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Regime jurídico das empresas estatais
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Alexandre Santos de Aragão
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Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 1, Abril de 2017
As empresas estatais surgiram como uma tentativa de o Estado se dotar de instrumentos mais ágeis de ação, partindo-se do pressuposto de que as pessoas jurídicas de direito público possuíam amarras e controles que impediam uma atuação eficiente, sobretudo na seara econômica, onde a inovação e as dinâmicas de mercado exigem uma atuação mais célere e adaptável a cada momento e demanda.1
Na verdade, essa necessidade, que inicialmente justificou a criação das empresas estatais, mais recentemente se espraiou até mesmo pelos organismos mais tradicionais da Administração Pública, estimulando a criação de figuras como agências executivas, contratos de gestão,2 adoção de metas e de remunerações premiais,3 configurando o que em gênero se denomina Administração Pública gerencial ou de resultados4 inspirada no new public management5 anglo-saxão, provocando o que alguns chamaram criticamente de fuga do direito administrativo para o direito privado.6
As empresas públicas e as sociedades de economia-mista constituem, justamente, uns dos institutos do Direito Administrativo em que há mais intensa cambialidade e mútua influência entre o direito público e o privado. Esse hibridismo, como se verá a seguir, é a principal característica do regime jurídico das empresas estatais.
1. Hibridismo jurídico
Contemporaneamente, nem mais o direito administrativo tradicional é alheio às preocupações de eficiência do direito privado,7 nem o direito privado é desfuncionalizado de preocupações coletivas como fora no século XVIII, sobretudo após a sua filtragem pelos valores constitucionais.
É deste ponto de vista – do Direito Privado –, como ressaltado por Gustavo Tepedino, que aquele “direito civil antiquado, fiel à noção de subsunção e ao direito subjetivo tal qual concebido por Savigny, não traduz o objeto de investigação dos civilistas contemporâneos. (...) A atuação da atividade de interpretação, qualificação e aplicação do direito se opera em um momento único, que supera definitivamente o método subsuntivo de dedução lógico-formal, a aplicação da norma pelo juiz ao caso concreto deve levar em conta, direta ou indiretamente, a Constituição da República, procurando aprimorar a otimização dos princípios, na linha traçada pelo professor Ingo Sarlet, para melhor legitimação da argumentação e, portanto, da própria decisão judicial”.8
Advoga-se no Direito Civil contemporâneo pela “prevalência das situações existenciais sobre as patrimoniais (ou a subordinação destas àquelas); a preocupação com a historicidade e a relatividade na interpretação-aplicação do direito; a prioridade da função dos institutos em relação à sua estrutura”.9
Nesse contexto – tanto do Direito Administrativo, como dos Direitos Civil e Comercial –, “público e privado, então, são termos meramente convencionais de referência aos corpos normativos, original ou opcionalmente concebidos para regular, respectivamente, a esfera pública e a autonomia dos indivíduos. Tais normas, todavia, só podem ser isoladamente identificadas em uma ordem estática e fragmentada do ordenamento, que se limita a representar a finalidade e o âmbito de aplicação da disposição individualmente considerada. Quando, ao contrário, nós passamos para o estudo dos perfis dinâmicos, o fenômeno administrativo passa a ser regido por combinações entre padrões públicos e regras civis. É difícil estabelecer a causa da atual inadequação da grande dicotomia que é a chave reconstrutiva ou ao menos explicativa da identidade do direito administrativo. (...) Em termos gerais, pode-se observar como a complexidade da sociedade moderna reduziu a capacidade heurística de todos os conceitos ‘de campo’ ou ‘terceiro excluído’, entre os quais, obviamente, a combinação de público-privado. Emblemática dessa crise (...) é a impossibilidade de repetir a linha de distinção entre a racionalidade econômica e a racionalidade burocrática”.10
Sob essa perspectiva, o mais correto em relação ao regime jurídico das empresas estatais é afirmar que não é propriamente nem de Direito Privado, nem de Direito Público,11 nem tampouco de direito privado com derrogações de direito público:12 trata-se de outro regime jurídico, híbrido e atípico, decorrente da junção de elementos de ambos,13 elementos estes que, depois de colocados no mesmo ambiente, se modificam recíproca e intrinsecamente, de modo que, nem o elemento de direito privado o será como se estivesse sendo aplicado a um particular qualquer, nem os elementos de direito público que continuarem sendo aplicáveis às estatais o serão como incidem sobre o geral dos organismos públicos.
Essa assertiva decorre de “de uma aproximação formal do direito público ao privado, como um único sistema completo em si mesmo, coerente de dados especificamente jurídicos. Isto evidencia as várias formas que o direito privado possui de adentrar o direito público, ora emprestando seus valores para construir um só elemento, ora deixando-o usar suas relações jurídicas para conectar-lhes faculdades e obrigações públicas, ora, finalmente, trazendo ao direito público, dentro dos limites de seu caráter peculiar, o necessário apoio e complemento”.14
Analogicamente, o diálogo e a remissão recíproca entre direito privado e público para, nessa confluência, se formar o regime jurídico próprio das empresas estatais, se assemelham à lógica que, no Direito Internacional Privado, norteia a aplicação interna do direito estrangeiro.
Assim como o que ora se sustenta de que nem o direito privado nem o direito público se aplicam às empresas estatais como são aplicados em suas searas naturais, os elementos de direito estrangeiro a serem aplicados por juiz de outro país também não serão aplicados como no seu país de origem, adequando-se à cultura e ao ambiente jurídico do país onde serão aplicados.
A esse respeito, recordarmos as lições de Jacob Dolinger, que nomeia por “adaptação” tal fenômeno de conciliação do direito estrangeiro com o contexto do local onde será aplicado. De acordo com o professor, “adaptação ou aproximação, ou ainda substituição é a aplicação do direito estrangeiro alterado para adaptá-lo às circunstâncias locais (...). Chama-se isto de interpretação construtiva, aproximação excepcional, correspondência, equivalência, representando a busca comparativa de instituições semelhantes, equiparáveis, para aproveitamento de decisões ocorridas no exterior e para possibilitar decisões a serem aqui prolatadas, com fundamento em lei estrangeira”.15
Nessa mesma perspectiva, mas do ponto de vista da aplicação do direito privado à Administração Pública, Giulio Napolitano sustenta que as sobreposições, entrelaçamentos e enxertos recíprocos entre essas disciplinas conduzem à construção de instituições de “geometria variável” e à necessária convivência entre “le droit administratif et la complexité”.16
Esse arcabouço teórico aplicado ao regime jurídico das empresas estatais brasileiras denota como, não apenas o seu regime jurídico é constituído da soma de parte dos elementos do direito privado e parte dos elementos do direito público, como esses elementos, ao serem colocados no mesmo ambiente, se modificam qualitativamente uns aos outros.
E mais, esse diálogo de soma de elementos do direito privado e do direito público e a subsequente alteração qualitativa deles não é homogênea para todas as estatais, dependendo de uma série de fatores próprios de cada empresa estatal individualmente considerada.
Ou seja, mesmo falando de um regime híbrido e atípico das empresas estatais brasileiras, esse regime sequer é uniforme para todas elas, possuindo variações bem importantes de acordo, por exemplo, com a natureza da atividade econômica exercida e com a sua maior ou menor dependência das verbas do orçamento público. Verifica-se, nesse tema, um fenômeno muito maior, não só do Direito Administrativo como do Direito em geral, de fragmentação conceitual de seus institutos e instituições, que se subdividem e se especializam em subespécies sucessivas, às vezes bem distintas entre si.
Na verdade, não temos um regime jurídico das empresas públicas, ou um regime jurídico das sociedades de economia mista, mas, ao revés, apesar de muitos pontos em comum, ainda mais após a edição do Estatuto das Estatais, quase tantos regimes jurídicos quanto empresas públicas e sociedades de economia mista existentes.
Antonio Romano-Tassone demonstra como “temos assistido, a partir das décadas de 60/70, a fragmentação, se não o esmagamento (alguns falam de ‘neutralização’), de muitas – se não todas – as instituições (e conceitos) unitários que haviam sido elaborados pela cultura jurídica ‘pandetística’ e ‘pós-pandetística’. O exemplo mais conhecido é o da propriedade, que é retratada nas propriedades, mas elas podem trazer muito mais: a nulidade, que não mais existe, porque há muitas nulidades. O tipo ‘fundação’ que é obscuro, substituído por muitas fundações diferentes; e assim por diante. Em linhas gerais, a partir de modelos de categorias coesas e coerentes que trouxeram consigo uma disciplina unitária e compacta (portanto, uma vez definida uma instituição de uma determinada maneira, esta seguia automaticamente a aplicação integral do estatuto jurídico correspondente), passamos para modelos diversificados e muito aleatórios, em relação aos quais não é possível, se não apenas em linhas gerais, definir estatutos disciplinares, que tendem a ser cada vez mais derrogáveis e moduláveis”.17
Igualmente, entre nós, devem ser citadas as lições de Carlos Ari Sundfeld, que já deveriam ser um truísmo na doutrina publicista nacional: “Simplesmente não faz sentido, na atualidade, supor que as respostas a muitas dúvidas cruciais (ex.: Pode-se negar o serviço a consumidor inadimplente? Pode haver liberdade para o próprio prestador determinar seu preço? Há responsabilidade do Estado em virtude dos danos gerados pela execução de serviços por empresa autorizada?) serão encontradas por meio da operação simplista de identificar o caráter público ou privado do serviço em causa, que teria o mágico condão de determinar a aplicabilidade de um regime jurídico geral. Daí a mudança total de enfoque. Não se cuida mais de discutir o caráter público ou privado de certo serviço,18 mas sim de identificar como ele é regulado pelo Estado no tocante ao aspecto tal ou qual”.19
Assim, podem ser muitas as variáveis deste dito regime jurídico híbrido e atípico das estatais. Por exemplo, quanto mais uma estatal for dependente de verbas do ente federativo que a criou, ou exercer atividade sem concorrentes privados, ainda mais se serviço público, menos elementos de direito privado terá em seu regime jurídico, e, além disso, mais os elementos de direito privado que possuir sofrerão o influxo da lógica publicista e menos os elementos de direito público que possuir sofrerão o influxo da lógica privatista.
Da mesma forma, reversamente, quanto mais uma estatal for independente financeiramente e exercer atividade competitiva, sobretudo se não for serviço público, mais elementos de direito privado terá em seu regime jurídico, e, além disso, menos os seus elementos de direito privado serão influenciados pelo direito público e mais os seus elementos de direito público sofrerão o influxo privatista.
E mais, historicamente o regime jurídico das empresas estatais também possui, a exemplo da própria intervenção do Estado na economia, um movimento pendular: quando ab ovo concebidas, a intenção era submetê-las total ou quase totalmente ao regime jurídico de direito privado para permitir uma maior liberdade e agilidade na sua atuação, afastando-se, o máximo possível, as amarras características da Administração Pública tradicional; mas, em seguida, sobretudo pela atuação dos órgãos de controle e por abusos que podem ter ocorrido no gozo de tais “liberdades privadas”, se começa a lhes impor um controle mais intenso, licitações, concursos públicos etc.; logo após, em um terceiro momento, constata-se que essas imposições publicistas estão contrariando o espírito original das estatais, que estão “autarquizando as estatais”, razão pela qual se passa a buscar meios para se mitigar a sua submissão a essas exigências fortalecendo-se os seus aspectos privados, e assim sucessiva e pendularmente.20-21
Giulio Napolitano retrata como as mesmas idas-e-vindas da maior ou menor publicização do regime jurídico das estatais também ocorre na Itália, sendo curioso como destaca o forte papel que a jurisprudência tem no movimento do pêndulo para o lado do direito público, muito semelhante a interpretações que entre nós têm sido dadas pela jurisprudência, tanto do STF (ex.: obrigatoriedade de concurso público) como do TCU (ex.: inconstitucionalidade do regime simplificado de licitações da Petrobras):
“Trata-se de um processo que se origina das opções específicas do legislador. (...) São, assim, leis administrativas que preveem expressamente que elas serão aplicadas a instituições de direito privado. O fenômeno, todavia, é mais amplo porque envolve também a jurisprudência, a qual amplia regras e garantias de aplicação dos princípios gerais da administração, interpretando as fórmulas indeterminadas das leis. As razões para tanto são evidentes. Através da parcial publicização das instituições privadas de direito administrativo, o ordenamento visa à tutela de interesses que seriam, de certa forma, comprometidos pela aplicação de regras de direito civil. Elas dizem respeito, conforme o caso, à comunidade como um todo, à função confiada ao agente, os beneficiários das ações e terceiros. A inclusão de tais interesses, portanto, não se traduz em um limite para ações de direito privado ou em uma modificação da sua disciplina interna, mas na sobreposição de exigências públicas. (...) . Estas, de acordo com essa opinião determinam ‘um retorno ao direito administrativo’, ou melhor, a anulação da dita ‘fuga para o direito privado’ após a identificação da ‘real natureza pública da coisa’.”22
Comparando essa tendência pendular de aplicação nas estatais do regime de direito público ao processo de diminuição da flexibilidade e eficiência que sucedera também com as autarquias, Alfredo De Almeida Paiva há muito já advertia que,
“à medida que tais sociedades se afastem das normas e da técnica das empresas privadas, despindo-se de suas características de independência de ação e consequente liberdade administrativa, deixarão de ser os instrumentos simples, flexíveis e eficientes e correrão, por conseguinte, o risco de falharem às suas finalidades. Torna-se, por isso mesmo, indispensável não se repita com tais tipos de sociedades o que ocorreu com as entidades autárquicas, que, segundo Oscar Saraiva, envelheceram precocemente: ‘surgidas’, diz êle, ‘em maior número no quinquênio de 1937 a 1942, trazendo em si condições de independência de ação e liberdade administrativa que as tornavam instrumentos flexíveis e eficientes de ação, logo a seguir, as influências centralizadoras de padronização, uniformização e controle as alcançaram, tornando em muitos casos sua administração quase tão rígida quanto a do próprio Estado, e fazendo desaparecer as razões de conveniência que originaram sua instituição. As sociedades de economia mista e as chamadas empresas públicas evidentemente haverão de subsistir como instrumentos jurídicos a serviço do Estado moderno, no seu mister e empenho de atender aos interesses gerais da coletividade, mas isto realmente só será possível na medida em que se mantiverem fiéis às suas características de empresa privada, de forma a não permitir sua transformação em simples órgãos da administração pública descentralizada”.23
Rodrigo Crelier Zambão Da Silva, por sua vez, analisando a atual jurisprudência dos Tribunais Superiores, acusa a existência de um processo de captura pelo Direito Público das estatais, em especial no que toca àquelas prestadoras de serviço público, não obstante as mesmas serem constituídas para operar principalmente através da aplicação do regime de Direito Privado. “Embora em um primeiro momento interpretações que ampliem a incidência de normas de direito público sobre as estatais possam gerar um sentimento de controle e moralidade na atuação das entidades, a verdade é que em determinadas circunstâncias produzem resultados negativos, inviabilizando o atendimento das finalidades para as quais as sociedades foram instituídas”.24
Na história do direito administrativo brasileiro mais recente, podemos verificar a Constituição de 1988 e a interpretação a ela dada pelo STF e pelo TCU logo após a sua edição como um momento fortemente publicizador das empresas estatais, com a imposição a elas da mesma disciplina aplicável à Administração Pública como um todo, em especial no que diz respeito a concurso público, submissão ao controle das cortes de contas e exigência de licitação.25
Com a reforma constitucional administrativa (EC 19/1998) verifica-se um momento de refluxo nessa tendência, por exemplo, com a ampliação da paridade com o regime jurídico das empresas privadas (art. 173, § 1º, II, CF) e previsão de um regime licitatório mais flexível (art. 173, § 1º, II, CF), com a edição de decreto com regime simplificado de licitações para a Petrobras.26
No mesmo sentido, o Anteprojeto de Lei Complementar da Lei de Organização Administrativa que, entre outras medidas flexibilizadoras do regime das estatais, prevê que elas se sujeitem ao regime jurídico próprio das pessoas jurídicas de direito privado, inclusive no que diz respeito à remuneração do pessoal, ao pagamento e execução de seus créditos e débitos e aos direitos e obrigações civis, comerciais trabalhistas e tributários (art. 21), bem como que podem ser editados regulamentos licitatórios próprios, desde que observadas algumas diretrizes, como a publicidade (art. 24).
Na mesma senda, o Estatuto das Estatais estabeleceu mecanismos de governança corporativa, disciplinou a ingerência de políticas públicas na gestão empresarial das estatais, aproximou em alguns pontos as empresas públicas do regime das sociedades anônimas, e estabeleceu procedimentos licitatórios e modelos contratuais mais voltados a resultados que ao atendimento de requisitos formais.
É possível, no entanto, que, com notícias de corrupção envolvendo empresas estatais, sobretudo a maior delas, a Petrobras, vozes comecem a surgir vendo como solução para essas mazelas o fortalecimento das exigências publicistas em relação às empresas estatais, submetendo-as o máximo possível ao mesmo regime jurídico geral da Administração Pública.27
Não nos parece que o recrudescimento dos mecanismos tradicionais do Direito Administrativo, com toda a sua rigidez, seja o remédio mais adequado para essas mazelas, sobretudo no âmbito das empresas estatais. Em primeiro lugar, porque, se essa fosse a melhor solução, esses mesmos vícios não ocorreriam nas entidades de direito público, em princípio submetidas a todas as exigências típicas de direito administrativo, o que, como é de conhecimento comum, infelizmente não é o caso.28 Em segundo lugar, porque, além de não conseguir evitar desvios de conduta, ao prejudicar-lhes a agilidade e a flexibilidade inerentes à gestão empresarial, pode acabar comprometendo ainda mais o atendimento aos objetivos institucionais das estatais, sobretudo das que atuam em mercados competitivos.
Nem o regime publicista, nem o privado são infensos ou mais adequados ontologicamente a combater malversações. Essas patologias envolvem aspectos éticos, históricos e sociológicos sobre os quais o Direito – e muito menos o Direito Administrativo isoladamente – não possui integral gestão.29
O direito administrativo deve evitar que, também dessa vez, se retorne ao citado movimento pendular entre a rigidez publicista e a relativa liberdade privatista para as estatais. O que se deve buscar é, mantendo-se o máximo possível os meios para as estatais atuarem com agilidade no mercado, impor-lhes obrigações de demonstração de sua atuação republicana, o que de forma alguma deve ser confundido com a mera e automática aplicação das exigências formalistas típicas do direito administrativo. Quiséramos o direito administrativo tivesse tal capacidade moralizadora, na qual tantas vezes já falhou.
Dessa forma, a diretriz que seguimos é propiciar a maior liberdade de atuação possível às estatais no que elas necessitarem para atuarem com eficiência no mercado, mas sem olvidar de mecanismos que evitem que essa liberdade seja desviada, mecanismos que, todavia, não correspondem ao mero retorno ou fortalecimento dos controles típicos da Administração Pública tradicional.
Esses mecanismos devem, ao contrário, ser buscados primordialmente na lógica empresarial e de mercado das estatais, não no simples retorno, repise-se mais uma vez, às exigências tradicionais do direito administrativo, como se elas fossem sempre um eficaz antídoto genérico para quaisquer desvios de conduta na vida pública e como se elas próprias não estivessem demandando uma séria modernização e desburocratização.30
2. O Estatuto das Estatais (Lei 13.303/2016)
O Estatuto das Estatais – Lei 13.301, de 30 de junho de 2016 –, foi previsto pelo § 1º do art. 173 da CF, com a redação da Emenda Constitucional nº 19/1998, a indigitada Reforma Administrativa, com o objetivo de homogeneizar o regime jurídico das estatais exploradoras de atividades econômicas, aproximando-o do regime aplicável às empresas privadas em geral.31
Contudo, a Lei 13.303/2016, por um lado, estabeleceu um regime jurídico abrangente também das estatais prestadoras de serviços públicos e, por outro, apesar de inegáveis avanços, foi tímida na aproximação das estatais ao regime jurídico das empresas privadas. O mencionado diploma sequer trata, por exemplo, dos seus aspectos trabalhistas e tributários e, em matéria contratual, acabou ficando mais próximo da Lei 8.666/1993 do que do Código Civil ou Comercial.
