de depoimento das pessoas presas em flagrante delito na audiência de custódia, a adoção de procedimentos durante o depoimento que permitam a apuração de indícios de práticas de tortura e de providências cabíveis em caso de identificação de práticas de tortura. O funcionário responsável pela coleta de dados da pessoa presa em flagrante delito deve cuidar para que sejam coletadas as seguintes informações, respeitando a vontade da vítima: I - identificação dos agressores, indicando sua instituição e sua unidade de atuação; II - locais, datas e horários aproximados dos fatos; III - descrição dos fatos, inclusive dos métodos adotados pelo agressor e a indicação das lesões sofridas; IV - identificação de testemunhas que possam colaborar para a averiguação dos fatos; V - verificação de registros das lesões sofridas pela vítima; VI - existência de registro que indique prática de tortura ou maus tratos no laudo elaborado pelos peritos do Instituto Médico Legal; VII - registro dos encaminhamentos dados pela autoridade judicial para requisitar investigação dos relatos; VIII - registro da aplicação de medida protetiva ao autuado pela autoridade judicial, caso a natureza ou gravidade dos fatos relatados coloque em risco a vida ou a segurança da pessoa presa em flagrante delito, de seus familiares ou de testemunhas. Os registros das lesões poderão ser feitos em modo fotográfico ou audiovisual, respeitando a intimidade e consignando o consentimento da vítima. Averiguada pela autoridade judicial a necessidade da imposição de alguma medida de proteção à pessoa presa em flagrante delito, em razão da comunicação ou denúncia da prática de tortura e maus tratos, será assegurada, primordialmente, a integridade pessoal do denunciante, das testemunhas, do funcionário que constatou a ocorrência da prática abusiva e de seus familiares, e, se pertinente, o sigilo das informações. Os encaminhamentos dados pela autoridade judicial e as informações deles resultantes deverão ser comunicadas ao juiz responsável pela instrução do processo.
Por fim, merece ser dito que, no Estado de São Paulo, a audiência de custódia está regulamentada pelos Provimentos em conjunto da Presidência do Tribunal de Justiça e da Corregedoria Geral de Justiça 03/2015 e 04/2015. Interpretando tais normativas a jurisprudência da Corte Bandeirante já repeliu alegação de nulidade diante da não realização do ato procedimental em análise, in verbis: “Entretanto, segundo dispõe o art. 3º, § 2º, do Provimento Conjunto 03/2015 e art. 4º do Provimento Conjunto 04/2015, ambos da Presidência e Corregedoria Geral de Justiça deste E. Tribunal de Justiça, que regulamentaram a matéria, tal procedimento se reputa dispensável, a critério do Magistrado, quando das peças de informação for possível extrair elementos suficientes para justificar a conversão da prisão em flagrante em preventiva”.75
Na mesma toada já se decidiu que a não realização da audiência de custódia não compromete o trabalho policial e, portanto, a prisão deve ser convalidada.
O Colendo Superior Tribunal de Justiça, da mesma forma, já assinalou que “a não realização da audiência de custódia, por si só, não é apta a ensejar a ilegalidade da prisão cautelar imposta ao paciente, uma vez respeitados os direitos e garantias previstos na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Ademais, operada a conversão do flagrante em prisão preventiva, fica superada a alegação de nulidade na ausência de apresentação do preso ao Juízo de origem, logo após o flagrante”.77
Logo, podemos concluir que a realização de audiência de custódia é obrigatória. Entretanto, se por qualquer motivo tal ato não puder se concretizar deverão ser ponderadas, pelo julgador, as razões declinadas e sua veracidade, bem como se mesmo assim estavam presentes os motivos da prisão cautelar na modalidade preventiva. Desta feita, se a hipótese fática exigia o decreto da prisão preventiva, a ausência do ato (audiência de custódia) não fulmina de nulidade o procedimento e, por si só, não resulta na concessão de liberdade ao suspeito/acusado.
7. Considerações finais
A audiência de custódia é ato de realização impositiva como expoente do devido processo legal que tem por escopo, primordialmente, concretizar o direito do preso de ser conduzido, com a maior brevidade possível, à presença do Juiz de Direito; o qual apreciará a legalidade, necessidade e adequação da prisão, bem como as circunstâncias que dela se extraiam, culminando com prolação de decisão fundamentada e determinações jurídicas e multidisciplinares pertinentes, de forma a assegurar os direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito e com implicações futuras na eventual ação penal a ser proposta.
O ato judicial pode ser denominado de “audiência de custódia” ou “audiência de apresentação”. Contudo, o objetivo primeiro do Juiz de Direito é analisar o binômio liberdade versus prisão, sem prejuízo de incursão nas demais circunstâncias que possam denotar violação a outros direitos fundamentais.
A audiência de custódia é providência que se constitui em mais um mecanismo de consagração das liberdades públicas e concretização do acesso à justiça, desde logo, isto é, logo após o preso ter seu direito de liberdade cerceado.
A condução adequada do ato judicial, a fundamentação pertinente sobre a permanência da prisão cautelar, desta feita na modalidade prisão preventiva, ou sobre a concessão da liberdade provisória ou de outras medidas cautelares (art. 319 do Código de Processo Penal) e a adoção de providências imediatas assistenciais ao suspeito são medidas que traduzem o real significado da audiência de custódia.
A problemática reside justamente em se descortinar, em cada caso posto a exame, qual solução jurídica dá concretude à dignidade da pessoa humana. Não é demasiado dizer que a afronta ao direito à liberdade, de forma prevista em lei, mas desmedida, fere o fundamento constitucional citado.
Pode-se dizer, desde logo, que, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana, a audiência de custódia, mesmo sem indicação específica na Constituição Federal, é de execução obrigatória. Até porque a Constituição é escrita na folha de papel em branco, mas, quando do seu “preenchimento”, ingressamos na “Constituição jurídica” porque seu significado é desenhado por quem o próprio texto concedeu poder para interpretá-la: os Juízes.
Por tudo isto, concluímos que, quando o Juiz de Direito, na audiência de custódia, analisa o fato e emprega fundamentação jurídica de acordo com a gravidade em concreto da conduta do agente para converter a prisão em flagrante em preventiva ou, ainda, adota medidas assistenciais ao preso (tais como: encaminhamento para tratamento em órgãos públicos de preservação do direito à saúde, v.g., CAPS; determinação para realização de exame de corpo de delito ad cautelam) está atuando nos estritos termos da lei (com observância à finalidade do ato judicial: audiência de custódia), mas mais do que isto: está dando concretude ao princípio da dignidade da pessoa humana.
É certo que a audiência de custódia tem previsão no art. 7.5 da Convenção Americana de Direitos Humanos. E não é menos certo que tal dispositivo vale por si só para impor a obrigatoriedade do instituto na seara jurídico-penal brasileira. Isto não apenas pelo que dispõe o art, 5º, §§ 2º e 3º, da CF, mas sim porque, hodiernamente, se pode afirmar que, em se tratando de direitos e garantias fundamentais, existe uma ordem jurídica uniforme regente e que alcança todos os territórios ditos soberanos, sem, é claro, que isto se configure em violação da soberania. Fala-se na existência de um sistema normativo universal único em matéria de direitos fundamentais (direitos humanos).
É fato inconteste que a soltura de um indivíduo detido em flagrante que não cometeu a conduta tipificada como crime pelo ordenamento jurídico é providência imediata que deve ser adotada pela Autoridade Judiciária. É justamente a audiência de custódia que possibilita, ao Estado-juiz, o contato, em um estágio inicial, com o indiciado suspeito da prática de conduta ilícita e espraia, desde logo, a concretização do espírito de justiça. Isto porque, no exemplo citado, se não há indícios de que o indivíduo tenha cometido o delito, ou seja, se sua conduta não tipifica crime, sua prisão provisória não pode subsistir. Tal providência prestigia valores de “verdade e justiça”.
Não se descura, ainda, que o juiz presidente da audiência de custódia, embora não seja o julgador que irá apreciar o mérito ao final em sentença (ao menos é este o modelo vigente, hodiernamente, no processo penal brasileiro), não pode e não deve se desatentar para o “agir justo”. Isto implica em dizer que, na audiência de custódia, o preso não pode ser obrigado a falar o que não pretende sobre o mérito da causa ou, no caso de concurso de agentes e associação criminosa, delatar seus comparsas, por exemplo. Enfim, o preso tem liberdade na sua fala.
Ressalte-se que não estamos afirmando que ao Juiz de Direito estará vedado perguntar sobre o fato tipificado como crime. Em resumo, o juiz poderá incutir sobre a conduta criminosa imputada ao preso se os questionamentos neste sentido forem imprescindíveis para a análise mais adequada (o agir justo) para prolação da decisão sobre o binômio liberdade/prisão cautelar.
