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Lavagem de dinheiro
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Marcelo Batlouni Mendroni
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Tomo Direito Penal, Edição 1, Agosto de 2020
Este artigo propicia uma visão abrangente da matéria, examinando de forma didática e a realidade criminal que motivou a edição da Lei 9.613, de 03.03.1998 (atualizada pela Lei 12.683/2012). Descreve suas categorias e estágios, e as principais técnicas, mecanismos, utilização de empresas e operações comerciais e financeiras para a lavagem de dinheiro por indivíduos ou organizações criminosas.
O texto analisa também os aspectos penais relevantes da nova lei, como, por exemplo, os referentes à estrutura do tipo penal e seus traços diferenciais, aos sujeitos do delito e ao concurso de agentes, à consumação e tentativa, ao concurso de infrações, aos efeitos da condenação. Enfoca questões suscitadas pelas normas processuais penais especiais, como as relativas a competência, apreensão e sequestro de bens, inversão do ônus da prova em relação à origem dos bens sequestrados, delação premiada, entre outras.
São ainda objeto de consideração os mecanismos de fiscalização e de informação que podem favorecer a apuração de ilegalidades no fluxo dos ativos financeiros pelos órgãos de controle, com destaque, no Brasil, para o papel do COAF (Conselho de Controle das Atividades Financeiras).
1. Definição
Lavagem de dinheiro pode ser definida como o método pelo qual um indivíduo ou uma organização criminosa processa os ganhos financeiros obtidos com atividades ilegais, buscando tornar a sua aparência como obtidos licitamente.
2. Conceituação
A Lei 9.613/1998 (remodelada pela Lei 12.683/2012), que conjuga aspectos penais e processuais penais, apresenta uma sequência lógico-estrutural, dividida em capítulos específicos, subdivididos por matérias e seguindo o modelo internacional. Estão assim organizados:
• Capítulo I: Dos crimes de “Lavagem”, ou Ocultação de Bens, Direitos e Valores.
• Capítulo II: Disposições Processuais Especiais.
• Capítulo III: Dos Efeitos da Condenação.
• Capítulo IV: Dos Bens, Direitos ou Valores Oriundos de Crimes Praticados no Estrangeiro.
• Capítulo V: Das Pessoas Sujeitas ao Mecanismo de Controle.
• Capítulo VI: Da Identificação dos Clientes e Manutenção de Registros.
• Capítulo VII: Da Comunicação de Operações Financeiras.
• Capítulo VIII: Da Responsabilidade Administrativa.
• Capítulo IX: Do Conselho de Controle de Atividades Financeiras.
3. Bem jurídico protegido
Dentre as referidas na Doutrina, a interpretação mais coerente é aquela que entende que os crimes de lavagem de dinheiro ofendem, ao mesmo tempo, “a administração de justiça”, e “a ordem socioeconômica”.
4. Sujeito ativo
O agente criminoso – sujeito ativo – pode ser qualquer pessoa que realize quaisquer das condutas previstas no caput do artigo 1º, bem como nos seus §§ 2º e 3º. Há vezes em que quem pratica o crime é o mesmo autor do crime precedente, processando, ele mesmo, os ganhos ilícitos. Trata-se de crime dependente da configuração do anterior, mas autônomo, com condutas e punição distintas e previstas.
Pode, por outro lado, ser autor dos delitos de lavagem de dinheiro outra pessoa, que não aquela que praticou o crime antecedente, como na hipótese de quem, conhecendo a procedência ilícita do dinheiro (dolo direto), ou desconfiando e devendo suspeitas por qualquer razão (dolo indireto), mas assumindo o risco, promova, em nome daquele, o processamento dos ativos, passando-o por alguma ou por todas as fases que integram os estágios da lavagem – colocação, ocultação e integração.1
5. Elemento subjetivo do tipo: dolo direto/eventual
Em relação à tipificação das condutas previstas no tipo, afigura-se necessário analisar corretamente as condutas praticadas de forma a considerar se são passíveis de atribuição de dolo direto, ou de dolo indireto (genérico).
Vejamos o teor dos tipos penais: “Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”.
Nesta hipótese, parece não restar qualquer dúvida quanto à exigência do dolo direto para a concretização do crime.
Ocultação ou dissimulação de utilização de bens, direitos ou valores
“§ 1° Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal:
I – os converte em ativos lícitos;
II – os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;
III – importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros”.
Estas são hipóteses de incriminação àquele que, com dolo direto (incluem-se, especialmente os testa-de-ferro) de qualquer forma, age no sentido de ocultar ou dissimular a utilização dos bens, direitos e valores. A diferenciação neste caso, é a palavra-chave do tipo “utilizar”. É propriamente esta “utilização” que difere este dispositivo (§ 1°) do caput do artigo. Pune-se a conduta de quem quer ocultar ou dissimular especificamente a utilização (de qualquer forma) dos bens, direitos e valores provenientes dos crimes precedentes. O agente visa “maquiar” a utilização dos proveitos criminosos “para”, ou “em nome de”, ou “em favor” – do agente que praticou o crime antecedente e dele tirou o proveito de forma direta.
O dispositivo, interpretamos, busca punir sempre 'terceiras pessoas' que agem para ou “em nome do” agente criminoso que, através da (anterior) infração penal, obteve bens, direitos ou valores. A redação de "incorre na mesma pena quem" indica interpretação lógica e sistemática no sentido de que, em dispositivo específico, se busca punir aquele que auxilia materialmente, nas formas estabelecidas nos incisos, a "ocultar" ou "dissimular" a respectiva utilização dos bens, direitos, ou valores. Incluem-se os Agentes Financeiros, procuradores, investidores de qualquer natureza etc., que agem em nome próprio ou do agente.
A previsão legal destas condutas visa punir especialmente o agente “testa-de-ferro”, coadunando-se sistematicamente, e em coerência, com o teor do art. 4° da Lei, para a aplicação, também em relação a ele, medidas assecuratórias; e que prevê:
“Art. 4º. O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público em 24 (vinte e quatro) horas, havendo indícios suficientes de infração penal, poderá decretar medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais antecedentes” (grifamos).
A questão mais interpretativa surge, entretanto, no caso do § 2° do art. 1° da Lei:
“§ 2º Incorre, ainda, na mesma pena quem:
I – utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal”.
O dispositivo não alcança o próprio agente que praticou a conduta da infração penal anterior, já estabelecida, de forma ampla e abrangente no caput do artigo primeiro. Visa punir o “terceiro” que recebe o dinheiro proveniente de infração penal para utilizá-lo, na atividade econômica ou financeira. O núcleo “utilizar”, significa “usar”, “fazer uso de”, “valer-se de”. Quem “utiliza”, de alguma forma “tira proveito” – para alguém. Se a “utilização” ocorrer – na atividade econômica ou financeira, o próprio dispositivo induz que “deveria saber” – proveniente de infração penal.
Simplesmente utilizar o produto do crime (precedente), como “gastar”, não configuraria do delito. Ademais, se a pena é a mesma nos parágrafos do que aquela do caput, é porque os delitos contêm a mesma gravidade.
No dispositivo em questão, quem utiliza na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores que sabe – direta ou indireta/eventualmente, serem provenientes de infração penal, e assim - admite como consequência possível de sua conduta - e deve incorrer nas penas nele previstas: “II – participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei”.
Cuida-se, aqui, de crime de mera conduta. A ação de “participar”, de qualquer forma, de grupo, associação ou escritório, que sabe praticar os delitos referidos na Lei, reveste-se de elemento suficiente para a prática deste tipo penal. A tipificação penal exige, no primeiro momento, a mera participação, seja como auxiliar, seja direta ou indiretamente, do grupo que se dedique à prática de qualquer das infrações penais previstas nesta Lei. Depois, desde que saiba o seu objetivo, já o incriminaria.
Como a Lei refere a necessidade de “conhecimento” da atividade de lavagem, como principal ou secundária, não se pode admitir o dolo indireto eventual e sim o dolo indireto alternativo para a configuração do crime. Não basta que o agente “desconfie” da atividade criminosa do grupo, associação ou escritório. Há que se provar, pelos meios possíveis (por exemplo, escuta telefônica), que tal pessoa “tinha conhecimento” das ações criminosas. Mais. É preciso haver nexo causal entre a sua atividade e aquela desenvolvida pelo grupo, associação ou escritório, não bastando trabalhar, ou efetuar tarefas no mesmo ambiente de trabalho.
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Recapitulando a incidência penal:
Agente Criminoso/lavador.
Pratica a infração penal e “lava o dinheiro”.
Art. 1° caput: Autor da lavagem é o mesmo que obteve, por infração penal, bens, direitos ou valores.
Agente “lavador”/terceiro.
Recebe o produto da infração penal e o ‘processa’ (lava)
Art. 1° § 1°, I, II e III: Autor da lavagem é terceira pessoa (não é o mesmo que obteve, por infração penal, bens, direitos ou valores). Age com dolo direto. Pode agir como testa-de-ferro ou como preposto.
Art. 1° § 2° I, II: Autor da lavagem é terceira pessoa (não é o mesmo que obteve, por infração penal, bens, direitos ou valores). Age com dolo indireto. Pode agir como testa-de-ferro ou preposto.
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6. Categorias
A atividade de lavagem de dinheiro é normalmente subdividida
em 2 (duas) categorias e 3 (três) estágios:
6.1. Conversão em bens
O agente criminoso troca os valores ou o dinheiro por bens materiais.
6.2. Movimentação: do dinheiro
O agente criminoso movimenta os valores ou o dinheiro através de bancos, países e praças, dividindo-o e tornando a reuni-lo, por diversas formas de transferências e em nomes e contas diversas, para dificultar a análise de sua origem ou de rastrear a sua trilha.
7. Estágios
7.1. Colocação (placement)
Existem basicamente duas opções após obter o dinheiro de origem criminosa:
(i) Aplicar diretamente no sistema financeiro
(ii) Transferir para outro local
A colocação é o estágio primário da lavagem, e portanto, o mais vulnerável à sua detecção. As autoridades, por isso mesmo, devem centrar o foco dos maiores esforços de sua investigação nesta fase da lavagem. Quanto antes se conseguir detectar os esquemas (mecanismos) utilizados no processo de lavagem, tanto maiores serão as chances de sucesso em qualquer investigação criminal dessa natureza.
7.2. Ocultação, acomodação ou estratificação (layering)
Nesta segunda etapa, o agente desassocia o dinheiro de sua origem, passando-o por uma série de transações, conversões e movimentações. Tanto mais eficiente a lavagem quanto mais o agente conseguir afastar o dinheiro de sua origem.
7.3. Integração (integration)
Nesta fase o agente cria justificações ou explicações aparentemente legítimas para os recursos lavados e os aplica abertamente na economia legítima, sob forma de investimentos ou compra de ativos. O dinheiro é incorporado formalmente aos setores regulares da economia.
8. Destaque a aspectos penais e processuais penais da Lei nº 9.613/98
8.1. Consumação e tentativa
Os delitos de lavagem de dinheiro consumam-se já no momento em que o agente pratica uma ação que envolva “ocultar” ou “dissimular” a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade do bem, direito ou valor.2 Segue-se, em termos gerais, a regra do Código Penal. Não é possível exigir-se para a consumação, evidentemente, que o agente cumpra todas as etapas da lavagem – “colocação – ocultação e integração”. Não será somente com a “integração” que o crime será consumado, mas, simplesmente, já através de qualquer primeiro ato de “colocação”. Nestes termos, uma só, ou a primeira transferência de valores obtidos pelo tráfico de entorpecentes, será ação criminosa suficiente à configuração do crime, ainda que venha seguida de inúmeras outras transações bancárias.
A possibilidade da tentativa é prevista expressamente no artigo 1º, § 3º, da Lei 9.613/1998: “[a] tentativa é punida nos termos do parágrafo único do art. 14 do Código Penal.”
8.2. Concurso de agentes
A situação de concurso de agentes em casos de prática de crime(s) de lavagem dinheiro pode verificar-se em várias hipóteses. São exemplos:
(i) quando os crimes precedentes são praticados em co-autoria (A e B), seguindo-se a mesma co-autoria para a prática do crime de lavagem (A e B), ainda que qualquer deles participe apenas de um dos estágios. Há concurso entre A e B;
(ii) quando o sujeito que pratica o crime precedente (A) não é o mesmo que pratica o crime de lavagem (B). Sendo este conhecedor ou desconfiado da origem dos ativos, há concurso entre A e B;
(iii) quando os sujeitos que praticam o crime precedente (A e B) não são os mesmos que praticam o crime de lavagem (C e D). Estes são conhecedores ou desconfiados da origem ilícita dos ativos. Há concurso entre A, B, C, e D;
(iv) quando o sujeito que pratica o crime antecedente (A) não é nenhum dos que praticam o crime de lavagem (B e C). Estes são conhecedores ou desconfiados da origem ilícita dos ativos. Há concurso entre A, B, e C.
8.3. Concurso material com o crime precedente
Embora existam opiniões contrárias, entendendo que o autor do crime antecedente – que venha ser ou possa ser punido pela sua prática, não poderá sê-lo pela prática do crime de lavagem de dinheiro, há evidente caracterização de sua viabilidade:
“Art. 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei.
(...)
II – independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento;
(...)
§ 1º. A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente”.
Estes dispositivos revelam absoluta autonomia entre os crimes, o precedente e o consequente de lavagem do dinheiro. Pelo teor da Lei, não há necessidade de existência de processo e/ou sequer julgamento do crime antecedente, podendo, de forma independente, prosseguir-se com investigação, processo e julgamento. Não obstante, uma vez instaurado o processo do crime antecedente, evidentemente que a administração da justiça deverá velar pela coerência da existência dos feitos criminais.
“Art. 2° (...)
(...)
II – independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento” (grifamos).
Não fosse admitido o concurso material de crimes (antecedente e de lavagem de dinheiro), haveria absoluta incongruência lógico-penal em casos em que a punição do crime antecedente reveste-se de evidente menor gravidade do que o crime de lavagem de dinheiro. Tome-se o exemplo do agente que auferiu consideráveis ganhos (por exemplo, R$ 1 milhão) em decorrência da prática de crime de peculato, corrupção ou concussão (penas mínimas: dois anos de reclusão), podendo ele ser processado pela prática de lavagem de dinheiro, cuja pena mínima é de três anos de reclusão, além de sequestro e confisco dos bens; poderia ele, neste caso, em tese, “optar” por ser processado somente pelo primeiro, com pena mais branda, confessando espontaneamente a sua conduta.
8.4. Crime de Lavagem de Dinheiro com crime anterior prescrito
Nos termos da nossa Lei, o agente pode ser processado e punido pelo crime de lavagem de dinheiro, independentemente de existência de processo e/ou julgamento do crime antecedente (que gerou a obtenção dos ativos), ainda que praticados em outro País.
“Art. 2°. O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei:
(...)
II – independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento.
(...)
§ 1°. A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente” (grifamos).
A prescrição, prevista no artigo 107, IV, do Código Penal, é instituto que isenta o réu de pena, estando inserida, sistematicamente, no título VIII do Código Penal que prevê “Da extinção da punibilidade”. É, portanto, exclusão de punibilidade, e não de ilicitude ou antijuridicidade.
O dispositivo da Lei de lavagem de dinheiro citado, prevê expressamente que - são puníveis os fatos...ainda que desconhecido ou isento de pena – o autor daquele crime (infração penal).
Mesmo que a infração penal anterior esteja prescrita, e mais, abrangida por anistia, graça, indulto, ou seja, qual for a causa de “extinção de punibilidade”, ainda assim, se houver indícios da sua prática, com indícios veementes, as condutas da pessoa suspeita poderão ser investigadas e ele poderá ser processado pelo crime de lavagem de dinheiro.
Por outro lado, em análise lógica, se houver, na infração penal antecedente, decreto judicial de “exclusão de antijuridicidade” (ilicitude), não poderá haver investigação e menos ainda processo pela prática de crime de lavagem de dinheiro. Obviamente que, se a ação anterior não se configurou crime, não existirá o tal “crime (ingração penal) precedente”, e menos ainda o crime de lavagem de dinheiro dele decorrente – diga-se decorrente de ação lícita.
8.5. Natureza de crimes permanentes
Os núcleos dos delitos descritos são: “ocultar” e “dissimular”. Ambas as condutas admitem sustentação através do decurso do tempo. Viabilizam a sua manutenção ou permanência com o transcurso do tempo.
A jurisprudência já sedimentou a interpretação em relação à natureza de crime permanente da “ocultação”.3
8.6. Lavagem de instrumentalização dos valores: diferenciação
Nem todas as condutas de “ocultar” e/ou “dissimular” configuram a lavagem de dinheiro. É preciso constatar o elemento subjetivo. Estas ações devem necessariamente demonstrar a intenção do agente de esconder a origem ilícita do dinheiro, bens etc. A simples movimentação de valores ou bens, com o intuito de utilizá-los, desfrutar-lhes ou mesmo acomodá-los, mas sem intenção de escondê-los, não configura o delito. Não se configura o delito de lavagem de dinheiro se o agente não age com dolo (direto ou indireto) no sentido de ocultação ou dissimulação – da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores (...).