O Estatuto só veio a ser promulgado, após a aprovação do projeto de lei apresentado pelo Senador Tasso Jereissati, em 30 de junho de 2016, quase vinte anos depois de sua previsão constitucional (EC 19/1998), na esteira da crise das estatais propiciada pelo déficit público e excessos de interferências governamentais em seus preços, e, também, pela Operação Lava-Jato, que, como se sabe, tem como objeto esquemas de corrupção ocorridos sobretudo em empresas estatais, mormente na Petrobras.
Mesmo com toda essa mora para ser editado, o Estatuto das Estatais ainda está sujeito a uma grande vacatio legis em certas matérias. Apesar do seu art. 97 estabelecer a sua vigência imediata, o caput do art. 91, contraditoriamente, prevê a sua completa e imediata aplicação apenas às estatais que forem criadas após a sua edição. Para as que foram criadas antes da sua edição, o Estatuto fixa o prazo de até 24 meses para que sejam feitas as adaptações que forem necessárias.
Note-se, o prazo de 24 meses é máximo, podendo a regulamentação de cada ente federativo ou a própria empresa reduzi-lo. Além disso, o dispositivo se refere somente às adaptações que forem necessárias (ex.: a elaboração do Código de Conduta e Integridade – art. 9º, § 1º). As que não forem necessárias, como o mero o cumprimento dos requisitos de nomeação dos dirigentes que vierem a ser designados,32 têm incidência imediata. Outras, de natureza anual, como a “carta anual de governança corporativa” (art. 8º, VIII), serão exigíveis no início do ano seguinte à edição do Estatuto.
Um dos temas mais relevantes por ele disciplinado – o das licitações e contratos –, tem tratamento de vigência específico, com a entrada em vigor bem postergada: apenas as licitações iniciadas e os contratos celebrados após vinte e quatro meses de sua publicação serão por ele regidos (art. 91, § 3º). Somente para as estatais que virem a ser criadas após a edição do Estatuto é que o seu regime licitatório e contratual terá incidência imediata, já que o citado § 3º se refere ao prazo de vinte e quatro meses fixados pelo caput, e este se refere apenas às estatais preexistentes.
Em relação à obrigação de elaboração da estratégia empresarial de longo prazo – para no mínimo os próximos cinco anos (art. 23, § 1º, II) –, o art. 95 concede o prazo de 180 dias para ser aprovada.
Julgando que o cumprimento de certas normas seria demasiadamente oneroso e desproporcional para empresas de porte não muito elevado, o Estatuto mitiga a incidência de muitas das suas regras de governança, nos termos do § 1º do art. 1º, às estatais que tenham receita inferior a R$ 90 milhões, devendo o respectivo poder executivo editar as regras pertinentes dentro de cento e oitenta dias, prazo após o qual as regras de governança do Estatuto passam a sobre elas incidir integralmente (art. 1º, §§ 3º e 4º).34
Podemos sintetizar afirmando que o Estatuto das Estatais tem aplicação imediata, excetuado os seguintes casos (i) as empresas preexistentes têm o prazo máximo de vinte e quatro meses para se adaptarem, salvo no que já for autoaplicável; (ii) as obrigações anuais, que, naturalmente, mesmo se forem autoaplicáveis, só serão exigíveis no início do ano civil após a sua edição; e (iii) as normas que tiveram a sua incidência imediata específica e expressamente afastadas, o que aconteceu (iii.a) com as regras de licitação e contratos, que, no caso das empresas preexistentes, só incidirão sobre as licitações iniciadas e contratações diretas celebradas após vinte e quatro meses; (iii.b) com a aprovação das estratégias de longo prazo, que pode se dar em até 180 dias; e (iii.c) em relação às estatais com receita inferior a R$ 90 milhões, no que diz respeito a algumas regras de governança corporativa, com exceção das referidas pelo § 1º do art. 1º, que só incidirão se, em cento e oitenta dias, o respectivo Poder Executivo não disciplinar a matéria de forma diversa.
Na verdade, essas cinco exceções à regra da incidência imediata, mormente para as estatais preexistentes,34 são tão amplas, que praticamente invertem a regra e tornam o direito intertemporal da aplicação do Estatuto um dos mais complexos, contraditórios e polêmicos temas por ele trazidos.
O grande destaque dado pela imprensa, quando da edição do Estatuto das Estatais, foram as normas relativas a uma tentativa de diminuição da influência política sobre as estatais, principalmente através da positivação de requisitos e vedações para a designação de seus dirigentes, excluindo, por exemplo, os que integrem partidos políticos (ex.: art. 17, § 2º, I e II).35
Este é, no entanto, apenas um dos muitos aspectos versados pelo Estatuto em seus longos noventa e sete artigos, e talvez não seja nem o mais importante deles. Com efeito, o Estatuto das Estatais abrange as seguintes principais matérias concernentes às empresas públicas e sociedades de economia mista, sendo o nosso objeto neste momento apenas aos seus aspectos mais gerais:
• conceituação das empresas estatais e das suas espécies, abrangendo inclusive as sociedades por elas controladas;
• normas de governança corporativa, indo desde normas de transparência aos requisitos de designação dos seus dirigentes;
• licitação e contratos das estatais, revogando os diplomas específicos que existiam para algumas delas;
• controle, inclusive pelos tribunais de contas, mas buscando preservar o espaço de gestão próprio das empresas; e
• um direito societário próprio das estatais, homogeneizando em boa parte a disciplina societária das empresas públicas e sociedades de economia mista, bem como diminuindo a incidência – ainda fortíssima – da Lei das S.A. sobre as sociedades de economia mista, mas, por outro lado, passando a fazer incidir a legislação das S.A. sobre as empresas públicas, revistam elas a forma de sociedades anônimas ou não.
O Estatuto, no entanto, não teve como escapar, por razões decorrentes da própria natureza das entidades que constituem o seu objeto, do hibridismo de sua disciplina jurídica, sempre erigida a partir de uma conjugação das lógicas de direito privado (ex.: a classificação dos contratos das estatais como contratos de direito privado) com lógicas de direito público (ex.: contratos privados a serem precedidos de licitações públicas e controlados pelos tribunais de contas).
Não tinha também o Estatuto como obviar a inevitável heterogeneidade das disciplinas das múltiplas e diversificadas estatais existentes,36 apesar da sua tentativa de, muitas vezes com sucesso, mitigar tais disparidades, com um tratamento único em determinados aspectos (ex.: em matéria licitatória, expressamente aplicável a todas as estatais, prestadoras de serviços públicos ou de atividades econômicas em concorrência com a iniciativa privada, e dependentes ou não – art. 1º, § 2º).
Uma das grandes funções que o Estatuto das Estatais deverá passar a ocupar no Direito Administrativo Brasileiro será reforçar a lógica de agilidade e eficiência das empresas estatais de qualquer espécie, exigência prévia, de matriz constitucional.
As muitas regras que contemplam essa preocupação no Estatuto (por exemplo, as que permitiram o diálogo competitivo em matéria de licitações) se espraiam axiologicamente mesmo nos aspectos das estatais que não tenham sido especificamente objeto de tais regras, ou que nem tenham sido tratados pelo Estatuto, por exemplo, a matéria dos empregados das estatais, em relação aos quais ele foi bem avaro.
Como já referido acima em outros termos, outra vantagem do Estatuto foi ainda trazer a lógica econômica da eficiência, da flexibilidade e do dinamismo a todas as empresas estatais, qualquer que seja a atividade por elas exercida (art. 1º, caput, in fine), já que a ênfase para essa lógica até então era focada mais nas estatais que exerciam atividades econômicas em concorrência com a iniciativa privada.
E mais, o Estatuto das Estatais, com todos os problemas redacionais e de técnica legislativa que possa ter, passa a integrar o sistema do Direito Administrativo Brasileiro como um todo. Com isso, em um diálogo de fontes, os mecanismos mais modernos adotados pelo Estatuto passam a influenciar a interpretação e aplicação de outros diplomas, ainda que sequer voltados às empresas estatais. Se não as regras, mas as axiologias dos diversos diplomas se interpenetram recíproca e constantemente.
3. Incidência adaptada dos princípios da Administração Pública
Quando se fala in genere de regime jurídico administrativo pretende-se tradicionalmente remeter a dois aspectos fundamentais: as prerrogativas especiais de alteração unilateral da esfera jurídica de terceiros, como as cláusulas contratuais exorbitantes, autoexecutoriedade, poder de polícia e poderes expropriatórios; e, em outra faceta, o regime jurídico administrativo remete a uma série de controles e sujeições procedimentais inexistentes no mundo jurídico privado, como as obrigações de licitar, fazer concurso público, motivar, submissão às cortes de contas, ao mandado de segurança etc.
Em relação às primeiras (as prerrogativas de direito público), em princípio não são extensíveis às empresas estatais, sobretudo às que atuarem em um mercado competitivo, pois implicaria vantagem concorrencial não extensível às empresas privadas atuantes no mesmo setor, salvo quando inerentes à função por elas exercida – não pelo fato de integrarem a Administração Pública – como por exemplo o poder de polícia ou expropriatório exercido por qualquer delegatária de serviço público, seja estatal ou privada.37
O nosso objetivo se volta para as segundas manifestações do que seria o típico regime de direito administrativo (“submissões de direito público”): as exigências procedimentais e de controle, como deveres de motivação, processos seletivos etc. Todavia, princípios constitucionais maiores de caráter republicano e de defesa cidadã não são exclusivos de um ou outro ramo do direito, pairando sobre todos eles igualmente.
Devemos observar, antes de tudo, que o espírito que anima grande parte dessas exigências, apesar de não serem juridicamente obrigatórias no universo privado, de forma alguma lhe é estranho, muito pelo contrário, sobretudo nas grandes organizações. Muitas vezes, por autoexigências corporativas, os dirigentes das empresas privadas são, por exemplo, obrigados a realizar procedimentos seletivos para escolha de seus empregados e das empresas a serem contratadas, bem como a motivar profundamente suas decisões empresariais mais relevantes.
De acordo com Giulio Napolitano, embora no passado tenha prevalecido a tese de que haveria uma diferença marcante entre as disciplinas de direito público e privado quando aplicadas pela Administração, “estudos mais recentes postulam a existência de um estatuto unitário da atividade administrativa, cuja vigência independe da utilização de instrumentos públicos ou privados. A administração, por conseguinte, age sempre ‘de acordo com valorações discricionárias’ e observa todos os princípios, constitucionais ou não, que permitem perseguir o interesse público e respeitar (ou ter em conta) relações privadas. A primeira perspectiva pode ser atribuída a um bom andamento, à economicidade e à eficiência; a segunda, à imparcialidade e suas atuais decorrências: a transparência, a celeridade, a razoabilidade e a proporcionalidade. A ação administrativa de direito comum, portanto, é submetida ao seu regime especial. Para utilizar uma fórmula generalizada, pode-se dizer que a atividade administrativa em formas privadas e consensuais permanece ‘funcionalizada’."39
Mais ou menos regidas pelo direito público, ou pelo privado, é certo que, indiferentemente a isso, também nas sociedades anônimas de capital aberto em geral não é dado aos seus administradores e acionistas controladores atuar em bases de favorecimentos ou perseguições pessoais, de maneira imoral ou ineficiente, violando o “melhor interesse da companhia” (arts. 116 e 117, Lei das S.A.). Se essa sociedade anônima de capital aberto também for uma sociedade anônima estatal, ela também estaria, com estes atos, violando os princípios da impessoalidade, da moralidade e da eficiência, estabelecidos pelo art. 37, caput, CF, e dirigidos à Administração Pública como um todo.
Com isso, vemos que esses princípios constitucionais e as exigências procedimentais deles decorrentes não são assim tão antagônicos com as diretrizes que as grandes organizações privadas já devem de per se seguir, tanto por força da legislação aplicável à matéria (sobretudo as Leis 6.404/1976 e 6.385/1976), como por exigências cada vez mais frequentes e intensas do próprio mercado.
A diferença mais marcante reside apenas no fato de que, nas empresas privadas, é o interesse econômico de seus proprietários – “o olho do dono” – que preponderantemente controla o atendimento desses mesmos valores, ao passo que nas organizações públicas, como os seus “donos” são mais amplos e mais difusos – a população –, o desafio é buscar mecanismos que façam com que os controles sobre elas incidentes atinjam o mesmo nível de eficácia do existente nas organizações privadas, sem dificultar o seu dinamismo econômico.
A lista de princípios do Direito Administrativo varia extremamente de autor para autor, às vezes alcançando longas enumerações, abrangendo manifestações específicas de princípios gerais do Direito Público e do Direito Constitucional.40
Neste tópico, com o fito apenas de exemplificativamente demonstrar a nossa proposta hermenêutica de aplicação adaptada dos princípios constitucionais da Administração Pública às empresas estatais, trataremos apenas dos que foram expressamente contemplados no caput do art. 37 da Constituição Federal, sendo de se destacar que este dispositivo não se refere a eles como princípios do Direito Administrativo, mas, sim, como princípios da Administração Pública, o que lhes dá uma conotação sem dúvida bem mais geral, no sentido de que devem permear toda a atuação da Administração Pública, seja qual for o ramo do direito ou o tipo de pessoa jurídica que estiver sendo utilizado em cada situação.
Em outras palavras, são princípios de toda a Administração Pública, seja ela de direito privado ou de direito público. Com a ductibilidade inerente a qualquer princípio,41 eles penetram em diferentes regimes jurídicos sem dificuldades, modificando-os, mas também sendo modulados por eles.42
Independentemente de a Administração Pública estar utilizando o Direito Administrativo propriamente dito, ou o Direito Civil, Comercial, Societário, Marítimo, Tributário, Ambiental etc., não importa, a sua atuação deverá sempre respeitar os princípios do caput do art. 37 da Constituição Federal. Mas, naturalmente que a incidência de tais princípios, pela própria natureza mais maleável e adaptável que é peculiar a esta espécie normativa, vai se dar de formas e intensidades variadas de acordo com o ramo do Direito que estiver sendo utilizado pela Administração.43
E isso se explica de forma analógica por um aspecto da Teoria dos Sistemas de Gunther Teubner. Da mesma forma que, por esta teoria, um subsistema social não pode dominar totalmente um outro, sob pena de drástica redução da complexidade social, não podem os princípios em sua origem afetos sobretudo a um ramo do Direito – o Direito Administrativo – ser à luz deste aplicados indiscriminadamente a todos os ramos jurídicos apenas em razão da identidade subjetiva de quem o está aplicando: a Administração Pública. Se isso fosse feito, estaríamos dando cabo de toda a complexidade jurídica de que a Administração Pública deve ter à sua disposição – diversos e plurais regimes jurídicos – para tentar realizar seus objetivos constitucionais, uniformizando-os todos, ainda na contramão da tendência de uma sociedade contemporânea e pós-moderna44 que possui organizações cada vez mais adaptáveis e heterogêneas.45
Ocorresse a aplicação homogênea tradicional dos princípios do art. 37 a toda espécie de seara jurídica empregada pela Administração Pública, na verdade todos os ramos do Direito utilizados pela Administração Pública acabariam se reconduzindo apenas ao Direito Administrativo em seu conteúdo mais exclusivo e tradicional,46 fazendo com que a Administração Pública só pudesse usar o Direito Administrativo, o que implicaria uma unicidade de regime jurídico público em nenhum momento imposta pela Constituição (talvez com a exceção do regime jurídico único dos funcionários públicos);47 em uma restrição de meios que pode contrariar em muitas situações a realização dos fins da Administração Pública, que é o que realmente importa para a Constituição.48
Não estamos propugnando a não aplicação dos ditos princípios à Administração Pública quando ela utilize o Direito Civil, Trabalhista ou Societário, mas, sim, que eles não podem ser aplicados nesses casos como em situações de regência típica pelo Direito Administrativo tradicional, a exemplo de aplicações de multas administrativas, desapropriações e licenças para construir.
Colocadas essas premissas, passemos a analisar à sua luz como cada um dos princípios da Constituição Federal, art. 37, caput, devem ser aplicados às empresas estatais.
3.1. Princípio da legalidade
Sem adentrarmos a toda a veemente discussão sobre a maior ou menor extensão com que o princípio da legalidade deve ser aplicado aos entes públicos,49 podemos partir do pressuposto de precisarem de uma base em lei para suas atuações: a discussão se resume nessa seara a qual densidade essa base legal deve ter para legitimar a atuação administrativa.
No âmbito das entidades privadas da Administração Pública, regidas preponderantemente pelo direito privado, também é exigida base legal, mas, ainda que o princípio da legalidade estrita já esteja em franca evolução, a sua aplicação a essas entidades deve se dar sem dúvida de forma ainda mais atenuada, sendo inimaginável que fosse especificamente necessária base legal (por mais ampla que fosse) para cada uma das multifacetadas operações econômicas e contratuais do seu dia a dia empresarial.
A base legal que se exige para as empresas do Estado é a prevista constitucionalmente no art. 37, XIX50 – a da lei que autoriza a sua criação e estabelece o seu objeto.51 Na persecução desse objeto, salvo para a criação de subsidiárias e participação minoritária em outras empresas, para o que se exige base legal própria (não basta apenas atuarem dentro do objeto social – art. 37, XX, CF),52 a empresa estatal pode atuar livremente, salvo no que for expressamente imposto ou vedado pelo Direito, seja pelo direito público ou pelo direito privado.53
Ou seja, fora a criação da própria estatal, do seu objeto social e da participação em outras empresas, para o que é exigida base legal,54 o princípio da legalidade se aplica às estatais de forma negativa: desde que dentro da autorização legal para sua criação e atuação, não precisam ter autorizações legais específicas para atuar, mas não podem, como qualquer particular, atuar contra o Direito.
Assim, por exemplo, não se pode presumir a obrigação delas prestarem contas a esse ou àquele órgão, mas, se houver determinação expressa nesse sentido (por exemplo, como há na CF em relação aos tribunais de contas), devem fazê-lo; fora isso, podem usar a modalidade contratual, típica ou atípica, que bem lhe aprouver, salvo as que forem vedadas em geral ou especificamente para elas.
Elas na verdade ficam em um ponto intermediário entre a legalidade a que estão jungidas as pessoas jurídicas de direito público, que para toda operação tem que ter algum esteio legal, por mais amplo que este contemporaneamente possa ser, e a dos particulares, que podem atuar livremente salvo no que a lei lhes impuser ou vedar expressamente.55 As estatais precisam de uma base legal para atuar (a sua lei instituidora) e para participar de outras empresas, mas, a partir daí, podem, dentro do seu objeto social legalmente definido, praticar todas as operações que não sejam vedadas pelo Direito.
3.2. Princípio da impessoalidade, moralidade e eficiência
Os princípios da impessoalidade, da moralidade e da eficiência podem, para os propósitos deste tópico, ser tratados conjuntamente,56 sendo o primeiro o que impede perseguições ou privilégios apenas em razão das preferências e interesses pessoais do administrador, impondo-lhe um atuar de acordo com os objetivos maiores da organização;57 o segundo impõe ao administrador que se comporte de acordo com os preceitos do que seria um “bom gestor”;58 e o terceiro exige que o administrador busque os melhores resultados com o menor ônus possível.59
Colocados esses conceitos básicos, não é necessário grande esforço para verificarmos que tais princípios também não são de forma alguma estranhos às grandes organizações empresariais privadas, com a diferença de que nestas o objetivo maior da organização se resume primordialmente ao retorno financeiro dos seus proprietários (com alguma responsabilidade social, naturalmente), enquanto nas organizações empresariais estatais o leque desses objetivos é mais amplo, estando jungida não apenas aos interesses lucrativos de seus acionistas, mas também aos interesses públicos a elas pertinentes, por sua vez também bastante plurais e por vezes até contraditórios entre si, a exemplo do interesse de desenvolvimento econômico que muitas vezes se choca com o interesse de preservação ambiental.