Não se fala mais em processo penal de forma simplista apenas como meio de se aplicar sanção a alguém que cometeu um delito. O processo penal é instrumento de garantias. Tal assertiva quer significar, dentre outras finalidades, o processo com o objetivo de assegurar ao acusado as garantias constitucionais. É por isto que se costuma dizer que nenhum ramo do direito, hoje, persiste sem uma prévia interpretação constitucional. Em outras palavras: o processo penal é constitucional.
Pode-se dizer que a reserva de jurisdição foi ampliada com a audiência de custódia, uma vez que a limitação temporal exígua do fundamento da prisão em flagrante revela a intensificação do papel do juiz de garantias no processo penal.
É a correlação entre as normas constitucionais que permite concluir que a ausência específica de previsão da audiência de custódia no Código de Processo Penal não reduz a regularidade procedimental com a simples comunicação da prisão do suspeito ao Juiz de Direito.
Entretanto, já se decidiu que a ausência de audiência de custódia não se traduz em nulidade processual se a prisão preventiva foi posteriormente decretada em decisão devidamente motivada na gravidade em concreto da conduta e, em especial, de acordo com as hipóteses previstas no art. 312 do Código de Processo Penal.
A intensa proteção ao direito à liberdade é norte a ser seguido em todo ordenamento jurídico. Em regra, durante o processo-crime, a liberdade somente será cerceada se houver risco à ordem pública, ao perecimento das provas em juízo, ou diante da probabilidade de fuga do acusado.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, no Caso Tibi versus Equador em resumo, decidiu que a garantia de apresentação do preso ao juiz se constitui em um meio de controle idôneo para evitar capturas arbitrárias e ilegais.
O direito previsto no art. 7.5 da Convenção Americana de Direito Humanos que dispõe que toda pessoa presa deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz deve ser analisado em cinco vertentes: imposição ou faculdade, hipóteses de cabimento, vertente temporal, aspecto subjetivo e procedimento.
A audiência de custódia deverá ser realizada toda vez que houver cerceamento da liberdade de ir e vir do indivíduo. As hipóteses mais comuns no sistema brasileiro são: prisão em flagrante, prisão temporária, prisão preventiva e prisão decorrente de dívida alimentícia.
O tempo decorrido entre a prisão do suspeito e sua apresentação em juízo deve ser o máximo de 24 horas. Entretanto, o prolongamento deste lapso temporal pode ocorrer de acordo com as peculiaridades do caso em concreto. Talvez esta visão possa indicar o real significado da expressão: apresentação do preso ao Juiz de Direito “sem demora”. Isto quer dizer que a apresentação do preso não pode ocorrer por lapso temporal mais extenso sem qualquer justificativa. A contrario sensu, em existindo motivação, nenhuma irregularidade ou ilegalidade terá ocorrido.
A vertente subjetiva da audiência de custódia implica em estatuir, no Direito Processual Penal Brasileiro, quem é a autoridade competente para presidir o ato, ou seja, a quem o preso deverá ser apresentado e quem o ouvirá. Entendemos que apenas o Juiz de Direito é a autoridade judiciária que poderá exercer o controle judicial sobre o ato de prisão, dando concretude ao que dispõe o art. 7.5 da Convenção Americana de Direitos Humanos.
De maneira uniforme em âmbito nacional, a audiência de custódia no direito processual penal brasileiro é regulamentada pela Resolução 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça.
Também admitimos a hipótese de a audiência de custódia ser realizada por videoconferência. Veja-se que, na sociedade da informação, a tecnologia altera apenas a forma do ato processual, mas não seu conteúdo. Logo, preservados os direitos do preso e contribuindo para a celeridade processual na análise do binômio prisão versus liberdade, a audiência de custódia poderá ser realizada por videoconferência.
No que diz respeito à vertente procedimental da audiência de custódia, a autoridade judicial deve ouvir, pessoalmente, o preso e valorar todas as explicações que ele lhe apresente, para decidir se deve conceder-lhe a liberdade ou manter a prisão provisória. O preso deverá ser levado ao juiz para a realização da audiência de custódia, na qual também estarão presentes o representante do Ministério Público e o advogado.
O ato de oitiva do preso na audiência de custódia confere-lhe liberdade para se expressar da forma que pretender, é claro que preservando valores éticos e com respeito a todos os presentes e, mais do que isto, sobre o que achar pertinente. Por isto, não concordamos com a ideia segundo a qual, na audiência de custódia, é vedado qualquer questionamento sobre a ação tipificada como crime. Ora, se o preso quiser tangenciar para o fato porque as circunstâncias da prisão são inerentes a ele, caberá ao juiz ouvi-lo e, portanto, estará autorizado a questionar-lhe neste sentido também. Desta feita, o juiz vai questionar o preso sobre as circunstâncias de sua prisão e, neste momento, deverá incutir sobre os motivos que a sustentam.
O preso ainda goza de direito à entrevista prévia com seu advogado. Sobre tal dispositivo, não se pode olvidar que, se a defesa assim entender, após os questionamentos e o deferimento da palavra pelo juiz, deverá formular o pedido de liberdade cumulado com as medidas cautelares diversas da prisão, se adequadas ao caso em concreto. Se assim o é, deve apresentar os documentos que comprovam os requisitos para concessão do benefício. Da mesma forma, havendo declaração fundada da pessoa presa em flagrante delito de que foi vítima de tortura e maus tratos ou entendimento da autoridade judicial de que há indícios da prática de tortura, esta adotará as medidas cabíveis.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, no Caso Chaparro Álvarez, decidiu que para satisfazer a exigência do preso “ser levado” a um juiz, a autoridade judicial deve ouvir pessoalmente o preso e valorar todas as explicações que este lhe proporcione, para decidir se determina sua liberação ou mantém a privação da liberdade e que não importa se houve, a posteriori, a comunicação da prisão do preso ou se o juiz deferiu a prisão ou acompanhou a execução do ato.
No Estado de São Paulo, a audiência de custódia está regulamentada pelos Provimentos em conjunto da Presidência do Tribunal de Justiça e da Corregedoria Geral de Justiça de nº 03/2015 e nº 04/2015. Interpretando tais normativas a jurisprudência da Corte Bandeirante já repeliu alegação de nulidade diante da não realização do ato procedimental em análise, de acordo com as especificidades do caso em concerto.
Logo, podemos concluir que a realização de audiência de custódia é obrigatória. Entretanto, se por qualquer motivo tal ato não puder se concretizar deverão ser ponderadas, pelo julgador, as razões declinadas e sua veracidade, bem como se estavam presentes os motivos da prisão cautelar na modalidade preventiva.
Notas
1STF, ADPF 347 MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, j. 09.09.2015. Ementa: “CUSTODIADO – INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL – SISTEMA PENITENCIÁRIO – ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL – ADEQUAÇÃO. Cabível é a arguição de descumprimento de preceito fundamental considerada a situação degradante das penitenciárias no Brasil. SISTEMA PENITENCIÁRIO NACIONAL – SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA – CONDIÇÕES DESUMANAS DE CUSTÓDIA – VIOLAÇÃO MASSIVA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS – FALHAS ESTRUTURAIS – ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL – CONFIGURAÇÃO. Presente quadro de violação massiva e persistente de direitos fundamentais, decorrente de falhas estruturais e falência de políticas públicas e cuja modificação depende de medidas abrangentes de natureza normativa, administrativa e orçamentária, deve o sistema penitenciário nacional ser caraterizado como “estado de coisas inconstitucional”. FUNDO PENITENCIÁRIO NACIONAL – VERBAS – CONTINGENCIAMENTO. Ante a situação precária das penitenciárias, o interesse público direciona à liberação das verbas do Fundo Penitenciário Nacional. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA – OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. Estão obrigados juízes e tribunais, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a realizarem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contado do momento da prisão.” (grifos nossos).
2TÓPOR, Klayton Augusto Martins; NUNES, Andréia Ribeiro. Audiência de custódia: controle jurisdicional da prisão em flagrante, p. 29.
3BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal, p. 1049.
4TÓPOR, Klayton Augusto Martins; NUNES, Andréia Ribeirto. Audiência de custódia: controle jurisdicional da prisão em flagrante, p. 57.
5BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal, p. 1049.
6SILVA, Marco Antonio Marques da. Direito constitucional contemporâneo, pp. 394-395.
