O delito de bigamia está previsto no art. 235 do Código Penal, punindo tanto o agente casado que contrai novo casamento (caput), quanto o cônjuge solteiro que convola núpcias com pessoa casada, ciente desse fato (§ 1o). 

Inserido no Título VII (“Dos crimes contra a família”) do Capítulo I (“Dos crimes contra o casamento”) da Parte Especial do diploma mencionado, o tipo penal visa a tutelar o casamento monogâmico. Cuida-se de criminalização antiga e sempre presente no ordenamento pátrio, existente já nas Ordenações Filipinas e mantida, com modificações, em todas as codificações pátrias seguintes.

Contudo, desde a edição do Código Penal, na década de 1940, a concepção tradicional de família – constituída a partir da união entre pessoas de sexos diferentes por meio do casamento – passou por profundas modificações. Hodiernamente, são reconhecidas e gozam de proteção constitucional outras espécies de entidade familiar, como aquela advinda da união estável e a formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226 da Constituição Federal). Mesmo o casamento passou por grandes mudanças, admitindo-se, já há mais de quatro décadas, o divórcio, e, recentemente, a celebração envolvendo pessoas do mesmo sexo.

O presente trabalho tem por escopo examinar o reflexo dessas novas questões no tipo penal em epígrafe. Mais do que isso, pretende-se perfazer uma análise abrangente dessa figura, inclusive no tocante a questões tradicionalmente debatidas na doutrina e na jurisprudência.


1. Conceito e escorço histórico


Bigamia, em linhas gerais, é a situação de quem se casa mais de uma vez, sem que tenha havido a dissolução do primeiro matrimônio. 

A punição criminal do bígamo não é recente. Em Roma, o casamento era monogâmico e se considerava crime celebrar um novo matrimônio na vigência de outro. No período republicano e no início do Império a bigamia foi tolerada, obstada, todavia, a poligamia. Buscando coibir a poligamia, Diocleciano, em 285 d.C., incriminou também a bigamia, atribuindo ao julgador a fixação da pena. Antes, Valeriano (258 d.C.) também estabeleceu punição para um duplo casamento, cuja pena era a de infâmia.1

Na Idade Média, os práticos equipararam a bigamia ao adultério, excluindo a punição daquele que, de boa-fé, contraísse matrimônio, com pessoa casada. Misturando direito e religião, estabeleciam a tal delito a pena capital que, pela sua desproporção, foi gradativamente substituída pela perda da metade dos bens, desterro ou marcas a ferro.2 

A Constitutio criminalis Carolina, de 1532, previa a pena de morte para este crime. Todavia, a legislação penal da época quase sempre cominava sanção pecuniária. O Código francês de 1791 previa pena de prisão a ferros por 12 anos, e o seu sucessor, o Código napoleônico de 1810, atribuiu pena de trabalhos forçados, estendendo-se ao oficial que celebrasse o matrimônio.3

No Brasil, a conduta já era prevista nas Ordenações Filipinas, no Livro V, Título XIX, sob a rubrica “Do homem, que casa com duas mulheres, e da mulher, que casa com dous maridos”, à qual era cominada a pena de morte. Como explica Romão Cortes de Lacerda, o Direito das Ordenações era influenciado pela concepção de ser o matrimônio um sacramento e a bigamia um grave pecado. 4

O Código Criminal do Império do Brasil, de 1830, trazia o delito de “polygamia” no art. 249, punindo quem contraísse matrimônio duas ou mais vezes, sem ter dissolvido o primeiro. A sanção consistia em prisão com trabalho por um a seis anos, e multa correspondente à metade do tempo.

No Código Penal de 1890, o art. 283, caput, tipificava a conduta de contrair casamento mais de uma vez, sem estar o anterior dissolvido por sentença de nulidade, ou por morte do outro cônjuge. A pena era de prisão celular, por um a seis anos. O parágrafo único, por seu turno, estabelecia que se a pessoa tivesse prévio conhecimento de que era casado aquele com quem contraísse casamento, incorreria nas penas de cumplicidade.

O Código Penal de 1969, embora não tenha chegado a entrar em vigor, buscava coibir o delito no art. 259, assim prevendo: “Art. 259. Contrair alguém, sendo casado, novo casamento: Pena – reclusão, de dois a seis anos. Parágrafo 1º. Aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância, é punido com reclusão ou detenção, de um a três anos. Parágrafo 2º. Anulado, por qualquer motivo, o primeiro casamento, ou o outro por motivo que não a bigamia, considera-se inexistente o crime”.