Decerto que, numa pequena organização empresarial privada ou familiar, nada impede que o proprietário atue por interesses meramente pessoais, e o prejuízo dessa má atuação será exclusivamente dele. Mas, em uma organização privada que comece a possuir certo grau de complexidade na composição do seu capital, especialmente nas sociedades anônimas, se impõe, tanto pela legislação societária,60 como por normas internas da companhia, pelas condições a que se sujeita para colocar suas ações em bolsa,61 ou mesmo da lex mercatoria,62 a observância de critérios de governança corporativa que contêm preocupações semelhantes às que também decorrem das noções de impessoalidade e de “gestão eficiente” do art. 37, caput, CF.
Não se imagina que o gestor de uma grande sociedade anônima privada possa legitimamente gerir a empresa para perseguir seus inimigos pessoais, para beneficiar seus parentes, ou de maneira evidentemente ineficiente, de forma muito aproximada a que um administrador público também não pode fazê-lo.
No sentido do fortalecimento da governança corporativa nas empresas estatais, o Estatuto teve grande importância, contendo nove referências expressas ao instituto, espelhados em dezenas de normas de transparência e publicidade, de auditorias interna e externa (ex.: arts. 9º, § 3º, e 24), de gestão de riscos (art. 9º), Código de Conduta e Integridade (art. 9º, § 1º), membros independentes do conselho de administração (art. 22), metas para seus diretores (arts. 13, III; 18, IV; e 23), bem como de requisitos e vedações para a designação dos seus diretores e membros dos conselho de administração e fiscal, visando a evitar a excessiva influência de interesses políticos sobre a administração das estatais, o que também tenderia a favorecer malversações de recursos63 (ex.: arts. 17 e 26), com um órgão específico para fiscalizar o atendimento a esses requisitos e vedações (art. 10) e limite de prazos para a ocupação da posição (art. 13, VI e VIII).
Vimos assim que o Estatuto das Estatais reforça essa via de mão-dupla entre a inserção de preocupações sociais e de moralidade, impessoalidade e eficiência na governança corporativa privada, e a adoção pela legislação do Estado sobre suas empresas de critérios e procedimentos oriundos originariamente da governança corporativa privada.
Nas palavras de José Luiz Bulhões Pedreira e Alfredo Lamy Filho, tratando das sociedades anônimas em geral, “nos últimos anos surgiu nos Estados Unidos e difundiu-se em outros países, inclusive no Brasil, movimento denominado ‘governança corporativa’, que se propõe a aperfeiçoar a administração das companhias, no reconhecimento de que o exercício do poder de controle pelos administradores, sem mecanismos institucionais eficazes de fiscalização e orientação pelos acionistas, presta-se a abusos. (...) O movimento da ‘governança corporativa’ propõe a adoção de ‘códigos de conduta’ e diversas outras providências para limitar a discricionariedade dos executivos, submetendo-os a fiscalização mais efetiva dos acionistas (...). O movimento de governança corporativa deverá contribuir para o aperfeiçoamento da gestão das companhias, principalmente mediante divulgação dos princípios e valores que devem orientar seus controlados e administradores”.64
O art. 116 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/1976) contém previsão genérica referente à governança corporativa, estabelecendo que “o acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender”.
No mesmo sentido, assim dispõem o art. 153 e 154 do referido diploma legislativo:
“Art. 153. O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios. Finalidade das Atribuições e Desvio de Poder
Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.”
A Lei das S.A., ao que se somou os aspectos de governança corporativa postos pelo Estatuto das Estatais, contém, ainda, outras diversas normas que exigem uma atuação proba e eficiente dos gestores da companhia, orientada pelos objetivos constantes em seu objeto social e pautada pela transparência, considerando abuso de poder, nos termos do art. 117, (i) orientar a companhia para fim estranho ao seu objeto social, em prejuízo da participação dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia; (ii) promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da companhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa ou aos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia; (iii) eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral ou tecnicamente, dentre outras coisas; e (iv) aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administradores, por favorecimento pessoal, ou deixar de apurar denúncia que saiba ou devesse saber procedente, ou que justifique fundada suspeita de irregularidade, exigências essas também aplicáveis às sociedades de economia mista tendo em vista a expressa remissão feita pelo art. 238 da Lei das S.A. aos arts. 116 e 117.
Tais critérios de boa governança corporativa para as empresas privadas decorrem dessas determinações da Lei das S.A. e, por vezes, também de estratégias internas de compliance,65 seja para atrair investidores ou para poder participar de certos mercados.66 Já nas empresas estatais, além dessas fontes,67 a governança corporativa advém também das novéis disposições do Estatuto das Estatais e da aplicação dos princípios constitucionais da impessoalidade, transparência, moralidade e eficiência.
Há, assim, em relação às estatais a soma de dois vetores paralelos no mesmo sentido – normas da governança corporativa e princípios do art. 37, caput, CF –, não uma contradição ou um alheamento entre eles.
É sob essa perspectiva que os princípios da moralidade, impessoalidade e eficiência devem ser aplicados às empresas estatais, como um aperfeiçoamento e fortalecimento da sua governança corporativa, com efeitos externos, já que, ao contrário da governança corporativa exclusivamente privada, podem ser controlados, não apenas por seus sócios, mas em tese por qualquer cidadão (ação popular, denúncias aos tribunais de contas etc.), considerando também que os interesses das estatais são mais amplos que os das organizações empresariais privadas.
Os princípios em questão devem ser aplicados às estatais como critérios de governança corporativa, inclusive fortalecendo as garantias que eventuais sócios privados possam ter de uma boa gestão, não como amarras burocráticas e engessadoras. Se, em toda a Administração Pública, há a emergência da modernização da forma com que os princípios devem ser aplicados,68 nas empresas estatais ela decorre da própria natureza destas e da interpretação daqueles princípios combinados com o art. 173, § 1º, II, CF.
Vê-se que os princípios da moralidade, impessoalidade e eficiência não apenas são compatíveis com os critérios de governança corporativa usuais nas grandes organizações empresariais privadas, como com eles se fortalecem reciprocamente. Se nas organizações privadas a adoção de critérios de governança corporativa já é uma tendência extremamente forte, porém em parte voluntária, nas empresas estatais ela deve ser ainda mais intensa e juridicamente necessária, pois há uma dupla incidência principiológica demandando-a.69
3.3. Princípio da publicidade (acesso aos documentos das estatais)
Por derradeiro, completando o rol do caput do art. 37 da Constituição Federal, tratemos de como o princípio da publicidade deve ser aplicado às estatais, princípio que, na perspectiva da transparência e da governança corporativa, foi bastante fortalecido pelo Estatuto das Estatais, como será detalhado neste tópico.
Aqui aplicável a lógica de que o princípio da publicidade lhes é plenamente aplicável, salvo quando prejudicar a sua atuação concorrencial no mercado.
A Lei de Acesso à Informação – LAI (Lei 12.527/2011) – deixa claro, em seu art. 1º, II,70 incidir sobre as empresas públicas e sociedades de economia mista, mas o dispositivo que mais relevância tem para eventuais atenuações da incidência do princípio da publicidade nas empresas estatais é o seu art. 22, que dispõe:
“Art. 22. O disposto nesta Lei não exclui as demais hipóteses legais de sigilo e de segredo de justiça nem as hipóteses de segredo industrial decorrentes da exploração direta de atividade econômica pelo Estado ou por pessoa física ou entidade privada que tenha qualquer vínculo com o poder público”.71
Por sua vez, o seu regulamento (Decreto 7.724/2012) dispõe que as estatais e suas subsidiárias não se sujeitam à LAI quanto às informações cuja divulgação possa representar vantagem competitiva a outros agentes econômicos, bem como àquelas protegidas por sigilo fiscal, bancário, de operações e serviços no mercado de capitais, comercial, profissional, industrial e de segredo de justiça:
“Art. 5º Sujeitam-se ao disposto neste Decreto os órgãos da Administração Direta, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União.
§ 1º A divulgação de informações de empresas públicas, sociedade de economia mista e demais entidades controladas pela União que atuem em regime de concorrência, sujeitas ao disposto no art. 173 da Constituição, estará submetida às normas pertinentes da Comissão de Valores Mobiliários, a fim de assegurar sua competitividade, governança corporativa e, quando houver, os interesses de acionistas minoritários.
§ 2º Não se sujeitam ao disposto neste Decreto as informações relativas à atividade empresarial de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado obtidas pelo Banco Central do Brasil, pelas agências reguladoras ou por outros órgãos ou entidades no exercício de atividade de controle, regulação e supervisão da atividade econômica cuja divulgação possa representar vantagem competitiva a outros agentes econômicos.
Art. 6º O acesso à informação disciplinado neste Decreto não se aplica:
I − às hipóteses de sigilo previstas na legislação, como fiscal, bancário, de operações e serviços no mercado de capitais, comercial, profissional, industrial e segredo de justiça;72 e
II – omissis.”
Muito se tem criticado a pretensão das empresas estatais em, valendo-se da proteção do sigilo comercial73 (e nos casos dos bancos públicos também do sigilo bancário), tentarem se ver excluídas da aplicação da Lei de Acesso à Informação.74 Essas pretensões, pelo menos em relação aos seus contratos, podem perder a sua força em razão de o art. 74 do Estatuto das Estatais os ter expressamente submetido à LAI, que, todavia, por sua vez contém as exceções comumente invocadas pelas estatais.
Em primeiro lugar, mister se faz uma primeira distinção: os argumentos de sigilo comercial para o afastamento da LAI só são cogitáveis para as estatais que atuam em concorrência com agentes privados, sejam prestadoras de serviços públicos, monopólios públicos ou exploradoras de atividades econômicas na forma do art. 173, caput, CF.75
As estatais que atuam em regime de exclusividade não estão sujeitas às normas da CVM citadas pelo mencionado Decreto ou à proteção de sigilo comercial, já que a regra se refere claramente apenas às que atuam em concorrência.
Já as demais hipóteses de sigilo referidas no inciso I do art. 6º do Decreto, fora o sigilo comercial, se aplicam não apenas às estatais que atuam sem concorrência, mas mesmo a toda a Administração Pública.
O grande desafio em relação às estatais concorrenciais é se evitar uma interpretação que sempre tenda a ver em qualquer divulgação de informações uma ameaça às suas estratégias de atuação no mercado. A diretriz hermenêutica deve ser sempre in dubio pro direito fundamental à informação.76
Apesar da dificuldade de se fixar parâmetros gerais em uma matéria na qual a análise dos casos concretos é decisiva, poderíamos afirmar que, por exemplo, se os salários de cargos estratégicos das estatais competitivas não podem realmente ser divulgados sob pena de facilitar a tomada desses profissionais por seus concorrentes, os salários dos exercentes de atividades-meio ou meramente burocráticas podem, muitas vezes, ser divulgados sem atrapalhar a sua concorrência no mercado.77
O § 5º do art. 86, do Estatuto dispõe que a definição do que deve ser considerado sigilo estratégico, comercial ou industrial será feita em regulamento. Não entendemos, contudo, que tenha havido uma deslegalização dessas definições para o regulamento, já que o próprio Estatuto, em diversos dispositivos acima mencionados, faz remissão à LAI. Dessa forma, o papel do futuro regulamento deve se limitar ao que não contrariar a LAI e os dispositivos do próprio Estatuto pertinentes ao acesso aos documentos das estatais e, naturalmente, aos direitos fundamentais e princípios da Administração Pública subjacentes a tal acesso.
A única mitigação ao amplo acesso pelas cortes de contas a atos, contratos e dados das estatais diz respeito às reuniões dos seus órgãos societários, que deverá ser restrito e individualizado (art. 86, §§ 1º e 2º), e, acresceríamos fundamentado, já que nestes casos, nos termos do Estatuto, não há um compartilhamento genérico de informações. Em importante precedente o Tribunal Regional da 2ª Região78 se manifestou em apelação em mandado de segurança impetrado por órgão de imprensa em face do Banco Nacional de Desenvolvimento – BNDES, tendo por objeto o acesso a informações sobre operações de financiamento realizadas pelo banco estatal, constantes dos Relatórios de Análise de Operações de Financiamento.
O BNDES não teria disponibilizado acesso a tais informações sob o argumento de que elas estariam resguardadas pelo sigilo bancário previsto na Lei Complementar 105/2001, negativa essa que, de acordo com os impetrantes, violaria o disposto no art. 5º, XXXIII79 c/c XIV80 e no art. 22081 da Constituição da República.
De acordo com os impetrantes, o relatório de análise seria um documento técnico emitido pelo BNDES para justificar a concessão dos empréstimos, de modo que ele não se confundiria com o acesso a informação bancária sigilosa. É interessante expor as diversas decisões que ao longo do processo foram emitidas porque elas também espelham algumas das diversas possíveis posições a respeito da matéria.
Em primeiro grau, foi proferida sentença que concedeu parcialmente a segurança para autorizar a extração de cópias e o acesso dos impetrantes aos relatórios de análise relativos às operações de financiamento aprovadas pela Diretoria do Banco, mas unicamente quando o requerente do financiamento fosse pessoa jurídica de direito público.
De acordo com a sentença, embora o BNDES esteja submetido ao princípio da publicidade, seja por integrar a Administração Pública Federal, seja por ser o “principal instrumento de execução da política de investimentos do Governo Federal”, quando o requerente do financiamento for pessoa jurídica de direito privado deverá prevalecer o direito desta última à privacidade e ao sigilo bancário sobre o princípio da publicidade. Já no caso em que as tomadoras de empréstimo fizessem parte da Administração Pública, também submetidas ao princípio da publicidade, a estas não se aplicaria o direito ao sigilo bancário.
A relatora do recurso de apelação, vencida, apresentou voto dando parcial provimento ao recurso de apelação interposto pelos impetrantes e ao recurso do BNDES para, reformando a sentença, conceder parcialmente a segurança e determinar sejam permitidos o acesso e a extração de cópias dos “Relatórios de Análise” com a preservação “[d]as informações bancárias e fiscais das empresas contratantes, que estejam protegidas pela Lei Complementar nº 105/2001”, isto é, das informações submetidas a sigilo bancário nos termos desta lei.
De acordo com a relatora, essa ressalva seria necessária na medida em que os “Relatórios de Análise” seriam “documentos produzidos por Órgão da Administração Indireta e que versam sobre utilização de recursos públicos, enquadrando-se, portanto, perfeitamente nas disposições da Lei de Transparência. (...) Ainda que houvesse informações relativas a atividades bancárias das empresas mutuárias − o que não se observa dos drafts juntados aos autos − elas poderiam e deveriam ser, à luz do disposto no § 2º acima citado, omitidas pontualmente, fornecendo-se acesso aos demais dados contidos, o que resguardaria eventual direito à privacidade das contratantes e atenderia ao interesse coletivo de conhecer as razões que justificaram o aporte de verbas públicas neste ou naquele empreendimento”.
Dito de outra forma, a relatora afastou a lógica que permeou a sentença – para ela, não importa a natureza jurídica daquele que solicitou o empréstimo, mas sim a natureza da informação solicitada. Eventual informação que se enquadrasse no rol de informações protegidas por sigilo bancário, nos termos da lei, seriam resguardadas.
Venceu, contudo, o posicionamento exarado no voto do Desembargador Federal Guilherme Couto de Castro, que, afastando a ressalva feita pela relatora, negou provimento à apelação do BNDES e deu provimento à apelação dos impetrantes, para “reformar a sentença recorrida e julgar procedente o pedido, determinando ao impetrado que assegure e permita, sob as penas da lei, o acesso e a extração de cópias dos relatórios de análise especificados”.
De acordo com o seu voto, ainda que os relatórios em questão disponham, dentre outras coisas, sobre a situação de solvabilidade de quem solicitou os empréstimos, “isto é a própria prova da necessidade de transparência, vale dizer, vultosas quantias não podem ser liberadas por ente integrante da administração pública quando não há respaldo técnico. (...) Trata-se, importa repisar, de informações pertinentes ao acesso a crédito cento milionário obtido da administração pública, que apenas o concede a alguns, e para o qual tem que ser apresentada a justificativa técnica, exposta nos relatórios de análise elaborados pelo BNDES (...), cujo acesso deve ser franqueado à população”. O acórdão restou assim ementado:
“MANDADO DE SEGURANÇA. ACESSO À IMPRENSA DE RELATÓRIOS DE ANÁLISE ELABORADOS PELO BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL – BNDES. INEXISTÊNCIA DE SIGILO BANCÁRIO. PRINCÍPIOS DA PUBLICIDADE E TRANSPARÊNCIA. É legítima a pretensão da imprensa de ter acesso a relatórios de análise, elaborados pelo BNDES, contendo a justificativa técnica para as operações de empréstimo e financiamentos milionários, concedidos com o emprego de verbas públicas (em última análise). Matéria de interesse público indiscutível. Inexistem em tais relatórios dados bancários sigilosos ou que comprometam a segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, incisos XIV e XXXIII, da Lei Maior). Observância dos princípios da publicidade (art. 37, caput, da CF) e da transparência, nos termos da Lei nº 12.527/2011. A própria essência da ideia republicana e a lógica da liberdade de imprensa são respaldo suficiente a autorizar o acesso, aos canais noticiosos, de dados importantes à ciência, pela população, do uso de vultosas quantias de empresa pública de financiamento. Evita-se que se diga que favores foram concedidos a amigos do rei. Apelação do BNDES e remessa necessária desprovidas. Apelação dos Impetrantes provida”.82
Nesse julgado, portanto, prevaleceu o entendimento de que o sigilo bancário a que se refere a Lei Complementar Federal 105/2001 não abrangeria informações constantes de relatórios elaborados pelo BNDES para justificar os empréstimos por ele concedidos a terceiros, prevalecendo, nesses casos, o princípio da publicidade e transparência.
Embora concordemos com o entendimento de que as operações realizadas pelo BNDES, por se tratar de um banco integrante da Administração Pública Federal, devem ser fundamentadas e submetidas ao princípio da publicidade, temos uma regra estabelecida por lei complementar,83 regra essa, vale ressaltar, que já decorre, intuitivamente, de uma ponderação entre o direito à privacidade e o direito à informação.
Assim, concordamos com a relatora da apelação no sentido de que, na linha adotada pela própria LAI, o acesso aos documentos do BNDES pela imprensa deve ser permitido, com fundamento no princípio da transparência, publicidade e direito à informação, sobretudo em se tratando de aplicação de recursos públicos, mas desde que sejam protegidas as informações objeto de sigilo bancário, protegidas pela Lei Complementar 105/2001. Regras normalmente têm preferência sobre princípios,84 sobretudo quando as primeiras decorrem de pré-ponderações já realizadas pelo legislador democraticamente eleito.
Situação um pouco diferente é aquela relacionada à obrigatoriedade de divulgação de dados dessa natureza aos Tribunais de Contas em virtude do objetivo específico da fiscalização promovida por esses órgãos e da limitação da divulgação desses dados apenas aos agentes envolvidos na fiscalização específica (e não ao público em geral).
Ademais, a própria Lei Complementar 105/2001 prevê, em seu art. 4º, que “as instituições financeiras fornecerão ao Poder Legislativo Federal as informações e os documentos sigilosos que, fundamentadamente, se fizerem necessários ao exercício de suas respectivas competências constitucionais e legais”,85 sendo uma dessas competências a de fiscalização das entidades estatais, com auxílio do Tribunal de Contas, nos termos dos arts. 70 e 71 da Constituição Federal. O art. 42 da Lei Federal 8.443/1993 (a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União) igualmente prevê:
“Art. 42. Nenhum processo, documento ou informação poderá ser sonegado ao Tribunal em suas inspeções ou auditorias, sob qualquer pretexto.