8.7. Crime praticado por organização criminosa
Para os efeitos práticos da configuração delituosa; se, além de indícios da prática da infração penal anterior, também houver indícios de que foram praticados por organização criminosa, incidirá a aplicação de punibilidade agravada prevista no art. 1°, § 4°, da Lei 9.613/1998 aumentando-se a pena de 1 a 2/3.
Mas como discernir qual situação implica atuação de organização criminosa? Atualmente, a Lei 12.694/2012 estabeleceu uma definição de “organização criminosa” como:
“Art. 2º - Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional”.
8.8. Delação premiada (Colaboração Premiada)
Observemos, no quadro abaixo, a alteração legislativa em relação ao instituto da delação premiada na Lei de Lavagem de Dinheiro:
A pena pode ser reduzida de 1/3 a 2/3 e ser cumprida – desde o início em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao Juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva de direitos.
O “deixar o juiz de aplicar a pena” – equivale a conceder ao réu um ‘perdão judicial’. Como todo o benefício gerado ao criminoso, a concessão de “perdão judicial” em casos da Lei 9.613/1998 deve ser praticada como “exceção”. Tamanho é o benefício, que deve proporcionar vantagem, em contrapartida, à Administração da Justiça, no mesmo ‘tamanho’ de sua concessão. E qual ou quais seriam estes circunstâncias que permitiriam que fosse praticada, com a pretendida contrapartida? Dois seriam os aspectos que, somados, o viabilizariam nestes termos:
(i) Impedir que o criminoso possa desfrutar e usufruir do produto do seu delito. Então devem ser confiscados todos os bens que tenham sido obtidos em sua vantagem, assim considerados, nos termos da própria sistemática legislativa, aqueles que ele (acusado) não puder comprovar como sendo de origem lícita.
(ii) Que ele viabilize, com sua delação, a descoberta da identidade do “chefe” da organização criminosa (quando se tratar de uma), indicando detalhadamente os bens “lavados” e a forma (mecanismos) por ele utilizados.
Somente aqueles esclarecimentos indicadores de fatos concretos é que podem ser merecedores do benefício previsto. Em outras palavras, o coautor ou partícipe que - efetivamente colaborar, e de forma eficaz – indicando nomes, condutas, datas, locais, e/ou que apresentar documentos comprobatórios etc., e isto – por causa da sua colaboração - levar à apuração de infrações penais por si praticadas e coligadas àqueles que lhe são imputados, estes sim poderão receber o benefício, cuja análise, todavia, será levada ao crivo do Judiciário. Indicações vagas e abstratas, como “afirmo que há muita corrupção em tal repartição pública”, não podem merecer o benefício.
As indicações (esclarecimentos), devem ser prestadas dentro de período de tempo suficiente que não serva apenas de “tábua de salvação” ao acusado que esteja prestes a ser sentenciado, mas deve viabilizar a devida apuração e comprovação por parte da Polícia e do Ministério Público, ainda no decorrer do processo, isto é, antes da Sentença.
Pode o acordo ser realizado ainda na fase de investigação criminal, antes do oferecimento da Denúncia? Nada impede sejam realizados os atos negociais antes mesmo do oferecimento da Denúncia, mas como o instituto remete a situação à “aplicação de pena”, ou sua redução, aludindo também a regimes fixados, que somente decorrem do “devido processo legal” (nos termos do art. 5° LIV da C.F.), revela-se intuitivo que se exija a instauração de uma ação penal, com oferecimento de Denúncia. Já o momento próprio para que seja celebrado o acordo, com o consenso entre as partes, dependerá da análise discricionária do Juiz que preside o processo, conforme os critérios de necessidade e conveniência de instrução probatória, da necessidade e da urgência das atividades investigativas dos fatos delatados pelo réu.
O que não se pode permitir é que o instituto da colaboração premiada (delação premiada) tome rumo contrário ao seu intento, aplicando-se o perdão judicial ao criminoso que enriqueceu ou auferiu ganhos extraordinários criminosamente e depois delata seus comparsas, vendo-se, assim, livre do processo, da condenação, e com os bolsos cheios do dinheiro obtido ilicitamente.
É importante referir que a Lei 13.964/2019 (chamada de “pacote Anti Crime”) estabeleceu, no art. 1°, § 6°, a admissão da utilização de medidas de ação controlada e de infiltração de agentes nos casos que envolvem lavagem de dinheiro. O procedimento a ser adotado nestes casos será, em regra, aqueles previstos na Lei 12.850/2013.
8.9. Inaplicabilidade da suspensão do processo e do curso prescricional
O art. 2º, § 2º, prevê a não-aplicação do artigo 366 do Código Processual Penal.:
“§ 2º No processo por crime previsto nesta Lei, não se aplica o disposto no art. 366 do Código de Processo Penal, devendo o acusado que não comparecer nem constituir advogado ser citado por edital, prosseguindo o feito até o julgamento, com a nomeação de defensor dativo.” (NR)
8.10. Medidas Assecuratórias
8.10.1. Apreensão e sequestro de bens com a inversão do ônus da prova
O dispositivo da Lei estabelece inversão do ônus da prova em relação à origem dos bens, cuja propriedade, posse ou detenção (por si ou através de terceiros – testa-de-ferro) ao suspeito for atribuída.4
Este é o teor:
“Art. 4º O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público em 24 (vinte e quatro) horas, havendo indícios suficientes de infração penal, poderá decretar medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais antecedentes.
§ 1º Proceder-se-á à alienação antecipada para preservação do valor dos bens sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade para sua manutenção.
§ 2º O juiz determinará a liberação total ou parcial dos bens, direitos e valores quando comprovada a licitude de sua origem, mantendo-se a constrição dos bens, direitos e valores necessários e suficientes à reparação dos danos e ao pagamento de prestações pecuniárias, multas e custas decorrentes da infração penal. (grifamos)
§ 3º Nenhum pedido de liberação será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa a que se refere o caput deste artigo, podendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores, sem prejuízo do disposto no § 1º.
§ 4º Poderão ser decretadas medidas assecuratórias sobre bens, direitos ou valores para reparação do dano decorrente da infração penal antecedente ou da prevista nesta Lei ou para pagamento de prestação pecuniária, multa e custas.
Art. 5º Quando as circunstâncias o aconselharem, o juiz, ouvido o Ministério Público, nomeará pessoa física ou jurídica qualificada para a administração dos bens, direitos ou valores sujeitos a medidas assecuratórias, mediante termo de compromisso”.
Relembrando: a apreensão, em tese, incide sobre o próprio objeto do crime; enquanto o sequestro incide sobre os bens adquiridos com os proventos da infração, nos termos do art. 125 do Código de Processo Penal:
A Lei prevê a possibilidade de aplicação das medidas assecuratórias em relação a bens, direitos e valores que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais antecedentes, de tal forma que tanto objetos dos crimes quanto os seus proveitos estejam abrangidos pelas medidas assecuratórias.
Na hipótese de não-recebimento da denúncia e consequente levantamento dos bens, objetos de apreensão ou sequestro, antes da propositura da ação penal, nada impede que, com a nova propositura da ação (oferecimento de nova denúncia), a medida do sequestro possa ser reiterada e deferida pelo juízo, inclusive com os mesmos fundamentos.5
O Código de Processo Penal então fixou regras no sentido de que “busca e apreensão” sejam em relação a “bens”, “direitos” e “valores” – determinados, especificados e individualizados, dada, em tese, a simplicidade da situação jurídica enfrentada. Já a Lei 9.613/1998, tratando de se adaptar à situação criminológica - atual - previu que as medidas assecuratórias, entre elas, considerem-se especialmente a “apreensão” ou “sequestro” de “bens, direitos e valores”, sejam indeterminados, quaisquer, desde que supostamente oriundos da prática de infração penal antecedente. Previu a adoção de quaisquer medidas assecuratórias de bens, direitos e valores do investigado, em consonância com o teor do próprio art. 1° da Lei. Isto porque, nos casos do Código de Processo Penal, dada a situação da prática criminosa, possível e viável ao órgão acusador diligenciar e individualizar os bens, suspeitos de origem daquele mesmo crime investigado. Nos casos da Lei 9.613/1998, dadas a universalidade, a complexidade e a múltipla origem dos bens, isto seria impossível.
Mas é preciso diferenciar. A inversão do ônus da prova referido pela Lei aplica-se somente no que diz respeito à comprovação da licitude dos bens (sua origem) e não em relação à prova do(s) crime(s) de lavagem tipificado(s) na Lei. Quanto a este, o ônus evidentemente permanece com a acusação. Mas, ainda, comprovada a prática do crime, com condenação, se o acusado não demonstrar a licitude dos bens – presume-se tenham sido adquiridos em proveito da lavagem – consequência da prática daquela infração penal antecedente, e então são confiscados.
Durante o processo, eventual liberação ao acusado ou à interposta pessoa, só poderá ser efetivado com o seu comparecimento pessoal, ocasião em que, logicamente, deverá comprovar a sua origem lícita.
“Art. 4°. (...)
(...)
§ 3º. Nenhum pedido de liberação será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa a que se refere o caput deste artigo, podendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores, sem prejuízo do disposto no § 1º”.
Os bens, direitos e valores apreendidos têm lugar também, como regra básica do próprio processo penal, para efeitos de reparação do dano decorrente, tanto da infração penal antecedente, como da infração penal de lavagem de dinheiro.
“§ 4º. Poderão ser decretadas medidas assecuratórias sobre bens, direitos ou valores para reparação do dano decorrente da infração penal antecedente ou da prevista nesta Lei ou para pagamento de prestação pecuniária, multa e custas”.
A Lei trouxe importante medida inovadora, em relação aos bens apreendidos e sequestrados, permitindo que, enquanto não alienados ou submetidos a procedimento de alienação antecipada, sejam colocados em disponibilidade para uso do Ministério Público ou da Polícia, que são as “Entidades” referidas no caput do art. 4°. É a única interpretação que se pode concluir da análise conjunta dos dois dispositivos, art. 4°-A §12 e 4° caput, este, remetido expressamente por aquele. Veja-se:
“Art. 4º. O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público (...).
Art. 4°-A
(...)
§12. O juiz determinará ao registro público competente que emita documento de habilitação à circulação e utilização dos bens colocados sob uso e custódia das entidades a que se refere o caput deste artigo” (incluído pela Lei 12.686/2012).
Resumo Esquemático:
Artigo 4°: Medidas Assecuratórias (Apreensão e/ou Sequestro). Podem ser determinadas:
(a) Pelo Juiz, de Ofício
(b) A requerimento do M.P.
(c) Mediante representação do Delegado de Polícia
Para bens, direitos ou valores – quaisquer – indeterminados
Que estejam em nome ou na posse de suspeitos, acusados ou “interpostas pessoas” (terceiros)
Fundamento: Preservação do valor
Liberação dos bens, direitos ou valores: Somente se comprovada, pelo interessado, a sua origem lícita e mediante o comparecimento pessoal, conforme esteja em seu nome ou posse:
- Do suspeito ou acusado
- Do terceiro interessado
Bens que não sejam objeto de alienação antecipada (ou enquanto não o forem) podem ser destinados a uso, do MP ou da Polícia
8.10.2. Alienação antecipada dos bens
Ao final de qualquer ação penal, com o trânsito em julgado da sentença condenatória, sobrevirá o confisco dos bens objetos das medidas assecuratórias que assim ainda estejam mantidas por determinação judicial.
Dispositivos legais:
“Art. 7º. São efeitos da condenação, além dos previstos no Código Penal:
I – a perda, em favor da União e dos Estados nos casos de competência da Justiça Estadual, de todos os bens, direitos e valores relacionados, direta ou indiretamente, à prática dos crimes previstos nesta Lei, inclusive aqueles utilizados para prestar a fiança, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé.
§ 1º. A União e os Estados, no âmbito de suas competências, regulamentarão a forma de destinação dos bens, direitos e valores cuja perda houver sido declarada, assegurada, quanto aos processos de competência da Justiça Federal e do Distrito Federal, a sua utilização pelos órgãos federais encarregados da prevenção, do combate, da ação penal do julgamento dos crimes previstos nesta Lei, e, quanto aos processos de competência da Justiça Estadual, a preferência dos órgãos locais com idêntica função.
§ 2º. Os instrumentos do crime sem valor econômico, cuja perda em favor da União ou do Estado for decretada, serão inutilizados ou doados a museu criminal ou a entidade pública, se houver interesse na sua conservação”.
Bens apreendidos e sequestrados, em nome do suspeito, acusado ou terceiro, nos termos e em aplicação nesta Lei, podem ser alienados antecipadamente, para a preservação do seu valor. As respectivas regras estão fixadas nos arts. 4°-A, 5° e 6° da Lei 9.613/1998 – com as modificações introduzidas pela Lei 12.683/2012.
O art. 4°-A da Lei prevê os dispositivos que regulam a sistemática da “alienação antecipada”:
“Art. 4º-A. A alienação antecipada para preservação de valor de bens sob constrição será decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou por solicitação da parte interessada, mediante petição autônoma, que será autuada em apartado e cujos autos terão tramitação em separado em relação ao processo principal.
§ 1º. O requerimento de alienação deverá conter a relação de todos os demais bens, com a descrição e a especificação de cada um deles, e informações sobre quem os detém e local onde se encontram.
§ 2º. O juiz determinará a avaliação dos bens, nos autos apartados, e intimará o Ministério Público.
§ 3º: Feita a avaliação e dirimidas eventuais divergências sobre o respectivo laudo, o juiz, por sentença, homologará o valor atribuído aos bens e determinará sejam alienados em Leilão ou pregão, preferencialmente eletrônico, por valor não inferior a 75% (setenta e cinco por cento) da avaliação”.
A nova redação da Lei estendeu a apreensão e aplicação de medidas assecuratórias, e a alienação destes bens – tantos os apreendidos como os sequestrados, além das pessoas investigadas e/ou acusadas, existentes em nome de “interpostas pessoas” entenda-se, dos chamados “laranjas” e “testas-de-ferro”. Os agentes criminosos que querem lavar o seu dinheiro, poucas vezes o deixarão em seu próprio nome. Eles sistematicamente colocam os bens, direitos e valores em nome de terceiros, pensando em desviá-los da ação repressiva do Estado. O dispositivo está em plena consonância com o teor do art. 1°, § 1°, e § 2°, da Lei, circunstâncias em que o delito pode ser praticado pelos terceiros em favor e para agentes que primariamente obtiveram os tais, bens, direitos e valores.
Com a avaliação dos bens, direitos e/ou valores e dirimidas eventuais divergências, homologado o valor atribuído, os bens não podem ser vendidos por valor inferior a 75% da avaliação, em Leilão ou pregão (preferencialmente eletrônico).
Como a Lei estabelece a alienação antecipada (...) sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade para a sua manutenção (...) (Art. 4°, § 1°); resulta que, alternativamente, tais bens (sujeitos à manutenção) podem ser mantidos, aprendidos ou sequestrados, e neste caso, eventualmente – para viabilizar a sua manutenção podem ser destinados ao uso. O destino dos bens apreendidos e não, ‘submetidos à alienação antecipada’, ou ao menos enquanto não o forem, podem ser, pelo que se depreende dos dispositivos legais, encaminhados para uso dos órgãos de repressão penal, ao M.P. ou à Polícia, a “requerimento do Ministério Público” ou mediante representação do Delegado de Polícia – nesse caso ouvido o Ministério Público, para seu próprio uso, inseridos no contexto do combate à criminalidade organizada e lavagem de dinheiro. Colocados em utilização pelo M.P. ou pela Polícia, o Juiz deve determinar ao órgão competente que emita documento hábil à sua utilização e/ou circulação, nos termos do Art. 4°-A § 12: “O juiz determinará ao registro público competente que emita documento de habilitação à circulação e utilização dos bens colocados sob o uso e custódia das entidades a que se refere o caput deste artigo”.
O Procedimento de alienação antecipada tem trâmite em autos apartados, certamente para não prejudicar o andamento do normalmente já complexo processo principal, com intimação do M.P. de/para cada ato. E, coerentemente, após o depósito decorrrente da alienação dos bens, já sem maiores prejuízos ao bom andamento do Feito, os autos da alienação serão apensados aos autos principais. Art. 4°-A, § 8°, da Lei.
Recursos: No trâmite deste procedimento, só com efeito devolutivo, portanto, - sem efeito suspensivo, - também para não prejudicar o seu próprio andamento e consequente indesejável perecimento do bem. Art. 4°-A, § 9°, da Lei.
E ao final, como efeitos da condenação, decorrem:
“Art. 7°. (...)
I – a perda, em favor da União – e dos Estados, nos casos de competência da Justiça Estadual –, de todos os bens, direitos e valores relacionados, direta ou indiretamente, à prática dos crimes previstos nesta Lei, inclusive aqueles utilizados para prestar a fiança, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé;
§ 1º A União e os Estados, no âmbito de suas competências, regulamentarão a forma de destinação dos bens, direitos e valores cuja perda houver sido declarada, assegurada, quanto aos processos de competência da Justiça Federal, a sua utilização pelos órgãos federais encarregados da prevenção, do combate, da ação penal e do julgamento dos crimes previstos nesta Lei, e, quanto aos processos de competência da Justiça Estadual, a preferência dos órgãos locais com idêntica função.