7MISTRAL, Gabriela. Por la humanidad futura, pp. 273-274. “Lustremos la mohosa plata de la Democracia que há envejecido demasiado pronto, pero que tiene renovación posible bajo estos soles e sobre los limos generosos que son los nuestros. Raspemos la roña de su piel más manchada que muerta; abandonemos sus pasitos médio infantiles y valentudinarios. Su nombre es eufónico de oír y ancho de leer: cuatro sílabas, três dulces y una viril. No hay que tirar la tela antigua si es válida todavía. Sabemos que el ser humano es una máquina de estropear o aplebeyar demasiado pronto todo cuanto él usa por algún tiempo. La Democracia ha venido a menos a causa de que hemos hallado cortas sus medidas y de que sorprendimos muchas veces ne la simulación de la justicia, distribuyendo unas dosis parvas de más. Yo me la quiero todavia. Me la quise desde la juventude, cuando la vi apareada com la libertad. Unida a ésta, ella vivía, y casi comprendiéndola.”
8SILVA, Marco Antonio Marques da. Tráfico de pessoas, p. 195.
9MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Comentários à Constituição Federal de 1988, pp. 21-22.
10LASSALE, Ferdinand. O que é uma Constituição?, pp. 27-28.
11SILVA, Marco Antonio Marques da. Tratado luso-brasileiro da dignidade humana, p. 225.
12SILVA, Marco Antonio Marques da. Tratado luso-brasileiro da dignidade humana, p. 229.
13Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
14Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
15KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado, p. 464.
16PERELMAN, Chaïm. Ética e direito, pp. 194-195.
17SILVA, Marco Antonio Marques da Silva. O processo como ponte entre o cidadão e o poder jurisdicional. Cadernos Jurídicos, Direito Processual Penal, Escola Paulista da Magistratura, n. 44.
18PERELMAN, Chaïm. Ética e direito, pp. 195-196.
19SILVA, Marco Antonio Marques da Silva. Oração de Sapiência, a latinidade influência ecumênica de Fátima, p. 32.
20SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, pp. 223-224.
21MENDES, Gilmar Ferreira. Comentários à Constituição do Brasil, p. 429.
22CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Comentários à Constituição do Brasil, p. 453.
23CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Comentários à Constituição do Brasil, pp. 455-456.
24SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. Comentários à Constituição Federal de 1988, p. 231.
25CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Comentários à Constituição do Brasil, p. 456.
26STJ, RHC 83387/RS, 5ª Turma, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 06.06.2017. Ementa: “RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. AUSÊNCIA DE REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. IRREGULARIDADE SUPERADA COM O DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO DA PRISÃO. GRAVIDADE CONCRETA (APREENSÃO DE 9,856Kg DE MACONHA). AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECURSO IMPROVIDO. 1. Homologado o flagrante e convertida a prisão em preventiva, fica superada a alegação de nulidade em razão da não realização da audiência de custódia, por se tratar de novo título a justificar a privação da liberdade. Precedentes. 2. Para a decretação da prisão preventiva é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria. Exige-se, ainda que a decisão esteja pautada em lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato (art. 312 do CPP), demonstrada, ainda, a imprescindibilidade da medida. Precedentes do STF e STJ. 3. Na espécie, a medida constritiva da liberdade foi mantida pelo Tribunal impetrado em razão das circunstâncias concretas do flagrante, notadamente pela significativa quantidade de droga apreendida, cerca de 9,856kg de maconha acondicionados em 29 pacotes escondidos no estepe e no capô do porta-malas do veículo proveniente do Paraguai. Prisão preventiva mantida para garantia da ordem pública. Precedentes. 4. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento.”
27CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Comentários à Constituição do Brasil, p. 460.
28CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Comentários à Constituição do Brasil, p. 461.
29STRECK, Lenio Luiz. Comentários à Constituição do Brasil, p. 474.
30STF, ADI 5240/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 20.08.2015. Ementa: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PROVIMENTO CONJUNTO 03/2015 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. 1. A Convenção Americana sobre Direitos do Homem, que dispõe, em seu artigo 7º, item 5, que “toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz”, posto ostentar o status jurídico supralegal que os tratados internacionais sobre direitos humanos têm no ordenamento jurídico brasileiro, legitima a denominada “audiência de custódia”, cuja denominação sugere-se “audiência de apresentação”. 2. O direito convencional de apresentação do preso ao Juiz, consectariamente, deflagra o procedimento legal de habeas corpus, no qual o Juiz apreciará a legalidade da prisão, à vista do preso que lhe é apresentado, procedimento esse instituído pelo Código de Processo Penal, nos seus artigos 647 e seguintes. 3. O habeas corpus ad subjiciendum, em sua origem remota, consistia na determinação do juiz de apresentação do preso para aferição da legalidade da sua prisão, o que ainda se faz presente na legislação processual penal (artigo 656 do CPP). 4. O ato normativo sob o crivo da fiscalização abstrata de constitucionalidade contempla, em seus artigos 1º, 3º, 5º, 6º e 7º normas estritamente regulamentadoras do procedimento legal de habeas corpus instaurado perante o Juiz de primeira instância, em nada exorbitando ou contrariando a lei processual vigente, restando, assim, inexistência de conflito com a lei, o que torna inadmissível o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade para a sua impugnação, porquanto o status do CPP não gera violação constitucional, posto legislação infraconstitucional. 5. As disposições administrativas do ato impugnado (artigos 2º, 4° 8°, 9º, 10 e 11), sobre a organização do funcionamento das unidades jurisdicionais do Tribunal de Justiça, situam-se dentro dos limites da sua autogestão (artigo 96, inciso I, alínea a, da CRFB). Fundada diretamente na Constituição Federal, admitindo ad argumentandum impugnação pela via da ação direta de inconstitucionalidade, mercê de materialmente inviável a demanda. 6. In casu, a parte do ato impugnado que versa sobre as rotinas cartorárias e providências administrativas ligadas à audiência de custódia em nada ofende a reserva de lei ou norma constitucional. 7. Os artigos 5º, inciso II, e 22, inciso I, da Constituição Federal não foram violados, na medida em que há legislação federal em sentido estrito legitimando a audiência de apresentação. 8. A Convenção Americana sobre Direitos do Homem e o Código de Processo Penal, posto ostentarem eficácia geral e erga omnes, atingem a esfera de atuação dos Delegados de Polícia, conjurando a alegação de violação da cláusula pétrea de separação de poderes. 9. A Associação Nacional dos Delegados de Polícia – ADEPOL, entidade de classe de âmbito nacional, que congrega a totalidade da categoria dos Delegados de Polícia (civis e federais), tem legitimidade para propor ação direta de inconstitucionalidade (artigo 103, inciso IX, da CRFB). Precedentes. 10. A pertinência temática entre os objetivos da associação autora e o objeto da ação direta de inconstitucionalidade é inequívoca, uma vez que a realização das audiências de custódia repercute na atividade dos Delegados de Polícia, encarregados da apresentação do preso em Juízo. 11. Ação direta de inconstitucionalidade PARCIALMENTE CONHECIDA e, nessa parte, JULGADA IMPROCEDENTE, indicando a adoção da referida prática da audiência de apresentação por todos os tribunais do país.”
31HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional na República Federal da Alemanha, p. 94.
32ISHIDA, Valter Kenji. Prática jurídica de habeas corpus, pp. 3-4.
33LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal, p. 1.130.
34ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 488.
35SARMENTO, Daniel. Arquivos de direitos humanos, p. 65.
36CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre direitos fundamentais, p. 79.
37GARZÓN, Fabio Espitia. Instituciones de derecho procesal penal, p. 85. (Tradução livre da autora). Texto original: “Aunque em desarrollo del postulado del favor libertatis nadie puede ser molestado em su persona o família, ni privado de su libertad, ni su domicilio registrado, sino en virtude de mandamiento escrito de autoridade judicial competente, expedido con las formalidades legales y por motivo previamente definido en la ley, el principio adquiere mayor significado si se observa que el proceso penal propende hacia el estado de liberdade personal. Com consecuencia de lo anterior, quien considere que se encuentra ilegalmente privado de su libertad, puede invocar ante cualquer juez, en todo tempo, por sí o por interpuesta persona, el habeas corpus, que se deve resolver em el término de treinta y seis horas (art. 30 C.N.). El tema se encuentra actualmente regulado por la Ley 1095 de 2006. Así mesmo, la captura solo procede por decisión judicial salvo las excepciones que permiten hacerlo por cualquier persona o autoridad. De otra parte, es función del juez de control de garantías ordenar medidas de coerción de carácter personal cuando de los elementos probatorios y evidencia física e información se pueda inferir que el imputado es autor o partícipe de la conducta que se investiga, siempre y cuando la medida sea necesaria para evitar que el imputado obstruya la justicia, constituya un peligro para la sociedad o la víctima o resulte probable que aquel no comparecerá al processo o no cumplirá con la sentencia (art. 2º inc. 3, modificado por el art. 1º L. 1142 de 2007, y 308).”
38BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal, p. 1049.
39BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal, p. 1049.
40CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de Processo Penal: comentários consolidados e crítica jurisprudencial, p. 621.
41BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal, p. 1050.
42STF, HC133992/DF, 1ª Turma, rel. Min. Edson Fachin, j. 11.10.2016. Ementa: “HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. SUBSTITUTIVO DE AGRAVO REGIMENTAL. NÃO CONHECIMENTO. AUDIÊNCIA DE APRESENTAÇÃO. REALIZAÇÃO OBRIGATÓRIA. DIREITO SUBJETIVO DO PRESO. PRISÃO CONVERTIDA EM PREVENTIVA. PREJUÍZO. INEXISTÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Da irresignação à monocrática negativa de seguimento do habeas corpus impetrado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, cabível é agravo regimental, a fim de que a matéria seja analisada pelo respectivo Colegiado. 2. Nos termos do decidido liminarmente na ADPF 347/DF (Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 09/09/2015), por força do Pacto dos Direitos Civis e Políticos, da Convenção Interamericana de Direitos Humanos e como decorrência da cláusula do devido processo legal, a realização de audiência de apresentação é de observância obrigatória. 3. Descabe, nessa ótica, a dispensa de referido ato sob a justificativa de que o convencimento do julgador quanto às providências do art. 310 do CPP encontra-se previamente consolidado. 4. A conversão da prisão em flagrante em preventiva não traduz, por si, a superação da flagrante irregularidade, na medida em que se trata de vício que alcança a formação e legitimação do ato constritivo. 5. Considerando que, a teor do art. 316 do Código de Processo Penal, as medidas cautelares podem ser revisitadas pelo Juiz competente enquanto não ultimado o ofício jurisdicional, incumbe a reavaliação da constrição, mediante a realização de audiência de apresentação. 6. Ordem concedida de ofício, julgado prejudicado o agravo regimental.” (Grifos nossos).
43MENDES, Gilmar Ferreira. Comentários à Constituição do Brasil, p. 429.
44JIMÉNEZ A., María Angélica; SANTOS A., Tamara; MEDINA G., Paula. Un nuevo tiempo para La Justicia Penal, p. 54. (Tradução livre da autora. Texto no original: “El juicio oral se justifica en una sociedad democrática y desarrollada por transmitir una serie de aspectos de caráter ético – los valores que fundamentan los derechos políticos, de la democracia y el control del poder – así como la legitimidad del juzgamiento”).
45BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal, p. 1050.
46Tradução livre da autora sobre os fundamentos no julgamento, pela Corte, do caso Tibi versus Equador a respeito da violação pelo Estado do diposto no art. 7.5 da Convenção Americana. (Texto original: “Además, la Comisión señaló que el Estado no otorgó al señor Tibi la posibilidad de interponer un recurso contra los malos tratos supuestamente recibidos durante su detención ni contra su detención preventiva prolongada, la cual se alega violatoria de la propia legislación interna, y que tampoco existía un recurso rápido y sencillo que se pudiera interponer ante un tribunal competente para protegerse de las violaciones a sus derechos fundamentales”. “De acuerdo con los hechos alegados en la demanda, el señor Daniel Tibi era comerciante de piedras preciosas. Fue arrestado el 27 de septiembre de 1995, mientras conducía su automóvil por una calle de la Ciudad de Quito, Ecuador. Según la Comisión, el señor Tibi fue detenido por oficiales de la policía de Quito sin orden judicial. Luego fue llevado en avión a la ciudad de Guayaquil, aproximadamente a 600 kilómetros de Quito, donde fue recluído en una cárcel y quedó detenido ilegalmente por veintiocho meses. Agrega la Comisión que el señor Daniel Tibi afirmó que era inocente de los cargos que se le imputaban y fue torturado en varias ocasiones, golpeado, quemado y “asfixiado” para obligarlo a confesar su participación en un caso de narcotráfico. Además, la Comisión indicó que cuando el señor Tibi fue arrestado se le incautaron bienes de su propiedad valorados em un millón de francos franceses, los cuales no le fueron devueltos cuando fue liberado, el 21 de enero de 1998. La Comisión entiende que las circunstancias que rodearon el arresto y la detención arbitraria del señor Tibi, en el marco de la Ley de Sustancias Estupefacientes y Psicotrópicas ecuatoriana, revelan numerosas violaciones de las obligaciones que la Convención Americana impone al Estado”.
47“Asimismo, la Comisión solicitó a la Corte que ordenara al Estado adoptar uma reparación efectiva en la que se incluya la indemnización por los daños moral y material sufridos por el señor Tibi. Además, pidió que el Estado adopte las medidas legislativas o de otra índole necesarias para garantizar el respeto a los derechos consagrados en la Convención respecto de todas las personas bajo su jurisdicción, y para evitar, en el futuro, violaciones similares a las cometidas en este caso. Finalmente, la Comisión requirió a la Corte que ordenara al Estado pagar las costas y gastos razonables y justificados generados en la tramitación del caso en la jurisdicción interna y ante el sistema interamericano”. “ Las garantías del artículo 7.5 de la Convención están orientadas tanto a la revisión judicial de cualquier privación de la libertad, como al control del tiempo que una persona permanece detenida o encarcelada. La revisión judicial es el mecanismo de control idóneo para evitar detenciones arbitrarias e ilegales. Los objetivos de la presentación ante un juez u otra autoridad judicial son: evaluar si hay razones jurídicas suficientes para el arresto y si se requiere la detención antes del juicio, salvaguardar el bienestar del detenido y evitar la violación de los derechos fundamentales del detenido; k) el señor Daniel Tibi nunca fue llevado ante el juez que conocía la causa. Tampoco hay constancia de que el juez se haya traslado a la penitenciaría en donde estaba el señor Tibi; l) si la persona detenida es llevada ante un funcionario que no es juez, la jurisprudencia internacional ha señalado que aquél debe cumplir tres requisitos: estar autorizado por ley para ejercer funciones judiciales, satisfacer la garantía de independencia e imparcialidad, y tener la facultad de revisar los motivos de la detención y, de ser el caso, decretar la libertad. En el presente caso, Daniel Tibi fue llevado ante un fiscal, nunca compareció ante un juez y dicho fiscal no cumplía los requisitos ya mencionados; m) en el Ecuador los procesados simplemente no comparecen ante un juez, es decir, la exigencia “sin demora” nunca se cumple; y n) en el Ecuador la prisión preventiva no se utiliza de manera excepcional, sino constituye una regla. En este caso no existía ningún indicio fuerte, unívoco y directo que significan una presunción grave, precisa y concordante en contra del señor Tibi, que justificara la prolongación de la detención por más de dos años.”