Atualmente, o crime está previsto sob o Título VII (“Dos crimes contra a família”) do Capítulo I (“Dos crimes contra o casamento”) da Parte Especial do Diploma Penal, no art. 235, in verbis: “Art. 235 - Contrair alguém, sendo casado, novo casamento: Pena - reclusão, de dois a seis anos. § 1º - Aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância, é punido com reclusão ou detenção, de um a três anos. § 2º - Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento, ou o outro por motivo que não a bigamia, considera-se inexistente o crime.” 5

Aponta-se como base constitucional para os crimes do aludido Título VII o art. 226 da Constituição Federal, segundo o qual “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. Também a Convenção Americana de Direitos humanos preconiza ser a família o núcleo natural e fundamental da sociedade, devendo ser protegida pela sociedade e pelo Estado (art. 17, 1). 6


2. Objetos jurídico e material

O bem jurídico que se busca tutelar é a ordem jurídica matrimonial, calcada no casamento monogâmico.7  O objeto material é o casamento, contra o qual atenta o agente ao contrair novas núpcias.


3. Condutas típicas


O art. 235 criminaliza a conduta de “contrair alguém, sendo casado, novo casamento” (caput), punindo também “aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância” (§ 1º).

Contrair significa celebrar, convolar, pactuar. Casamento é o vínculo jurídico estabelecido entre duas pessoas, de acordo com as formalidades legais, caracterizado pela comunhão plena de vida e voltado à constituição de uma família.

Incide na primeira figura típica do caput, pois, o sujeito casado que convola novo matrimônio. Já a figura do § 1º incrimina a pessoa que, embora não casada, contrai casamento com alguém casado, ciente dessa circunstância.

Sendo punida a bigamia, também o é, com mais razão, a poligamia, na qual o indivíduo já casado contrai dois ou mais casamentos. Como aduz Guilherme de Souza Nucci, bigamia, “no contexto dos crimes contra o casamento, quer espelhar a hipótese do sujeito que se casa mais de uma vez, não importando quantas. Assim, quem se casa por quatro vezes, por exemplo, é considerado bígamo, embora seja autêntico polígamo”.8

A união estável, embora reconhecida pela Constituição Federal de 1988 (art. 226, § 3º), não está abrangida pelo tipo penal; logo, é irrelevante para a configuração do crime, por força do princípio da taxatividade.

Não há o crime de bigamia se o casamento anterior é inexistente (por exemplo, celebrado por quem não detém autoridade para tanto).

Como o tipo penal tem por objetivo proteger o regime conjugal monogâmico, também não se configurará o crime na hipótese de alguém se casar duas vezes com a mesma mulher ou com o mesmo homem (ex.: pessoas já casadas se declaram solteiras para repetir o mesmo casamento, que julgavam ilegal). Decerto, “o segundo casamento, realizado para corrigir supostos defeitos do primeiro, é ato inocente, inócuo, que não prejudica nem beneficia a ninguém”. 9

O casamento religioso somente permite a caracterização do crime se registrado no Cartório de Registro Civil, conforme dispõe os arts. 1515 e 1516 do Código Civil.10

O casamento válido só se dissolve pelo divórcio ou pela morte de um dos cônjuges (art. 1571, § 1º, do Código Civil 11). Assim, pratica o crime quem, separado judicialmente, mas não divorciado, convola novas núpcias; afinal, a separação judicial dissolve a sociedade conjugal, mas não extingue o vínculo matrimonial. 

Tratando-se de cônjuge ausente, presume-se a sua morte quando da abertura de sucessão definitiva (arts. 6º e 22 e seguintes do Código Civil12); se o agente contrair novo casamento antes disso, poderá responder pelo crime. Como leciona Silvio de Salvo Venosa, “o simples desaparecimento ou ausência decretada não rompe o vínculo do casamento, o que ocorrerá somente pelo divórcio ou com a certeza ou reconhecimento presumido da morte.” 13 

Atualmente, pouco importa se o casamento envolve pessoas de sexo diferente ou não. A observação é necessária em virtude da Resolução do CNJ 175, de 14 de maio de 2013, que proíbe cartórios de todo o país de recusar a celebração de casamentos civis de casais do mesmo sexo ou deixar de converter em casamento a união estável homoafetiva. 

No âmbito cível, reputa-se nulo de pleno direito o casamento de pessoa já casada (art. 1.521, VI, e art. 1.548, II, ambos do Código Civil).14


4. Sujeitos ativo e passivo


Sujeito ativo é a pessoa casada que contrai novo casamento (na hipótese do caput); ou a não casada (solteira, viúva ou divorciada) que contrai matrimônio com o bígamo, conhecendo essa circunstância (na hipótese do § 1º). 