§ 2º Os instrumentos do crime sem valor econômico cuja perda em favor da União ou do Estado for decretada serão inutilizados ou doados a museu criminal ou a entidade pública, se houver interesse na sua conservação.”
A exceção da Lei está nos casos do crime antecedente ser de tráfico de entorpecentes, circunstância em que, nos termos do art. 4°-A, § 3°:
“Os recursos decorrentes da alienação antecipada de bens, direitos e valores oriundos do crime de tráfico ilícito de drogas e que tenham sido objeto de dissimulação e ocultação nos termos desta Lei permanecem submetidos à disciplina definida em Lei específica”. (Lei 11.343/2006.)
Depois, sobrevindo sentença condenatória com trânsito em julgado, os bens são definitivamente confiscados, em favor da União ou do Estado, conforme o caso do proccessamento do Feito, nos termos estabelecidos:
“Art. 4°-A. (...)
(...)
§ 10. Sobrevindo o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, o juiz decretará, em favor, conforme o caso, da União ou do Estado:
I – a perda dos valores depositados na conta remunerada e da fiança;
II – a perda dos bens não alienados antecipadamente e daqueles aos quais não foi dada destinação prévia; e
III – a perda dos bens não reclamados no prazo de 90 (noventa) dias após o trânsito em julgado da sentença condenatória, ressalvado o direito de lesado ou terceiro de boa-fé”.
Resumo Esquemático:
Art 4°-A:
- Alienação antecipada – de Bens sob constrição (apreendidos/sequestrados).
- Decretada pelo Juiz, de ofício
- Por requerimento do M.P.
- Por solicitação da parte interessada
- Tramitação do procedimento de Alienação Antecipada corre em autos apartados
- Requerimento, deve conter:
- Relação de todos os demais bens
- Descrição e especificação de cada um deles
- Informações de quem os detém e onde se encontram
- Avaliação deve ser feita nos autos apartados – com intimação do M.P.
- Após dirimidas eventuais divergências:
- o valor é homologado pelo Juiz
- para alienação em Leilão ou pregão – preferencialmente eletrônico
- Por valor não inferior a 75% do valor da avaliação
- Quantia apurada vai a depósito em conta judicial remunerada
- Casos da Justiça Federal: na CEF ou instituição financeira pública
- Casos da Justiça Estadual: Instituição pública do Estado ou, na ausência, da União
- Recursos, contra decisões proferidas no curso do procedimento. Só com efeito devolutivo.
- Sobrevindo Sentença Penal Condenatória, o Juiz decreta a perda do bem em favor da União/Estado
- Recursos decorrentes da alienação antecipada nos casos de tráfico de entorpcentes, são submetidos à disciplina da Lei 11.343/06
8.11. Competência
Em relação à competência, exceção àqueles casos previstos no artigo 2º, III, os demais devem ser de competência da justiça estadual.
Como a demonstração do fato típico provém da obtenção de, ao menos, indícios do crime antecedente, nada mais lógico e evidente do que proporcionar a produção das provas a partir dos mesmos, até para viabilizar uma solução de continuidade.
O dispositivo estabelece expressamente aqueles casos de exceção, na alínea a (Casos de Competência da Justiça Federal):
(i) quando praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômica financeira, ou
(ii) em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas;
São as situações que, pela própria sistemática da Constituição Federal e da legislação nacional – por exceção –, são atribuídas à Justiça Federal.6
O simples fato de ocorrer situação de constatação da existência de quantias depositadas no exterior, suspeitas de que sejam provenientes de infração penal, não desloca competência para a justiça federal. Torna-se necessário, antes de mais nada, averiguar a competência do crime praticado que gerou a obtenção ilícita daquelas quantias. De se considerar também que, nestes casos em que se verifica a existência de fundos depositados no exterior, suspeitos de origem ilícita, eles podem ter origens ilícitas diversas e podem também provir de origens lícitas e ilícitas. Nada impossível que uma conta em outro país tenha sido alimentada por dinheiro criminoso e também por dinheiro obtido licitamente pelo correntista ou beneficiário.
Neste caso, devem as autoridades providenciar a abertura de investigações pertinentes, tantas quantas forem as origens suspeitas, até que, com suficiente grau de convicção, sejam deslocadas para a jurisdição, federal ou estadual, onde se constatar a competência, ou mesmo culminando na abertura de processos, tanto na esfera estadual como na esfera federal, cada qual para a origem do montante criminoso.
Exemplificando: A, funcionário da Prefeitura de São Paulo, obtém dinheiro através de crimes de corrupção, no montante de US$ 10 mil. Ao mesmo tempo esse funcionário se integra a uma quadrilha que pratica tráfico ilícito de entorpecentes, tendo adquirido cocaína da Colômbia e revendido em São Paulo Capital, que lhe rendeu outros US$ 12 mil. Todo esse numerário é depositado em uma conta na Suíça, somando-se US$ 22 mil, onde ele também acrescenta mais US$ 3 mil, que juntou do seu salário.
Enquanto as duas primeiras situações configuram crime de lavagem de dinheiro, fundadas em infrações penais (crimes) antecedentes, a terceira situação pode configurar crime de evasão de divisas. Torna-se necessário então distinguir: na primeira situação, o agente deverá responder por crime de lavagem de dinheiro perante a justiça estadual, dada a origem de crime de competência estadual do crime de corrupção praticado; na segunda situação, o agente responderá pelo crime de lavagem de dinheiro e por crime de tráfico de entorpecentes perante a justiça federal, em razão da natureza federal do crime antecedente; e na terceira situação – que deverá gerar investigação e processo diverso –, ele deverá responder pelo crime de evasão de divisas (e não lavagem de dinheiro – porque a sua origem é lícita), perante a justiça federal, naturalmente competente.7 Não existe, aí, obviamente, conexão dos crimes. Cada delito foi praticado em circunstâncias próprias que em absolutamente nada se conectam, e, portanto, torna-se inaplicável a Súmula 122 do STJ.8
8.12. Instituição do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (UIF-UIF)
A UIF, Unidade de Inteligência Financeira Brasileira de acordo com o art. 14 da Lei 9.613/1998 (originalmente denominada COAF), tem a incumbência de disciplinar e aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas de lavagem de dinheiro, devendo, ainda, coordenar e propor mecanismos de cooperação e de troca de informações que viabilizem ações rápidas e eficientes no combate à ocultação ou dissimulação de bens, direitos e valores.
A UIF comunicará às autoridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis, quando suspeitar da existência de crimes previstos na Lei, ou de fundados indícios de sua prática.
8.13. Esquema de funcionamento das UNITs
A preocupação do agente que pretende lavar dinheiro é esconder (ocultar e/ou dissimular) a sua origem criminosa. Então ele procura mecanismos que lhe proporcione maior segurança para escondê-lo de agentes públicos, agindo o mais que possível de forma dissimulada. Considerando que o processo de lavagem passa por movimentação de dinheiro e/ou compra e venda de bens, foram estabelecidos alguns mecanismos de controle dos registros de operações consideradas suspeitas.
A Lei nº 9.613/98 previu no seu art. 9º, as espécies de atividades sujeitas à fiscalização permanente por parte da correspondente pessoa jurídica, que fica obrigada a informar à UIF a “relação de operações suspeitas”, de forma a viabilizar investigação mais detalhada a respeito da situação verificada.9
Através dessa sistemática de obrigatoriedade de comunicação de operações suspeitas, a UIF se torna capaz de formar uma rede de informações hábeis a detectar situações que podem configurar processo(s) de lavagem de dinheiro. Esse é, na verdade, o mecanismo de controle mais eficiente para a apuração dos casos de lavagem de dinheiro. Parte do pressuposto de que todas as “empresas” (sentido amplo e geral) têm obrigatoriedade – legal – de comunicar as operações suspeitas aos órgãos de controle da prática do crime de lavagem de dinheiro.
As duas questões essenciais para que sejam tomadas as providências legais em relação à detecção e o combate de lavagem de dinheiro são: “suspeita” e “comunicação”. Os funcionários das pessoas jurídicas legalmente encarregadas devem repassar as informações que geraram suspeitas, com relatórios, às autoridades incumbidas da persecução penal. A falta desses repasses de informações de “suspeita” e “comunicações” gera campo fértil à prática da lavagem de dinheiro por parte dos criminosos.
Negócios onde circula grande quantidade de dinheiro em espécie, como Fast Foods e Casas Lotérias, pela nítida ausência de controle, podem ser muito utilizados para a prática do crime de lavagem de dinheiro.
Algumas das pessoas jurídicas referidas são reguladas ou fiscalizadas pelas chamadas “Agências Reguladoras”, que, nesse caso, são as que, após exercer a fiscalização, ficam incumbidas de repassar a relação de operações suspeitas, através de instruções próprias. São exemplos o Banco Central do Brasil (BACEN), a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Com relação às demais, a própria UIF fica incumbida de emitir resoluções.
8.14. Requisição de dados pelo Ministério Público e/ou pela Polícia
A Lei criou dispositivo que expressamente determina à Justiça Eleitoral, às empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito, a obrigatoriedade de remeter ao Ministério Público ou à Polícia (entenda-se, à Autoridade Policial), - independentemente de autorização judicial – acesso a dados cadastrais do investigado.
“Art. 17-B. A autoridade policial e o Ministério Público terão acesso, exclusivamente, aos dados cadastrais do investigado que informam qualificação pessoal, filiação e endereço independentemente de autorização judicial, mantidos pela Justiça Eleitoral, pelas empresas telefônicas, pelas instituições financeiras, pelos provedores de internet e pelas administradoras de cartão de crédito”.
E ainda, nos casos de ordens judiciais de quebras de informações protegidas por sigilos, que sejam entregues, quando assim determinado, em meio informático e apresentados em arquivos que possibilitem a migração de informações para os autos do processo sem redigitação:
“Art. 17-C. Os encaminhamentos das instituições financeiras e tributárias em resposta às ordens judiciais de quebra ou transferência de sigilo deverão ser, sempre que determinado, em meio informático, e apresentados em arquivos que possibilitem a migração de informações para os autos do processo sem redigitação”.
9. Técnicas mais utilizadas
São incontáveis as técnicas utilizadas diariamente para a lavagem de dinheiro. Seguem, resumidamente, alguns exemplos das mais comuns:
9.1. Estruturação (smurfing)
O agente divide o dinheiro em quantias pequenas, no limite permitido pela legislação, fazendo vários depósitos bancários em contas diversas (mesmo em nome de terceiros) para depois, oportunamente, reuni-los de volta. Com esse procedimento, o agente distancia a origem criminosa do valor integral em etapas através de transações bancárias.
9.2. Mescla (Commingling)
Por este procedimento, o agente mistura seus recursos ilícitos com outros legítimos. Utilizar, para tanto, por exemplo, de uma empresa real, e depois apresenta o volume total como a receita proveniente da sua atividade lícita. Por vezes utiliza os recursos obtidos ilegalmente na própria empresa, com p. ex. o pagamento de pessoal, a compra de matéria-prima etc. de forma a dificultar o rastreamento.
Normalmente são utilizadas nesta técnica os negócios de difícil controle de contabilidade, como bares, restaurantes, casas de espetáculos, lojas de veículos, lojas de obras de arte e de antiguidades (por causa das atribuições dos verdadeiros valores); negócios de importação e exportação de mercadorias (muitas vezes com falsidades em declarações dos valores pagos); casas de câmbio, factorings, etc.
IMPORTANTE: Os crimes de lavagem de dinheiro têm suporte na quase totalidade das situações, em documentos falsos, por isso torna-se imprescindível que qualquer investigação de crime de lavagem de dinheiro passe – necessariamente – pela checagem irrestrita e incondicional de TODOS os documentos que envolvem as transações suspeitas. Sua origem, sua forma, seus dados, sua autenticação, seu subscritor, assinaturas, etc. enfim, todos os documentos devem ser analisados dos aspectos material, formal e ideológico, tudo deve ser analisado.
Há outros fatores que o favorecem, e necessitam de maior atenção:
(i) Por ser empresa legalmente constituída, normalmente já atuará com picos de valores, altos e baixos, que podem ser dissimulados como investimentos, compras de materiais, pagamentos diversos, recebimentos de entregas de materiais e/ou serviços prestados etc.
(ii) Também por serem empresas legítimas, tornam-se aparentemente fáceis as justificativas de transferências de altos valores, tanto dentro do território nacional como para o exterior, e em diferentes moedas;
(iii) Muitas empresas costumam trabalhar com dinheiro em espécie para efetuar pagamentos e compras, especialmente as de pequeno e até médio porte, o que pode afastar as suspeitas por parte das autoridades de eventual ingresso de dinheiro como proveniente de prática criminosa;
(iv) As empresas têm facilidade para criar subsidiárias, formando “Holdings”, e planejar uma verdadeira teia de transferências em dinheiro e bens entre elas mesmas, alternando os respectivos proprietários, sócios e gerentes, de forma a dificultar a análise das autoridades incumbidas da investigação;
(v) A vigilância bancária sobre operações suspeitas tende a ser menor em relação a empresas, em razão do montante (qualidade) e da frequência (quantidade) de transferências realizadas, já que uma empresa costuma manter o seu sistema financeiro extremamente ativo, com incontáveis operações em um só dia.
(vi) As empresas realizam muito mais operações de depósitos e saques, inerentes à própria atividade comercial, que por si só podem dissimular, entre elas, muitas outras que signifiquem formas de dissimulação em lavagem de dinheiro.
Qualquer forma que o agente utilize, não necessariamente através de uma empresa, que embora seja a mais comum não é a única, misturando recursos obtidos licitamente com outros obtidos ilicitamente, pela prática de algum ilícito penal, nos termos da Lei, configura a prática de crime lavagem de dinheiro na medida em que ele “dissimula” a origem daqueles ganhos ilegais.
Essa “mistura” pode ocorrer, em uma mesma conta corrente ou aplicação financeira, em forma de somatória para a compra de ações ou qualquer outro ativo, bens, como imóveis, automóveis, barcos, aviões etc., o que já se afigura, numa primeira etapa, a modalidade de movimentação para, em seguida, a prática da “conversão” em bens. Empresas que passam por reestruturação, cortando gastos e eventualmente se recuperando de problemas financeiras passam a ser potenciais atrativos a agentes lavadores de dinheiro, como por exemplo, funcionários de alto escalão que detém poderes de comando em relação às contas. Isto porque a “recuperação” é sempre boa estratégia para camuflar transferências de valores com justificativa fiscal plausível.
Ex: Esquema de lavagem de dinheiro de Organização Criminosa, que passa a utilizar empresas lícitas.
9.3. Empresa de fachada (Front Companies)
É legalmente (documentalmente) constituída, que participa ou aparenta participar de atividade lícita. Constata-se a existência do local (físico), imóvel, somente com a aparência daquilo a que se propõe. Ao se checar o local do endereço constante na Junta Comercial local, será constatada a existência de um prédio naquele logradouro e número. É, na verdade, a existência de um prédio, uma casa, um escritório ou construção, mas sem a atividade (conforme consta) que se propõe a executar, fazendo-o, quando o faz, de forma simulada. Na verdade, presta-se essencialmente a utilizar um nome empresarial, de forma a viabilizar a abertura de contas bancárias e utilização do nome da pessoa jurídica para a efetivação das transações.
As empresas de fachadas são utilizadas como técnica de lavagem de dinheiro, no mais das vezes com a finalidade de efetivar as manipulações contábeis dos volumes de capitais. Nestas condições, sub-faturamentos e super-faturamento podem ser necessários aos criminosos, dependendo da aparência dos valores que necessitem justificar.
9.4. Empresas fictícia
É semelhante à empresa de fachada, com diferenciação técnica de terminologia. A empresa fictícia existe tão somente no papel. Checando-se a eventual existência do prédio naquele logradouro e número registrados na Junta Comercial, verificar-se-á sua inexistência.
O agente movimenta o dinheiro em nome da empresa, mas ela na verdade não existe fisicamente.
9.5. Compra/Venda de bens
O agente de lavagem adquire bens (por exemplo, carros, barcos, aeronaves, propriedades imobiliárias etc.) ou instrumentos monetários (ações, traveller checks) com o produto do crime.
Esta técnica de lavagem de dinheiro, através de compra e venda de bens, para que seja bem-sucedida, tem que envolver a simulação de valores, pagos e recebidos, e as consequentes declarações falsas destes valores. Entre a compra e a venda o agente também, por vezes, simula consertos, restaurações, benfeitorias, etc., sempre com documentos falsos (Notas Fiscais, orçamentos, contratos simulados etc.).