48“Consideraciones de la Corte. El artículo 7 de la Convención Americana dispone que: 1. Toda persona tiene derecho a la libertad y a la seguridad personales. 2. Nadie puede ser privado de su libertad física, salvo por las causas y en las condiciones fijadas de antemano por las Constituciones Políticas de los Estados partes o por las leyes dictadas conforme a ellas. 3. Nadie puede ser sometido a detención o encarcelamiento arbitrarios. 4. Toda persona detenida o retenida debe ser informada de las razones de su detención y notificada, sin demora, del cargo o cargos formulados contra ella. 5. Toda persona detenida o retenida debe ser llevada, sin demora, ante un juez u otro funcionario autorizado por la ley para ejercer funciones judiciales y tendrá derecho a ser juzgada dentro de un plazo razonable o a ser puesta en libertad, sin perjuicio de que continúe el proceso. Su libertad podrá estar condicionada a garantías que aseguren su comparecencia en el juicio. 6. Toda persona privada de libertad tiene derecho a recurrir ante un juez o tribunal competente, a fin de que éste decida, sin demora, sobre la legalidad de su arresto o detención y ordene su libertad si el arresto o la detención fueron ilegales. En los Estados Partes cuyas leyes prevén que toda persona que se viera amenazada de ser privada de su libertad tiene derecho a recurrir a un juez o tribunal competente a fin de que éste decida sobre la legalidad de tal amenaza, dicho recurso no puede ser restringido ni abolido. Los recursos podrán interponerse por sí o por otra persona. (…). En consonancia, el segundo Principio para la Protección de Todas las Personas Sometidas a Cualquier Forma de Detención o Prisión de Naciones Unidas señala que arresto, la detención o la prisión sólo se llevarán a cabo en estricto cumplimiento de la ley y por funcionarios competentes o personas autorizadas para ese fin. Por su parte, el Principio cuarto del mismo instrumento internacional declara que toda forma de detención o prisión y todas las medidas que afectan a los derechos humanos de las personas sometidas a cualquier forma de detención o prisión deberán ser ordenadas por un juez u otra autoridad, o quedar sujetas a la fiscalización efectiva de un juez u otra autoridad. Esta Corte ha señalado que la protección de la libertad salvaguarda “tanto la libertad física de los individuos como la seguridad personal, en un contexto en el que la ausencia de garantías puede resultar en la subversión de la regla de derecho y en la privación a los detenidos de las formas mínimas de protección legal”. Asimismo, este Tribunal ha manifestado, en relación con los incisos 2 y 3 del artículo 7 de la Convención, sobre la prohibición de detenciones o arrestos ilegales o arbitrarios, que: (s)egún el primero de tales supuestos normativos artículo 7.2 de la Convención nadie puede verse privado de la libertad sino por las causas, casos o circunstancias expresamente tipificadas en la ley (aspecto material), pero, además, con estricta sujeción a los procedimientos objetivamente definidos en la misma (aspecto formal). En el segundo supuesto artículo 7.3 de la Convención), se está en presencia de una condición según la cual nadie puede ser sometido a detención o encarcelamiento por causas y métodos que -aun calificados de legales- puedan reputarse como incompatibles con el respeto a los derechos fundamentales del individuo por ser, entre otras cosas, irrazonables, imprevisibles o faltos de proporcionalidad. La Constitución Política del Ecuador, codificada en 1984, vigente al momento de la detención del señor Daniel Tibi, disponía en su artículo 19.17.h que: (n)adie será privado de su libertad sino en virtud de orden escrita de autoridad competente, en los casos, por el tiempo y con las formalidades prescritas por la ley salvo delito flagrante, en cuyo caso tampoco podrá mantenérsele sin fórmula de juicio por más de 24 horas; en cualquiera de los casos, no podrá ser incomunicado por más de 24 horas. El Código de Procedimiento Penal del Ecuador de 1983, vigente en la época de los hechos, establecía en su artículo 170 que: (a) fin de garantizar la inmediación del acusado con el proceso, el pago de la indemnización de daños y perjuicios al ofendido y las costas procesales, el Juez podrá ordenar medidas cautelares de carácter personal o de carácter real. El artículo 172 del mismo ordenamiento disponía que: (c)on el objeto de investigar la comisión de un delito, antes de iniciada la respectiva acción penal, el Juez competente podrá ordenar la detención de una persona, sea por conocimiento personal o por informes verbales o escritos de los agentes de la Policía Nacional o de la Policía Judicial o de cualquier otra persona, que establezcan la constancia del delito y las correspondientes presunciones de responsabilidad. Esta detención se ordenará mediante boleta que contendrá los siguientes requisitos: 1. Los motivos de la detención; 2. El lugar y la fecha en la que se la expide; y 3. la firma del Juez competente. Para el cumplimiento de la orden de detención se entregará dicha boleta a un Agente de la Policía Nacional o de la Policía Judicial. Igualmente, el citado Código, disponía en su artículo 174 que: (e)n el caso de delito flagrante cualquier persona puede aprehender al autor y conducirlo a presencia del Juez competente o de un Agente de la Policía Nacional o de la Policía Judicial. (…) 103. De conformidad con los artículos 19.17.h de la Constitución Política y 172 y 174 del Código de Procedimiento Penal del Ecuador, vigentes al momento de los hechos, se requiere orden judicial para detener a una persona, salvo que haya sido aprehendida en delito flagrante. En el presente caso, está probado que en la detención del señor Daniel Tibi no se cumplió el procedimiento establecido en las citadas normas. Efectivamente, la presunta víctima no fue sorprendida in fraganti, sino que fue detenida cuando conducía su automóvil en la ciudad de Quito, sin que existiera orden de detención en su contra, que se expidió al día siguiente de dicha detención, es decir, el 28 de septiembre de 1995 (supra párr. 90.13). A la luz de lo anterior, la detención ilegal del señor Daniel Tibi configura una violación al artículo 7.2 de la Convención Americana. 104. Se ha constatado que la detención del señor Tibi se sustentó en la declaración singular de un coacusado, lo cual está prohibido por el artículo 108 del Código de Procedimiento Penal, que establecía que “en ningún caso el juez admitirá como testigos a los coacusados (…)”. En dicha declaración, el señor Eduardo Edison García León afirmó que “un sujeto francés de nombre Daniel, (…) llegó a proveerle hasta cincuenta gramos de (cocaína) por dos o tres ocasiones” (supra párr. 90.8). 105. Quedó probado que el 4 de octubre de 1995 el Juez Primero de lo Penal del Guayas dictó auto cabeza del proceso y ordenó la prisión preventiva del señor Daniel Tibi, quien permaneció detenido casi 28 meses (supra párr. 90.18). El Código de Procedimiento Penal establecía que “(e)l juez podrá dictar auto de prisión preventiva cuando lo creyere necesario, siempre que aparezcan los siguientes datos procesales: 1. Indicios que hagan presumir la existencia de un delito que merezca pena privativa de libertad; y 2. Indicios que hagan presumir que el sindicado es autor o cómplice del delito que es objeto del proceso (…)” (artículo 177).
49“La Corte considera indispensable destacar que la prisión preventiva es la medida más severa que se le puede aplicar al imputado de un delito, motivo por el cual su aplicación debe tener un carácter excepcional, en virtud de que se encuentra limitada por los principios de legalidad, presunción de inocencia, necesidad y proporcionalidad, indispensables en una sociedad democrática. 107. El Estado dispuso la prisión preventiva del señor Daniel Tibi, sin que existieran indicios suficientes para suponer que la presunta víctima fuera autor o cómplice de algún delito; tampoco probó la necesidad de dicha medida. Por ello, este Tribunal considera que la prisión preventiva a la que estuvo sometido el señor Tibi fue arbitraria y constituyó violación del artículo 7.3 de la Convención. 108. Los incisos 4, 5 y 6 del artículo 7 de la Convención Americana establecen obligaciones de carácter positivo que imponen exigencias específicas tanto a los agentes del Estado como a terceros que actúen con la tolerancia o anuencia de éste y sean responsables de la detención130. 109. Esta Corte ha establecido que el artículo 7.4 de la Convención contempla un mecanismo para evitar conductas ilegales o arbitrarias desde el acto mismo de privación de libertad y garantiza la defensa del detenido. Tanto éste como quienes ejercen representación o custodia legal de él tienen derecho a ser informados de los motivos y razones de la detención y acerca de los derechos que tiene el detenido. 110. Asimismo, el Principio décimo para la Protección de Todas las Personas Sometidas a Cualquier Forma de Detención o Prisión de Naciones Unidas, declara que (t)oda persona arrestada será informada en el momento de su arresto de la razón por la que se procede a él y notificada sin demora de la acusación formulada contra ella. 111. En el caso sub judice se ha demostrado que el señor Tibi, al momento de su detención, efectuada el 27 de septiembre de 1995, no fue informado de las verdaderas razones de aquélla, ni notificado de los cargos que se le imputaban y los derechos con que contaba, y tampoco se le mostró la orden de detención, que el Juez Primero de lo Penal del Guayas dictó un día después, 28 de septiembre de 1995. La razón que se le dio fue que se trataba de un control migratorio (supra párr. 90.11). 112. Por otra parte, el detenido, al momento de ser privado de su libertad y antes de que rinda su primera declaración ante la autoridad, debe ser notificado de su derecho de establecer contacto con una tercera persona, por ejemplo, un familiar, un abogado o un funcionario consular, según corresponda, para informarle que se halla bajo custodia del Estado. La notificación a un familiar o allegado tiene particular relevancia, a efectos de que éste conozca el paradero y las circunstancias en que se encuentra el inculpado y pueda proveerle la asistencia y protección debidas. En el caso de la notificación a un abogado tiene especial importancia la posibilidad de que el detenido se reúna en privado con aquél, lo cual es inherente a su derecho a beneficiarse de una verdadera defensa. En el caso de la notificación consular, la Corte ha señalado que el cónsul “podrá asistir al detenido en diversos actos de defensa, como el otorgamiento o contratación de patrocinio letrado, la obtención de pruebas en el país de origen, la verificación de las condiciones en que se ejerce la asistencia legal y la observación de la situación que guarda el procesado mientras se halla en prisión”. Esto no ocurrió en el presente caso. 113. Con base en lo anteriormente expuesto, esta Corte considera que el Estado violó el artículo 7.4 de la Convención, en perjuicio del señor Daniel Tibi. 114. El artículo 7.5 de la Convención dispone que la detención de una persona sea sometida sin demora a revisión judicial, como medio de control idóneo para evitar las capturas arbitrarias e ilegales. El control judicial inmediato es una medida tendiente a evitar la arbitrariedad o ilegalidad de las detenciones, tomando en cuenta que en un Estado de derecho corresponde al juzgador garantizar los derechos del detenido, autorizar la adopción de medidas cautelares o de coerción, cuando sea estrictamente necesario, y procurar, en general, que se trate al inculpado de manera consecuente con la presunción de inocencia. 115. Tanto la Corte Interamericana como la Corte Europea de Derechos Humanos han destacado la importancia que reviste el pronto control judicial de las detenciones. Quien es privado de libertad sin control judicial debe ser liberado o puesto inmediatamente a disposición de un juez. La Corte Europea de Derechos Humanos ha sostenido que si bien el vocablo “inmediatamente” debe ser interpretado conforme a las características especiales de cada caso, ninguna situación, por grave que sea, otorga a las autoridades la potestad de prolongar indebidamente el período de detención, porque esto quebrantaría el artículo 5.3 de la Convención Europeia”.