Adota o Código Penal, como regra, a teoria monista, disposta no 29 (“Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”). No entanto, aqui o legislador empregou exceção pluralista à teoria monista, cominando pena mais branda ao agente que incide na figura do § 1º. 

Conforme magistério de Alberto Silva Franco e Tadeu Antonio Dix Silva, 

“O Código Penal de 1940, todavia, excepcionou os ensinamentos teóricos sobre a matéria, assim como as regras contidas nos códigos penais estrangeiros em geral, que equiparam a pena do agente à da pessoa que conscientemente venha a contrair matrimônio com indivíduo que sabe ser casado. (...) No Código Penal Brasileiro, a pessoa que não sendo casada contraia matrimônio com pessoa casada, ciente desta condição, é punida com pena alternativa, de detenção ou reclusão, sensivelmente reduzida em relação à do agente.” 15

Entende a doutrina que se trata de crime plurissubjetivo ou pluripessoal, cuja configuração requer a existência de, pelo menos, duas pessoas. Outrossim, é denominado delito convergente ou de encontro, “em que as condutas se realizam com uma direção recíproca, ou seja, uma se movimenta em direção à outra, encontrando-se.” 16

Entende-se majoritariamente que o sujeito passivo é o Estado, interessado em preservar a organização familiar; tanto assim que a ação penal é pública incondicionada, sendo desnecessária representação ou requerimento da vítima para a atuação do Ministério Público. Também figuram como vítimas o cônjuge do primeiro casamento e do segundo casamento; quanto a este, desde que agindo de boa-fé, ou seja, sem ciência de que está contraindo matrimônio com pessoa já casada. 

Registra-se, contudo, a posição de Paulo José da Costa Júnior: 

“Não pode ser considerado como sujeito passivo o Estado porque, sendo ele o ente tutelar, é o denominador comum na tutela de todos os crimes. Tampouco a família poderá ser considerada como sujeito passivo do delito, embora possa ser ofendida pela conduta. A família, que empresta o nome ao Título VII, é o objeto comum da tutela penal, mas não o objeto específico da incriminação. Nem se venha a pretender que sujeitos passivos sejam todos os membros integrantes da família. Sujeito passivo só poderá ser o cônjuge que contrai matrimônio com pessoa que desconhece ser casada.” 17


4.1. Concurso de pessoas


Admite-se, majoritariamente, a hipótese de participação no crime de bigamia. É o que se dá, por exemplo, na hipótese de testemunhas afirmarem dolosamente a inexistência do impedimento, ou terceiros induzirem ou instigarem o agente a se casar duas (ou mais) vezes.  

Para Damásio, “é possível a participação de terceiro nos fatos definidos no caput e no § 1º. Se ele induz o casado à bigamia, incide no caput; se aconselha o não casado, responde nos termos do § 1º”.18 

Também admitindo a participação de terceiro, mas defendendo a necessidade de ajuste na sanção, entende Delmanto que “o partícipe fica sujeito à pena mais branda do § 1º (e não à do caput), pois não se pode puni-lo com sanção superior à cominada para o próprio agente que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa já casada, ciente da circunstância”.19  A posição parece adequada, pois melhor atende ao princípio da proporcionalidade das penas.

Anota-se, ainda, a posição de Luiz Regis Prado, para quem “a testemunha que tem ciência do casamento anterior e declara a inexistência de impedimento é partícipe do delito de bigamia. O silêncio da testemunha que tem ciência do casamento anterior é fato atípico, pois o crime não pune a modalidade omissiva”. 20

Há posição contrária, no sentido de que o terceiro não poderia responder por bigamia, mas somente pelo crime de falsidade ideológica. Confira-se: 

“Não há como participar da conduta contrair. Quem contrai, contrai sozinho, assina sozinho o documento casando novamente. A existência de testemunhas a corroborar a situação irregular do casamento não faz dessas testemunhas coautoras ou partícipes do crime de bigamia. Não nos parece acertada a consunção da conduta das testemunhas que assinam o termo do casamento ao crime do art. 235, o qual protege, decisivamente, o casamento monogâmico entre pessoas. Quem testemunha e assina sobre esses casamentos pratica, sim, crime de falsidade ideológica, pois declara algo falso, declara a inexistência de impedimentos. Mas não participa da conduta descrita no art. 235, pois não contrai e nem auxilia a contrair, apenas assina o formal do casamento.” 21


5. Incompatibilidade com a agravante do art. 61, II, "e", última figura



O crime de bigamia não é compatível com a agravante consistente em crime praticado contra cônjuge (prevista no art. 61, II, “e”, última parte, do Código Penal). Afinal, tal elemento já integra o próprio delito; considerá-lo também para agravar a pena configuraria dupla punição pelo mesmo fato (bis in idem).