9.6. Contrabando de dinheiro
Trata-se de transporte físico de dinheiro (em cash) para outros lugares ou países, neste caso, normalmente já convertido na moeda forte – US$ dólares americanos, Libras ou Euros. São mais utilizadas, nestes casos, empresas aéreas ou de ônibus com grande circulação de passageiros, ou mesmo o transporte rodoviário por automóvel. Esta técnica também pode ser considerada no âmbito da estruturação (smurfing). É eficiente para dificultar o rastreamento do dinheiro.
Apesar de tantas facilidades de transferência de fundos, “TEDs”, “DOCs”, cheques, etc., mesmo assim ainda ocorrem casos de pessoas que se proponham, em troca de uma comissão, a transportar, fisicamente, quantidades vultuosas, e apresentam justificativas p. ex., “para” pagar fornecedores de empresa de propaganda; ou “dinheiro de dízimo de fiéis” etc.
O transporte físico do dinheiro é, ao mesmo tempo, o mais difícil de ser apanhado pelas autoridades, e se bem-sucedido, quase impede a imputação da culpa, pela ausência dos registros bancários; mas, se apanhado, reveste-se facilmente em indício claro da prática de crime de lavagem.
Se por um lado o transporte físico de moeda corrente, como fator isolado e por si só, não consiste na prática de crime; por outro lado serve de fundamento para inicio de investigação, ou prova do delito, com inevitável apreensão do dinheiro, que tanto pode ser produto, como instrumento de crime, tendo como consequência final, em caso de condenação, a perda dos valores.
9.7. Transferência de fundos
É, atualmente, uma das formas das mais rápidas para a ocultação ou dissimulação de dinheiro obtido ilicitamente. A ocultação ocorre naturalmente com a simples transferência de valores entre contas e aplicações financeiras. O dinheiro pode viajar, atravessando divisas municipais, estaduais e internacionais. Se de um lado as transferências de valores são facilmente realizadas, seja por Internet, seja por ordens de créditos e outros tantos serviços bancários (SWIFT e SWAP, por exemplo),11 ou outros quaisquer; de outra parte, toda e qualquer transferência enseja a efetivação dos respectivos registros, e com as legislações atuais, os bancos e as instituições financeiras se vêem obrigadas não só a comunicar operações suspeitas, assim reconhecidas como aquelas incomuns, mas também conhecer os seus clientes, o seu potencial financeiro-econômico, e estar atento às circunstâncias para viabilizar a sua própria observação a respeito destas operações suspeitas – como, p. ex., ingresso e remessas de altos valores em curto espaço de tempo.
Embora não prevista em nenhuma Lei ou regulamento governamental, o próprio Governo dos EUA tem exigido dos bancos, através do Departmento do Tesouro, que “conheçam os seus clientes”. É a chamada política do know your costumer, através da qual se solicita que os agentes de investimentos dos bancos conheçam os “investidores”, especialmente através da análise das suas movimentações bancárias. Os bancos têm buscado o aprimoramento de suas atividades através desse processo de controles internos, com adoção de regras rígidas, voltadas para a eficiência e a efetividade de suas atividades, a confiabilidade e a autocorreção. A fixação das regras denomina-se compliance (conformidade).12
A dissimulação vem caracterizada normalmente com a modalidade de “mistura” (mescla – Commingling) dos valores em contas e aplicações diversas, que entrelaçam dinheiro de origem lícita com ilícita. Utilizam várias contas, ou contas de empresas de fachada, “maqueiam” os dados dos balanços, falsificam notas promissórias, duplicatas e outros títulos, simulam vendas etc., para com eles demonstrar suposta origem dos valores.
Muitos Bancos mantêm contas chamadas de “Lodge Accounts” ou – “Contas hospedeiras”, abertas por Instituições ou Entidades e destinadas a receber depósitos de doações, por exemplo de caridades, para equipes esportivas etc. São depósitos que provém de diversas fontes – várias pessoas, físicas e jurídicas e de várias formas – dinheiro, cheques, transferências por internetbanking, etc., e com valores dos mais variados, sob a nomenclatura de “doações”. São muito utilizadas em pequeno e médio nível de prática de lavagem de dinheiro.
Outra técnica comumente utilizada por agentes criminosos é a utilização de contas-corrente de terceiras pessoas, para as quais se paga uma comissão para a utilização da conta. Chamado de “Beard” (pessoa que oculta o verdadeiro operador da transação), ou simplesmente “Laranja”, o intermediário recebe e repassa os valores depositados.
Têm sido utilizadas, também, as chamadas “Contas-ônibus” ou “Bus-accounts”, abertas em bancos dos Estados Unidos mas em nome de uma Instituição qualquer constituída e sediada em um Paraíso Fiscal, onde é subdividida em diversas outras contas em nome de terceiros. O número original da conta tem muitos dígitos que identificam, além do número da agência do Banco, depois, em sequência, vem o número da conta titular e o número da(s) subconta(s) em nome dos terceiros.
Também é muito comum, neste mecanismo, a utilização de contas bancárias fantasmas, ou fictícias, de pessoas físicas ou jurídicas, criadas tão-somente para viabilizar o giro do dinheiro.
9.8. Compra/trocas de ativos ou instrumentos monetários
Através dessa técnica, o agente pode, por exemplo, comprar VTMs (Visa Travel Money), cheques administrativos e depois trocá-lo por traveller check e, então, por dinheiro novamente.
Algumas casas de câmbio existem, em primeiro plano, para a utilização de mecanismo de lavagem de dinheiro. Elas simplesmente recebem o dinheiro de seus clientes, cujas origens não sabem e nem procuram saber e depositam os valores em dinheiro em suas contas-corrente, em nome da agência, em troca dos dólares. Quase inexiste qualquer controle, e muitas vezes as anotações são precárias e os valores são alterados.
O ouro e as pedras preciosas podem substituir o dinheiro em qualquer parte do mundo como meio de pagamento e/ou de depósito.
9.9. Transferência de dinheiro para o exterior por “Dólar-cabo” ou “Euro-cabo”.
A transferência de dinheiro através dos meios chamados “Dólar-cabo” ou “Euro-cabo”, também costumam ser utilizados por pessoas físicas ou jurídicas que querem promover a lavagem de dinheiro. Consistem na utilização de doleiros (pessoas físicas e/ou jurídicas), autorizados ou não a realizar as operações, em um sistema de compensação de depósitos sem a remessa efetiva dos valores. Exemplificando: A, residente no Brasil, quer depositar o equivalente a US$ 50 mil em sua conta em um banco em Nova York. Contacta o doleiro brasileiro, que aciona o intermediador residente nos EUA. Este providencia o depósito dos US$ 50 mil, de lá mesmo dos EUA na conta de A. Em compensação, aquele intermediador norte-americano conhece um residente nos EUA que quer depositar os mesmos US$ 50 mil (convertidos para Reais) no Brasil. Então o doleiro brasileiro providencia o depósito do valor, em reais, equivalente aos US$ 50 mil depositados em Nova York, na conta designada pelo intermediador norte americano. Não houve transferência do dinheiro do Brasil aos EUA e nem dos EUA para o Brasil. Ocorreu, na verdade, um sistema de compensações, onde os depósitos ocorreram dentro dos EUA e dentro do Brasil, pelos valores equivalentes, conforme as orientações dos clientes.
9.10. O Sistema Hawala
O “Hawala”, “transferência sem circulação de dinheiro”, também chamado de “Hundi” ou “Chitti”, é um antigo sistema alternativo de remessa de dinheiro, originário do sul da Ásia, sendo atualmente utilizado em todo o mundo para realizar remessas legítimas. As transferências em dinheiro são efetuadas com base na comunicação entre membros de uma rede de Hawaladars ou de “concessionários hawala”.
Mas, assim como qualquer outro sistema de remessa o Hawala pode se converter em forma ou mecanismo de lavagem de dinheiro. O Hawala consiste, na verdade, em uma alternativa ou um sistema de remessa de capitais paralelo, que não significa, necessariamente, e por si só, uma técnica de lavagem de dinheiro.13 Ela existe e opera fora, ou “em paralelo” aos bancos tradicionais ou dos sistemas tradicionais de canais financeiros.
Os componentes essenciais do hawala e que o distinguem de outros sistemas de remessas são a confiança e o uso extensivo de conexões, como as relações familiares ou associações regionais. Ao contrário dos bancos tradicionais ou mesmo o “chop system”, hawala torna mínimo (muitas vezes nenhum) o uso de qualquer tipo de instrumentos ativos negociáveis.
9.11. Venda fraudulenta de propriedade imobiliária
É outra forma muito comum de prática de lavagem de dinheiro. O agente, por exemplo, compra um imóvel e declara haver pago valor menor. Paga a diferença ao vendedor “por debaixo do pano”. Depois, após alegar haver realizado reformas que valorizam o imóvel (às vezes mentirosamente, e às vezes realizando reformas com custo muito menor do que o verdadeiramente gasto), vende-o pelo preço normal de mercado, transformando aquela diferença em ativo (lucro).
Neste caso em especial, mas em muitos outros também, a prática do crime de lavagem vem acompanhado de uma “falsidade”, normalmente uma declaração ou “comprovação” falsa de gastos. São casos em que o crime de lavagem vem conjugado com crime de falsidade ideológica ou falsidade material, que demonstre situação de preço ou reforma irreais.
Qualquer forma de aquisição, venda e reforma de imóveis que sirva para dissimular o preço efetivamente investido, sendo o dinheiro obtido através de origem criminosa, pode configurar a prática da lavagem.
9.12. Centros Off-shore
É preciso lembrar que pessoas procuram centros Off-Shores, também por outros motivos, além dos criminais. Podemos enumerar algumas hipóteses:
Criminosos querendo esconder o dinheiro ganho com a prática do crime (caso de lavagem);
Pessoas físicas e jurídicas que querem investir dinheiro com taxas baixas;
Pessoas físicas e jurídicas que querem sonegar impostos;
Pessoas físicas e jurídicas que querem esconder o dinheiro de credores;
Pessoas físicas e jurídicas que querem investir dinheiro em locais seguros de instabilidades econômicas no seu País;
Pessoas físicas e jurídicas que querem investir dinheiro com boa rentabilidade e pouco pagamento de impostos;
Pessoas físicas que querem diminuir o valor do imposto a ser pago por seus herdeiros quando da transferência pela morte; etc.
Os casos de lavagem de dinheiro ocorrem somente na primeira hipótese, ou seja, quando o dinheiro enviado a uma OffShore é proveniente, decorrente, da prática de infração penal. São geralmente utilizados durante o primeiro ou o segundo estágios da lavagem – colocação (placement) ou, a acomodação (layering).
Explica o UIF-UIF que alternativa muito utilizada pelas organizações criminosas é transferir o dinheiro a países com regulamentações permissivas. São os centros off-shore. Os clientes dessas praças extraterritoriais são, em geral, não residentes e em sua grande maioria pessoas jurídicas. As operações financeiras extraterritoriais têm um significado preciso: estão isentas da ampla gama de regulamentos que são impostos às instituições on-shore nacionais ou locais.
No mundo do comércio exterior, as entidades admitidas no I.B.C. (I.B.C.s – International Business Corporations, como - Ltd., Inc., GmbH, S.A., são autorizadas a utilizar os sufixos no resto do mundo onde tiverem ou não negócios. Torna-se impossível, a partir do nome, conhecer a sua atividade financeira e saber se realmente a prática.
Os Bancos situados em Offshores se empenham para complicar e burocratizar o acesso às contas dos seus clientes. Assim conseguem atrair capitais de várias partes do mundo e gerar benefícios de qualidade de vida aos seus moradores.
São alguns exemplos atuais:
República de Niue – Oceania: Considerado o mais novo Paraíso Fiscal, utiliza equipamentos de informática japoneses. Utilizado para a instalação de domínios de internet e jogos de internet, é o centro mundial da rede de shell companies.
Liechtenstein: Situada no meio da Europa, de fácil acesso, é o local mais procurado – o “centro mundial da lavagem de dinheiro”, onde aplicam os grandes chefes das máfias italianas, russas e colombianas, além de grandes e políticos ricos.
Ilhas Cayman: Situadas no Caribe, estima-se que lá existam cerca de 450 bancos (muitos sem escritórios). Mais de 30 deles instalados em Antigua nos últimos anos, incluindo Bancos Russos e Ucranianos, com todas as facilidades possíveis através de internet-Banking.
Israel: Com uma jurisdição sem Leis contra a lavagem de dinheiro, estima-se que lá ingresse cerca de US$ 1 Bilhão por mês de dinheiro sujo.
Mônaco: Principado considerado um dos maiores paraísos fiscais, atrativo pela beleza natural e do cassino, atrai especialmente Russos. Tem 49 Bancos e cerca de 320 mil contas para uma população de 32 mil habitantes.
Malta: Também com ótima localização no sul da Europa, suspeita-se que vem sendo utilizada para a lavagem de dinheiro de terroristas da Líbia.
E quais são os serviços financeiros oferecidos pelos Paraísos Fiscais? O paraíso fiscal que deseje atrair clientes para este submundo fiscal, deve oferecer uma série de serviços "financeiros" apropriados. São exemplos:
Parcelas em “parques” tecnológicos com equipamentos e logística, especialmente meios eletrônicos e de informática, além de comunicações que permitam o livre acesso, sempre em tempo real, a todos os mercados financeiros mundiais. Contatos e correspondência com as grandes redes bancárias, geralmente com respectivas representações por escritórios no mesmo lugar.
Segurança e estabilidade política, isto é - repressão da criminalidade financeira praticamente inexistente. Ausência/dificuldade de cooperação internacional para o fornecimento de dados dos clientes (suspeitos)
Sigilo bancário contra investigação criminal, local ou estrangeira, e ausência de controle de câmbio.
Facilidades para constituir qualquer forma de sociedade, real ou fictícia, com anonimato assegurado para os intervenientes; com exoneração fiscal total ou imposição apenas simbólica.
Facilidades de toda espécie para atrair um grande número de advogados, brokers, economistas, contadores, experts financeiros, assessores fiscais, auditores, etc. para que possam oferecer-lhes todo o tipo de auxílio e assistência técnica necessária à ocultação dos dados, aplicações, ganhos e gestão jurídica local e contábil.
9.13. Bolsa de valores
Investidores da Bolsa não compram ações diretamente, mas através de corretoras, membros da Entidade, que se encarrega de executá-la no pregão. Para isto, a bolsa de valores mantém, no recinto de negociação, seus operadores, que são habilitados por meio de um exame de qualificação.
Segundo o UIF-UIF, as bolsas de valores oferecem condições propícias para se efetuarem operações de lavagem de dinheiro:
(a) permitem a realização de negócio com características internacionais;
(b) possuem alto índice de liquidez;
(c) as transações de compra e venda podem ser efetuadas em um curto espaço de tempo;
(d) as operações são realizadas, em sua grande maioria, por intermédio de um corretor; e
(e) existe muita competitividade entre os corretores.
Existem várias formas de práticas de ‘fraudes’ com ações que podem consistir em esquemas de lavagem de dinheiro: São exemplos:
Fraude com corretoras: O agente atua através de serviços de duas corretoras, estando em conluio. A possui 1.000 ações que valem 100 mil euros, e as vende a B ao preço de 110 mil euros. A lucrou os 10 mil euros que B perdeu. Em outra operação, no mesmo dia, B vende a A outras 500 ações, com lucro de 10 mil euros, em prejuízo de A. Ambos alternam várias perdas e ganhos entre compras e vendas, que no fim do dia se equivalem e atingem o total do dinheiro a ser lavado.
Esquema "Pump and dump": Envolve inflar artificialmente o preço de uma ação, por meio de declarações falsas e/ou enganosas, a fim de vender as ações compradas abaixo do preço, por um preço superior. Uma vez que as ações dos operadores do esquema de "dump" estejam supervalorizadas, são vendidas com a inevitável queda dos preços e consequentemente os investidores perdem dinheiro. Tornou-se mais frequente com o advento das compras de ações através de internet bankings, por pequenos, mas inúmeros investidores em ações. As ações “alvo” do esquema são geralmente de empresas pequenas, mais fáceis de serem manipuladas.
Stocks chop, comum nos EUA, são ações compradas por centavos de dólares e vendidos por Dólares, viabilizando, tanto a corretores como aos promotores de ações lucros maciços. Corretores muitas vezes são pagos "por debaixo da mesa" payoffs reservadas a vender ações desse tipo.
“Despejo e diluição” esquema, onde as empresas, repetidamente, emitem ações sem nenhuma razão que não seja do que tomar dinheiro dos investidores à distância. Nesta prática, a empresa de corretagem geralmente adquire ações através da compra de um grande bloco de títulos a um preço prenegociado bem abaixo do preço de mercado corrente (geralmente de 40% a 50%) ou adquire as ações como pagamento de um contrato de consultoria. Após a sua aquisição, os corretores vendem o estoque aos seus clientes de corretagem com a “oferta” aos investidores, muitas vezes vítimas que geralmente desconhecem essa prática. Esta grande diferença, ou "spread" entre a oferta e o preço com desconto do bloco de ações que foi comprada é. quase sempre, compartilhada com o corretor da empresa que propôs a aquisição.