50“116. El artículo 173 del Código de Procedimiento Penal del Ecuador establecía que: (l)a detención de que trata el artículo (172) no podrá exceder de cuarenta y ocho horas, y dentro de este término, de encontrarse que el detenido no ha intervenido en el delito que se investiga, inmediatamente se lo pondrá en libertad. En caso contrario, se iniciará el respectivo proceso penal, y si procede, se dictará auto de prisión preventiva. 117. En el presente caso, el señor Tibi fue presentado el 28 de septiembre de 1995 ante un Agente Fiscal. En ese momento rindió su “declaración preprocesal”. El Estado alegó que “el hecho de que el informe policial relativo a la investigación realizada por la Policía Nacional fuera remitido al juez competente el día 29 de septiembre de 1995, es decir, dos días después de la detención, demuestra que fue llevado ante las autoridades judiciales sin violar en forma alguna el término ‘sin demora’ utilizado por el artículo 7.5 de la Convención”. Según la Comisión y los representantes el señor Tibi no compareció personalmente y sin demora ante un juez o autoridad competente. 118. Este Tribunal estima necesario realizar algunas precisiones sobre este punto. En primer lugar, los términos de la garantía establecida en el artículo 7.5 de la Convención son claros en cuanto a que la persona detenida debe ser llevada sin demora ante un juez o autoridad judicial competente, conforme a los principios de control judicial e inmediación procesal. Esto es esencial para la protección del derecho a la libertad personal y para otorgar protección a otros derechos, como la vida y la integridad personal. El hecho de que un juez tenga conocimiento de la causa o le sea remitido el informe policial correspondiente, como lo alegó el Estado, no satisface esa garantía, ya que el detenido debe comparecer personalmente ante el juez o autoridad competente. En el caso en análisis, el señor Tibi manifestó que rindió declaración ante un “escribano público” el 21 de marzo de 1996. En el expediente no hay prueba alguna para llegar a una conclusión diferente. 119. En segundo lugar, un “juez u otro funcionario autorizado por la ley para ejercer funciones judiciales” debe satisfacer los requisitos establecidos en el primer párrafo del artículo 8 de la Convención. En las circunstancias del presente caso, la Corte entiende que el Agente Fiscal del Ministerio Público que recibió la declaración preprocesal del señor Tibi, de conformidad con el artículo 116 de la Ley de Sustancias Estupefacientes y Psicotrópicas, no estaba dotado de atribuciones para ser considerado “funcionario autorizado para ejercer funciones judiciales”, en el sentido del artículo 7.5 de la Convención, ya que que la propia Constitución Política del Ecuador, en ese entonces vigente, establecía en su artículo 98, cuáles eran los órganos que tenían facultades para ejercer funciones judiciales y no otorgaba esa competencia a los agentes fiscales. Asimismo, el agente fiscal no poseía facultades suficientes para garantizar el derecho a la libertad y la integridad personales de la presunta víctima. 120. Por otra parte, el artículo 7.5 de la Convención Americana establece que la persona detenida “tendrá derecho a ser juzgada dentro de un plazo razonable o a ser puesta en libertad, sin perjuicio de que continúe el proceso”. Toda vez que la detención del señor Daniel Tibi fue ilegal y arbitraria, el Tribunal no considera necesario entrar a considerar si el tiempo transcurrido entre su detención y su liberación sobrepasó los límites de lo razonable. 121. Por ello, la Corte considera que el Estado no cumplió con su obligación de hacer comparecer al señor Daniel Tibi, sin demora, ante una autoridad judicial competente, como lo requiere el artículo 7.5 de la Convención. 122. Es consecuencia, la Corte concluye que el Estado violó el artículo 7.1, 7.2, 7.3, 7.4 y 7.5 de la Convención Americana, en relación con el artículo 1.1 de la misma, en perjuicio del señor Daniel Tibi”.
51ALFLEN, Pablo Rodrigo. Audiência de custódia, comentários à Resolução 213 do Conselho Nacional de Justiça, 2016, p. 17.
52BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal, p. 1051.
53SILVA, Marco Antonio Marques da. Processo penal e garantias constitucionais, pp. 490-491.
54BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal, p. 1051.
55BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal, pp. 1051-1052.
56Idem, pp. 1052-1053.
57CALAMANDREI, Piero. Eles, os Juízes, visto por um advogado, pp. 355-357.
58SANNINI, Francisco Neto e CASTRO, Henrique Hoffmann Monteiro de. Audiência de custódia deve ser feita por delegado de polícia.
59TJ/RS, Ementa: “HABEAS CORPUS. ARTIGOS 171, 297 E 304, TODOS DO CP. LIBERDADE CONCEDIDA MEDIANTE PAGAMENTO DE FIANÇA. ALEGADA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. NÃO VERIFICADA. PACIENTE PRESO EM RAZÃO DO NÃO PAGAMENTO DA FIANÇA. 1. Não há ilegalidade na realização da audiência de custódia pelo Juiz plantonista. Constitucionalidade da disciplina pelos Tribunais da apresentação do preso à autoridade judicial competente afirmada pelo Supremo Tribunal Federal. 2. Decisão que entendeu ausentes os requisitos da prisão cautelar e concedeu liberdade provisória mediante pagamento de fiança. Não satisfeita a fiança, a prisão é mantida apenas em razão do seu não recolhimento. Constrangimento ilegal verificado. HABEAS CORPUS PARCIALMENTE PREJUDICADO. NA PARTE NÃO PREJUDICADA, CONCEDIDA A ORDEM”. (TJRS, HC 70.073.599.169, 4ª Câmara Criminal, rel. Des. Julio Cesar Finger, j. 18.05.2017).
60STF, ADI 5240/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 20.08.2015. Ementa: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PROVIMENTO CONJUNTO 03/2015 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. 1. A Convenção Americana sobre Direitos do Homem, que dispõe, em seu artigo 7º, item 5, que “toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz”, posto ostentar o status jurídico supralegal que os tratados internacionais sobre direitos humanos têm no ordenamento jurídico brasileiro, legitima a denominada “audiência de custódia”, cuja denominação sugere-se “audiência de apresentação”. 2. O direito convencional de apresentação do preso ao Juiz, consectariamente, deflagra o procedimento legal de habeas corpus, no qual o Juiz apreciará a legalidade da prisão, à vista do preso que lhe é apresentado, procedimento esse instituído pelo Código de Processo Penal, nos seus artigos 647 e seguintes. 3. O habeas corpus ad subjiciendum, em sua origem remota, consistia na determinação do juiz de apresentação do preso para aferição da legalidade da sua prisão, o que ainda se faz presente na legislação processual penal (artigo 656 do CPP). 4. O ato normativo sob o crivo da fiscalização abstrata de constitucionalidade contempla, em seus artigos 1º, 3º, 5º, 6º e 7º normas estritamente regulamentadoras do procedimento legal de habeas corpus instaurado perante o Juiz de primeira instância, em nada exorbitando ou contrariando a lei processual vigente, restando, assim, inexistência de conflito com a lei, o que torna inadmissível o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade para a sua impugnação, porquanto o status do CPP não gera violação constitucional, posto legislação infraconstitucional. 5. As disposições administrativas do ato impugnado (artigos 2º, 4° 8°, 9º, 10 e 11), sobre a organização do funcionamento das unidades jurisdicionais do Tribunal de Justiça, situam-se dentro dos limites da sua autogestão (artigo 96, inciso I, alínea a, da CRFB). Fundada diretamente na Constituição Federal, admitindo ad argumentandum impugnação pela via da ação direta de inconstitucionalidade, mercê de materialmente inviável a demanda. 6. In casu, a parte do ato impugnado que versa sobre as rotinas cartorárias e providências administrativas ligadas à audiência de custódia em nada ofende a reserva de lei ou norma constitucional. 7. Os artigos 5º, inciso II, e 22, inciso I, da Constituição Federal não foram violados, na medida em que há legislação federal em sentido estrito legitimando a audiência de apresentação. 8. A Convenção Americana sobre Direitos do Homem e o Código de Processo Penal, posto ostentarem eficácia geral e erga omnes, atingem a esfera de atuação dos Delegados de Polícia, conjurando a alegação de violação da cláusula pétrea de separação de poderes. 9. A Associação Nacional dos Delegados de Polícia – ADEPOL, entidade de classe de âmbito nacional, que congrega a totalidade da categoria dos Delegados de Polícia (civis e federais), tem legitimidade para propor ação direta de inconstitucionalidade (artigo 103, inciso IX, da CRFB). Precedentes. 10. A pertinência temática entre os objetivos da associação autora e o objeto da ação direta de inconstitucionalidade é inequívoca, uma vez que a realização das audiências de custódia repercute na atividade dos Delegados de Polícia, encarregados da apresentação do preso em Juízo. 11. Ação direta de inconstitucionalidade PARCIALMENTE CONHECIDA e, nessa parte, JULGADA IMPROCEDENTE, indicando a adoção da referida prática da audiência de apresentação por todos os tribunais do país.”
61BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal, p. 1053.
62Idem, pp. 1053-1054.
63FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal: o criminoso e o crime, pp. 186-187.
64Tradução livre da autora – Caso Chaparro versus Equador (texto no orginal de parte da fundamentação exarada pela Corte - “La Comisión indicó que al momento de los hechos el señor Chaparro, de nacionalidad chilena, era dueño de la fábrica “Aislantes Plumavit Compañía Limitada” (en adelante “la fábrica” o “la fábrica Plumavit”), dedicada a la elaboración de hieleras para el transporte y exportación de distintos productos, mientras que el señor Lapo, de nacionalidad ecuatoriana, era el gerente de dicha fábrica. Según la demanda, con motivo de la “Operación Antinarcótica Rivera”, oficiales de policía antinarcóticos incautaron el 14 de noviembre de 1997, en el Aeropuerto Simón Bolívar de la ciudad de Guayaquil, un cargamento de pescado de la compañía “Mariscos Oreana Maror” que iba a ser embarcado con destino a la ciudad de Miami, Estados Unidos de América. En dicho cargamento, afirmó la Comisión, fueron encontradas unas cajas térmicas o hieleras en las que se detectó la presencia de clorhidrato de cocaína y heroína. Según la demanda, el señor Chaparro fue considerado sospechoso de pertenecer a una “organización internacional delincuencial” dedicada al tráfico internacional de narcóticos, puesto que su fábrica se dedicaba a la elaboración de hieleras similares a las que se incautaron, motivo por el cual la Jueza Décimo Segunda de lo Penal del Guayas dispuso el allanamiento de la fábrica Plumavit y la detención con fines investigativos del señor Chaparro. Según la Comisión, al momento de la detención del señor Chaparro las autoridades estatales no le informaron de los motivos y razones de la misma, ni tampoco de su derecho a solicitar asistencia consular del país de su nacionalidad. La Comisión informó que el señor Lapo fue detenido, junto con otros empleados de la fábrica Plumavit, durante el allanamiento a dicha fábrica. La detención del señor Lapo supuestamente no fue en flagrancia ni estuvo precedida de orden escrita de juez, tampoco le habrían informado de los motivos y razones de su detención. Conforme a la jurisprudencia de esta Corte en otro caso relativo al Estado ecuatoriano, no puede considerarse que la declaración de las víctimas ante el fiscal cumpla con el derecho consagrado en el artículo 7.5 de la Convención de ser llevado ante un “juez u otro funcionario autorizado por la ley para ejercer funciones judiciales”43. 85. Por otro lado, la Corte no acepta el argumento estatal referente a que se cumplió con el artículo 7.5 puesto que la Jueza de la causa estuvo presente al momento de las detenciones y ejerció un control judicial directo, dando a entender que no había necesidad de llevar a las víctimas nuevamente ante ella. Aún cuando la presencia de la Jueza podría calificarse como una garantía adicional, no es suficiente por sí misma para satisfacer la exigencia del artículo 7.5 de “ser llevado” ante un juez. La autoridad judicial debe oír personalmente al detenido y valorar todas las explicaciones que éste le proporcione, para decidir si procede la liberación o el mantenimiento de la privación de libertad. En el presente caso no existe evidencia de que esto haya ocurrido. 86. Por lo expuesto, la Corte encuentra que la duración de la detención del señor Chaparro sobrepasó el máximo legal permitido, vulnerándose así el artículo 7.2 de la Convención, y que no fue llevado ante un juez “sin demora”, en violación del artículo 7.5 de la Convención”.
65BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal, p. 1055.
66BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal, pp. 1055-1056.
67FERRI, Enrico. Discursos penais de acusação, p. 95.
68FALCONE, Giovanni; PADOVANI, Marcelle. Coisas de Cosa Nostra: a máfia vista por seu pior inimigo, p. 83.
69BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal, p. 1056.
70SILVA, Marco Antonio Marques da; FREITAS, Jayme Walmer de. Código de Processo Penal comentado, p. 473.
71Art. 310 do CPP – “Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: I - relaxar a prisão ilegal; ou II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. Parágrafo único. Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação.”
72ARENDT, Hannah. A condição humana, pp. 237-238.
73“HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. AUSÊNCIA DE DEFENSOR NA LAVRATURA DO AUTO DE PRISÃO. ILEGALIDADE DA SEGREGAÇÃO POR NÃO REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. INAPLICABILIDADE. NÃO DEMONSTRADO O PERICULUM LIBERTATIS NO CASO CONCRETO. LIMINAR RATIFICADA. 1. O paciente teve o direito de que fosse comunicada sua família, bem como a um advogado para assisti-lo, não indicando nenhum defensor. Então, foram encaminhadas as peças do respectivo flagrante à Defensoria Pública, que, após ter acesso a tais peças, impetrou tão logo a presente ação constitucional, visando à liberdade provisória do ora paciente. Ilegalidade e prejuízo não verificados no caso concreto. 2. No que tange à falta realização da audiência de custódia, tal prática efetivamente é importante e auxilia na efetiva valoração da necessidade da prisão, em cada caso concreto. No entanto, não é ato obrigatório, de modo que sua não realização não conduz, automaticamente, à nulidade da prisão. Tanto dependeria de oportuno requerimento da defesa, inclusive com a demonstração do prejuízo pela não realização do ato. 3. No caso, a fundamentação quanto à necessidade de aplicação da custódia para garantia da ordem pública, em função da abstrata gravidade do delito de tráfico de drogas e suas repercussões sociais, se mostra insuficiente para a constrição da liberdade. Quando a autoridade apontada como coatora refere somente que a prisão preventiva é necessária para a garantia da ordem pública, o faz sem apontar objetivamente o periculum libertatis. A ordem pública sempre é violada pelo cometimento de qualquer delito, mas isto, por si só, não é suficiente para autorizar a segregação preventiva de um indivíduo, uma vez que esta exige a demonstração de que, em liberdade, continuará colocando em risco a ordem pública. No caso dos autos, nada há de concreto que indique que, em liberdade, o paciente colocará em risco a ordem pública ou de que prejudicará o andamento do processo. Paciente primário. Ademais, a revogação da cautelar, por ora, não impede a imposição de novas medidas, caso demonstrada tal necessidade no curso da instrução criminal. LIMINAR PARCIALMENTE DEFERIDA RATIFICADA. ORDEM CONCEDIDA, POR MAIORIA” (TJRS, HC 70073941833, 3ª Câmara Criminal, rel. Des. Sérgio Miguel Achutti Blattes, j. 21.06.2017). (Grifos nossos.)
74COSTA, Osny Brito da Júnior. A atuação do advogado criminalista na audiência de custódia.
75TJSP, Apelação nº 0006666-96.2016.8.26.0635, 11ª Câmara de Direito Criminal, rel. Des. Alexandre Almeida, j. 21.06.2017. Ementa: “Roubo – Audiência de custódia – Presença de elementos suficientes para justificar a conversão da prisão em flagrante em preventiva – Dispensabilidade – Inteligência do art. 3º, § 2º, do Provimento Conjunto nº 03/2015 e art. 4º do Provimento Conjunto nº 04/2015, ambos da Presidência e Corregedoria Geral de Justiça deste E. Tribunal de Justiça – Nulidade – Inexistência – Preliminar rejeitada; Roubo – Exame de dependência química – Ausência de prova de comprometimento da capacidade de entendimento do fato – Desnecessidade – Nulidade – Inexistência – Preliminar rejeitada; Roubo – Prisão em flagrante na posse da res furtiva – Agente que admite a autoria e nega a prática de violência física – Reconhecimento pela vítima na delegacia – Confirmação pelos policiais sobre esse reconhecimento – Prova segura e suficiente da autoria – Condenação mantida; Roubo – Tentativa – Inocorrência – Súmula nº 582, do Colendo Superior Tribunal de Justiça – Pena e regime corretos – Recurso improvido”.