§ 1º No caso de sonegação, o Tribunal assinará prazo para apresentação dos documentos, informações e esclarecimentos julgados necessários, comunicando o fato ao Ministro de Estado supervisor da área ou à autoridade de nível hierárquico equivalente, para as medidas cabíveis.
§ 2º Vencido o prazo e não cumprida a exigência, o Tribunal aplicará as sanções previstas no inciso IV do art. 58 desta Lei.”
Esse dispositivo legal é regulamentado pela Resolução-TCU 254, de 10 de abril de 2013, que dispõe sobre a classificação da informação quanto à confidencialidade no âmbito do Tribunal de Contas da União.
Com a edição do Estatuto das Estatais, entendemos que a discussão deva ser inteiramente pacificada no sentido do amplo acesso das cortes de contas às licitações e contratos das estatais, mesmo que sejam sigilosas nos termos da LAI, já que os arts. 85 e 87, § 3º, do Estatuto lhes assegura “acesso irrestrito” em tudo que for necessário para a aferição da legitimidade da aplicação dos seus recursos, inclusive por empresas estatais com sede no exterior ou transnacionais, neste caso proporcionalmente ao que capital nacional que possuírem (art. 85, § 3º). O grau de sigilo a ser transferido aos tribunais de contas, quando existente, será determinado, no entanto, pela empresa estatal ao fornecer-lhes os documento, não pelas corte de contas competente, que deverá se limitar a observar as normas de manutenção de tal sigilo (art. 85, § 2º, c/c art. 86, § 4º).
Há diversos julgados sobre o tema. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região tem reiteradamente afirmado a competência do TCU para requisitar tais informações.86
Em acórdão proferido pela Primeira Turma do STF, em sede de mandado de segurança impetrado pelo BNDES contra decisão do TCU que determinou o envio, pela instituição financeira, de informações sobre operações de crédito realizadas com o grupo JBS/Friboi (MS 33.340), decidiu-se, por maioria, pela denegação da segurança, com o fundamento de que a realização de operações de crédito com recursos públicos não é coberta pelo sigilo bancário, sendo o encaminhamento de tais informações imprescindível para o exercício da competência fiscalizatória das cortes de contas.
De acordo com o Ministro Luiz Fux, “embora o sigilo bancário e empresarial sejam fundamentais para o livre exercício da atividade econômica e que a divulgação irresponsável de dados sigilosos pode expor um grupo econômico e até inviabilizar sua atuação, a preservação dos dados não pode ser vista como uma garantia absoluta”.87
De qualquer maneira, a garantia do sigilo não é propriamente afastada pelo repasse de informações ao tribunal de contas, que passa a ter de zelar pela confidencialidade dos dados recebidos – a exemplo do que sempre ocorreu em relação às próprias instituições financeiras em relação aos dados dos seus clientes.88 Por outro lado, negar às cortes de contas o acesso a tais documentos simplesmente inviabilizaria o exercício de suas competências de fiscalização dos empréstimos concedidos por bancos públicos.
Ainda de acordo com o relator, “aquele que contrata com o BNDES deve aceitar que a exigência de transparência tão estimada em nossa República contemporânea para o controle da legitimidade dos que exercem o poder justifica o conhecimento por toda a sociedade de informações que possam influenciar seu desempenho empresarial”.
Foi vencido o Ministro Luís Roberto Barroso, que defendeu que parte das informações solicitadas pelo TCU, como, por exemplo, aquelas relacionadas à classificação de risco para concessão de crédito e estratégia de hedge, seriam enquadradas na regra de sigilo bancário e, dessa forma, apenas poderiam ser entregues mediante autorização judicial. Por outro lado, informações relacionadas a saldo devedor e situação cadastral poderiam ser divulgadas.
Discussão semelhante se coloca quanto a informações requisitadas pelo Ministério Público, matéria que já foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos do Mandado de Segurança 21.729, impetrado pelo Banco do Brasil em face do Ministério Público Federal. O STF entendeu que “não cabe ao Banco do Brasil negar, ao Ministério Público, informações sobre nomes de beneficiários de empréstimos concedidos pela instituição, com recursos subsidiados pelo Erário federal, sob invocação do sigilo bancário”. Aplica-se ao caso o princípio da publicidade, já que, no caso concreto, “os empréstimos concedidos eram verdadeiros financiamentos públicos, porquanto o Banco do Brasil os realizou na condição de executor da política creditícia e financeira do Governo Federal”.89
Em seu voto, o Ministro Octavio Gallotti chamou a atenção para o fato de que, no caso, “o Banco do Brasil não está simplesmente atuando como banco comercial. (...) Não se pretende devassar conta de particulares, mantida em depósito no Banco do Brasil. Está ele, nesse caso, desempenhando a função de agente delegado do Governo Federal, e, por isso, não se acha em causa, propriamente, a quebra do sigilo. Deste se acha imune por sua natureza, a operação realizada com dinheiros públicos, cujo dispêndio, ao revés, está sujeito, pelo art. 37 da Constituição, para não dizer ao princípio da moralidade, pelo menos, sem dúvida alguma, ao princípio da publicidade”.
Ainda de acordo com o Ministro Octavio Gallotti, o seu voto não autorizava a quebra de sigilo pelo Ministério Público Federal, mas apenas consignava que, por “estarmos diante de um ato de autoridade, agente do Poder Público, repassando recursos públicos, e pelo próprio art. 37 da Constituição, impõe-se todo tipo de publicidade a essa operação. Não há, portanto, a meu ver, quebra de sigilo, mas a revelação de algo que não só não estava sujeita ao sigilo, como para o qual se recomendava a publicidade”. Esse julgado, vale notar, foi proferido muito antes da publicação da LAI, tendo se fundamentado, tão somente, no princípio constitucional da publicidade neste ponto.
Vê-se, assim, uma clara tendência jurisprudencial, inclusive do STF, a, tratando dos sigilos nas empresas estatais, os relativizar bastante em ponderação com o princípio da publicidade, ao qual tem sido atribuído maior peso.
Não se pode, contudo, terminar a investigação sobre a hermenêutica da LAI em relação às estatais sem examinar as decisões da Controladoria Geral da União – CGU, atualmente Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União,90 uma vez que, de acordo com o seu art. 16, o órgão é a última instância administrativa para julgar recursos administrativos contra o indeferimento de pedidos de acesso a informações na Administração Pública Federal, Direta e Indireta, e muitas vezes essas questões nem chegam ao Judiciário.
Não são poucos os processos administrativos instaurados perante aquele órgão diante de negativas de acesso a informações.91
No Processo Administrativo nº 99902.000049/2013-99, envolvendo sigilo comercial, a Caixa Econômica Federal negou acesso a informação quanto ao número de ações de cada empresa participante de aumento de capital, bem como o valor desses ativos, sob o argumento de que “o objeto solicitado diria respeito a questões de ordem financeira atreladas à estratégia de Tesouraria da CAIXA, possuindo tais informações caráter sigiloso no grau reservado”, podendo comprometer a competitividade da empresa.
Todavia, a Controladoria-Geral da União entendeu que a Caixa Econômica Federal era obrigada, nos termos da IN/CVM 358, a informar o quantitativo de ações adquiridas, mas que não era obrigada a divulgar os respectivos valores, concordando com ela apenas neste último ponto.92
Em outra oportunidade, envolvendo pleito de acesso a estratégias comerciais da Caixa Econômica Federal, a CGU desta vez decidiu que “a CAIXA, na medida em que atua concorrencialmente, tem total liberdade para definir as regras e estratégias que bem entender quanto a dívidas imobiliárias e comerciais”, de modo que “divulgar tais estratégias de fato compromete o caráter concorrencial, haja vista os demais sujeitos competidores poderem se utilizar de tais informações para integrar seus próprios processos ou ainda apresentar propostas mais atrativas, comparativamente, aos possíveis clientes”.93
Veja-se que, enquanto no primeiro caso analisado, tratava-se de acesso a informação referente à composição acionária da própria Caixa Econômica Federal, prevaleceram a transparência e a publicidade, no segundo, já se tratava de estratégia comercial da empresa estatal, na atividade econômica por ela exercida, tendo sido resguardado o sigilo como forma de assegurar a competitividade dessa empresa no mercado.
Mantendo essa linha, no Processo nº 99909.000070/2013-24,94 tendo por objeto a divulgação da tabela remuneratória de diversos cargos de nível superior e de gerência da Petrobras, a CGU entendeu que o acesso a tais informações não era garantido pela LAI e violaria o regime jurídico de direito privado dessa sociedade.95
Nesse caso, a CGU acolheu o argumento da Petrobras de que a informação era sigilosa e que a sua divulgação poderia afetar a sua competitividade: “a divulgação dos dados requeridos pode prejudicar as iniciativas da Companhia que objetivam a retenção destes profissionais, permitindo ações mais eficazes de assédio por parte de concorrentes. Assim, uma saída não planejada desses profissionais poderia prejudicar as operações da Petrobras por meio da perda de conhecimentos desenvolvidos ao longo de anos de atuação”). Alegara ainda a estatal que, de acordo com a Instrução 480/2009 da CVM, já divulgava a remuneração individual máxima, mínima e média de Conselheiros de Administração, Conselheiros Fiscais e Diretores.
Como já adiantado, não concordamos com o sigilo dos salários de empregados de estatais, ainda que concorrenciais, de forma genérica, mas apenas para as posições especialmente sujeitas ao recrutamento por outras empresas concorrentes.
No sentido da maior publicidade aos salários nas estatais, o Estatuto, nos incisos III e VIII do seu art. 8º, determina a ampla divulgação da remuneração da sua administração. Mas note-se, o Estatuto se refere apenas aos membros da administração da estatal, não genericamente a todos os seus empregados, em relação aos quais há ainda menor possibilidade de haver razões concorrenciais para evitar a divulgação.
De toda sorte, seja em relação aos empregados em geral, seja em relação aos membros da sua administração, entendemos que tal publicidade pode ser afastada por uma interpretação da LAI e do Estatuto das Estatais de acordo com o art. 173 da CF se, com a divulgação pretendida, a atuação concorrencial da estatal puder ser prejudicada. Essas exceções devem, no entanto, ser bastante singulares e publicamente motivadas, com um especial ônus argumentativo incumbido à estatal. O importante é frisar que, se antes do advento do Estatuto das Estatais, essas situações já deveriam ser extremamente excepcionais, com os seus citados dispositivos, sê-lo-ão a fortiori.
No Processo 00190.015381/2013-64,96 em que se discutia a possibilidade de a Transpetro – Petrobras Transportes S.A. negar o acesso a memorial descritivo referente a contrato de prestação de serviços de apoio às atividades operacionais do terminal aquaviário de Suape/PE, a CGU entendeu que “a alegação da Transpetro de que a divulgação do Memorial Descritivo poderia prejudicar a sua competitividade e governança corporativa é verossímil; a publicação da descrição dos serviços necessários ao desenvolvimento das atividades da Transpetro e o correlato modus operandi são frutos do investimento da empresa e não poderiam ser gratuitamente apropriados pelos demais agentes de mercado”.
Em processo administrativo envolvendo solicitação de acesso a decisão de Diretoria do BNDES, contendo Relatório de Análise de operação de financiamento ao empreendimento Arena Itaquera,97 a CGU entendeu que, por envolver transferência de recursos do Tesouro Nacional a particulares, o objeto do contrato ingressaria no âmbito do Direito Administrativo, devendo a sua execução obedecer aos princípios da administração implícitos e explícitos na Constituição Federal, incluindo-se aí o princípio da publicidade, afastando o argumento do Banco de que tais informações seriam protegidas por sigilo bancário.
Nesse caso, a CGU considerou haver “diferenças substanciais entre uma decisão adotada pela diretoria de uma sociedade de economia mista desenhada para intervir diretamente no mercado, nos moldes do art. 173 da Constituição Federal, e aquela adotada por uma empresa estatal, mesmo que constituída na forma de uma sociedade anônima, desenhada para intervir indiretamente no mercado, seja por meio de incentivo ou fomento. Enquanto uma deverá revelar as estratégias de inserção em um mercado competitivo, a outra deverá revelar as estratégias de execução de uma política pública, sendo, portanto, ato administrativo no sentido estrito. É a este último caso que se vê o § 3º do art. 7º da Lei de Acesso à Informação com máxima repercussão”.98
O fato de o BNDES atuar “na condição de verdadeiro agente delegado do Governo Federal como principal executor de políticas voltadas à consecução dos princípios-fim da ordem econômica” e o fazer “com a utilização de recursos públicos” o colocaria, segundo a CGU, no segundo caso.
Ainda com relação à divulgação de informações sobre a transferência de recursos pelo BNDES, mas desta vez relacionadas a financiamentos para exportação, a CGU acolheu parcialmente as justificativas do BNDES no sentido de que, “para realizar essa análise cadastral e a consequente liberação dos recursos, torna-se necessário que o tomador do crédito confie ao BNDES uma série de informações privadas suas, estabelecendo, dessa forma, uma relação de mútua confiança entre as partes. Destaque-se que nesse rol de informações podem estar incluídos dados que o candidato ao crédito não tem interesse, nem tampouco obrigatoriedade legal, de divulgar a terceiros, tais como sua estratégia de competição e preços ou números que revelam sua situação econômico-financeira. [...] A divulgação de valores individualizados das operações, tal como solicitado pelo Requerente, tem potencial para evidenciar aspectos privativos e confidenciais da política de preços praticada pelos exportadores brasileiros em seus negócios internacionais e, com isso, influenciar negativamente sua competitividade em negócios presentes e futuros”.99
Do apanhado de casos, constata-se que de forma geral a CGU, para admitir a não divulgação de informações, privilegia mais argumentos ligados ao sigilo comercial/concorrencial do que ao sigilo bancário. Ou seja, tem protegido mais as próprias estatais que seus clientes.
O § 1º do art. 5º do Decreto 7.724/2012, acima transcrito, além de se referir aos citados sigilos, também se refere à submissão das estatais competitivas às normas da CVM de divulgação de informações.
Tais normas já seriam, por expressa determinação (art. 1º Lei 6.385/1976), aplicáveis a todas as empresas – estatais ou não, competitivas ou não – que emitam valores mobiliários, nos termos das competências da CVM. Nesse sentido, o citado dispositivo do Decreto só tem serventia em relação às estatais competitivas que não emitam valores mobiliários. Aí sim, por força do Decreto 7.724/2012 – e não da Lei da CVM –, estas estatais passaram a se submeter às normas exaradas por essa Comissão.
Mas o fato de as estatais competitivas (e também as que emitem valores mobiliários, ainda que não competitivas) se submeterem à regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários não pode ser interpretado como se elas estivessem sujeitas apenas às normas de divulgação de informações da CVM, e não às da LAI e do Estatuto das Estatais.100
A remissão feita pelo Decreto 7.724/2012 às normas da CVM gera uma obrigação de divulgação a mais, deixando claro que o fato de as estatais terem passado a se submeter à LAI não queria dizer que seriam liberadas das exigências de divulgação da CVM. Note-se, inclusive, que a natureza e a finalidade da divulgação de cada uma dessas espécies de informações é muito distinta: na LAI a publicização se dá com vistas a promover a transparência republicana e possibilitar o controle social e jurídico sobre as ações governamentais;101 as obrigações impostas pela CVM, por seu turno, pretendem assegurar que as Companhias publiquem adequadamente as informações que possam afetar o mercado mobiliário ou os acionistas minoritários, como a obrigação de divulgação de fatos relevantes pela imprensa.102
Em resumo, refutamos a interpretação de que as estatais competitivas estariam sujeitas apenas às normas de divulgação de informações da CVM, e não às da LAI. A remissão, pelo Decreto, às normas da CVM gera, outrossim, mais uma obrigação de divulgação. O objetivo da referência às normas da CVM foi simplesmente evitar de antemão o argumento de que a LAI, por sua amplitude, teria derrogado a aplicação das competências da CVM às estatais. Como se pôde perceber, os dois regramentos jurídicos não são incompatíveis entre si, mas complementares.
Por derradeiro, devemos ressaltar, em termos de publicidade e transparência das empresas estatais, que o respectivo Estatuto – Lei 13.303/2016 –, demonstra grande confiança na internet para fortalecê-las, impondo a divulgação através dela das demonstrações contábeis auditadas (art. 86, § 1º); da relação de todas as empresas públicas e as sociedades de economia mista constante do Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins (art. 92); dos seus atos internos e societários mais relevantes nos termos do § 4º do art. 8º; licitações na modalidade de pregão através de portais de compras de acesso público (art. 32, § 3º); pelo menos semestralmente a relação das aquisições de bens efetivadas pelas empresas públicas e pelas sociedades de economia mista (art. 48), e das suas licitações em geral. Essas medidas encontram-se em franca consonância com a Lei de Acesso à Informação, que consagrou a "utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação" como uma de suas diretrizes fundamentais (LAI, art. 3º, III).103
4. Diferenças de regime jurídico em razão da atividade exercida pela estatal
Existe uma importante celeuma, não de todo resolvida, em relação ao regime jurídico das empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos, se ele seria diverso, mais publicista, que o regime das estatais exploradoras de atividades econômicas stricto sensu.
Nossa tradição administrativa conviveu e convive com uma bipartição das empresas públicas e das sociedades de economia mista: as exploradoras de atividades econômicas stricto sensu e as que são prestadoras de serviços públicos de natureza econômica.104
Com base nessa tradicional diferenciação, o STF chegou ao extremo de considerar como Fazenda Pública as empresas públicas prestadoras de serviços públicos; equiparando-as materialmente a autarquias ou a algo em quase todos os elementos análogo a elas.105
De acordo com a posição do Supremo, o regime jurídico incidente sobre as empresas estatais prestadoras de serviços públicos seria diverso daquele aplicável às estatais exploradoras de atividade econômica em sentido estrito. Esse posicionamento se refletirá, dentre outros aspectos, na jurisprudência atinente ao regime de bens, tributário e contratual dessas entidades, havendo julgados reiterados, por exemplo, no sentido de que os bens das empresas estatais prestadoras de serviços públicos não são penhoráveis, bem como que a elas se aplica a imunidade tributária instituída pelo art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal (imunidade tributária recíproca).
Como se sabe, são grandes os problemas que essa posição do STF gera na estrutura da Administração indireta de todos os entes da Federação, acarretando maior publicização da Administração indireta, justamente na contramão da tendência mundial de adoção de métodos mais ágeis e flexíveis de gestão. O emprego de pessoas jurídicas de direito privado na Administração indireta – não de autarquias – para prestar serviços públicos econômicos tinha visado exatamente a esses objetivos.
5. Diferenças de regime jurídico em razão da dependência financeira da estatal
Por fim, há uma última diferenciação a ser feita entre as empresas estatais, com relevantes consequências no seu regime jurídico. Trata-se de analisar se a empresa é autossustentável financeiramente ou se depende de verbas do ente público, distinção que possui fulcro na Constituição Federal e na Lei de Responsabilidade Fiscal.
A estatal dependente tem vários aspectos de sua atuação e gestão limitados, o que se explica por demandar verbas do Erário para atuar, ao contrário das estatais não dependentes, sustentadas por seus próprios negócios e bens. Além de um zelo pelo dinheiro do ente público instituidor, a distinção também traz um incentivo à busca de autossustentabilidade pelas estatais: quanto mais a estatal gerar a sua própria receita, mais autonomia terá para gerir o seu pessoal, o seu patrimônio, o seu orçamento. O regime de licitações e contratos é, no entanto, indistintamente aplicável a todas as estatais, sejam elas dependentes ou não (art. 1º, § 2º, Estatuto das Estatais).106
Segundo Sergio Alexandre Camargo, “a empresa estatal dependente é aquela que de uma forma ou de outra necessita do apoio financeiro da entidade política criadora, para a gestão de suas atividades, na linha de entendimento do próprio legislador da lei de responsabilidade fiscal. Por questões administrativas, ou até mesmo de mercado, a estatal não afere lucro, ainda que no exercício de atividade econômica, nos moldes do art. 173, da Constituição Federal”.