9.14. Companhias seguradoras
O mercado de seguros, capitalização e previdência privada aberta, fiscalizado pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), é mais um setor vulnerável à lavagem de dinheiro.
Em relação aos acionistas, ou em relação aos segurados, subscritores, participantes e intermediários, pode haver a tentativa de “limpeza” do denominado dinheiro sujo. Exemplos:
(a) os acionistas podem usar seu poder de deliberação realizando investimentos que possibilitem a prática de lavagem de dinheiro;
(b) os segurados, por sua vez, podem lavar recursos mediante a apresentação de avisos de sinistros falsos ou fraudulentos, o mesmo ocorrendo com os subscritores e participantes, os quais podem, respectivamente, transferir a propriedade de títulos de capitalização sorteados e inscrever pessoas inexistentes ou falecidas em planos de previdência privada aberta;
(c) a intermediação, materializada na corretagem, também pode ensejar a lavagem nas transações, envolvendo terceiros ou clientes não residentes.
9.15. Jogos e sorteios
São conhecidos os casos de lavagem de dinheiro através de jogos e sorteios como bingos e loterias. As principais características dos processos criminosos envolvem a manipulação das premiações e a realização de alto volume de apostas em determinada modalidade de jogo, buscando fechar as combinações.
Em muitos casos, o agente criminoso não se importa em perder uma parte dos recursos, contanto que consiga finalizar o processo de lavagem com êxito. Exemplos:
• Loterias Federais: o agente obtém a quantia de R$ 6 milhões através da prática de um crime de corrupção. Consegue, com um expert matemático, abranger praticamente todas as possibilidades de ganhar em um jogo de loteria federal (sena, loto etc.). Para tanto, realiza tantos jogos quantos necessite, obtendo os inúmeros boletos. Nenhum boleto de jogo tem registro da pessoa que joga, de forma que se garante o seu anonimato. Ninguém sabe quantos boletos foram jogados. Um dos jogos acerta os números. O prêmio é de R$ 4 milhões, de forma que o agente perde R$ 2 milhões com os jogos. Entretanto, estes R$ 4 milhões são “limpos” e podem ser declarados como ganhos através de uma loteria do governo.
• Aquisição do “bilhete premiado”. Os jogos em loterias federais, por exemplo, não têm o registro do nome e de qualquer dado do apostador. São entregues os prêmios ao portador do bilhete. O agente que pretende lavar dinheiro sujo mantém contatos com lotéricas e/ou com funcionários do Banco que promove o pagamento. Uma vez que seja identificado o ganhador do prêmio, eles entram em contato com o agente. Ele, dispõe de R$ 5 milhões obtidos de forma ilícita (por exemplo corrupção). O prêmio da loteria paga R$ 4,5 milhões. O agente oferece os R$ 5 milhões ao ganhador do prêmio. Com a troca, terá um “prejuízo” de R$ 500 mil, mas ele oferece, assim mesmo, pois poderá justificar o ganho daqueles R$ 4,5 milhões, e do contrário, não poderia justificar a origem dos R$ 5 milhões. Para todos os efeitos, ele “ganhou” R$ 4,5 milhões em aposta da loteria.
9.16. Aquisição de antiguidades, objetos de arte
Os objetos de arte, móveis antigos, quadros etc., são, na maioria das vezes, de difícil avaliação porque dependem de circunstâncias que escapam a uma análise mais objetiva, podendo variar conforme diversas razões, como ano de fabricação, empresa que fabricou, nome do autor – sua importância etc.
Trata-se de situação semelhante à venda fraudulenta de imóveis, com a diferença de que naquela há uma necessidade – quase obrigatoriedade – de justificar eventual diferença de preço pago e vendido, nas situações em que não existe a cooperação consciente do vendedor. Nesta, a simples avaliação diversa, por questões subjetivas, pode ser eficiente para gerar a dissimulação da origem criminosa do dinheiro “investido”.
Exemplos:
• É possível adquirir um quadro por determinado valor e, após declarar que vale cinco vezes menos, voltar a vendê-lo pelo mesmo valor de compra.
• O agente que necessita “lavar” o dinheiro apresenta uma obra de arte de difícil avaliação em um Leilão de arte. Um dos participantes do Leilão, com ele conluiado, e de posse do dinheiro a ser lavado, oferece aquela quantia pela obra. O agente obtém o dinheiro – com simulação, através do Leilão –, de forma a poder registrá-lo. Normalmente, funciona com mais de um agente “comprador” no Leilão, pois cada um vai oferecendo preço de cobertura pela obra, até se atingir o valor a ser “limpo”.
9.17. Processo falso
É mecanismo utilizado através de interposição de ação judicial – falsa – que camufla, no fundo, a necessidade de dar aparência legal a dinheiro obtido ilicitamente. Pode ser realizado através de “um acordo” em demanda judicial forjada, ou mediante arbitragem, neste caso, evidentemente, com a participação dos árbitros eleitos pelas partes.
Exemplo: O dinheiro que se pretende “limpar” é depositado em nome de uma empresa, ou de uma filial off-shore, de preferência de algum paraíso fiscal, de forma a se evitar o quanto possível declarar a sua origem. Outra empresa, com aquela previamente conluiada, ingressa contra ela, com ação judicial, pretendendo o pagamento de valor superior àquele depositado. Tratando-se de ação civil, que permita a efetivação de acordo, as (falsas) partes se compõem e realizam acordo, em juízo, a respeito da demanda, na qual a primeira se compromete a pagar justamente aquele valor depositado (ou então, a parte não se defende a contento, levando o juiz a condená-la). O juiz ratifica o acordo e o dinheiro sai com aparência de limpo, decorrente de condenação ou ratificação de acordo judicial. Da mesma forma ocorre na medida em que as partes tenham eleito árbitro para o julgamento da ação, sendo que haverá a sua conivência para o julgamento da falsa demanda.
9.18. Empréstimo falso
Trata-se de utilização das próprias instituições financeiras com a finalidade de se obter valores “limpos” em troca de outros sem origem pré-justificada.
Exemplo: O agente intermediário recebe, em sua conta, por exemplo em algum Centro Offshore, a quantia a ser “lavada”: US$ 80 mil. Solicita um empréstimo a um banco de Frankfurt, daquela mesma quantia de US$ 80 mil, dando como garantia aquele valor depositado no Banco do Centro Offshore. Deixa de cumprir o compromisso do empréstimo e o Banco de Londres apropria-se da garantia dos US$ 80 depositados.
9.19. Restaurantes, Fasts-Foods e comércios de refeições
Podem ser facilmente utilizados para a prática de lavagem de dinheiro porque podem dissimular o número de ingresso de clientes, de refeições vendidas e de faturamento. O controle que poderia ter eficiente potencial, através do Fisco, não é exercido a contento porque, via de regra, o Fisco fiscaliza a “omissão de receita”, e a lavagem de dinheiro passa da forma oposta, que é o excesso de receita. Isto porque o dono do restaurante tem que declarar “a mais” do efetivamente arrecadado, e nesta diferença entra o dinheiro sujo e que estaria sendo lavado.
Os bares e restaurantes costumam ter receita inferior a de outros negócios do comércio e da indústria. Ao mesmo tempo, a alta arrecadação pode (deveria) chamar a atenção dos fiscais. Isto acaba não acontecendo, porque não é função dos agentes fiscais observar indícios de lavagem pela sobre-declaração (comparada com a movimentação ou mesmo o potencial de movimentação), mas também porque a preocupação, dela decorrente, é exatamente a da cobrança do tributo.
9.20. Os Fundos “Trusts”
Permite, ao instituidor de um fundo ou benefício, a transferência de bens para outra pessoa (fiduciário) para que ele seja administrado em favor e para o benefício de terceiros (beneficiários), previamente indicados. “Trust”, ou Fideicomisso, se traduz na custódia e administração de bens por terceiras pessoas, daí a sua utilização com dinheiro de origem suspeita, porque distancia o nome do beneficiário dos valores.
Foram idealizados em função da necessidade de algumas pessoas em termos do seu planejamento internacional de administração de bens, tendo especialmente objetivos bem definidos, como por exemplo, a proteção do patrimônio contra circunstâncias graves em condições inesperadas no seu País; distribuir, em vida, o patrimônio, para que seja atendido após a morte, em circunstâncias que seriam legalmente impedidas no País de origem do instituidor do Fundo; entregar o patrimônio a uma pessoa ou Instituição de confiança que o gerencie de forma responsável e cautelosa e promover o investimento de forma anônima, protegendo-o e preservando-o.
9.21. Simulação de compra e venda de mercadorias com emissão de notas frias
Sempre reiteramos, que quase todos os casos de lavagem de dinheiro são acompanhados de crimes de falsificações, documentais e/ou ideológicas, para que sirvam de justificativa documental da operação comercial alegada.
No caso de simulação de compra e venda de mercadorias com emissão de notas ficais frias, se tem um ótimo exemplo da conjugação dos crimes, de falsidades e de lavagem de dinheiro.
Exemplo: O agente simula a compra de Mercadorias no valor de R$ 100 mil. Para justificar a compra, ele “emite” Notas Fiscais ‘frias’ (falsas) neste mesmo valor – que somadas atingem este valor. Na verdade o agente falsifica as notas fiscais de uma empresa verdadeira ou ‘cria’ notas fiscais (falsas, portanto) de empresa inexistente, de fachada ou fictícia. Depois simula a venda destas mercadorias por R$ 130 mil. Emite Notas Fiscais ‘frias’ neste valor – como sendo da “sua empresa” – que também pode ser de fachada ou fictícia. Simula, assim, ter investido R$ 100 mil. Ao mesmo tempo simula ter conseguido um lucro de R$ 30 mil, atingindo um total líquido de R$ 130 mil. As mercadorias, na verdade, nunca existiram. Somente foram emitidas notas fiscais frias (falsas) para simulação de compra e venda delas. Assim o agente justifica a origem de dinheiro sujo, provindo de prática criminosa, como se tivesse comprado e vendido mercadorias com lucro. Com a sua conduta, “lavou” R$ 130 mil.
9.22. Contratação de empresa de prestação de serviços
Por este estratagema, o agente contrata uma empresa de prestação de serviços, normalmente de “Consultoria” ou de “Marketing”. Como não há parâmetros para os valores do contrato, torna-se possível estabelecer qualquer valor, dependendo do “nível” do profissional, do “trabalho pretendido”, etc. São contratos de “fachada”, para simular o valor que se pretende lavar, já que, se, - e quando efetivamente cumpridos os termos do contrato, aquela cifra revela-se absolutamente incompatível a maior do que o valor real do serviço prestado.
Os agentes se prevalecem, especialmente, da falta de limitação em termos de valores dos tais “serviços” a serem prestados. A valoração é absolutamente fictícia - irreal. O dinheiro então entra na conta da empresa “prestadora dos serviços”. Esta empresa “contratada” tem ligação direta ou indireta com o(s) agente(s) que praticaram o crime e dele receberam o dinheiro – que, portanto, retorna, ao menos em (grande) parte, de alguma forma, ao próprio agente criminoso. Em muitos casos, contratos são redigidos apenas para justificar o gasto, mas absolutamente nenhum serviço chega a ser prestado.
Necessário analisar profundamente as ligações entre os “contratantes” e os donos e/ou “responsáveis” da empresa contratada – parentes, amigos, testas-de-ferro etc., bem como suas respectivas contas bancárias e inter-relação de movimentação de bens.
9.23. Esquema de simulação de compra e venda de mercadorias com emissão de notas fiscais frias
É certo que quase todos os casos de lavagem de dinheiro são acompanhados de crimes de falsificações, documentais e/ou ideológicas, que servem para justificar (documentar) a operação comercial alegada.
No caso de simulação de compra e venda de mercadorias com emissão de notas fiscais frias, se tem um ótimo exemplo da conjugação dos crimes, de falsidades e de lavagem de dinheiro.
Nessas condições, o agente simula a compra de mercadorias no valor de R$ 100 mil. Para justificar a compra, ele “emite” notas fiscais “frias” (falsas) nesse mesmo valor – que somadas atingem esse valor. Na verdade, o agente falsifica as notas fiscais de uma empresa verdadeira ou “cria” notas fiscais (falsas, portanto) de empresa inexistente, de fachada ou fictícia. Depois simula a venda dessas mercadorias por R$ 130 mil. Emite notas fiscais “frias” nesse valor – como sendo da “sua empresa”, que também pode ser de fachada ou fictícia. Simula, assim, ter investido R$ 100 mil. Ao mesmo tempo simula ter conseguido um lucro de R$ 30 mil, atingindo um total líquido de R$ 130 mil. As mercadorias, na verdade, nunca existiram. Somente foram emitidas notas fiscais frias (falsas) para simulação de compra e venda delas. Assim o agente justifica a origem de dinheiro sujo, provindo de prática criminosa, como se tivesse comprado e vendido mercadorias com lucro. Com a sua conduta, se aceita, ele “lavou” R$ 130 mil.
9.24. Contratação de empresa de prestação de serviços
Através desse esquema, o agente deseja lavar o dinheiro obtido por meio criminoso e, para tanto, contrata uma empresa de prestação de serviços, normalmente de “empreendimentos”, “participações”, “consultoria” ou de “Marketing”. Como não há parâmetros para os valores do contrato, torna-se possível estabelecer qualquer valor, dependendo da “expertise” do profissional, do “trabalho pretendido” etc. São contratos de “fachada”, para simular o valor que se pretende lavar, já que, se e quando efetivamente cumpridos os termos do contrato, aquela cifra revela-se absolutamente incompatível a maior do que o valor real do serviço prestado.
Os agentes se valem, especialmente, da falta de limitação em termos de valores dos tais “serviços” a serem prestados. É possível, em tese, estabelecer um contrato de qualquer montante para a prestação de serviços. A valoração é absolutamente fictícia. O dinheiro então entra na conta da empresa “prestadora dos serviços”. Essa empresa “contratada” tem ligação direta ou indireta com o(s) agente(s) que praticaram o crime e dele receberam o dinheiro – que, portanto, retorna, ao menos em (grande) parte, de alguma forma, ao próprio agente criminoso. Há casos em que contratos são redigidos apenas para justificar o gasto, mas absolutamente nenhum serviço chega a ser prestado.
Torna-se necessário analisar profundamente o objeto e o capital social destas em-presas, seu quadro societário, as ligações entre os “contratantes” e os donos e/ou “responsáveis” da empresa contratada – parentes, amigos, testas-de-ferro etc., bem como suas respectivas contas bancárias e inter-relação de movimentação de bens.
9.25. Cyberbanking (wire transfers)14
Em 1997, algumas grandes empresas mundiais, como IBM, Master-Card, Visa, Chase Mahnattan Bank, trabalharam juntas para a criação de um sistema seguro de compra e venda e serviços através da internet. Criaram o primeiro SET (Secure Eletronic Transaction) que permitia transações seguras com cartões de crédito através da internet, como forma de estabelecer uma iniciativa global para o que se denomina eletronic bussines ou e-bussisnes.
Cyberbanks não são exatamente “Bancos”. Não recebem depósitos nem investimentos. Agem simplesmente como agentes intermediários de transferências de valores via internet. Trata-se de um sistema com transferências imediatas, ainda sem regulamentação, onde as identidades não são reveladas, mas podem ser utilizadas de e para qualquer parte do mundo. São normalmente enviados com o título de “pagamento”, sem mais especificações.
O grande trunfo destas transações está na sua forma. Os dados são criptografados15 através de complexos sistemas de senhas ao ser enviados, e depois somente com as contrassenhas do destinatários podem ser descriptografados para o conhecimento do seu conteúdo. Tudo é feito, evdientemente, através de complicados programas criados por experts, o que o torna muito atrativo para os criminosos que querem lavar dinheiro. O sistema parece imune a rastreamentos, especialmente para estabelecer conexões entre transferências e transferências em vários cyberbanks.
Existe um esforço, especialmente do Governo norte-americano, no sentido de criar um sistema criptográfico que possa atender os interesses de privacidade, comércio eletrônico, da Justiça e segurança nacional.
9.26. Caixa 1 e Caixa 2 (slush fund)
Técnicas que vieram à tona em recentes investigações de agentes políticos.
A prática do caixa 2, por si só, pode configurar, conforme a situação jurídica, crime de falsidade ideológica, tipificado no artigo 299 do Código Penal e/ou crime de sonegação fiscal e/ou o delito previsto no artigo 350 da Lei 4.737 de 1965; o Código Eleitoral.
Mas a prática de “Caixa 2”, tanto quanto a de “Caixa 1”, em outras configurações de situações jurídicas, também podem configurar crimes de lavagem de dinheiro.
Lavagem de dinheiro poderia ser definida como o método pelo qual um indivíduo ou uma organização criminosa processa os ganhos financeiros obtidos com atividades ilegais, buscando trazer a sua aparência para obtidos licitamente. Trata-se de crime que depende da existência de outro antecedente, que gera ganhos ilícitos, de bens, direitos ou valores.