6. Elemento subjetivo do tipo


O elemento subjetivo do tipo é o dolo. No caput, pode ser direto ou eventual (ex.: agente contrai novo casamento, mesmo tendo dúvida sobre a extinção do vínculo matrimonial anterior).

Na figura descrita no § 1º, por sua vez, exige-se o dolo direto, devendo o agente saber que convola núpcias com pessoa casada. É o que se extrai da própria redação do dispositivo (“[a]quele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância, é punido com reclusão ou detenção, de um a três anos” – grifo do autor).

O erro no tocante à dissolução do vínculo matrimonial exclui o dolo, afastando o crime, que não é punido na modalidade culposa. Na jurisprudência, encontrando-se julgados acolhendo a alegação de erro quanto à extinção do vínculo matrimonial anterior pela separação judicial (antigo desquite)22,  bem como rejeitando-a.23


7. Consumação e tentativa


O delito se consuma no momento da realização do casamento, quando o juiz declara casados os cônjuges (art. 1.514 do Código Civil). Cuida-se de crime instantâneo de efeitos permanentes, ou seja, a consumação ocorre com a realização do segundo casamento, mas gera um rastro que se protrai no tempo, aparentando tratar-se de crime permanente.

Os atos executórios se iniciam com a celebração, sendo a habilitação mero ato preparatório. 

A tentativa é admissível, embora de difícil ocorrência (ex.: testemunha denuncia a existência do impedimento, frustrando o intento do agente de convolar segundas núpcias). Segundo entendimento prevalente, admite-se o conatus quando se iniciam os atos de celebração, advindo a interrupção por circunstâncias alheias à vontade do agente. Por todos, colaciona-se o magistério de Alberto Silva Franco e Tadeu Antonio Dix Silva: “Compreende-se que a tentativa pode existir desde o início dos atos de execução, entendidos como sendo aqueles que são inerentes ao princípio da cerimônia de casamento, até o momento em que o agente do delito de bigamia vai declarar sua vontade, não o fazendo por razões que escapam a seus anseios”.24

Há orientação mais restrita, no sentido de que a tentativa somente é possível quando o agente manifesta a vontade de casar perante o juiz, mas algum acontecimento posterior, alheio ao seu intento, impede a autoridade de declará-los casados. Nessa linha, anota-se o escólio de Romão Côrtes de Lacerda: 

“O momento consumativo está em dar o sujeito ativo consentimento para casar, na celebração (...). Os atos praticados para o advento da ocasião dessa declaração de vontade são preparatórios, não podem ser tomados como atos de execução, pois esta começa e acaba com a declaração de vontade, e não começa sem a declaração. Se, no momento em que o agente vai responder sim ou não à pergunta do celebrante, surge alguém e o denuncia, não se pode dizer que a execução se haja interrompido independentemente da vontade do agente, que tanto poderia ter respondido sim ou não, e posto que no sim estaria toda a execução. Atos preparatórios para prestação da declaração da vontade são sempre equívocos. Se o contraente, porém, já deu o seu sim, e o juiz levantou a solenidade antes de declarar casados os nubentes, por lhe ser denunciado que o contraente já era casado, houve tentativa, porque o crime só não se consumou por motivos independentes da vontade do agente.”25


8. Termo inicial de prescrição diferenciado


Em regra, o termo inicial do prazo prescricional é a data de consumação do crime (art. 111, inciso I, do Código Penal). 

Contudo, o crime de bigamia – bem como o de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil – constitui exceção. Estabelece o art. 111, IV, do Código Penal, que a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final (ou seja, a prescrição da pretensão punitiva), começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido. Nos dizeres de Magalhães Noronha, “atende o legislador à circunstância de que o delito tarda bastante, em regra, a tornar-se conhecido, donde haveria quase sempre, a impunidade, se o lapso prescricional corresse da consumação.26 

Tem-se entendido que o fato se torna conhecido com a ciência pela autoridade pública (conhecimento formal). Há, contudo, orientação no sentido de se admitir o conhecimento presumido, que se dá, por exemplo, na hipótese de uso ostensivo do documento. Confira-se, nessa linha, o magistério de Delmanto: 

“A dúvida surge quanto a saber se tal conhecimento é presumido pelo uso notório do documento falsificado ou depende de notícia formal dada à autoridade. Segui- mos a primeira orientação (conhecimento presumido e não formal), pois o legislador apenas empregou a expressão ‘se tornou conhecido’, sem exigir expressa notícia às autoridades. Além disso, a posição contrária pode levar, eventualmente, a situações pro- fundamente injustas, como no caso de certo pescador que foi processado cinquenta e dois anos depois do fato.”27

Observe-se que no âmbito cível, a “ação proposta com a finalidade de declarar-se a nulidade absoluta do casamento, por bigamia, é imprescritível”.28


9. Excludente do crime

Se o primeiro casamento for declarado nulo ou anulado por qualquer razão, ou o segundo por motivo que não a bigamia (ex.: vício de consentimento), afasta-se o crime em razão da atipicidade. 