Como as estatais podem depender ou não de recursos do orçamento público, “são consideradas empresas dependentes as que recebam recursos do orçamento público para custeio em geral ou pagamento de despesas com pessoal. As estatais dependentes não possuem orçamento de investimento e os recursos orçamentários previstos que recebem podem constar do orçamento fiscal ou da seguridade social (art. 165, § 5º, da CF/1988). A dependência dessas empresas aproxima o seu regime orçamentário e financeiro do aplicável às entidades de direito público”.107
A distinção e suas consequências têm sede constitucional, legal e infralegal. A Emenda Constitucional 19/1998, adicionando um novo parágrafo ao art. 37 da Constituição (o § 9º), determinou a aplicação do teto remuneratório previsto no inciso XI do art. 37 “às empresas públicas e às sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, que receberem recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral”.108
No âmbito infraconstitucional, o art. 2º, inciso III, da Lei de Responsabilidade Fiscal prevê o conceito de empresa estatal dependente como sendo “a empresa controlada que receba do ente controlador recursos financeiros para pagamento de despesas com o pessoal ou de custeio em geral ou de capital, excluídos, no último caso, aqueles provenientes de aumento de participação acionária”.109 Note-se, se necessitarem de transferências do Erário para investimentos – não para custeio – não se subsumirão ao conceito de estatal dependente.
Diogo De Figueiredo Moreira Neto chama a atenção para que uma estatal ser classificada como dependente, o legislador não estabeleceu se tal dependência deverá ser permanente ou eventual, como uma que receba recursos do Orçamento Público durante um ano, porém, no exercício seguinte, tais recursos não se fazem mais necessários e não são percebidos.110 A solução cabível parece ser apurar essa qualificação em cada exercício. Para tanto, afirma que o legislador já indicaria a excepcionalidade e não a permanência da situação ao, no art. 47 da LRF,111 optar por “incentivar a celebração dos contratos de gestão, dispondo que as empresas controladas, que estabeleceram esses acordos (pois esta é a sua real natureza jurídica, e não a de contratos), em que se definam objetivos e metas de desempenho, disporão de autonomia gerencial, orçamentária e financeira”.112
Com isso vemos o leque de regimes jurídicos que as estatais podem ter, como já anunciado. Considerando apenas a sua dependência do orçamento do ente federativo, temos regimes distintos para as estatais independentes, para as dependentes e, entre estas, para as dependentes que celebrem contratos de gestão e para as que não os celebrem.
Carlos Ari Sundfeld e Rodrigo Pagani explicam que:
“tal conceito de empresa estatal dependente (...) está ligado, essencialmente, à empresa que (i) recebe recursos financeiros de seu controlador; (ii) destinados à cobertura de seus déficits de manutenção (despesas com pessoal, de custeio em geral ou de capital); (iii) de forma reiterada a cada exercício financeiro; (iv) sem necessidade de dar, a seu controlador ou a seu cliente, qualquer contrapartida específica; (v) de tal maneira que se verifica uma espécie de comunicação do seu orçamento com o orçamento de seu controlador, como se houvesse uma desconsideração de sua personalidade jurídica para fins de sua gestão financeira e orçamentária”.113
As estatais independentes seriam então, a contrario sensu, as empresas controladas que não recebem recursos financeiros do ente controlador para o pagamento de despesas com pessoal e de custeio em geral,114 não precisando de recursos diretos do orçamento público, por dispor de fontes próprias e bastantes de receita para essas finalidades.
Entre as restrições impostas às empresas estatais dependentes, podem ser destacadas as limitações quanto à geração de despesas, incluindo aquelas com pessoal e seguridade social, e ao endividamento, inclusive em relação à realização de operações de crédito.115-116 Igualmente, sujeitam-se à possibilidade de contingenciamento dos recursos, pois que atrelados aos entes federativos controladores, que são passíveis de limitação de empenho.117
Outras limitações financeiras impostas às estatais dependentes também podem ser depreendidas do art. 35, caput118 e do art. 50, inciso III,119 da LRF. O art. 1º, § 3º, inciso I, alínea “b”, ainda deixa claro que, quando a LRF se refere à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, estão compreendidas as empresas estatais dependentes.120
Discussões há em relação às estatais que são deficitárias, não por problemas internos de gestão, mas porque prestam serviços públicos de competência do ente que a criou abaixo do valor de custo, fazendo-o por orientação (nem sempre bem formalizada) desse ente.
Não haveria de se falar necessariamente em ineficiência da estatal pelo só fato de não gerar lucros se tal condição advier de uma clara política pública nesse sentido, de cunho redistributivista da riqueza coletada pelo Estado através da tributação para os usuários daquela atividade, que fruiriam de um serviço ou de mercadorias abaixo do seu custo ou até mesmo gratuitamente.
Começaram a ser levantadas vozes então para sustentar que essas ditas “empresas estatais sociais” não poderiam ser consideradas estatais dependentes com todas as suas restrições, pois são deficitárias por determinação do seu ente controlador, de maneira que os repasses por ele feitos nada mais seriam do que uma espécie de remuneração pelos serviços de sua incumbência constitucional por ela prestados com prejuízo por sua orientação, não mero repasse de verbas orçamentárias.
Vários contratos têm sido celebrados pelas estatais com os entes delas instituidores com este objetivo, muitas vezes com previsão específica na própria lei de instituição da estatal de hipótese de dispensa de licitação,121 formalizando esses repasses não como uma subvenção, mas como uma remuneração.122
Nesse sentido, Carlos Ari Sundfeld e Rodrigo Pagani de Souza sustentam que:
“(...) a contratualização seria um bom instrumento para que o ente controlador, mais do que incumbir a empresa estatal de um serviço a ser prestado aos usuários – isto a lei já faz −, definisse claras metas de desempenho e qualidade a serem cumpridas pela empresa”. Isso porque, “além de definir estas metas, o contrato serviria para a definição do justo valor de tarifa a que a empresa estatal teria direito pelos serviços prestados aos usuários, de modo que a percepção dessa tarifa ficasse contratualmente garantida”.123
Entendemos que a solução proposta pelos autores procede quando a estatal presta serviços, não para usuários cidadãos, mas para o próprio Estado, as chamadas estatais endógenas. Nesse caso, teremos um contrato propriamente dito, com a comutatividade124 da prestação de serviço a um sujeito (ex.: o Estado de São Paulo publicando oficialmente os seus atos), que por ele remunera adequadamente outro sujeito (no exemplo, pagando a estatal Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, da mesma forma que um pequeno município que não tem imprensa oficial remunera um jornal privado para publicar seus atos). O mesmo se diga das estatais que fornecem medicamentos ou serviços para hospitais públicos.
Já quando a estatal presta deficitariamente à população serviços de competência do ente federativo instituidor, poder-se-ia considerar haver um contrato com o Estado em favor de terceiros. A nosso ver, contudo, essas estatais são instrumentos de descentralização administrativa, prestando aquele serviço público em razão das leis que as criaram para esse objetivo, independentemente de qualquer contrato. E devem fazê-lo de acordo com as orientações legitimamente estabelecidas pelos seus controladores, entre as quais pode, em tese, estar incluída a prestação deficitária de serviços de alta relevância para parcelas menos favorecidas da população ou para setores da economia que necessitem de fomento na aquisição dos insumos fornecidos pela estatal.125
Considerar que a atividade deliberadamente deficitária da estatal, necessitando ela de verbas do ente instituidor, não a caracterizaria como dependente seria inquinar a previsão constitucional e legal dessa condição de dependência. Na verdade, a partir do momento que o Estado impõe à sua estatal um comportamento deficitário, ele próprio, agora de forma reforçada pelo Estatuto das Estatais, deve prover os meios para compensá-la, sendo o repasse das verbas orçamentárias necessárias um desses possíveis meios.
E mais, sendo essas estatais longa manus do Estado na prestação de serviços públicos de sua competência, agindo deficitariamente da mesma forma que o Estado estaria se fosse ele próprio a prestá-los, nada mais natural que sofram analogamente algumas das mesmas restrições que este sofreria, por exemplo, para o aumento de despesas de pessoal. Afinal de contas a receita de ambos têm procedência no mesmo orçamento público, não no da própria estatal – nos negócios por ela celebrados.126
O que, contudo, apesar de todas as limitações à autonomia das estatais dependentes, deve ser frisado é que o fato de elas serem dependentes não significa que a elas se deva aplicar, sem exceções nem temperamentos, todo o regime jurídico próprio ao Estado, como se o serviço estivesse sendo prestado pela Administração direta ou por entidade autárquica, pois, se fosse assim, não faria sentido a criação de uma empresa para o desempenho dessa função.
A legislação das empresas dependentes não chega, acertadamente, a esse ponto, apenas possuindo normas uniformes com o Estado em alguns (relevantes) aspectos orçamentários sobre as suas despesas e dívidas.
Por derradeiro, seria conveniente que as estatais que o Estado cria já com o pressuposto de serem dependentes não fossem sociedades de economia mista, já que a presença de acionistas privados em uma empresa não voltada ao lucro seria meramente figurativa ou formal e, pior, todo repasse que fosse feito pelo ente público que episodicamente ultrapassasse as despesas totais da companhia, representaria uma transferência de dinheiro público para o acionista privado mediante a distribuição de lucros: adviria não de remunerações contratuais de mercado, mas de repasses de verbas orçamentárias públicas.
Todavia, a situação de dependência não é institucional e permanente, podendo ser conjuntural (basta, por exemplo, que se autorize a estatal a aumentar as suas tarifas a ponto de suprir o seu déficit). Por essa razão, apesar de não ser recomendável a criação de uma sociedade de economia mista dependente, ela não chegaria a ser inconstitucional.
Nos primeiros tópicos, abordamos o hibridismo jurídico que caracteriza o regime jurídico das estatais, comentamos as principais repercussões do Estatuto das Estatais e discorremos a respeito do que chamamos de incidência adaptada dos princípios da Administração Pública. Nos dois últimos tópicos, fizemos diferenciações gerais entre espécies de estatais com reflexos na maior ou menor proximidade do seu regime jurídico ao das empresas privadas.
Em razão dos limites inerentes a um verbete, não trataremos dos aspectos específicos de tal regime, a exemplo do licitatório, contratual, de pessoal, de responsabilidade civil, processual administrativo, tributário, orçamentário, de bens, falimentar e societário.127
Assim, neste quadrante, o que nos cabe é ressaltar o hibridismo do regime jurídico – atípico – ao qual estamos nos referindo. Um regime que não é público nem privado, nem corresponde à soma estanque de elementos de um e de outro, mas sim um terceiro regime jurídico, não homogêneo, decorrente da reunião, com recíprocas adaptações, de elementos oriundos daqueles dois regimes.
Notas
1 ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o direito privado, p. 59; MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo, p. 252.
2 Os contratos de gestão são mencionados em diversas normas brasileiras, a começar pela Constituição Federal, de forma implícita, cujo art. 37, § 8º, se refere ao “contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade”. A expressão “contrato de gestão” nesse sentido foi utilizada pela primeira vez pela Lei federal 9.649/1998, que prevê a celebração do contrato de gestão como um requisito da qualificação de autarquias e fundações como agências executivas, a fim de conferir-lhes autonomia gerencial, orçamentária e financeira. O contrato de gestão tecnicamente não é um contrato, mas um ato consensual normativo de organização interna.
3 No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, foi editado, em 2014, o Decreto 44.912/2014, para disciplinar as avaliações periódica e especial de desempenho na administração pública direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo. Dentre outras coisas, esse Decreto prevê que a avaliação de desempenho servirá para o cálculo da gratificação de desempenho de atividade a que o servidor eventualmente faça jus, em razão de lei específica, bem como para quantificação de vantagem pecuniária atribuída ocasionalmente como bonificação pelo desempenho do servidor em face do cumprimento de metas estabelecidas em contrato de gestão assumido no âmbito da Administração Pública (art. 3º). Outro reflexo dessa tendência é a previsão da possibilidade de vinculação do pagamento devido ao contratado pela Administração Pública ao seu desempenho na execução desse contrato. É o que prevê o art. 10 da Lei 12.462/2011 (Art. 10. Na contratação das obras e serviços, inclusive de engenharia, poderá ser estabelecida remuneração variável vinculada ao desempenho da contratada, com base em metas, padrões de qualidade, critérios de sustentabilidade ambiental e prazo de entrega definidos no instrumento convocatório e no contrato) e o art. 6º, § 1º, da Lei 11.079/2004: O contrato poderá prever o pagamento ao parceiro privado de remuneração variável vinculada ao seu desempenho, conforme metas e padrões de qualidade e disponibilidade definidos no contrato). O mesmo se diga com relação aos “contratos de eficiência” também previstos na Lei 12.462/2011 (Art. 23. No julgamento pelo maior retorno econômico, utilizado exclusivamente para a celebração de contratos de eficiência, as propostas serão consideradas de forma a selecionar a que proporcionará a maior economia para a administração pública decorrente da execução do contrato. § 1º O contrato de eficiência terá por objeto a prestação de serviços, que pode incluir a realização de obras e o fornecimento de bens, com o objetivo de proporcionar economia ao contratante, na forma de redução de despesas correntes, sendo o contratado remunerado com base em percentual da economia gerada).
4 De acordo com Diogo de Figueiredo Moreira Neto, “dentro de uma nova concepção das próprias relações entre os cidadãos e a administração pública, como especificamente voltada à afirmação de seu dever funcional de proporcionar resultados concretos e materializados em uma boa e justa atribuição de bens e serviços às pessoas, como um proprium da função administrativa (...) agita-se uma dramática mutação do próprio conceito de administração pública, que vai aos poucos perdendo suas características imperativas, que a postavam, tradicionalmente, como uma expressão de um poder do Estado, para entendê-la como nada mais que um função constitucionalmente vinculada a ser desempenhada pelo Estado e a ser o mais amplamente que possível compartilhada com a sociedade, compreendendo todo o seu desenvolvimento, desde o seu planejamento até o seu controle” (Quatro paradigmas do direito administrativo pós-moderno, pp. 133-134).
5 De acordo com Colin Talbot, “a onda da ‘performance’ está intimamente conectada às tendências do ‘new public management’ (NPM) da última parte do século vinte (Performance Management. The Oxford handbook of public management, p. 493). O New Public Management “tanto desafia quanto reforça a burocracia (…). Uma ala do NPM procurar eliminar o governo, e, consequentemente, a burocracia, através da transferência de todas as funções de governo possíveis para o setor privado (...). Os órgãos do governo se transformam em administradoras de contratos em vez de prestadores de serviços; a busca é guiada pela ideia de que as burocracias privadas são mais eficientes que as burocracias governamentais (...). Uma vez que o tamanho total do governo e suas funções essenciais são definidas, então o governo pode racionalmente estabelecer prioridades para reduzir a sua burocracia (...). A segunda ala do New Public Management procura liberar os administradores da burocracia das regras e limitações que eles enfrentam. (...) A versão liberalizante da NPM é normalmente acompanhada de benchmarking e standards de performance” (MEIER, Kenneth J.; HILL, Gregory C. Bureaucracy in the Twenty-First Century. The Oxford handbook of public management, pp. 55-56).
6 ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o direito privado: contributo para o estudo da actividade de direito privado da Administração Pública. De acordo com a autora, “verifica-se um movimento (...) de privatização da própria Administração Pública desempenha servindo-se das formas jurídico-privadas de organização ou de atuação. A propósito destas tarefas que a Administração Pública desempenha servindo-se das formas jurídico-privadas de organização ou de atuação, existe hoje a preocupação de evitar que, através de uma ‘fuga para o Direito Privado’, a Administração possa ‘livrar-se’ das suas vinculações jurídico-públicas aparecendo assim, como eu própria defendi, tentativas várias de construção de um regime jurídico misto para essas novas áreas da atividade administrativa” (Idem, p. 340).
7 NAPOLITANO, Giulio. Pubblico e privato nel diritto amministrativo, p. 242.
8 TEPEDINO, Gustavo. O direito civil-constitucional e suas perspectivas atuais. Temas de direito civil, t. III, pp. 36-38.
9 BODIN DE MORAES, Maria Celina. Perspectivas a partir do Direito Civil-Constitucional. Direito civil constitucional e outros estudos em homenagem ao Prof. Zeno Veloso, pp. 998-1007.
10 NAPOLITANO, Giulio. Pubblico e privato nel diritto amministrativo, pp. 235-236, grifos nossos.
11 Na verdade, se formos analisar a fundo, nem o Direito aplicável à Administração Direta é também inteiramente de direito público, podendo, por exemplo, celebrar contratos de locação com particulares, emitir cheques etc.
12 Na Itália, com talvez certo exagero, Vittorio Dominichelli denota que, “uma vez que a característica fundamental do sujeito privado é a autonomia, (...) empresas como GEPI e a RAI, que recebem orientações de centros de poder externos a elas, não podem ser consideradas empresas no sentido do Código Civil. A essência deste último é, com efeito, a autonomia privada, a autonomia contratual, incompatível com uma heterogestão pública. A partir de um desvio significativo em relação à disciplina legal geral das empresas, foi mitigada a necessária prevalência da substância de ente público para a forma de sociedade anônima". DOMINICHELLI, Vittorio. La società ‘pubblica’ tra diritto privato e diritto amministrativo, p. 183.
13 “A existência de uma disciplina privatista concorrente, todavia, pode trazer uma questão aplicativa complexa, sempre que esta não se disponha paralelamente, mas se entrelace ou se sobreponha a uma questão pública. Nestes casos, é preciso ver se o ordenamento postula, necessariamente, uma relação de conformidade entre a ordem das apreciações públicas e privadas; ou fornecendo ‘normas de conflito’, substanciais ou meramente procedimentais, permitindo a prevalência de um ou de outro”. NAPOLITANO, Giulio. Op. cit., p. 120.
14 NAPOLITANO, Giulio. Pubblico e privato nel diritto amministrativo, p. 53.
15 DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado (parte geral), p. 237.
16 NAPOLITANO, Giulio. Op. cit., p. 241. Ainda de acordo com o autor, “por um lado, de fato, a noção fundamental ‘se dilatando, distorcendo e degradando vindo a se tornar indefinível e multiplicando estatutos, modelos, tipos, por causa de sua hibridização’. Por outro, torna-se cada vez menos fácil imaginar um direito administrativo geral capaz de executar uma função ordenada de um mundo jurídico de tal forma desarticulado. Muitas vezes, as instituições de direito administrativo são uma mera fórmula resumida de fragmentos de uma disciplina diferenciada, imprópria hoje para impedir a aplicação do direito privado e, assim, naturalmente aberta ao seu desdobramento em via integrativa e concorrente. Ela cria, por conseguinte, um equilíbrio instável entre fontes normativas assimétricas, nas quais, a disciplina pública final pode apagar-se ou produzir efeitos na civilística. Podemos entender, portanto, por que as discussões abstratas são tidas em vários ramos do ordenamento como pouco produtivas. A conclusão só pode ser a de um direito administrativo profundamente entrelaçado com outras sedes normativas, de acordo com técnicas e soluções diversas. (...) O discurso moderno sobre direito administrativo, portanto, é chamado a liberar-se da tradicional lógica binária, se o intuito é oferecer um quadro de respostas à complexidade da realidade. Sua categoria não se determina mais pela comparação e oposição ao direito civil (...)”. (Idem, pp. 243-244, grifos nossos).
17 De acordo com Nino Longobardi, “o mundo da pureza, no qual o Estado acionista se submete à disciplina da sociedade por ações e da qual resulta a aplicação de um regime límpido que é aquele do Código Civil, se em algum momento já existiu, certamente está no passado. Torna-se, ao contrário, necessário um trabalho paciente que, movendo-se de um reconhecimento da regra concreta, se traduza em uma visão geral da empresa pública, também à luz dos princípios do direito – público e privado – que provem ser consistentes com as características e funções da empresa estatal”. (LONGOBARDI, Nino. La società ‘pubblica’. La società ‘pubblica’ tra diritto privato e diritto amministrativo, pp. 184 e 205 − tradução livre).