O depósito de dinheiro em caixa 2 (slush fund) – quer dizer, de forma não declarada às autoridades em relação à sua origem, pode significar, outrossim, outras duas formas de infrações penais:
(a) Se o dinheiro tem origem criminosa, consiste em forma de “ocultar” ou “dissimular” a sua origem, portanto, configura crime de lavagem de dinheiro. Através desta conduta, o agente efetua depósito de valores em contas disfarçadas – as quais deseja que não apareçam. Então ela consiste, por si só, ação de “ocultar” a sua origem, configurando mecanismo de lavagem.
(b) Se, entretanto, o dinheiro tem origem lícita, pode consistir em forma penal de sonegação de tributos e; ao ser questionado por qualquer autoridade no exercício de suas funções, se a resposta for falsa, consiste em crime de falsidade ideológica, prevista no artigo 299 do Código Penal, entre outras possíveis, conforme o caso concreto.
Depósito de valores nos chamados caixas 2 – sempre será configuração de infração penal, dependendo, somente, da origem dos valores depositados, seja ilícita ou lícita, conforme o caso.
Então, para “descriminalizar” depósitos de “Caixa 2” decorrentes, por exemplo, de crimes de corrupção ou concussão”, seria necessário o impensável – descriminalizar o delito de lavagem de dinheiro, já que o Brasil é subscritor da Convenção de Viena de 1988, tendo-a ratificado através do Decreto 154, de 26 de junho de 1991.
O depósito de dinheiro em caixa 1 – isso é, de forma registrada, se igualmente tiver origem em infração penal, também significará prática de crime de lavagem de dinheiro, se houver qualquer manobra para a sua ocultação ou dissimulação. Além disso, ao declarar a origem (por ex. às Receitas Federal, Estadual e/ou Municipal), o agente, que mentir sobre a origem (porque era criminosa), também incorrerá em crime de falsidade ideológica e/ou outras específicas no âmbito do sistema tributário-legal.
Exemplo: O empresário consegue um contrato superfaturado (facilitado ou direcionado) com o Governo - através de corrupção. Parte do valor auferido pela empresa, que extrapolou os seus custos, são destinados a caixa 1 (declarado) ou caixa 2 (não declarado) da empresa e depois segue, de forma simulada ou não, para o Governante.
9.27. Igrejas/Templos
Com o avanço dos sistemas tecnológicos de controle das atividades financeiras e com a obrigatoriedade de relato de informações sobre operações suspeitas, os agentes criminosos entenderam que deveriam buscar mecanismos que estivessem, de alguma forma, fora do campo de controle por parte das Autoridades.
As Igrejas têm imunidade tributária, estando fora do campo de incidência dos impostos sobre patrimônio, renda e serviços. Via de regra, dizem que o dinheiro que recebem provém de doações de fiéis, na grande maioria das vezes, recebidas nos próprios templos religiosos, e em dinheiro (cash). Desta forma, não há critérios e formas de controle por parte das Fazendas Públicas, Municipais, Estaduais e Federal, e tampouco, especialmente, por parte do UIF-UIF. Sem controle de atividades financeiras, fica aberta a porta da lavagem. São, por assim dizer, das poucas atividades remanescentes em relação às quais as Autoridades não detêm o controle de suas atividades. Não se justifica, entretanto, esta absoluta falta de controle.
Claro que, fora dos casos doados de forma honesta e correta por aqueles que acreditam estar contribuindo para alguma atividade filantrópica desenvolvida pela Igreja, há muitas outras formas, absolutamente sem controle, que viabilizam a prática do crime.
Imagine-se, por hipótese, que traficantes fundam um culto religioso qualquer e com ele criam determinada Igreja. Depois simulam que o dinheiro do tráfico de entorpecentes teria sido fonte de doação de inúmeros fiéis, que não se identificaram pessoalmente, mas apenas se “identificaram” com os propósitos filantrópicos desenvolvidos pela Igreja. Podem até desenvolver aqui ou ali algum serviço, absolutamente sem correspondência em termos de valores recebidos e utilizados, apenas para dar uma fachada ao “negócio” de serviço de auxílio à população mais carente. Algumas também oferecem a venda de objetos religiosos, como imagens de santos, terços, mantos, bíblias, véus, etc., que também podem servir de forma dissimulada para a lavagem.16 Desta forma estará pronto o negócio de lavagem de dinheiro, considerando que a cada um dos inúmeros cultos torna-se possível “justificar” o ingresso de altíssimas quantias provindas de donativos ocorridas em templos magnânimos, que dificilmente será checado em relação à sua origem criminosa – tendo sido utilizada a dissimulação de donativos de fiéis para a justificativa da sua origem.
Este mesmo esquema pode ser utilizado, obviamente, em decorrência da prática de crimes contra a administração pública (corrupção, concussão etc.), crimes contra o patrimônio etc.
9.28. Criptomoedas (digital money)
A partir das ideias defendidas em um Manifesto que se denominou “Cypherpunk”, programadores do mundo inteiro passaram a concentrar esforços para a criação de moedas eletrônicas que permitissem o comércio anônimo, protegido por chaves criptografadas.
Moedas virtuais como Bitcoin, Latercoin,17 Peercoin, Feathercoin18 e outras,19 não se confundem, absolutamente, com “pontos obtidos em cartões de créditos”, “milhas em companhias aéreas etc.”
Observa-se, com a evolução das operações virtuais de transferências de dinheiro, a evolução desenfreada da utilização de moedas virtuais, da qual o Bitcoin ainda é o mais famoso e serve de exemplo.
Bitcoin é uma rede que funciona de forma consensual como uma nova forma de pagamento e circulação de uma nova moeda completamente digital. Foi a primeira rede de pagamento descentralizada (ponto-a-ponto) na qual os próprios usuários gerenciam e controlam o sistema pelo mundo inteiro, sem necessidade de intermediador ou autoridade central. O Bitcoin funciona como dinheiro na Internet.
A primeira especificação do Bitcoin e a prova do seu conceito foi publicado em 2009 em uma lista de criptografia por Satoshi Nakamoto. Satoshi que deixou o projeto no final de 2010, sem revelar muito, ou quase nada sobre si mesmo.
Existe um crescente número de empresas e de pessoas físicas usando Bitcoins e outras moedas virtuais, inclusive estabelecimentos tradicionais como restaurantes, escritórios de advocacia e serviços populares on-line como Namecheap, WordPress, Reddit e Flattr. Apesar de ser um fenômeno relativamente novo, ele está crescendo rapidamente. No final de agosto de 2013, estima-se que o valor de todos os bitcoins em circulação no mundo ultrapassavam 1.5 bilhões de dólares americanos, sendo que 1.5 milhões de dólares em bitcoins são usados diariamente.
O valor do bitcoin é bastante volátil, podendo várias, dependendo o período, de US$ 66 a US$ 3 mil. Este ano, no começo de janeiro, a “moeda” era negociada por aproximadamente US$ 1 mil. Quatro meses mais tarde, já valia mais de US$ 2 mil. Por isso, e para que a moeda cresça dentro de uma faixa limitada, que é de até 21 milhões de unidades até o ano de 2140. Os bitcoins, explicam os especialistas, são “depositados” em uma carteira virtual, instalada no software da “moeda”. Após o cadastro, o “correntista” recebe um código, com letras e números, que deve ser fornecido nas negociações. Comprador e vendedor nunca têm suas identidades reveladas.20 Ele permite o anonimato dos usuários. Em alguns aplicativos de “carteiras virtuais” é obrigatório informar uma conta de e-mail para fazer o registro, já outros (a grande maioria) não é preciso nenhum tipo de identificação. De qualquer forma, é evidente que muitas contas de e-mails são abertas com dados falsos.
Aí reside o maior problema em face de probabilidade de prática de lavagem de dinheiro:
(1) Identidades dos operadores não são conhecidas, sendo totalmente anônimas;
(2) Não há identificação porque não existe pessoa jurídica responsável pelas operações, para quem as Autoridades (Ministério Público e Polícia) possam solicitar ou exigir judicialmente informações a respeito das operações financeiras realizadas.
(3) Há incrível liquidez nas operações. Funciona como se fosse um investimento e os lucros podem ser retirados diariamente, inclusive, por um banco através de um cartão de bitcoin (Xapo ou Advcash).
(4) As operações são criptografadas;
Então, parece fácil alguém se valer de dinheiro de origem criminosa para comprar moedas virtuais e depois revendê-los – configurando incontestável operação de lavagem de dinheiro. Depois, acaba limpando o dinheiro sujo através da utilização dos bitcoins para comprar bens, por exemplo. Sabe-se que Grupos extremistas e terroristas têm se utilizado da circulsção de bitcoins para o seu financiamento, como por exemplo o E.L. – Estado Islâmico (ISIS).
Trata-se de um dos grandes desafios atuais para o combate aos crimes de lavagem de dinheiro.
10. A denúncia criminal
A análise esquemática dos delitos do tipo básico (artigo 1° caput da Lei 9.613/1998 do delito de lavagem de dinheiro pode ser assim representada:
Na descrição dos fatos na Denúncia, não é necessário descrever cada etapa, ou cada estágio (ocultação, acomodação e integração) da dinâmica da ocultação ou da dissimulação dos bens, direitos ou valores.
Há inúmeras técnicas que podem a ser utilizadas pelos criminosos para a prática de lavagem de dinheiro. Os agentes costumam utilizar diversos deles, pois assim distanciam o dinheiro da sua origem e dificultam o esclarecimento do crime.
Já se decidiu, outrossim, que, tratando-se de crimes de autoria coletiva, de difícil individualização da conduta de cada participante, admite-se a denúncia de forma mais ou menos genérica, por interpretação pretoriana do art. 41 do Código de Processo Penal.21
10.1. Formas
No plano do elemento objetivo do tipo penal, existem duas formas de sua caracterização, atendendo os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal:
1- Pela caracterização real;
2- Pela caracterização presumida.
São formas que atendem ao requsito da “exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias” previstas na Lei. Vejamos:
10.1.1. Denúncia pela caracterização real
O plano da caracterização real descreve melhor a configuração do delito, porque estabelece o percurso de uma determinada fase (ou etapa) do bem, direito ou valor.
É menos comum na prática, dada a sua dificuldade probatória. A Denúncia, no aspecto objetivo deve conter a descrição da infração penal antecedente, com seus indícios devidamente configurados; o(s) valor(es) bem(ns) ou direito(s) adquiridos, direta ou indiretamente, com o provento da infração penal, e a conduta (objetiva) do agente criminoso no sentido de “ocultar” ou “dissimular” aquela origem criminosa. Basta que se demonstre a primeira etapa (que será mais fácil e mais comum) da lavagem, ou seja da colocação (placement).
Além desta descrição, no aspecto do elemento subjetivo do tipo, é necessário indicar os elementos convincentes da sua existência: A intenção (dolo direto ou indireto, conforme o tipo) do agente de “ocultar” ou “dissimular” a origem do bem, direito ou valor.
Com este “roteiro” se perfaz a descrição do tipo, do qual o agente, acusado, deverá se defender. Desnecessário que se demonstre outra etapa da lavagem, a acomodação (layering), e mesmo a integração (integration) que, todavia, se vierem descritas, tanto melhor e mais evidenciada estará demonstrada a ação criminosa.
10.1.2. Denúncia pela caracterização presumida
Em face dos incontáveis e inimagináveis mecanismos de lavagem de dinheiro existentes e à disposição dos agentes criminosos, é, na prática a que ocorrerá de forma mais corriqueira. A Denúncia é elaborada através da demonstração, também por evidências, elementos de provas e provas, de um nexo de derivação entre objeto material da lavagem e o próprio crime. Decorre da indicação, por fatos e circunstâncias, da dedução de que os valores, bens e/ou direitos, que tiveram destino de incorporação no patrimônio do acusado e/ou de seu testa-de-ferro decorreram – são ‘provenientes’ de sua correspondente prática criminosa, uma ou mais infrações penais.
Também pode ser descrita “ao reverso”, ou seja, em função da visível ausência de correlação entre os ganhos lícitos, reais e/ou potenciais, e a quantidade do patrimônio, sendo esta a situação mais comum, especialmente em relação ao envolvimento de funcionários públicos, cujos ganhos devem ser declarados e transparentes. Nesta hipóstese, parte-se de contra-indícios, elementos de prova e/ou provas indiretas, que devem ser confrontados com a situação real da pessoa acusada, formando-se um contexto probatório – de “demonstração reversa” – que tenha por configuração uma situação processual tal que permita deduzir a prática do crime antecedente. Podem servir como exemplos da caracterização presumida especialmente os casos nos quais se identifica a prática de lavagem de dinheiro em decorrência de crimes praticados por organizações criminosas, de qualquer gênero, ou terroristas.22
Posteriormente, em relação à comprovação dos fatos, torna-se necessário observar que, em termos práticos deve-se considerar que os “indícios”, ainda que produzidos na fase pré-processual, deixam essa qualidade e adquirem o status de verdadeiras provas, desde que construídos através de deduções, vindo a integrar o contexto probatório, com status de prova. É certo, ainda, que “indícios” podem nos levar a fatos conclusivos, tanto a respeito da autoria, como também a respeito de outros fatos correspondentes à autoria, sendo, nestes termos, diretos ou indiretos.
10.2. Publicidade
A denúncia é, por sua natureza, a peça processual que, ao mesmo tempo, encerra a investigação criminal preliminar e promove uma ação penal pública, provocando a instalação da jurisdição. A denúncia, em ação penal pública, é “pública” pela sua própria característica, não podendo, contra ela, ser decretado sigilo, pois à sociedade ela inalienavelmente pertence. É a aplicação do princípio da publicidade do processo. É a regra. A sociedade tem o direito de ter conhecimento a respeito da atuação do promotor de justiça que, representando-a, manifesta-se com o rigor da lei penal contra quem, por criminosa atitude, a “agrediu”, denunciando, por qualquer que seja o crime, interpõe ação penal.
No caso específico das denúncias por prática de crime de lavagem de dinheiro, em especial, elas deverão conter descrição de fatos, situações e circunstâncias referentes a bens ou dinheiro e a sua movimentação, sob risco de, se assim não forem, serem consideradas ineptas. Deve-se descrever em que consistiu a “ocultação” ou “dissimulação” da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime.
11. Operações suspeitas
Nas práticas de crimes de lavagem de dinheiro são incontáveis os mecanismos, podendo ser utilizados vários deles em cada ciclo e em cada um dos estágios. Quanto maior o número de mecanismos utilizados, em tese, maior a complexidade do caso, considerando a dificuldade de análise e investigação e, portanto, o maior o tempo exigido para o seu esclarecimento.
Com o objetivo de auxiliar as pessoas jurídicas envolvidas, por obrigatoriedade legal de fiscalização, que o UIF-UIF, o Banco Central e as agências reguladoras estabeleceram regras, através de Resoluções, Instruções Normativas e Cartas-Circulares,23 de orientações a respeito das suas obrigatoriedades de comunicações e orientações, a respeito das operações consideradas suspeitas em cada setor financeiro.
Sem enumerar todas as hipóteses e circunstâncias referentes às operações de naturezas suspeitas, com o objetivo de auxiliar a análise de situações investigadas, seguem algumas das suas possibilidades:
11.1. Operações em dinheiro (espécie) ou em cheques de viagem (traveler checks) que, por sua própria natureza, devem ser consideradas como operações suspeitas
(a) movimentação de valores superiores ao limite (estabelecido no art. 4º, inciso I, da Circular 2.852/1998), ou de quantias inferiores que, por sua habitualidade e forma, possam configurar artifício para a burla do referido limite;
(b) saques a descoberto, com cobertura no mesmo dia ou no dia subsequente;
(c) movimentações feitas por pessoa física ou por pessoa jurídica, entre si e de umas para as outras, cujas transações ou negócios normalmente se efetivam por meio da utilização de cheques ou outras formas de pagamento;
(d) aumentos substanciais no volume de depósitos de qualquer pessoa física ou jurídica, sem causa aparente, em especial se tais depósitos são posteriormente transferidos, dentro de curto período de tempo, a destino anteriormente não relacionado com o cliente. Movimentações que fogem às rotinas do cliente;
(e) depósitos mediante numerosas quantias, de forma que o total de cada depósito seja de valor não significativo,25 mas que sejam significativos no conjunto. Em geral servem como a técnica de estruturação (smurfing);
(f) troca, em bancos ou comércios, de grandes quantidades de notas de pequeno valor por notas de grande valor;
(g) proposta de troca de grandes quantias em moeda nacional por moeda estrangeira, em geral dólar americano ou euro (porque mais aceitas pelo mundo afora), e vice-versa;
(h) depósitos contendo notas falsas ou mediante utilização de documentos falsificados (muitas vezes são conjugados com contas falsas);
(i) depósitos de grandes quantias mediante a utilização de meios eletrônicos ou outros que evitem contato direto com o pessoal do banco (também muitas vezes são conjugados com contas falsas);
(j) a compra de cheques de viagem (traveller-checks) e cheques administrativos, ordens de pagamento ou outros instrumentos monetários em grande quantidade – isoladamente ou em conjunto –, independentemente dos valores envolvidos, sem evidências de propósito claros, declarados, ou com propósito suspeito;
(k) movimentação de recursos em praças localizadas em fronteiras (especialmente com o Paraguai e Uruguai).