76TJSP, HC 2239106-92.2016.8.26.0000, 4ª Câmara de Direito Criminal, rel. Des. Ivan Startori, j. 31.01.2017. Ementa: “Habeas Corpus – Homicídio simples tentado – Prisões em flagrante convertidas em preventivas, em sede de plantão – Ratificação pela vara – Decisão que se sustenta – Ausência de elementos a indicarem irregularidade na custódia – Não realização da audiência de custódia que não compromete o trabalho policial – Precedente superior – Presunção relativa de veracidade do ato administrativo consubstanciado no flagrante não afastada – Apontamentos criminais a demonstrarem, em princípio, personalidades distorcidas – Residência fixa e ocupação lícita não demonstradas – Garantia da ordem pública e de aplicação da lei penal que se sobrepõe ao interesse individual – Exegese dos arts. 312 e 313, I, do CPP – Precedentes – Ordem denegada.”
77STJ, HC 344989/RJ, 5ª Turma, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 19.04.2016). “HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO FLAGRANTE. AUSÊNCIA DE AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. QUESTÃO SUPERADA. FLAGRANTE HOMOLOGADO PELO JUIZ E CONVERTIDO EM PRISÃO PREVENTIVA. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. GRAVIDADE CONCRETA. PERICULOSIDADE SOCIAL. NECESSIDADE DA PRISÃO PARA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. MEDIDAS CAUTELARES DO ART. 319 DO CPP. INVIABILIDADE. COAÇÃO ILEGAL NÃO DEMONSTRADA. 1. (...) 2. A não realização da audiência de custódia, por si só, não é apta a ensejar a ilegalidade da prisão cautelar imposta ao paciente, uma vez respeitados os direitos e garantias previstos na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Ademais, operada a conversão do flagrante em prisão preventiva, fica superada a alegação de nulidade na ausência de apresentação do preso ao Juízo de origem, logo após o flagrante. Precedentes. 3. A privação antecipada da liberdade do cidadão acusado de crime reveste-se de caráter excepcional em nosso ordenamento jurídico, e a medida deve estar embasada em decisão judicial fundamentada (art. 93, IX, da CF), que demonstre a existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Exige-se, ainda, na linha perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, que a decisão esteja pautada em motivação concreta, vedadas considerações abstratas sobre a gravidade do crime. 4. Na hipótese, é necessário verificar que a decisão do Magistrado de primeiro grau e o acórdão impetrado encontram-se fundamentados na garantia da ordem pública, considerando, sobretudo, a expressiva quantidade e variedade das drogas apreendidas - 321,8 g de maconha, distribuídas em 253 sacos plásticos, 570,85 gramas de cocaína, acondicionados em 640 frascos do tipo eppendorf e 130,5 g de crack, divididos em 435 invólucros plásticos -, circunstâncias essas que evidenciam a gravidade da conduta perpetrada e a periculosidade social do acusado, justificando-se, nesse contexto, a segregação cautelar como forma de resguardar a ordem pública. 5. Eventuais condições subjetivas favoráveis ao paciente, tais como primariedade, bons antecedentes e residência fixa, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva. Precedentes. 6. Mostra-se indevida a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, quando a segregação encontra-se fundada na gravidade concreta do delito, indicando que as providências menos gravosas seriam insuficientes para acautelar a ordem pública 7. Habeas corpus não conhecido.”
Referências
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. por Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2015.
ALFLEN, Pablo Rodrigo. Audiência de custódia, comentários à Resolução 213 do Conselho Nacional de Justiça. Mauro Fonseca Andrade e Pablo Rodrigo Alflen (org.). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016.
ARENDT, Hannah. A condição humana. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016.
BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal, 4. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
CALAMANDREI, Piero. Eles, os Juízes, visto por um advogado, São Paulo: Martins Fontes, 2000.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2004.
CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de. Comentários à Constituição do Brasil. José Joaquim Gomes Canotilho, Gilmar Ferreira Mendes, Ingo Wolfgang Sarlet, Lenio Luiz Streck e Léo Ferreira Leoncy (coord.). São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013.
CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de Processo Penal: comentários consolidados e crítica jurisprudencial. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
COSTA, Osny Brito Júnior. A atuação do advogado criminalista na audiência de custódia. Disponível em: <https://canalcienciascriminais.com.br/a-atuacao-do-advogado-criminalista-na-audiencia-de-custodia/>. Acesso em: 19.03.2017.
FALCONE, Giovanni e PADOVANI, Marcelle. Coisas de Cosa Nostra: a máfia vista por seu pior inimigo. Trad. por Luís de Paula. Rio de Janeiro: Rocco, 2012.
FERRI, Enrico. Discursos penais de acusação. São Paulo: Leme-SP, Edijur, 2014.
_______________. Princípios de direito criminal: o criminoso e o crime. 3. ed. Trad. por Luiz de Lemos D’ Oliveira. Campinas: Russell, 2009.
GARZÓN, Fabio Espitia. Instituciones de derecho procesal penal. 8. ed. Colombia: Información & Soluciones, 2011.
HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional na República Federal da Alemanha. Trad. por Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998.
ISHIDA, Valter Kenji. Prática jurídica de habeas corpus. São Paulo: Atlas, 2015.
JIMÉNEZ A. María Angélica; SANTOS A., Tamara e MEDINA G., Paula. Un nuevo tiempo para La Justicia Penal. Centro de Investigaciones Criminológicas de La Justicia Penal, Universidad Central, Chile. 2014.
KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2016.
LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Comentários à Constituição Federal de 1988. Paulo Bonavides, Jorge Miranda e Walber de Moura Agra (coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2009.
MENDES, Gilmar Ferreira. Comentários à Constituição do Brasil. José Joaquim Gomes Canotilho, Gilmar Ferreira Mendes, Ingo Wolfgang Sarlet, Lenio Luiz Streck e Léo Ferreira Leoncy (coord.). São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013.
MISTRAL, Gabriela. Por la humanidad futura, antologia política de Gabriela Mistral. La Pollera Ediciones, Chile, 2015.
PERELMAN, Chaïm. Ética e direito. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
SANNINI, Francisco Neto e CASTRO, Henrique Hoffmann Monteiro de. Audiência de custódia deve ser feita por delegado de polícia. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-dez-20/audiencia-custodia-feita-delegado-policia>. Acesso em: 19.03.2017.
SARMENTO, Daniel. Arquivos de direitos humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. Volume 4.
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2015.
SILVA, Marco Antonio Marques da. Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana. 2. ed. Jorge Miranda e Marco Antonio Marques da Silva (coord.). São Paulo: Quartier Latin, 2009.
_______________. O processo como ponte entre o cidadão e o poder jurisdicional. Cadernos Jurídicos, Direito Processual Penal, Escola Paulista da Magistratura, ano 17, número 44. São Paulo: 2016.
_______________. Direito constitucional contemporâneo, homenagem ao Professor Michel Temer. Newton de Lucca, Samantha Ribeiro Meyer-Pflug e Mariana Barboza Baeta Neves (coord.). São Paulo: Quartier Latin, 2012.
_______________. Tráfico de pessoas. Laerte I. Marzagão Júnior (coord.). São Paulo: Quartier Latin, 2010.
_______________. Oração de Sapiência, a latinidade influência ecumênica de Fátima. 1. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2010.
_______________. Processo penal e garantias constitucionais. Marco Antonio Marques da Silva (coord.). São Paulo: Quartier Latin, 2006.
SILVA, Marco Antonio Marques da e FREITAS, Jayme Walmer de. Código de Processo Penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2012.
SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. Comentários à Constituição Federal de 1988. Paulo Bonavides, Jorge Miranda e Walber de Moura Agra. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
STRECK, Lenio Luiz. Comentários à Constituição do Brasil. José Joaquim Gomes Canotilho, Gilmar Ferreira Mendes, Ingo Wolfgang Sarlet, Lenio Luiz Streck e Léo Ferreira Leoncy (coord.). São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013.
TÓPOR, Klayton Augusto Martins e NUNES, Andréia Ribeiro. Audiência de custódia: controle jurisdicional da prisão em flagrante. Florianópolis: Empório do Direito, 2015.
Citação
CRUZ, Érica Marcelina. Audiência de custódia. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Processo Penal. Marco Antonio Marques da Silva (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/440/edicao-1/audiencia-de-custodia
Edições
Tomo Processo Penal, Edição 1,
Agosto de 2020