18 No nosso objeto, de tal ou qual entidade da Administração Pública.
19 SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às Agências Reguladoras. Direito administrativo econômico, p. 03.
20 “Tradicionalmente, é aceita a ideia de que a existência de um elemento publicístico se traduz necessariamente em uma adaptação do direito privado, impedindo a sua plena aplicação. Por longo tempo, a ideia tem sido um legado da antiga concepção, segundo o qual a administração não perde a sua qualidade pública. (...) O argumento é utilizado para fins diferentes: ora para proteger uma área de imunidade substancial em benefício da administração; ora para limitar a liberdade de ação e frustrar as tentativas de subtração e restrições de controles, mesmo em garantia dos privados (...). A publicização acontece por dois caminhos diversos. O primeiro leva à aplicação automática do sistema de direito administrativo, construído em torno das técnicas tradicionais de afirmação e de controle do poder e da sua função. Trata-se, de certa forma, de um percurso mais simples e direto que, não por acaso, encontra um considerável número de seguidores na ciência jurídica e na jurisprudência (...), enrijecendo a ação na busca de um propósito geral e determinando um excesso de proteção ora aos interesses públicos, ora aos individuais. O segundo caminho se move, por sua vez, a partir da extensão das disciplinas públicas individuais, as quais produzem efeitos condicionantes, prescritivos, de controle, em razão dos diversos interesses tutelados caso a caso. Tais disciplinas podem ser comuns àquelas ditadas pelo direito administrativo de forma pública, ou ser uma adaptação, ou mesmo ser dirigido especificamente para regular o uso de institutos do direito privado”. NAPOLITANO, Giulio. Pubblico e privato nel diritto amministrativo, pp. 137-138, 158-159 e 239-240.
21 “De fato, hoje, talvez, o pensamento jus-administrativista brasileiro acerca do regime das empresas estatais esteja caminhando no sentido de admitir, com maior naturalidade, a sua sujeição ao regime próprio das empresas privadas”. SUNDFELD, Carlos Ari; SOUZA, Rodrigo Pagani de. Licitação nas estatais: levando a natureza empresarial a sério. Revista de direito administrativo, v. 245, p. 254.
22 NAPOLITANO, Giulio. Pubblico e privato nel diritto amministrativo, pp. 155-157 − grifamos.
23 PAIVA, Alfredo de Almeida. As sociedades de economia mista e as empresas públicas como instrumentos jurídicos a serviço do Estado. Revista de direito administrativo (Seleção Histórica), v. 1, pp. 319-320.
24 SILVA, Rodrigo Crelier Zambão da. A captura das estatais pelo regime jurídico de direito público: algumas reflexões. Empresas públicas e sociedades de economia mista, pp. 258-262.
25 O Tribunal de Contas da União, por exemplo, entende que se aplica às empresas estatais as mesmas normas de licitações e contratos previstas pela Lei nº 8.666/93 para a Administração Pública Central e para as entidades administrativas de direito público (ver TCU, Acórdão 624/2003, Plenário).
26 Contramovimento, no entanto, dentro desse momento, foi o do Supremo Tribunal Federal ter chegado a equiparar as empresas estatais prestadoras de serviços públicos à Fazenda Pública, praticamente anulando o seu regime jurídico de direito privado (vide ADI 1642, rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgamento em 03.04.2008, DJe 18.09.2008, publicação 19.09.2008).
27 Aspectos do Decreto 2.745/98, ainda em vigor durante a longa vacatio do Estatuto das Estatais em matéria de licitações, que regulamenta o regime simplificado de licitações da Petrobras, vêm sendo apontados como tendo sido essenciais para a montagem de um amplo esquema de propina nos contratos celebrados pela estatal, esquema esse que vem sendo investigado pela Polícia Federal desde março de 2014, sob a alcunha de “Operação Lava Jato”. Essa relação foi indicada em acórdão proferido pelo Tribunal de Contas da União, em março de 2015, nos autos do processo de tomada de contas nº 007.315/2011-2 que teve por objeto contratos celebrados pela Petrobras para a construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – COMPERJ: “10. Da leitura do dispositivo acima e ante a omissão do Decreto 2.745/1998 sobre o tema, é de clareza solar que não há regra geral sobre como os preços ofertados pelos licitantes deverão ser discriminados; em cada contratação, os parâmetros a serem seguidos pelos licitantes na formulação de suas propostas comerciais serão arbitrados, a critério dos agentes da Petrobras. As licitantes, pautadas nas exigências editalícias – e na ausência de critérios cogentes inscritos em normativos superiores, detalham seu preço no DFP segundo os padrões estabelecidos. (...) 48. Antes de concluir este Voto, considerando o cenário fático envolvendo a Petrobras e tendo em vista a correlação temática entre o que aqui se discute e as investigações encabeçadas pelo Ministério Público Federal na operação Lava Jato, não tenho como deixar de trazer a lume informações conferidas à Justiça Federal por um dos envolvidos nas acusações (acostado à peça 72). Trata-se do depoimento do Sr. Maurício Mendonça Godoy, ex-Presidente da ‘Toyo-Setal Empreendimentos’ e atual presidente da ‘Estaleiros do Brasil − EBR’, que firmou junto ao parquet federal acordo de colaboração premiada. 49. Segundo o depoente, a falta de detalhamento das propostas entregues pelas empreiteiras nos certames concorrenciais favorecia a prática de ilícitos (...)”.
28 Por exemplo, com toda a rigidez e formalismo da Lei nº 8.666/9193, o Brasil encontra-se no 69º lugar no índice de percepção de corrupção criado pela Transparência Internacional, de um total de 175 países ranqueados pela instituição. A ONG Transparência Internacional atribuiu ao Brasil a nota 43, em uma escala de 0 (mais corrupção) a 100 (menos corrupção). A informação citada está em
29 O alto índice de corrupção o Brasil é comumente atribuído à história do patrimonialismo brasileiro, o qual se origina com a própria colonização do país, promovida preponderantemente através da concessão de grandes extensões de terra e títulos de nobreza a pessoas ligadas à realeza (as sesmarias). Criou-se, nesse momento, uma relação intrínseca entre a aquisição da propriedade e os limites do que é público e do que é privado. A Corte portuguesa radicada no Brasil, além de ser possuidora de terras e títulos, recebia de Portugal a ingerência sobre a política local, o que lhes dava grande poder. Disto resultou que a própria fundação do Estado brasileiro se dá na confusão entre os bens públicos e privados, uma vez que o administrador público era necessariamente alguém que tinha sido agraciado com um título de propriedade. Ver, a esse respeito, FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal; e HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil.
30 SUNDFELD, Carlos Ari. O direito administrativo entre os clipes e os negócios. Direito administrativo e seus novos paradigmas, pp. 87-93.
31 Não se pode, contudo, super relativizar a cogência do Estatuto das Estatais, já que, da mesma forma que observamos em relação ao Decreto-lei 200/1967, é lei ordinária, podendo, pelo menos em âmbito federal, ser excepcionado por qualquer outra lei ordinária federal que autorize a criação de uma nova estatal.
32 Os dirigentes já empossados podem permanecer até o final dos respectivos mandatos.
33 Mantêm-se aplicáveis a estas estatais de menor faturamento, de toda sorte, por exemplo: arts. 20, 30, 40 e 50 - Definições e vinculação da participação minoritária ao objeto social ou plano de negócios da estatal investidora; art. 60 - Todos os mecanismos de proteção ao minoritário previstos na Lei e tópicos mínimos do Estatuto; art. 7º - Aplicar as disposições da lei societária e as regras da CVM sobre demonstrações financeiras; art. 80 - Transparência de política pública e divulgação de políticas gerais; art. 11 - Vedação para empresa pública lançar debêntures e partes beneficiárias; art. 12 - Código de Conduta e Integridade, arbitragem e divulgação da forma de remuneração dos administradores; e art. 27 - Função social.
34 Mormente em razão da crise econômica existente no momento da edição do Estatuto e no período subsequente, bem como da própria conjuntura política de menor atuação do Estado na economia, a tendência é não haver uma relevante criação de novas estatais dentro daqueles vinte e quatro meses, fazendo com que as previsões de incidência imediata do Estatuto apenas para as novas estatais tenda a não ter muita importância prática.
35 Veja-se, exemplificativamente, a reportagem de “O Estado de São Paulo”, de 04.07.2016, intitulada “Lei das Estatais impacta nomeação de 1,8 mil cargos”.
36 Criou, como vimos acima, até mesmo uma nova diferenciação, a das empresas estatais com faturamento inferior a R$ 90 milhões (Lei 13.303/2016, art. 1º, § 1º).
37 Sobre esse ponto, remetemos o leitor ao nosso Direito dos serviços públicos, p. 386.
38 Há que se considerar o “problema inevitavelmente trazido pela expansão do direito civil como trama fundamental da organização e da atividade administrativa: a existência de vínculos e limites constitucionais. A propósito, é necessário avisar, antes de tudo, que a validade dos princípios constitucionais não é prejudicada pela alteração da forma jurídica. O princípio da imparcialidade e do bom andamento, descritos no art. 97 da Constituição (italiana), literalmente se referindo às repartições públicas, se aplica também à atividade administrativa levada a cabo com instrumentos civis. (...) De modo mais geral, deve-se rejeitar que tais normas dedicadas à administração, ricas em conteúdo prescritivo, possam caracterizar uma reserva constitucional do regime para o ato administrativo” (...) A disciplina pública sujeita os institutos privados do direito administrativo a medidas não só condicionantes e prescritivas, mas também de controle sucessivo. Tais controles podem ser necessários somente de forma eventual, resguardando completamente a atividade, ou fixando atos específicos. Em alguns casos, esses operam em um plano concorrente, dando lugar a uma ordem paralela de relações e valorações”. NAPOLITANO, Giulio. Pubblico e privato nel diritto amministrativo, pp. 111 e 229.
39 NAPOLITANO, Giulio. Pubblico e privato nel diritto amministrativo, pp. 159-160 − grifamos.
40 Em nosso Curso, por exemplo, indicamos, como princípios do Direito Administrativo, o princípio da juridicidade e da legalidade, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, o princípio da segurança jurídica, da boa-fé objetiva, da impessoalidade, da moralidade administrativa, da eficiência, da publicidade, da motivação, da finalidade, (superação) da supremacia do interesse público, da indisponibilidade do interesse público, da presunção de legitimidade, autoexecutoriedade, autotutela, continuidade das atividades administrativas e da especialidade. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, por sua vez, faz referência aos princípios da finalidade, impessoalidade, moralidade administrativa, discricionariedade, consensualidade, razoabilidade, proporcionalidade, executoriedade, continuidade, especialidade, princípio hierárquico, princípio monocrático, princípio do colegiado, princípio disciplinar, princípio da eficiência, da economicidade, da autotutela, da boa administração e da coerência administrativa (Curso de Direito Administrativo). Vale fazer referência, ainda, à posição crítica de Carlos Ari Sundfeld quanto ao exagero na utilização dos princípios pelos aplicadores do Direito. De acordo com o autor, “o operador tornou-se abstracionista prático, gerindo as dúvidas do cotidiano (‘corta-se a luz do consumidor inadimplente?’) com sentenças algo vagas: tanto as belas (‘a dignidade da pessoa humana a tudo prefere’) como as rudes (‘o interesse público prefere ao privado’) (...). Crise: este é o nome, agora, também desse direito de princípios, os males do excesso (a principiologia frouxa desamarrando as normas, embaralhando tudo) e do superficial (o princípio lugar-comum, pura forma sem substância): nisso vivemos. Vale, então, a nota prévia de saudade: nesses anos, o direito dos princípios subia, subia, todos o amávamos; nos próximos, não será assim. Os administrativistas principiamos a cansar” (O Direito Administrativo entre os clipes e os negócios. Direito administrativo e seus novos paradigmas, pp. 87-88). Acompanhamos essas críticas na invocação dos princípios em qualquer caso, às vezes até mesmo contrariamente a regras legais expressas, a critério do senso de justiça pessoal de cada julgador, cf. ARAGÃO, Alexandre Santos de. Subjetividade judicial na ponderação de valores: alguns exageros na adoção indiscriminada da teoria dos princípios. Revista de direito administrativo, v. 267, p. 1.
41 Princípios são espécies de normas jurídicas caracterizadas por preverem finalidades a serem buscadas, e cuja aplicação se dá em graus, a depender dos elementos do caso concreto e outros princípios também aplicáveis. Adotando aqui o exemplo utilizado por Luís Roberto Barroso, há, por exemplo, “muitas formas de respeitar ou fomentar o respeito à dignidade humana, de exercer com razoabilidade o poder discricionário ou de promover o direito à saúde. (...) Ao contrário das regras, portanto, princípios não são aplicados na modalidade tudo ou nada, mas de acordo com a dimensão de peso que assumem na situação específica (...)”. (BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo, p. 231). Como observado por Jane Reis Gonçalves Pereira, “a possibilidade de cumprimento gradual dos princípios relaciona-se ao fato de estes veicularem razões que podem ser deslocadas por determinações sobre como deve ser resolvido o possível conflito entre as razões neles contidas e as que eventualmente se contraponham” (Interpretação constitucional e direitos fundamentais, p. 104). Sobre o ponto, ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
42 ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil, p. 14. Luís Roberto Barroso traça uma análise sobre a influência dos princípios constitucionais promovendo uma releitura de cada um dos ramos do Direito, dentre eles, o Direito Administrativo, em seu artigo: Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Revista eletrônica sobre reforma do Estado, nº 9.
43 É o caso, por exemplo, das diferentes intensidades em que o princípio da tipicidade incide no Direito Administrativo Sancionador e no Direito Penal. Neste último, assume um viés muito mais rígido, exigindo, nos termos do art. 5º, XXXIX e XLVI, que as sanções e as penalidades sejam previstas por lei em sentido formal exaustiva sobre o assunto (reserva de lei absoluta). Já no Direito Administrativo, aplica-se uma ideia de tipicidade flexível, que pode se utilizar de conceitos bem indeterminados como normas tipificadoras de condutas infrativas (cf. OSÓRIO, Fabio Medina. Direito administrativo sancionador. Também Di Pietro que “não há, com relação ao ilícito administrativo, a mesma tipicidade que caracteriza o ilícito penal. A maior parte das infrações não é definida com precisão, limitando-se a lei, em regra, a falar em falta de cumprimento dos deveres, falta de exação no cumprimento do dever, insubordinação grave, procedimento irregular, incontinência pública; poucas são as infrações definidas, como o abandono de cargo ou os ilícitos que correspondem a crime ou contravenção”. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 612.
44 Pedimos vênia para remeter o leitor ao que dessas teorias (da autopoiese teuberiana e da pós-modernidade) já tratamos na Introdução.
45 “Nesse mundo de regimes globais, o regime fordista de produção massiva estandartizada com base em divisões de trabalho inflexíveis, segmentadas e hierárquicas, se converte em um impedimento decisivo para a utilização do capital. Quando a demanda é imprevisível, tanto do ponto de vista da qualidade como da quantidade, quando os mercados se diversificaram em escala mundial e, portanto, são incontroláveis, quando as tecnologias da informação tornam possíveis novas formas de produção, ao mesmo tempo descentralizadas e globais, então já não são aplicáveis as bases da produção e do trabalho estandartizadas, tal como foram formuladas na ‘gestão científica’ de Taylor”. BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo global, p. 181.
46 Na verdade, nem o Direito Administrativo deve ser visto de forma uniforme e estanque, mas, sim, como uma pluralidade de possíveis Direitos Administrativos, com diversos rigores, aberturas à consensualidade, permeabilidades a necessidades econômicas etc., variando de acordo com a matéria que tiver como objeto e com as opções de política legislativa de cada ente federativo no exercício de sua competência legislativa.
47 Assim que surgiu a Constituição de 1988, a redação original do art. 39, caput, da Constituição da república afirmava que “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas”. Após muitos debates, chegou-se à conclusão de que esse regime único seria o regime estatutário (de direito público), e não o da CLT. Dessa forma, nesse âmbito, só haveria cargos públicos, não empregos públicos. Houve, entretanto, uma total modificação no texto do art. 39 da Constituição por meio da emenda à Constituição nº 19/98, suprimindo qualquer referência ao regime jurídico único. Com isso, as autarquias e demais entes ali referidos poderiam, na forma da lei, contratar pelo regime celetista ou prover cargos públicos estatutários. Todavia, posteriormente, em cautelar decidida em Ação direta de inconstitucionalidade (ADI 2135), o Supremo Tribunal Federal declarou com efeitos ex nunc a inconstitucionalidade, por vício formal no processo de sua aprovação, da parte da emenda à Constituição nº 19/1998 que modificava o art. 39 da Constituição, fazendo, consequentemente, retornar a obrigatoriedade de unicidade de regime jurídico para os servidores dos entes da Federação, suas autarquias e fundações, regime esse que, a ser mantida a posição dominante quando de sua inicial vigência, é o estatutário.
48 Luís Roberto Barroso, ao tratar da hermenêutica constitucional, analisando o método teleológico de interpretação constitucional, conclui que “a Constituição e as leis, portanto, visam acudir a certas necessidades e devem ser interpretadas no sentido que melhor atenda à finalidade para a qual foi criada. O legislador brasileiro, em uma das raras exceções em que editou uma lei de cunho interpretativo, agiu, precisamente, para consagrar o método teleológico, ao dispor, no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, que na aplicação da lei o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Nem sempre é fácil, todavia, desentranhar com clareza a finalidade da norma. À falta de melhor orientação, deverá o intérprete voltar-se para as finalidades mais elevadas do Estado, que são, na boa passagem de Marcelo Caetano, a segurança, a justiça e o bem-estar social”. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, p. 131.
49 Para esse objetivo, remetemos ao nosso: A concepção pós-positivista do princípio da legalidade. Boletim de direito administrativo, ano XX, nº 7; e Revista de direito administrativo, v. 236.
50 “Art. 37, (...) XIX − somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)”.
51 Mario Engler Pinto Junior chama a atenção para o fato de que esses princípios devem ser aplicados de forma temperada, “sob pena de funcionarem como fator limitante à atuação dos administradores na consecução do interesse social. A indisponibilidade deve existir apenas em relação ao cumprimento do mandato estatal, e não para a prática de atos de disposição patrimonial. No âmbito societário, o princípio da legalidade da administração pública significa atuar dentro do objeto social previsto no estatuto, e não realizar apenas as operações expressas previstas na lei que autorizou a constituição da companhia”. PINTO JUNIOR, Mario Engler. Empresa estatal: função econômica e dilemas societários, p. 450.
52 “Art. 37 (...) XX − depende de autorização legislativa, em cada caso, a criação de subsidiárias das entidades mencionadas no inciso anterior, assim como a participação de qualquer delas em empresa privada”.
53 Discordamos assim de Modesto Carvalhosa, que parece ter uma posição mais rígida sobre o tema: “a prática do regime de estrita observância do objeto social da sociedade mista, determinado por lei, deve ser desdobrada. Assim, nas atividades-fim, o administrador deve observar estritamente o princípio da legalidade. Quanto às atividades-meio, desenvolvidas para a consecução do objeto legalmente instituído, cabe ao agente público – administrador da sociedade mista – o benefício da discricionariedade. E, com efeito, seria incompatível com a função de administrador de sociedade mista não poder ele eleger os melhores meios para a consecução dos objetivos de ordem pública que justificaram a sua criação”. CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei das sociedades anônimas, v. 4, t. 1, p. 377.