11.2. Situações relacionadas com a manutenção de contas-correntes
(a) movimentação de recursos incompatível com a renda e o patrimônio do correntista, a sua atividade econômica ou a ocupação profissional e a capacidade financeira presumida do cliente. O controle dessa atividade suspeita normalmente é realizado através da política do “know your client” (KYC) – atribuída ao gerente do banco;
(b) resistência em facilitar as informações e documentos necessários para a abertura de conta; oferecimento de informação falsa ou suspeita; ou prestação de informação de difícil ou onerosa verificação;
(c) movimentações financeiras e atuação, de forma contumaz, em nome de terceiros ou sem a revelação da verdadeira identidade do beneficiário (torna-se necessário verificar se houve procuração e se eventual procuração apresentada não é falsificada);
(d) abertura de várias contas para o recebimento de depósitos em nome de um mesmo cliente, cujos valores, embora de aparência insignificante, somados, resultem em quantia significativa;
(e) contas e/ou aplicações financeiras que não demonstrem ser resultado de negócios ou atividades normais, porque utilizadas para recebimento ou pagamento de quantias significativas sem clara indicação da finalidade ou da relação com o titular da conta ou com o seu negócio;
(f) existência/constatação de processo aparentemente regular de consolidação de recursos provenientes de contas mantidas em várias instituições financeiras em uma mesma localidade previamente às solicitações das correspondentes transferências;
(g) retirada de quantia significativa de conta até então pouco movimentada ou de conta que acolheu depósito(s) inusitado(s), que alteram a rotina da conta e/ou das aplicações financeiras;
(h) utilização conjunta e/ou simultânea de caixas separados para a realização de grandes operações em espécie ou de câmbio;
(i) utilização de caixas-fortes, de pacotes “cintados” em depósitos ou retiradas ou de utilização sistemática de cofres de aluguel;
(j) dispensa injustificada da opção de utilização de prerrogativas e ofertas, como recebimento de crédito, de altos juros remuneratórios para grandes saldos ou, ainda, de outros serviços bancários especiais que, em circunstâncias normais, seriam valiosas para qualquer cliente;
(k) alteração repentina e injustificada na forma de movimentação de recursos e/ou nos tipos de transações utilizadas;
(l) pagamento inusitado de empréstimo problemático sem que haja explicação aparente para a origem dos recursos;
(m) solicitações frequentes e sistemáticas de elevação de limites para a realização de operações financeiras, especialmente via Internet banking;
(n) ação no sentido de persuadir funcionário da instituição a não manter, em arquivo, relatórios específicos sobre alguma operação realizada, a fim de evitar a emissão de “relatório de operações suspeitas”;
(o) recebimento de recursos de valores consideráveis com imediata (ou subsequente) compra de cheques de viagem, ordens de pagamento ou outros instrumentos financeiros;
(p) recebimento de depósitos em cheques e/ou em espécie, de várias localidades – fora da rotina da conta e característica da atividade do correntista, com transferência para terceiros;
(q) transações sequenciais e rotineiras envolvendo clientes não residentes;
(r) solicitação para facilitar a concessão de financiamento – especialmente de imóveis e veículos – quando a fonte de renda e a atividade profissional do cliente não estão claramente identificadas;
(s) abertura e/ou movimentação sistemática de conta e aplicações financeiras por detentor de procuração ou qualquer outro tipo de mandato;
(t) abertura e constante movimentação financeira de conta em agência bancária localizada em (ou próxima a) estação de passageiros, como aeroportos, rodoviárias ou portos – internacionais –, ou pontos de atração turística (salvo se por proprietário, sócio ou empregado de empresa regularmente instalada nesses locais);
(u) proposta de abertura de conta-corrente mediante apresentação de documentos de identificação e número do Cadastro de Pessoa Física (CPF) emitidos em região de fronteira ou por pessoa residente, domiciliada ou que tenha atividade econômica em países fronteiriços, conjugada com qualquer outra atitude (como as referidas) que sejam hábeis a gerar desconfiança. Proposta de abertura de conta-corrente por indivíduo ou empresa de origem catalogada, pela “Transparência Internacional”, como suspeita.26
(v) movimentação de contas-correntes e aplicações financeiras que apresentem débitos e créditos (geralmente sucessivos) que, por sua habitualidade, valor e forma, possam configurar artifícios para burla da identificação dos responsáveis pelos depósitos e dos beneficiários dos saques;
(w) abertura e encerramento de contas-correntes em curto espaço de tempo e em bancos e agências variadas e em praças diferentes;
(x) intenção visível de aproximação em grau de amizade com gerente ou funcionário da instituição financeira – correlacionado com demonstração de excesso de “honestidade”, pretendendo evitar a formação de suspeitas sobre sua pessoa.
11.3. Situações relacionadas com atividades internacionais
(a) operação ou proposta no sentido de sua realização, com vínculo direto ou indireto, em que a pessoa estrangeira seja residente, domiciliada ou tenha sede em região considerada paraíso fiscal;
(b) solicitação de facilidades estranhas (suspeitas) ou indevidas para negociação de moeda estrangeira;
(c) operações de interesse de pessoa não tradicional no banco ou dele desconhecida que tenha relacionamento bancário e financeiro em outra praça;
(d) pagamentos antecipados de importação e exportação por empresa sem tradição e desconhecida ou cuja avaliação financeira seja incompatível com o montante negociado;
(e) negociação com ouro e/ou outros metais preciosos por pessoas não tradicionais e desconhecidas no ramo;
(f) utilização de cartões de crédito em valores incompatíveis com a capacidade financeira do usuário e que fogem à rotina e ao trivial;
(g) transferências frequentes de valores que isoladamente não chamem a atenção ou de valores elevados, especialmente sem justificativa ou com justificativa suspeita (como, por exemplo, a título de doação).
11.4. Situações relacionadas com empregados das instituições e seus representantes
(a) alteração inusitada nos padrões de vida, mudança de hábitos e de comportamento do empregado ou de representante;
(b) modificação inusitada e injustificável do resultado operacional do empregado ou representante;
(c) qualquer negócio realizado por empregado ou pelo representante, conjugado com o desconhecimento da identidade do último beneficiário, contrariamente ao procedimento normal para o tipo de operação de que se trata.
11.5. Operações suspeitas e correspondentes regras de procedimentos
As operações suspeitas são divididas, segundo as agências reguladoras, da seguinte forma:
I – Grupo 1:
(a) compra de apólices com importância segurada igual ou superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) para pessoa física;
(b) manutenção de planos de PGBL ou VGBL cuja reserva técnica seja igual ou superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais);
(c) aporte ou pagamento único de PGBL e VGBL em valor igual ou superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais);
(d) resgate antecipado de valor igual ou superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais);
(e) aporte de PGBL ou VGBL pago por terceiros sem vínculo familiar, inclusive pessoa jurídica, em valor superior a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), ainda que parcelado;
(f) pagamento de prêmio de valor igual ou superior a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), efetuado por pessoa física;
(g) compra de títulos de capitalização em valor igual ou superior a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), individual ou em seu conjunto;
(h) titular sorteado duas ou mais vezes para recebimento de valores que, acumulados, superem R$ 100.000,00 (cem mil reais), no período de 12 (doze) meses.
II – Grupo 2:
(a) devolução do prêmio ou resgate, com cancelamento ou não de apólice, sem um propósito claro ou em circunstâncias aparentemente não usuais, especialmente quando o pagamento é feito em dinheiro ou a devolução seja à ordem de terceiro, em valor que somado seja igual ou superior a R$ 30.000,00 (trinta mil reais);
(b) pagamento de prêmio ou contribuição, por pessoa física, em dinheiro, cujo valor acumulado durante um mês resulte igual ou superior a R$ 30.000,00 (trinta mil reais), sem razão justificável;
(c) dificuldade de identificação do cliente;
(d) contratação por estrangeiro não residente de serviços prestados pelas pessoas mencionadas no art. 2º desta Circular27, sem razão justificável;
(e) propostas para contratação de seguro de bens sabidamente relacionados, direta ou indiretamente, aos crimes previstos no art. 1º da Lei nº 9.613/98 ou com indícios de serem produto de infração penal;
(f) propostas ou operações incompatíveis com o perfil socioeconômico, capacidade financeira ou ocupação profissional do segurado;
(g) propostas ou operações discrepantes das condições normais de mercado;
(h) indicação de beneficiário sem aparente relação com o segurado, sem razão justificável;
(i) mudança do titular do negócio ou bem imediatamente anterior ao sinistro, sem razão justificável;
(j) pagamento de prêmio por meio de cheque, ordem de pagamento ou outro instrumento por pessoa física que não o segurado, quando em valor superior a R$ 5.000,00 (cinco mil reais), sem razão justificável;
(k) pagamento de prêmio por meio de cheque, ordem de pagamento ou outro instrumento por pessoa jurídica que não o segurado, quando em valor superior a R$ 30.000,00 (trinta mil reais), sem razão justificável; e
(l) transações cujas características peculiares, no que se referem às partes envolvidas, valores, forma de realização, instrumentos utilizados, ou pela falta de fundamento econômico ou legal, possam caracterizar indício dos crimes previstos na Lei nº 9.613/98.
III – Grupo 3:
(a) situações relacionadas às atividades das sociedades e dos corretores, no que couber:
1. variações patrimoniais relevantes, sem causa aparente;
2. mudança relevante na forma de movimentação de recursos ou nos tipos de transação utilizados, sem causa aparente;
3. operação financeira ou comercial com pessoa domiciliada em “países não cooperantes”, assim definidos pelas Recomendações do Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro – GAFI publicadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras – UIF-UIF;
4. aquisição, alienação ou transferência da posse direta de bens imóveis por preço não usualmente praticado no mercado ou a título gratuito;
5. transações envolvendo clientes não residentes no país;
6. não manter registro sobre operação realizada;
7. renovações de contratos à revelia do conhecimento e/ou do consentimento do cliente;
(b) situações relacionadas às atividades das sociedades seguradoras:
1. avaliação, a maior, do valor a ser pago como indenização de sinistro;
2. indicação de limite máximo de garantia superior ao valor do bem protegido;
3. pagamento de sinistro sem comprovação da ocorrência do evento que lhe deu causa;
4. emissão de apólice cujo risco já tenha ocorrido;
5. emissão de apólice para cobertura de bens ou pessoas inexistentes;
6. emissão de apólice que tenha como segurada pessoa falecida;
7. lançamento de sinistro efetuado anteriormente a sua ocorrência;
8. pagamento de resgate, comissão, indenização ou prêmio, desvinculados da cobertura de seguro ou resseguros contratada;
9. pagamento de indenização a terceiros, não indicados como beneficiários, não reconhecidos como legítimos herdeiros por força da legislação em vigor ou não indicados por decisão judicial;
10. pagamento de indenização em valor superior ao capital declarado na apólice;
11. pagamento ou recebimento de pro-labore desvinculado do prêmio comercial fixado pela sociedade;
12. sinistralidade anormal;
(c) situações específicas, relacionadas às atividades das sociedades de capitalização:
1. sorteio direcionado a determinado titular;
2. transferência de propriedade de título sorteado;
3. comercialização de séries fechadas, exceto para empresas que adquiram títulos com a finalidade de cessão de direito de sorteio e resgate, com fins promocionais, conforme previsto em acordo comercial;
4. pagamento de resgate, comissão ou sorteio desvinculados da emissão de título de capitalização;
(d) situações específicas, relacionadas às atividades das entidades abertas de previdência complementar:
1. concessão de empréstimo a participante inexistente ou falecido;
2. plano de previdência em nome de pessoa inexistente ou falecida;
3. concessão habitual de empréstimos, sem a contrapartida do pagamento;
4. pagamento de resgate, benefício, comissão ou contribuição desvinculados de plano contratado;
(e) situações específicas, relacionadas às atividades de sociedades corretoras e de corretores de seguros, de capitalização, de previdência complementar:
1. proposta apresentada pelo intermediário diversa da inicialmente acordada com cliente;
2. propostas discrepantes das condições normais de mercado;
(f) atos de acionistas ou administradores:
1. aquisição de ações ou aumento de capital por pessoa sem patrimônio compatível ou sem comprovação da origem dos recursos;
2. designação de administradores residentes em “países não cooperantes”, assim definidos pelas Recomendações do GAFI publicadas pelo UIF-UIF.
11.5.1. Entidades que efetuem, direta ou indiretamente, distribuição de dinheiro ou quaisquer bens móveis ou imóveis, mediante sorteio ou método assemelhado
1. Aumento repentino e continuado da arrecadação de um determinado produto, em uma mesma localidade ou estabelecimento (especialmente produtos de maior probabilidade de acerto), seguido de aumento de incidência de prêmios nessa mesma localidade ou estabelecimento.
2. Pagamento de três ou mais prêmios de valor igual ou superior a 800 (oitocentas) UFIR ao portador de um mesmo CPF num período de doze meses.
3. Repentina incidência de apostas de valores altos em uma determinada modalidade de jogo, com a probabilidade de fechar as combinações possíveis.
4. Outras premiações que, por suas características, no que se refere às partes envolvidas, valores, forma de realização e instrumentos utilizados possam configurar hipótese de crimes previstos na Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, ou com eles relacionarem-se.
11.5.2. Procedimentos a serem observados pelas pessoas físicas ou jurídicas que comercializem joias, pedras e metais preciosos
1. Utilização de valor igual ou superior a R$ 10.000,00 (dez mil reais), em espécie, nas transações objeto desta Resolução.
2. Repetidas operações em valor próximo ao limite para registro ou para comunicação ao UIF-UIF.
3. Operação em que o proponente não se disponha a cumprir as exigências cadastrais ou tente induzir os responsáveis pelo negócio a não manter em arquivo registros que possam reconstituir a operação pactuada.
4. Proposta de venda de grande quantidade de pedras e/ou metais preciosos em estado bruto, sem que a sua origem seja conhecida ou que a área de garimpo declarada não tenha tradição no produto ou esteja esgotada.
5. Pessoa física ou jurídica, sem tradição no mercado, movimentando elevada quantia na aquisição de bens objeto desta Resolução, dispensando a certificação de origem e de avaliação dos produtos transacionados.
6. Operação em que o proponente não aparente possuir condições financeiras para sua concretização, configurando a possibilidade de se tratar de “testa-de-ferro”, como usualmente são conhecidas as pessoas que emprestam seus nomes para operações escusas; ou “laranjas”, pessoas cujos nomes são usados pelos criminosos, sem que tenham conhecimento.
7. Operação em que seja proposto pagamento por meio de transferência de recursos entre contas no exterior.
8. Propostas de superfaturamento ou subfaturamento em operações de comércio com os bens objeto desta Resolução.
9. Outras operações que, por suas características, no que se referem às partes envolvidas, valores, forma de realização, instrumentos utilizados ou pela falta de fundamento econômico ou legal, possam configurar hipótese de crimes previstos na Lei 9.613, de 3 de março de 1998, ou com eles relacionarem-se.
11.5.3. Procedimentos utilizados pelas autoridades em relação a declarações de ganhos obtidos por meio de jogos no exterior
1. Jogador cujo volume de recursos apostados seja desproporcional à expectativa de prêmio.
2. Premiação mensal acumulada por um mesmo ganhador, em mais de um sorteio, superior a R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
3. Premiação trimestral acumulada por um mesmo ganhador, em mais de um sorteio, superior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).
4. Premiação anual acumulada por um mesmo ganhador, em mais de um sorteio, superior a R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
5. Pagamento de premiação em valor superior à receita arrecadada.
6. Outras operações que, por suas características, no que se referem às partes envolvidas, valores, forma de realização, instrumentos utilizados ou pela falta de fundamento econômico ou legal, possam configurar hipótese de crimes previstos na Lei 9.613, de 3 de março de 1998, ou com eles relacionarem-se.
11.5.4. Procedimentos a serem observados pelas pessoas físicas ou jurídicas que comercializem objetos de arte e antiguidades
1. Utilização de valor igual ou superior a R$ 10.000,00 (dez mil reais), em espécie, nas transações objeto desta Resolução.
2. Repetidas operações em valor próximo ao limite estabelecido para registro ou para comunicação ao UIF-UIF.
3. Operação em que o proponente não se disponha a cumprir as exigências cadastrais ou tente induzir os responsáveis pelo cadastramento a não manter em arquivo registros que possam reconstituir a operação pactuada.
4. Pessoas sem tradição no mercado movimentando elevadas quantias na compra e venda de bens.
5. Operação em que o proponente não aparente possuir condições financeiras para sua concretização, configurando a possibilidade de se tratar de “testa-de-ferro” ou “laranja”, como usualmente são conhecidas as pessoas que emprestam seus nomes para operações escusas.
6. Operação em que seja proposto pagamento por meio de transferência de recursos entre contas no exterior.
7. Proposta de superfaturamento ou subfaturamento em transações com os bens.
8. Outras operações que, por suas características, no que se referem às partes envolvidas, valores, forma de realização, instrumentos utilizados ou pela falta de fundamento econômico ou legal, possam configurar hipótese de crimes previstos na Lei 9.613, de 3 de março de 1998, ou com eles relacionarem-se.
11.5.5. Procedimentos a serem observados pelas pessoas jurídicas que exerçam atividades
1. transação imobiliária cujo pagamento ou recebimento, igual ou superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais), seja realizado por terceiros;
2. transação imobiliária cujo pagamento, igual ou superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais), seja realizado com recursos de origens diversas (cheques de várias praças e/ou de vários emitentes) ou de diversas naturezas;
3. transação imobiliária cujo pagamento, igual ou superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais), seja realizado em espécie;
4. transação imobiliária ou proposta, igual ou superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais), cujo comprador tenha sido anteriormente dono do mesmo imóvel;
5. transação imobiliária cujo pagamento, igual ou superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais), em especial aqueles oriundos de paraíso fiscal, tenha sido realizado por meio de transferência de recursos do exterior. A lista de países considerados paraísos fiscais consta da Instrução Normativa SRF 188, de 6 de agosto de 2002 (
6. transação imobiliária cujo pagamento, igual ou superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais), seja realizado por pessoas domiciliadas em cidades fronteiriças;
7. transações imobiliárias com valores inferiores aos limites estabelecidos nos itens 1 a 6 deste anexo que, por sua habitualidade e forma, possam configurar artifício para a burla dos referidos limites;
8. transações imobiliárias com aparente superfaturamento ou subfaturamento do valor do imóvel;
9. transações imobiliárias ou propostas que, por suas características, no que se refere às partes envolvidas, valores, forma de realização, instrumentos utilizados ou pela falta de fundamento econômico ou legal, possam configurar indícios de crime;
10. transação imobiliária incompatível com o patrimônio, a atividade econômica ou a capacidade financeira presumida dos adquirentes;
11. atuação no sentido de induzir os responsáveis pelo negócio a não manter em arquivo registros de transação realizada; e
12. resistência em facilitar as informações necessárias para a formalização da transação imobiliária ou do cadastro, oferecimento de informação falsa ou prestação de informação de difícil ou onerosa verificação.
Notas
1Vd., a propósito, o seguinte julgado: STJ, RMS 16.813/SP, 5ª Turma, rel. Min. Gilson Dipp, j. 23.06.2004 p. 433. “Ementa: Criminal. RMS. “operação diamante”. Lavagem de dinheiro. Quebra de sigilo bancário, telefônico e fiscal. Fundamentação suficiente. Ausência de proteção absoluta ao sigilo. Respaldo legal. Relatividade do direito à privacidade. Legalidade da medida. Inexistência de indícios da prática criminosa. Improcedência do argumento. Insuficiência de delimitação temporal e fática. Supressão de instância. Recurso parcialmente conhecida e desprovido. Hipótese em que, procedendo-se à apuração de crime de tráfico de entorpecentes, surgiram indícios da prática de lavagem de dinheiro, consistentes na intensa movimentação financeira e patrimonial de pessoas ligada aos criminosos, notadamente da ex-esposa da pessoa apontada como chefe da quadrilha. A proteção aos sigilos bancário, telefônico e fiscal não é direito absoluto, podendo os mesmos serem quebrados quando houver a prevalência do direito público sobre o privado, na apuração de fatos delituosos ou na instrução dos processos criminais, desde que a decisão esteja adequadamente fundamentada na necessidade da medida. Precedentes. Decisão denegatória do mandado de segurança que se encontra suficientemente fundamentada, tendo apontado, de forma precisa, as razões pelas quais se considerou necessária a quebra dos sigilos da paciente. Inviável o acolhimento da tese recursal ao se pretender que o fato de a paciente não ter sido condenada pelo tráfico de drogas seria indício de não ter, a mesma, cometido crime de lavagem de dinheiro. A participação no crime antecedente não é indispensável à adequação da conduta de quem oculta ou dissimula a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime, ao tipo do art. 1.º, da Lei n.º 9.613/98. Não se conhece do pedido quanto à eventual insuficiência de delimitação temporal e fática, na quebra dos sigilos se o acórdão recorrido eximiu-se de analisar a questão, quanto a este enfoque, sob pena de supressão de instância. Recurso parcialmente conhecido e desprovido”.
2Assim já se julgou: TJSC, Apelação Criminal 2003.009299-4, rel. Des. Solon d'Eça Neves, j. 02.12.2003. “Ementa: (...) Perfectibiliza-se o crime de lavagem de dinheiro quando o agente mediante a realização de atos encadeados no tempo e no espaço, objetiva ocultar ou dissimular a procedência criminosa de bens e integrá-los à economia, com aparência de terem origem lícita. A dissimulação, dá-se no exato momento em que se presumi a origem lícita dos valores movimentados na instituição bancária, exatamente por ser pessoa ilibada a titular da conta corrente utilizada (testa-de-ferro). Para tanto, a conduta de atribuir aparência de licitude ao dinheiro, bens e valores deve estar relacionada a determinados delitos anteriores de especial gravidade e de grande potencial lesivo, os quais, taxativamente (numerus clausus), estão inseridos no art. 1º, incisos I a VII, da Lei n. 9.613/98”.
3“O crime previsto no art. 180 do CP na modalidade ocultar é delito permanente, colocando o infrator em situação de flagrante, enquanto o objeto permanece escondido, o que patenteia os requisitos para a decretação de prisão preventiva” (STJ, RHC 4.642-2, rel. Min. Fláquer Scartezzini, j. 21.08.1995, p. 25.380) – grifamos. “O ato de ocultar coisa proveniente de crime configura, em tese, receptação dolosa, infração de natureza permanente, e, enquanto não cessar a permanência, entende-se o agente em flagrante delito” (art. 303 do CPP) (TJMS, HC, rel. Des. Higa Nabukatsu, RT 620/345). (Grifamos.)
4Nesse sentido: “Lavagem de dinheiro - Sequestro de bens - Liberação imediata dos bens sequestrados que somente será feita quando o interessado, desde logo, comprovar a licitude das aquisições, sem a necessidade de se esperar a decisão final - Inteligência do art. 4º, §2º, da Lei 9.613/1998 (TJSP) RT 779/566: Lavagem de dinheiro - Apreensão e sequestro de bens - Vigência da Lei 9.613/1998 que não alterou o ônus da prova para a contestação da medida - Interessado que deve opor os embargos previsto no art. 130, I, do CPP, sob o fundamento de que os bens são de origem lícita” (TJSP) RT 779/567.
5“Denúncia - Inépcia - Lei de ‘Lavagem de dinheiro’ - Nulidade ‘ab initio’ do processo - Propositura de nova ação pelos mesmos fatos - Possibilidade de renovação do sequestro de bens a partir do momento em que se reiniciar a ação penal - Preliminar rejeitada” (JTJ 230/307).
6STJ, CC 96.678-MG, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 11.02.2009: “É da competência da Justiça Federal os casos em que as infrações penais referentes à lavagem de capitais são praticadas contra o sistema financeiro e ordem econômico-financeira ou em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, suas entidades autárquicas ou empresas públicas, bem como nos casos em que o crime antecedente for afeito à competência da Justiça Federal. No caso, não se notam as situações acima descritas, ressaltado que o crime antecedente (de tráfico de drogas que não ostenta internacionalidade) não é da competência da Justiça Federal, o que determina reconhecer a competência da Justiça comum estadual”.
7Sobre a questão da competência, veja-se o seguinte julgado que, pela importância, transcrevemos: STF, HC 23.952/ES, 5ª Turma, rel. Min. Gilson Dipp, j. 04.11.2003. “Ementa: Criminal. HC. Trancamento de ação penal. Competência. Ocupante de cargo público. Ex Secretária de Estado do Trabalho e Ação Social do Estado do Espírito Santo. Declinação de competência à justiça federal e remessa dos autos ao STJ, pelo tribunal de 2º grau, que não se justifica. Possível crime de lavagem de dinheiro. Inexistência de crime antecedente afeto à justiça federal. Ausência de lesão a bens, serviços ou interesses da união. STJ com maior imparcialidade e capacidade de resistir a influência e pressões. Afronta aos limites legais de jurisdição e competência. Omissão no reparo da ilegalidade levantada que era defesa ao tribunal apontado como coator. Lei nº 10.628/02. Ordem de habeas corpus de ofício concedida para firmar competência do tribunal a quo. Foro privilegiado por prerrogativa de função. Entendimento ministerial no sentido de que não se pode separar a imputação feita à paciente do exercício do cargo que detinha em comissão. Atos administrativos do agente. Precedente do STF. Ordem de habeas corpus de ofício concedida. O delito de lavagem de dinheiro não é, por si só, afeto à Justiça Federal, se não sobressai a existência de crime antecedente de competência da justiça federal e se não se vislumbra, em princípio, qualquer lesão ao sistema financeiro nacional, à ordem econômico-financeira, a bens, serviços ou interesses da União, de suas Autarquias ou Empresas Públicas. Não procede o entendimento de que este Superior Tribunal de Justiça deve decidir o habeas corpus em questão porque detentor de inquestionável imparcialidade e de uma maior capacidade de resistência a influências e pressões, pois tal argumento não pode ultrapassar os limites legais da jurisdição e competência, com sua hierarquia e diferentes atribuições. Na via eleita, ao Superior Tribunal de Justiça cabe o exame da coação imputada ao Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Da mesma forma, a este cabia a análise imputada a Juiz de 1º grau de jurisdição. Sobressai o privilégio de foro por prerrogativa de função da paciente – na condição de Secretária do Trabalho e Ação Social, se evidenciado que os fatos a serem apurados são derivados, em princípio, de atos administrativos por ela, em tese, praticados. Hipótese em que a paciente teria possivelmente recebido polpuda prebenda para forte no prestígio de que desfrutava, como auxiliar direta do Governador do Estado, evitar a lavratura do auto de infração que impôs, à determinada sociedade mercantil, o pagamento de grande importância em dinheiro, a título de impostos e multas. Ainda que não se identifique, na preambular oferecida em 1º grau, tecnicamente, o crime de corrupção, a Subprocuradoria-Geral da República entendeu impossível separar a imputação feita à paciente do exercício, por ela, do cargo de Secretária de Trabalho e Ação Social, de provimento em comissão. O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que o art. 84 do Código de Processo Penal, com a nova redação dada pela Lei nº 10.628/02, só prescreve continuidade de foro especial além do fim da investidura do mandatário, quando se cuidar de “atos administrativos do agente”. Precedente. Deve ser determinado que o e. Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo se manifeste sobre o recebimento, ou não, da denúncia, na forma prevista na Lei nº 8.038/90. Ordem de habeas corpus concedida de ofício, nos termos do voto do Relator”.
8Compete a Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II “A” do Código de processo penal.
9O mesmo mecanismo se aplica em todos os países que subscreveram a Convenção de Viena.
10Comunicação de Operações Suspeitas (COS). Disponível diretamente ao UIF-UIF através do seu site.
11FORTUNA, Eduardo. Mercado financeiro: produtos e serviços, pp. 347-349 explica o SWIFT e o SWAP: “O Swift (Society for Worldwide Interbank Financial Telecomunication) é uma sociedade para telecomunicações financieras interbancárias internacionais. Fundada em 1973 por um grupo de bancos europeus/norte americanos/canadenses, sua matriz é na Bélgica. O Brasil associou-se em 1982 e foi conectado à rede mundial em maio de 1984. O serviço de comunicação é prestado através de um sistema padronizado de troca de mensagens disponível 24 horas de segunda-feira a domingo. Cada participante deve ficar ligado à rede, entre 8 e 18 horas (horário local), exceto aos sábados e domingos. Além de ordens de pagamento, a Swift presta-se à transmissão de inúmeros tipos de mensagens, tais como: empréstimos, depósitos, títulos de crédito, cobrança, cartas de crédito, cartões de crédito e mensagens especiais”. P. 349: “A palavra Swap significa troca ou permita e designa uma operação cada vez mais procurada no mercado financeiro internacional. Com o Swap, por exemplo, companhias com dívidas em dólar corrigidas por taxas flutuantes poderiam contratar uma operação que as transformasse numa dívida com taxas fixas, e vice-versa. Evidentemente que, caracterizando-se como uma operação de troca de posições, a criatividade, baseando-se em regras seguras e legalmente garantidas, permite que outros tipos de operações de Swap ganhem vida”.
12No Brasil, as regras encontram-se na Resolução 2.554/1998 do Banco Central do Brasil
13Foi criado e desenvolvido na Índia, antes mesmo da introdução do sistema dos bancos ocidentais, e é atualmente o sistema de envio de grandes somas mais utilizado em todo o mundo, de forma mais comum e especialmente por pessoas de raças alienígenas do País onde vivem e trabalham. É, na verdade, apenas um dos vários sistemas. Outro exemplo bem conhecido é o “chop”, “pivete” sistema ou “dinheiro voador”, sistema indígena para a China e, também, utilizado em todo o mundo. Estes sistemas são muitas vezes referidos como “sistemas bancários underground”, termo que nem sempre é correto, já que muitas vezes funcionam ao ar livre com total eficácia e legitimidade.
14RICHARDS, James R. Transnational criminal organizations, cybercrime, and money laundering, pp. 65-76.
15O sistema é chamado de DES – Data Encryption Standard, que utilize 56-bit chaves.
16No Estado de SP, em Resposta à Consulta Tributária 1640/2013, de 18 de Julho de 2013, a SEFAZ disse que “é condição essencial para afastar a incidência do ICMS na situação sob análise que as referidas mercadorias de caráter religioso, embora sejam vendidas aos fiéis e igrejas pela Consulente, não sejam alcançadas pelo intuito de lucro que confere às operações mercantis seu lineamento peculiar; isto é, que o templo não possua a prerrogativa de auferir renda com a venda de produtos religiosos aos seus fiéis ou igrejas de mesma doutrina”.
17LTC ou Ƚ: Surgiu em outubro de 2011 e destaca-se por ser bem mais leve do que o BTC tradicional. O processamento de blocos, por exemplo, ocorre a cada 2,5 minutos (contra os 10 minutos do Bitcoin original). Além disso, os pacotes de dados dos Litecoins são bem mais leves e podem ser minerados através de hardwares mais modestos, dispensando o uso de máquinas criadas especialmente para essa finalidade. Atualmente, 1 LTC equivale a cerca de US$ 2,92 (ou R$ 6,64 aproximadamente). Fonte: https://www.tecmundo.com.br/bitcoin/46659-alem-dos-bitcoins-conheca-outras-moedas-virtuais.htm.
18FTC - Encontra-se em atividade desde abril de 2013, combinando alguns recursos de segurança da Peercoin com a leveza oferecida pela LTC.
19Exs. Terracoin (TRC), a Freicon (FRC), a PhenixCoin (PXC) e a AnonCoin (ANC).
20<http://www.jb.com.br/economia/noticias/2017/09/12/bitcoin-gera-debate-sobre-lavagem-de-dinheiro/>.
21STJ, HC 30.558 / RS , 6ª Turma, rel. Min. Fontes de Alencar, rel. p/ ác. Min. Hamilton Carvalhido, j. 18.12.2003, DJ 22.11.2004. Ementa: “Habeas corpus. Direito Processual Penal. Crimes contra o sistema financeiro nacio¬nal. Trancamento de ação penal. Inépcia da denúncia. Incaracterização. 1. A falta de justa causa para a ação penal só pode ser reconhecida quando, de pronto, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático probatório, evidenciar-se atipicidade do fato, a ausência¬ de indícios a fundamentarem a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade. 2. Tratando¬-se de crimes de autoria coletiva, de difícil individualização da conduta de cada participante, admite-se a denúncia de forma mais ou menos genérica, por interpretação pretoriana do art. 41 do Código de Processo Penal. 3. Ordem denegada.”
22Esta descrição se coaduna com a sistemática da própria Lei, conforme os termos da inversão do ônus da prova da origem dos bens, prevista no art. 4°, § 2°, da Lei 9.613/1998.
23As Resoluções, Instruções Normativas e Cartas-Circulares podem ser consultadas no site do UIF-UIF, sempre atualizadas:
24A emissão de cheque administrativo, de Transferência Eletrônica Disponível – TED –, ou de qualquer outro instrumento de transferência de fundos contra pagamento em espécie, de valor igual ou superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais), ou algo em torno de US$ 50.000,00 (cinquenta mil dólares americanos).
25Pode-se tomar como base, atualmente, o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), ou US$ 5.000,00 (cinco mil dólares americanos).
26Possível consultar no site <www.transparency.org>.
27Circular SUSEP 327, de 29 de maio de 2006.
Referências
FORTUNA, Eduardo. Mercado financeiro: produtos e serviços. 22. ed. São Paulo: QualityMark, 2020.
RICHARDS, James R. Transnational criminal organizations, cybercrime, and money laundering. Florida: CRC Press, 1999.
Citação
MENDRONI, Marcelo Batlouni. Lavagem de dinheiro. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Penal. Christiano Jorge Santos (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/436/edicao-1/lavagem-de-dinheiro
Edições
Tomo Direito Penal, Edição 1,
Agosto de 2020