54 O Supremo Tribunal Federal já decidiu, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1649, que é “dispensável a autorização legislativa para a criação de empresas subsidiárias, desde que haja previsão para esse fim na própria lei que instituiu a empresa de economia mista matriz, tendo em vista que a lei criadora é a própria medida autorizadora”.
55 O fundamento constitucional do princípio da legalidade aplicável aos particulares encontra-se no art. 5º, II, da Constituição Federal de 1988, de acordo com o qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer qualquer coisa senão em virtude de lei. Ou seja, na ausência de previsão normativa, prevalece a liberdade. Já a legalidade aplicada à Administração Pública funciona de forma inversa, com fundamento no caput do art. 37 da Constituição Federal: a Administração Pública depende de autorizações constitucionais ou legais para atuar. As candentes discussões que existem versam, repise-se, sobre a densidade normativa mínima que essas autorizações devem ter.
56 Explica Odete Medauar: “Os princípios da impessoalidade, da moralidade e da publicidade apresentam-se intrincados de maneira profunda, havendo, mesmo, instrumentalização recíproca; assim, a impessoalidade configura-se meio para atuações dentro da moralidade; a publicidade, por sua vez, dificulta medidas contrárias à moralidade e à impessoalidade; a moralidade administrativa, de seu lado, implica observância da impessoalidade e da publicidade. Embora nem sempre seja possível afastar as implicações recíprocas desses princípios, o estudo em separado atende a requisitos didáticos”. MEDAUAR. Odete. Direito administrativo moderno, p. 125.
57O princípio da impessoalidade visa a “impedir que fatores pessoais, subjetivos, sejam os verdadeiros móveis e fins das atividades administrativas. Com o princípio da impessoalidade a Constituição visa obstaculizar atuações geradas por antipatias, simpatias, objetivos de vingança, represálias, nepotismo, favorecimentos diversos, muito comuns em licitações, concursos públicos, exercício do poder de polícia. Busca, desse modo, que predomine o sentido de função, isto é, a ideia de que os poderes atribuídos finalizam-se ao interesse de toda a coletividade, portanto, a resultados desconectados de razões pessoais”. MEDAUAR. Odete. Direito administrativo moderno, p. 126. Em sentido semelhante, mas acrescendo mais um aspecto ao princípio, Lucas Rocha Furtado afirma que “o princípio da impessoalidade admite seu exame sob os seguintes aspectos: 1. Dever de isonomia por parte da Administração Pública; 2. Dever de conformidade ao interesse público; 3. Imputação dos atos praticados pelos agentes públicos diretamente às pessoas jurídicas em que atuam”. FURTADO, Lucas Rocha. Curso de direito administrativo, p. 99.
58 Diogo de Figueiredo Moreira Neto afirma ser princípio “uma espécie diferenciada da moral comum”, atuando como “uma peculiar derivação dos conceitos de legitimidade política e de finalidade pública” (Curso de direito administrativo, p. 102).
59 Marçal Justen Filho explica: “eficiência administrativa não é sinônimo de eficiência econômica” e, em vista disso, “parte da doutrina tem preferido, por isso, a expressão princípio da eficácia administrativa, para redução do risco de transposição indevida dos conceitos econômicos para a dimensão estatal. O princípio da eficácia impõe como primeiro dever a Administração evitar o desperdício e a falha. (...) Portanto, a eficácia administrativa envolve a ponderação de interesses e valores de distinta natureza, sem eleger o lucro e a rentabilidade econômica como princípio único ou fundamental. (...) A eficácia administrativa significa que os fins buscados pela Administração devem ser realizados segundo o menor custo econômico possível, o que não é sinônimo de obtenção do maior lucro”. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo, pp. 184-185. Paulo Modesto, em sentido semelhante, considera que o atendimento ao princípio da eficiência pela Administração Pública depende da escolha do meio adequado, da utilização da menor quantidade de recursos possível e do atendimento satisfatório da finalidade pública. MODESTO, Paulo. Notas para um debate sobre o princípio da eficiência. Revista eletrônica de direito administrativo econômico, nº 10, pp. 09-10.
60 A Lei 10.303/2001 efetuou alterações Lei 6.404/1976, aumentando a proteção dos acionistas minoritários e ampliando a presença da governança corporativa no direito societário brasileiro. A título de exemplo dessas modificações, confira-se os dispositivos a seguir: art. 4º, §§ 4º e 6º, art. 4º-A, art. 15, § 2º, art. 17, § 1º, art. 116-A, art. 124, § 1º, art. 133, § 3º, art. 137, III, art. 141, § 4º, art. 142, § 2º, art. 157, § 6º, art. 163, I e IV, art. 165, § 1º, art. 165-A e art. 254-A.
61 Astrid Monteiro de Carvalho Guimarães de Lima Rocha sustenta que a negociação de ações em bolsa é por si só fator relevante para dar segurança aos investidores privados, bem como para refletir a posição do mercado acerca do gerenciamento e administração da sociedade, consistindo, portanto, numa importante forma de mitigação das assimetrias informacionais entre investidores e Administração Pública. ROCHA, Astrid Monteiro de Carvalho Guimarães de Lima. O Estado empresário: interesse público, conflito de interesses e comportamento abusivo do acionista controlador nas sociedades de economia mista. Empresas públicas e sociedades de economia mista, p. 93. Adicionalmente, no ano 2000 foi lançado o Novo Mercado da BOVESPA, no qual se incluem companhias que seguem regras de governança corporativa mais rigorosas do que as previstas na legislação societária nacional. Conforme consta do endereço eletrônico da BM&FBOVESPA, “o Novo Mercado estabeleceu desde sua criação um padrão de governança corporativa altamente diferenciado. A partir da primeira listagem, em 2002, ele se tornou o padrão de transparência e governança exigido pelos investidores para as novas aberturas de capital. Na última década, o Novo Mercado firmou-se como uma seção destinada à negociação de ações de empresas que adotam, voluntariamente, práticas de governança corporativa adicionais às que são exigidas pela legislação brasileira". As informações foram extraídas de
62 Berthold Goldman preceitua que a lex mercatoria é um conjunto de princípios e regras costumeiros, espontaneamente referidos ou elaborados no quadro do comércio internacional, sem referência a um sistema particular de lei nacional (GOLDMAN, Berthold. Frontières du Droit et lex mercatoria. Archives de philosophie du droit, nº 9, p. 179).
63 Deve-se, observar, contudo, que mesmo técnicos muito competentes e empregados de carreira das estatais podem ser instrumentalizados por interesses subalternos externos, como foi o caso por exemplo do que aconteceu na Petrobras como revelado pela Operação Lava-Jato, em que os empregados responsáveis pelos atos apurados eram todos técnicos de carreira. Sobre o tema, ver a reportagem de “O Globo”, de 02.07.2016, intitulada “Nova Lei das Estatais não teria efeito na Petrobras. Ex-diretores da Companhia condenados eram funcionários de carreira”.
64 LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Direito das companhias, pp. 788-790. O fenômeno da governança corporativa busca identificar e sistematizar as melhores práticas de gestão das empresas, sendo norteada por valores de transparência e eficiência na administração das companhias. Tal instituto tem como base teórica o estudo realizado por Berle & Means em 1932, nos Estados Unidos, que resultou na teoria da agência, relatando a evolução das pequenas firmas familiares para as sociedades empresariais mais complexas, alterando sua estrutura de controle e gestão, sendo necessária a instituição de mecanismos que alinhassem os interesses existentes (Cf. BERLE JR., Adolf; MEANS, Gardner. The modern corporation and private property). Além disso, a teoria da firma, desenvolvida por Ronald Coase, em 1937, também representa importante base teórica para a governança corporativa contemporânea, na medida em que destaca o papel da firma como mecanismo de coordenação econômica (COASE, Ronald Harris. The nature of firm). Nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho, “as raízes desse movimento se encontram na iniciativa do American Law Institute (ALI), adotada em 1978, de estimular a discussão sobre a maneira mais adequada de gerir negócios explorados em sociedade. Uma séria de estudos foi desenvolvida em decorrência dela, que motivou e mobilizou diversos juristas, advogados e entidades profissionais estadunidenses. Em 1994, a ALI publicou, como resultado dos esforços desenvolvidos ao longo de dezesseis anos, os Principles of corporate governance. Dois anos antes, porém, no Reino Unido, foi publicado o documento mais conhecido e tido como pioneiro no movimento, o relatório Cadbury, que concluiu os trabalhos de uma comissão instituída em 1991 pela Bolsa de Londres, com o apoio de entidades profissionais, empresariais e do Banco da Inglaterra. Esse relatório, que leva o nome do presidente da comissão, tinha, em anexo, um projeto de ‘Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa’; foi revisado em 1998. (...) No Brasil, o movimento se manifesta inicialmente em 1999, com a criação do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e com a publicação do primeiro Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v. 2, pp. 349-350). Para maiores detalhes acerca da fundamentação teórica do instituto da governança corporativa, ver La Porta (LA PORTA, Rafael; LOPEZ-DE-SILANES, Florencio; SHLEIFER, Andrei. Corporate ownership around the world. Journal of finance, v. 54, nº 2, pp. 471-518) e Andrade e Rossetti (ANDRADE, Adriana; ROSSETTI, José Paschoal. Governança corporativa).
65 O termo compliance tem origem na locução verbal inglesa “to comply with”, isto é, cumprir com alguma regra, agir de acordo com determinada regra. Tendo em vista o pioneirismo norte-americano no combate à corrupção (a primeira lei contendo normas de combate à corrupção data de 1872, o Honest Services Fraud, 18 U.S.C. § 1346), o termo acabou se consolidando como denotador de políticas empresariais voltadas a garantir o cumprimento das normas regulatórias e combater e evitar práticas de corrupção.
66 Como visto acima, para participar, por exemplo, da Bolsa de Valores de Nova Iorque (NYSE), as sociedades interessadas devem observar determinados padrões de governança corporativa, não exigidos pela legislação estatal. A respeito do ponto, consulte-se o seguinte endereço eletrônico
67 O Banco do Brasil e a Cia. de Saneamento de Minas Gerais - COPASA MG, Cia. de Saneamento Básico do Estado de São Paulo − Sabesp são listados como companhias integrantes do Novo Mercado. As Centrais Elétricas de Santa Catarina S.A. – CELESC – na listagem Nível 2 de Governança Corporativa da BM&F BOVESPA. Centrais Elétricas Brasileiras S.A. – Eletrobras e a Cia. Energética de Minas Gerais – CEMIG, dentre outras, encontram-se indicadas na listagem Nível 1 de Governança Corporativa da BM&F BOVESPA. Essas informações estão em:
68 É o caso, por exemplo, do princípio da supremacia do interesse público e do próprio princípio da legalidade, mais recentemente alçado à ideia de juridicidade. Ver, a esse respeito BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria de direito administrativo.
69 Esse tema vem sendo também objeto de discussão no âmbito do mercado de valores brasileiro. A BM&F BOVESPA realizou entre abril e junho de 2015 uma audiência pública para discutir o tema, focando os debates em quatro aspectos da governança das empresas estatais: (i) transparência; (ii) estruturas e práticas de controles internos; (iii) composição da administração e do conselho fiscal; e (iv) obrigações dos acionistas controladores. No que diz respeito à composição dessas empresas, por exemplo, foram propostas as seguintes medidas: (i) “criação de Comitê de Nomeação ou Indicação e Avaliação, com liderança de membro independente, e competência para auxiliar o Acionista Controlador e o Conselho de Administração na indicação dos administradores”; (ii) “elaboração de Política de Indicação contendo critérios mínimos para seleção de administradores, referentes às qualidades desejáveis para o órgão como um todo e para os membros da administração e do conselho fiscal individualmente”; (iii) “vedação à indicação de representantes de órgão regulador ou de responsáveis pela definição de política pública nos Conselhos de Administração das estatais reguladas”; (iv) “vedação à acumulação de cargos de diretor presidente e presidente do Conselho de Administração”; (v) “Conselho de Administração com mandato unificado de, no máximo, 2 anos”; (vi) “Conselho de Administração composto por, no mínimo, 20% de conselheiros independentes”; e (vii) “Participação dos administradores eleitos em treinamentos específicos sobre divulgação de informações, compliance e Lei Anticorrupção, bem como em treinamentos de integração sobre temas essenciais da companhia no momento da posse”. (Disponível em http://www.bmfbovespa.com.br/pt-br/noticias/download/Audiencia-Restrita-Anexo-II-20150422.pdf) Os resultados obtidos através da audiência pública promovida pela BM&FBOVESPA podem ser acessados em http://www.bmfbovespa.com.br/pt-br/noticias/2015/BMFBOVESPA-resultados-audiencia-restrita-Programa-Governanca-Estatais-30-06-2015.aspx?idioma=pt-br. Em 03 de julho de 2015, foi criada a Câmara Consultiva de Mercado de Governança de Estatais para discussão das medidas.
70 “Art. 1º Esta Lei dispõe sobre os procedimentos a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com o fim de garantir o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal. Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei: (...) II − as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios”.
71 Além disso, a Lei também excetua a publicidade genericamente (não apenas para as empresas estatais ou para o exercício de atividades econômicas) da seguinte forma: “Art. 23. São consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado e, portanto, passíveis de classificação as informações cuja divulgação ou acesso irrestrito possam: I − pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do território nacional; II − prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais; III − pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população; IV − oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do País; V − prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos das Forças Armadas; VI − prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico, assim como a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional; VII − pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares; ou VIII − comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações”.
72 Este inciso tem fundamento mais geral na CF: “Art. 5º, X − são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Pode também ser invocada, como esteio indireto, a Súmula 227, do STJ: "A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.
73 Como exposto pela Controladoria Geral da União – CGU, o sigilo comercial a que faz referência o Código Comercial Brasileiro de 1850, o qual ressurge com os mesmos contornos nos arts. 1.190 e 1.191 do Código Civil de 2002, tem abrangência bastante limitada no que diz respeito à informação e ao seu suporte, não conseguindo fazer jus a toda a gama de informações sensíveis à concorrência das empresas, tratando, por exemplo, apenas do sigilo de livros, fichas e papéis de escrituração. A Lei 6.404/1976, todavia, promoveu, para as sociedades anônimas, um alargamento da noção de sigilo comercial, ao contemplá-lo em seu art. 155, § 1º: “§ 1º Cumpre, ademais, ao administrador de companhia aberta, guardar sigilo sobre qualquer informação que ainda não tenha sido divulgada para conhecimento do mercado, obtida em razão do cargo e capaz de influir de modo ponderável na cotação de valores mobiliários”. A propósito, consulte-se o seguinte endereço eletrônico
74 Nas palavras do auditor da CGU, Leonardo Valles Bento, “há uma resistência por parte dessas entidades ao dever de fornecer informações em sua posse, ao argumento de proteger o sigilo comercial e bancário de seus clientes, ou ainda sob o fundamento de não expor a estratégia da empresa a seus potenciais competidores. Tal resistência vem gerando litígio, tanto administrativo quanto judicial, com jornalistas e cidadãos interessados em obter informações sobre a atuação dessas entidades”. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=c139ffc26fbaf2d1>
75 Tratando do BNDES, a CGU já decidiu: “Há, inegavelmente, diferenças substanciais entre uma decisão adotada pela diretoria de uma sociedade de economia mista desenhada para intervir diretamente no mercado, nos moldes do art. 173 da Constituição Federal, e aquela adotada por uma empresa estatal, mesmo que constituída na forma de uma sociedade anônima, desenhada para intervir indiretamente no mercado, seja por meio de incentivo ou fomento. Enquanto uma deverá revelar as estratégias de inserção em um mercado competitivo, a outra deverá revelar as estratégias de execução de uma política pública, sendo, portanto, ato administrativo no sentido estrito”. (Parecer 2951, de 14.11.2013, exarado pelo Ouvidor-Geral da União José Eduardo Romão, nos autos do processo administrativo nº 99903.000274/2013-15). A íntegra desta decisão encontra-se em: <http://www.acessoainformacao.gov.br/assuntos/recursos/recursos-a-cgu/mdic/bndes/pa29512013.pdf>
76 Nesse sentido, claramente a Lei 11.527/2011: “Art. 3º Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as seguintes diretrizes: I - observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção”.
77 Não podemos nos iludir que, mesmo posições de alta direção em muitas estatais, podem ser preenchidas por meras indicações políticas por pessoas em relação às quais a iniciativa privada não teria qualquer interesse competitivo, salvo, com a vênia da picardia, como lobistas. Nas palavras de Leonardo Valles Bento, “independentemente da forma como estão constituídas, as entidades administrativas são utilizadas pelos governos como moeda de troca de governabilidade. Seus cargos de direção superior, de livre nomeação e exoneração, são preenchidos tendo como objetivo costurar uma aliança política que dê suporte legislativo ao Poder Executivo. Assim, por óbvio, a escolha de seus ocupantes não segue um critério técnico e sim político. Estes, por sua vez, devem suas nomeações a algum partido ou liderança política, e é no interesse dele que exercerão suas funções. Os partidos políticos, por sua vez, cobiçam esses cargos para fazer negócios, isto é, para obter financiamento para campanhas futuras, por meio de licitações direcionadas e superfaturadas e contratos fraudulentos, por exemplo, de que se alimenta a alta corrupção” (http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=c139ffc26fbaf2d1). Essa, infelizmente, é a realidade presente em algumas situações e não deve o Direito fechar os olhos a ela encarando qualquer divulgação apenas como uma ameaça concorrencial, sequer ponderando-a com a necessidade de controle público republicano sobre tais entidades.
78 TRF 2ª Região, AMS 2011.51.01.020225-7, rel. para o acórdão Des. Fed. Guilherme Couto, julgado em 21.10.2013.
79 “Art. 5º (...) XXXIII − todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado; (...)”.
80 “Art. 5º (...) XIV − é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; (...)”.
81 “Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”.
82 TRF 2ª Região, AMS 2011.51.01.020225-7, rel. para o acórdão Des. Fed. Guilherme Couto, julgamento em 21.10.2013.
83 Lei Complementar 105/2001: “Art. 1º. As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados”.
84 BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional, p. 165.
85 Prevê o § 2º desse dispositivo, contudo, que “as solicitações de que trata este artigo deverão ser previamente aprovadas pelo Plenário da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, ou do plenário de suas respectivas comissões parlamentares de inquérito”.
86 “CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO POR TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. OBTENÇÃO DE DADOS FINANCEIROS DE CONTAS DE ÓRGÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, INDISPENSÁVEIS À APRECIAÇÃO DE CONTAS APRESENTADAS. RECUSA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INVOCAÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO. DESCABIMENTO. 1. Indiscutível o direito de o Tribunal de Contas requisitar informações de instituições bancárias quanto à movimentação financeira dos órgãos integrantes da administração pública, direta e indireta, a fim de cumprir sua missão constitucional fiscalizatória, as quais devem, também em observância ao princípio da publicidade, ser prestadas, porquanto cuidam de dados relativos a recursos públicos, cuja transparência na sua aplicação é exigida pela sociedade e, portanto, estão excluídos da proteção constitucional do sigilo bancário. 2. Remessa oficial desprovida. Sentença concessiva da segurança confirmada” (TRF1, REOMS 00073468920054014000, Rel. Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro, 6ª T., DJ 03.03.2008). “PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES SOBRE RECURSOS PÚBLICOS AOS TRIBUNAIS DE CONTAS. ALEGAÇÃO DE SIGILO BANCÁRIO. INEXISTÊNCIA. 1. A recusa da instituição financeira em fornecer aos Tribunais de Contas as informações necessárias ao exercício da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades da administração direta e indireta, relativas aos recursos repassados a essas entidades, caracteriza ilegalidade e abuso de poder, porquanto a prestação delas não constitui quebra do sigilo bancário, uma vez que a atividade financeira do Estado não se acha coberta por qualquer espécie de sigilo, mas se submete à impositiva prestação de contas dos recursos públicos recebidos (Carta Magna, arts. 70/75) e ao princípio da publicidade de seus atos (Carta Magna, arts. 31, § 3º; e 37, caput). 2. Remessa a que se nega provimento” (TRF 1ª Região, REO 00594492619974010000, rel. Juiz Federal Leão Aparecido Alves (conv.), 3ª Turma, DJ 11.03.2004).
87 O trecho que fora transcrito se encontra disponível no seguinte endereço eletrônico: <www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=292332>.
88 Vale mencionar que, em questão análoga, a partir de argumentos similares, o STF posicionou-se pela constitucionalidade do art. 6º da LC 105/2001, que franqueia o acesso de autoridades fiscais a dados bancários dos contribuintes independentemente de autorização judicial. Segundo consta da ementa do acórdão em referência, “4. Verifica-se que o Poder Legislativo não desbordou dos parâmetros constitucionais, ao exercer sua relativa liberdade de conformação da ordem jurídica, na medida em que estabeleceu requisitos objetivos para a requisição de informação pela Administração Tributária às instituições financeiras, assim como manteve o sigilo dos dados a respeito das transações financeiras do contribuinte, observando-se um translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal” (STF, Tribunal Pleno, RE 601314, rel. Min. Edson Fachin, DJe 16.09.2016).
89 “MANDADO DE SEGURANÇA. SIGILO BANCÁRIO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA EXECUTORA DE POLÍTICA CREDITÍCIA E FINANCEIRA DO GOVERNO FEDERAL. 1. Legitimidade do Ministério Público para requisitar informações e documentos destinados a instruir procedimentos administrativos de sua competência. 2. Solicitação de informações, pelo Ministério Público Federal ao Banco do Brasil S/A, sobre concessão de empréstimos, subsidiados pelo Tesouro Nacional, com base em plano de governo, a empresas do setor sucroalcooleiro. 3. Alegação do Banco impetrante de não poder informar os beneficiários dos aludidos empréstimos, por estarem protegidos pelo sigilo bancário, previsto no art. 38 da Lei nº 4.595/1964, e, ainda, ao entendimento de que dirigente do Banco do Brasil S/A não é autoridade, para efeito do art. 8º, da LC nº 75/1993. 4. O poder de investigação do Estado é dirigido a coibir atividades afrontosas à ordem jurídica e a garantia do sigilo bancário não se estende às atividades ilícitas. A ordem jurídica confere explicitamente poderes amplos de investigação ao Ministério Público − art. 129, incisos VI, VIII, da Constituição Federal, e art. 8º, incisos II e IV, e § 2º, da Lei Complementar nº 75/1993. 5. Não cabe ao Banco do Brasil negar, ao Ministério Público, informações sobre nomes de beneficiários de empréstimos concedidos pela instituição, com recursos subsidiados pelo erário federal, sob invocação do sigilo bancário, em se tratando de requisição de informações e documentos para instruir procedimento administrativo instaurado em defesa do patrimônio público. Princípio da publicidade, ut art. 37 da Constituição. 6. No caso concreto, os empréstimos concedidos eram verdadeiros financiamentos públicos, porquanto o Banco do Brasil os realizou na condição de executor da política creditícia e financeira do Governo Federal, que deliberou sobre sua concessão e ainda se comprometeu a proceder à equalização da taxa de juros, sob a forma de subvenção econômica ao setor produtivo, de acordo com a Lei nº 8.427/1992. 7. Mandado de segurança indeferido”. MS 21729, rel. Min. Marco Aurélio, rel. para o acórdão Min. Néri da Silveira, Tribunal Pleno, julgado em 05/10/1995, DJ 19.10.2001.
90 No bojo da Medida Provisória 726, 12.05.2016, extinguiu-se a Controladoria-Geral da União (art. 1º, III) e criou-se o “Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle” (art. 3º, I). Durante a análise congressual da citada Medida Provisória e em face de protestos contra à remodelação do órgão, alterou-se a nomenclatura inicialmente proposta, ficando a pasta intitulada de “Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União – CGU”, nos termos do art. 3º, I, da Lei 13.341, de 29.09.2016.
91 Até outubro de 2016, o Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (e-SIC) já contabilizava 422.141 pedidos de acesso à informação. Desse total, 416.444 solicitações já haviam sido respondidas, tendo o acesso requisitado sido deferido em 75,95% dos casos., Em face dos pouco mais de 100.000 pedidos de acesso à informação que foram indeferidos pelos órgãos e entidades da Administração Pública federal, foram interpostos 31.105 recursos ao chefe hierárquico, 9.132 à autoridade máxima do órgão respectivo, 4.752 à CGU (Lei 11.527/2011, art. 16) e 1.308 à Comissão Mista de Reavaliação de Informações - CMRI (Lei 11.527/2011, art. 35 e art. 16, § 3º). Disponível em: <http://esic.cgu.gov.br/sistema/Relatorios/Anual/RelatorioAnualRecursos.aspx>.
92 Despacho 4.524/13. Processo 99902.000049/2013-99. Disponível em
93 Parecer 2.191/13. Processo 99902.000909/2013-94. Disponível em <http://www.acessoainformacao.gov.br/assuntos/recursos/recursos-acgu/mf/cef/pa21912013.pdf>.
94 Despacho 6.816/13. Processo 99909.000070/2013-24. Disponível em <http://www.acessoainformacao.gov.br/assuntos/recursos/recursos-acgu/mme/petrobras/dp68162013.pdf>.
95 “Vale ressaltar que a Constituição Federal, em seu artigo 173, § 1º, previu regime jurídico próprio das empresas privadas às entidades que exploram atividade econômica. Em observância à Carta Magna, o Decreto 7.724/2012, art. 5º, § 1º, disciplina que a divulgação de informações dessas entidades estaria submetida às normas pertinentes da Comissão de Valores Mobiliários-CVM, a fim de assegurar sua competitividade, governança corporativa e, quando houver, os interesses de acionistas minoritários”.
96 Parecer 2.731/13. Processo 00190.015381/2013-64. Disponível em: <http://www.acessoainformacao.gov.br/assuntos/recursos/recursos-acgu/mme/petrobras/transpetro/pa27312013.pdf>.
97 Parecer 2.951/13. Processo 99903.000274/2013-15 Disponível em: <http://www.acessoainformacao.gov.br/assuntos/recursos/recursos-acgu/mdic/bndes/pa29512013.pdf>.
98 Não seria essa a sede adequada para discutirmos o critério adotado pela CGU para definir ato administrativo como simplesmente aquele que tem como objeto a execução de política pública. Não concordamos com esse critério, de certa forma atécnico, pois naturalmente pode haver atos administrativos que não executam políticas públicas (ex.: uma mera aplicação de multa trânsito) e atos empresariais que executam políticas públicas (ex.: a cobrança de preços de combustíveis com valor inferior em razão de política pública de controle de preços).
99 Os excertos transcritos constam do processo 99903.000232/2013-84 e estão disponíveis no seguinte endereço eletrônico <http://www.acessoainformacao.gov.br/assuntos/recursos/recursos-a-cgu/mf/bb/dp29662013.pdf/view>.
100 Aparentando ter se posicionado nesse sentido, veja-se a seguinte decisão da CGU: “Adicionalmente, merece ainda destacar que esta Controladoria tem acatado a negativa de acesso à remuneração de empregados públicos, em se tratando de Empresa Pública ou Sociedade de Economia Mista que atue em regime concorrencial, com base no art. 5º, § 1º, do Decreto nº 7.724/12, ainda que não tenha sido editada qualquer norma da Comissão de Valores Mobiliários sobre o tema. (...) Nessa esteira, ainda que a ELETROSUL seja empresa de capital fechado, há que se concordar quanto a seu caráter concorrencial, na medida em que compete com demais empresas do ramo elétrico, nas áreas de geração e transmissão de energia, o que isenta a entidade de divulgar a remuneração de seus empregados”. Disponível em: <http://www.acessoainformacao.gov.br/precedentes/ELETROBR%C3%81S/ELETROSUL/pa28042013.pdf>.
101 Sobre o assunto, cf. BARCELLOS, Ana Paula de. Acesso à informação, os princípios da Lei n. 12.527/2011. Quaestio juris, v. 8, nº 3, pp. 1741-1759.
102 Instruções CVM 358/02, 480/09 e 547/14. Nesse sentido, fazemos referência à decisão proferida pela CGU no Processo 99902.000049/2013-99.
103 Especificamente sobre a utilização dos meios eletrônicos para a promover a transparência governamental, confira-se: BARCELLOS, Ana Paula de. Acesso à informação, os princípios da Lei n 12527/2011. Quaestio juris, v. 8, nº 3, pp. 1754-1756.
104 Ver, nesse sentido, FERES, Marcelo Andrade. O Estado empresário: reflexões sobre a eficiência do regime jurídico das sociedades de economia mista na atualidade. Revista de direito do Estado. Ano 2, nº 6, p. 274; JUSTEN FILHO, Marçal. O regime jurídico das empresas estatais e a distinção entre “serviço público” e “atividade econômica”. Revista de direito do Estado, nº 1, p. 123; MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p. 360. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, p. 198; BARROSO, Luís Roberto. Modalidades de intervenção do estado na ordem econômica. Regime jurídico das sociedades de economia mista. Inocorrência de abuso do poder econômico. Revista trimestral de direito público, nº 18, p. 96; GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 105; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 443; ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo, p. 224.
105 ADI 1642, rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 03.04.2008, DJe-177, publicação 19.09.2008.
106 A referência feita pelo dispositivo apenas aos Capítulos I e II do Título II do Estatuto das Estatais, não pode implicar em dizer que os outros capítulos e títulos seus não aplicáveis às estatais dependentes, ao revés, as normas de governança, por exemplo, devem até a fortiori serem aplicadas às estatais dependentes. Trata-se a nosso ver de mera cautela legislativa para afastar de antemão qualquer hermenêutica que visasse defender que, como os recursos das estatais dependentes são oriundos do ente federativo deveriam elas continuar a se reger pela Lei 8.666/1993.
107 CAMARGO, Sergio Alexandre. Tipos de Estatais. Direito administrativo empresarial, p. 51.
108 MOTTA, Fabrício. Tratado de direito administrativo, v. 2: Administração Pública e servidores públicos, p. 249.
109 Seguindo essa linha, a Portaria 589/2001 da Secretaria do Tesouro Nacional define, para União, os Estados, Distrito Federal e Municípios, conceitos, regras e procedimentos contábeis para consolidação das empresas estatais dependentes nas contas públicas. A Portaria Interministerial (Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e Secretaria de Orçamento Federal) 338/2006 − que altera o Anexo I da Portaria Interministerial STN/SOF 163/2001, define “como intra-orçamentárias as operações que resultem de despesas de órgãos, fundos, autarquias, fundações, empresas estatais dependentes e outras entidades integrantes dos orçamentos fiscal e da seguridade social decorrentes da aquisição de materiais, bens e serviços, pagamento de impostos, taxas e contribuições, quando o recebedor dos recursos também for órgão, fundo, autarquia, fundação, empresa estatal dependente ou outra entidade constante desses orçamentos, no âmbito da mesma esfera de governo”.
110 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Considerações sobre a lei de responsabilidade fiscal: finanças públicas democráticas, p. 98.
111 “Art. 47. A empresa controlada que firmar contrato de gestão em que se estabeleçam objetivos e metas de desempenho, na forma da lei, disporá de autonomia gerencial, orçamentária e financeira, sem prejuízo do disposto no inciso II do § 5º do art. 165 da Constituição”.
112 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Op. cit., p. 98.
113 SUNDFELD, Carlos Ari; SOUZA, Rodrigo Pagani de. A superação da condição de empresa estatal dependente. Revista de direito público da economia, nº 12, pp. 09-49. Os autores sugerem que as estatais se comprometam com obrigações específicas de prestação de serviço e o ente federado se comprometa a lhe pagar um preço justo pelos serviços prestados, de modo que seja superada a dependência dessas empresas por meio da contratualização do vínculo da empresa com o respectivo controlador.
114 “As despesas de custeio são as dotações consignadas em orçamento visando a manutenção da máquina administrativa, bem assim destinadas a atender a obras de conservação e adaptação de bens imóveis. As despesas de capital constituem dotações para a execução de obras, aquisição de equipamentos e material permanente, assim como de móveis, ou de bens de capital, de títulos representativos do capital de empresas ou aumento do capital. (...) A empresa estatal dependente é aquela submetida às regras dos seus controladores, isto é, aos entes da Federação, que lhe suprem dos recursos financeiros para cumprir compromissos decorrentes de despesas com custeio ou de capital. Essa relação de dependência decorre da falta de condição da empresa de manter-se com recursos próprios, por isso que nessa qualidade é assistida por suas controladoras. Escapam, entretanto, ao controle fiscal os recursos destinados ao aumento da participação acionária, incorporados à rubrica orçamentária despesas de capital”. MARTINS, Ives Gandra da Silva; NASCIMENTO, Carlos Valder do (orgs.). Comentários à Lei de responsabilidade fiscal, p. 30-31.
115 Disponível em publicação presente no endereço eletrônico do Tribunal de Contas da União – TCU: <http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2055868.PDF>.
116 Em artigo publicado no endereço eletrônico do Tribunal de Contas da União – TCU, Walisson Alan Correia de Almeida adverte que, apesar de os mecanismos de controle das contas públicas previstos na LRF não incidirem sobre as empresas estatais independentes, “isto não significa que essas entidades estejam isentas da influência do direito público. Sendo entidades instituídas com o objetivo de atender a uma finalidade pública, estão sujeitas aos mecanismos de controle e fiscalização típicos do poder público. A atuação de todas as empresas estatais federais é atrelada aos princípios constitucionais estipulados para a Administração Pública em geral (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, legitimidade e economicidade), bem como a outros princípios relacionados à ordem econômica e financeira (livre iniciativa, subsidiariedade, imperativos de segurança nacional e relevante interesse coletivo). Contudo, embora alguns de seus aspectos permaneçam sendo regulados pelo direito público, as empresas estatais independentes do Tesouro têm a prerrogativa de administrar livremente os recursos provenientes da produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços no mercado, dispensando os artigos de proteção fiscal estabelecidos pela LRF”. O citado artigo está eletronicamente disponível em: <http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2055868.PDF>.
117 O contingenciamento de receitas orçamentárias consiste no retardamento ou, ainda, na inexecução de parte da programação de despesa prevista no orçamento, em função da insuficiência de receitas. Normalmente, no início de cada ano, o Governo Federal emite um decreto limitando os valores autorizados no orçamento, relativos às despesas discricionárias ou não legalmente obrigatórias (investimentos e custeio em geral). O Decreto de Contingenciamento (Decreto de Programação Orçamentária e Financeira) apresenta como anexos limites orçamentários para a movimentação e o empenho de despesas, bem como limites financeiros que impedem pagamento de despesas empenhadas e inscritas em restos a pagar, inclusive de anos anteriores. O poder regulamentar do decreto de contingenciamento obedece ao disposto nos artigos 8º e 9º da Lei de Responsabilidade Fiscal e à Lei de Diretrizes Orçamentárias, conforme definição adotada pelo Ministério do Planejamento, disponível em:
118 “Art. 35. É vedada a realização de operação de crédito entre um ente da Federação, diretamente ou por intermédio de fundo, autarquia, fundação ou empresa estatal dependente, e outro, inclusive suas entidades da Administração Indireta, ainda que sob a forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente”.
119 “Art. 50. Além de obedecer às demais normas de contabilidade pública, a escrituração das contas observará as seguintes: (...) III − as demonstrações contábeis compreenderão, isolada e conjuntamente, as transações e operações de cada órgão, fundo ou entidade da Administração Direta, autárquica e fundacional, inclusive empresa estatal dependente”.
120 “Art. 1º Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do Título VI da Constituição. (...) § 3º Nas referências: I − à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, estão compreendidos: (...) b) as respectivas administrações diretas, fundos, autarquias, fundações e empresas estatais dependentes”.
121 Veja-se, por exemplo, o caso da Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia – HEMOBRÁS, cuja criação foi autorizada pela Lei Federal 10.972/2004, com o objetivo de fornecer hemoderivados prioritariamente para tratamento de pacientes do SUS. A Lei Federal 12.550/2011, que autoriza a criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares – EBSERH, expressamente prevê que “é dispensada a licitação para a contratação da EBSERH pela administração pública para realizar atividades relacionadas ao seu objeto social” (art. 5º). Esta medida só é possível em relação às estatais criadas pela União, detentora da competência para legislar sobre normas gerais de licitações e contratos administrativos, aí inclusas as normas de dispensa e inexigibilidade.
122 De acordo com Regis Fernandes de Oliveira, “podemos definir subvenção como o auxílio financeiro, previsto no orçamento público, para ajudar entidades públicas ou particulares a desenvolver atividades assistenciais, culturais ou empresariais” (FERNANDES DE OLIVEIRA, Regis. Curso de direito financeiro, p. 668). Segundo o autor, “o direito francês trata as subvenções com o rótulo de aides économiques ou publiques e constituem despesas importantes, pois elas têm por objetivo participar na sustentação e no desenvolvimento da economia nacional”. Destinam-se a empresas com o objetivo de programas de criação, extensão ou de deslocalização de atividades acompanhadas da criação de empregos e da realização de investimentos, e este em função de zonas delimitadas sobre o território nacional (p. 668). Remuneração, por sua vez, é a contraprestação devida por um serviço prestado.
123 A superação da condição de empresa estatal dependente. Direito administrativo: estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto, p. 816.
124 De acordo com Gustavo Tepedino, “a correspectividade ou comutatividade consiste no liame funcional entre as obrigações reciprocamente assumidas pelos contratantes. Trata-se do sinalagma que, por indicar o escopo funcional, revela o equilíbrio pretendido entre as prestações. Percebe-se, assim, a relevância do princípio do equilíbrio das prestações para a garantia da comutatividade, que se associa à função contratual e cuja preservação, por isso mesmo, torna-se imperativo da boa-fé objetiva” (TEPEDINO, Gustavo. O papel da hermenêutica contratual na manutenção do equilíbrio econômico dos contratos. Soluções práticas, v. 2, pp. 451-472).
125 Carlos Ari Sundfeld e Rodrigo Pagani de Souza citam o exemplo da Companhia do Metropolitano de São Paulo, que é utilizada como instrumento de política social de subvenção para determinados tipos de usuários (deficientes, idosos etc.). De acordo com os autores, “o Estado presta verdadeira subvenção econômica a estas categorias de usuários, determinando ao Metrô que lhes conceda gratuitamente os bilhetes especiais. O Metrô cumpre a determinação da política social do Estado e, então, é reembolsado por cada bilhete especial distribuído. Tais reembolsos, por certo, não o tornam uma empresa estatal dependente” (A superação da condição de empresa estatal dependente. Revista de direito público da economia, ano 3, nº 12, pp. 09-49). Mario Engler Junior explica, por exemplo, que “por estar fortemente integrada no setor produtivo nacional, a companhia [CSN] fica sujeita à política de preços administrados como forma de sustentar a expansão da indústria metal-mecânica. A CSN torna-se instrumento de regulação da concorrência no âmbito do setor siderúrgico, competindo-lhe organizar a cadeia produtiva e assegurar condições adequadas de funcionamento” (Empresa estatal: função econômica e dilemas societários, p. 29).
126 A solução para essas estatais, e mesmo para as que não são dependentes, mas que vez por outra são levadas a atuar fora da lógica racional de mercado, seria o pagamento de compensação financeira pelo seu ente instituidor e acionista controlador pelo que a estatal deixou de faturar em razão das políticas públicas por ele determinadas.
127 Tratamos, detalhadamente, de todos esses temas em: ARAGÃO, Alexandre Santos de. Empresas estatais: o regime jurídico das empresas públicas e sociedades de economia mista, pp. 216-314.
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Citação
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Regime jurídico das empresas estatais. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/44/edicao-1/regime-juridico-das-empresas-estatais
Edições
Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 1,
Abril de 2017
Última publicação, Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 2,
Abril de 2022
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