Nesse sentido, aliás, é a Exposição de Motivos do Código Penal: “o crime de bigamia existe desde que, ao tempo do segundo casamento, estava vigente o primeiro; mas, se este, a seguir, é judicialmente declarado nulo, o crime se extingue, pois que a declaração de nulidade retroage ex tunc. Igualmente não subsistirá o crime se vier a ser anulado o segundo casamento, por motivo outro que não o próprio impedimento do matrimônio anterior (pois a bigamia não pode excluir-se a si mesma)” (item 76).

Eventual discussão no âmbito civil sobre a validade do primeiro casamento configura a denominada questão prejudicial. Nas palavras de Pedro Henrique Demercian e Jorge Assaf Maluly, 

“Questão prejudicial é uma controvérsia que se apresenta no curso do processo, da qual depende a existência do crime e, por isso, deve ser solucionada pelo juiz antes de decidir a causa principal (questão prejudicada)”. Por envolver estado civil das pessoas, constitui questão prejudicial obrigatória, e, nos termos do artigo 92 do Código de Processo Penal, “obriga o juiz criminal a suspender o processo até que no juízo cível seja a controvérsia dirimida por sentença transitada em julgado.”29

No mesmo sentido é a lição de Fernando da Costa Tourinho Filho: “Logo, a questão de saber se existe realmente crime de bigamia, (...) depende da questão sobre a nulidade do casamento. E essa questão levantada constitui uma questão prejudicial. Deverá ser decidida, por primeiro, a questão sobre a nulidade do casamento e, em seguida, a questão sobre o crime de bigamia. Se, na verdade, o primeiro casamento for anulado, outro caminho não terá o Juiz penal senão considerar inexistente o crime em causa.”30

De ver que o divórcio ou falecimento do outro cônjuge posterior à consumação não elide o crime.


10. Classificação doutrinária


O crime de bigamia se classifica como próprio (exige sujeito ativo seja qualificado ou especial – ser casado) no tocante à figura do caput, e comum (pode ser praticado por qualquer pessoa) quanto à figura do § 1º; material (requer a produção de resultado naturalístico, consistente na realização do segundo casamento); comissivo, em regra (cometido mediante ação do agente), admitindo a forma omissiva imprópria (nos casos do art. 13, § 2º do CP); de forma vinculada (existe forma específica, prevista na legislação, para convolar núpcias); instantâneo de efeitos permanentes (a consumação ocorre com a realização do segundo casamento, mas produz um rastro que se protrai no tempo, aparentando tratar-se de crime permanente); segundo a doutrina, é plurissubjetivo (existe a existência de mais um agente); plurissubsistente, em regra (praticado mediante diversos atos); admite a tentativa.


11. Pena


A pena cominada à figura do caput é de reclusão, de dois a seis anos. 

Para a conduta prevista no § 1º, a sanção é consideravelmente reduzida, sendo prevista alternativamente reclusão ou detenção, de um a três anos. Na escolha, deve o magistrado considerar as peculiaridades do caso concreto; sendo as circunstâncias favoráveis ao réu, será aplicável a detenção, mais branda que a reclusão. Observe-se que, sendo a pena mínima não superior a um ano, o tipo admite a suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei 9.099/1995.


12. Ação penal


A ação penal é pública incondicionada, sendo promovida pelo Ministério Público independentemente de representação ou requerimento. 


13. Concurso de crimes


Se o agente casado contrai dois ou mais casamentos, responderá por bigamia em concurso material ou, se presentes os requisitos do art. 71 do Código Penal, em continuidade delitiva. Atos preparatórios da bigamia podem caracterizar outro delito, como falsidade; todavia, após consumada, a bigamia (crime-fim) absorve o delito de falsidade (crime-meio)31.  Adverte Heleno Cláudio Fragoso, com propriedade, que “a aplicação desta regra não está isenta de defeitos. Assim, a tentativa de bigamia (que absorveria a falsidade ideológica) seria mais brandamente punida que esta. Neste caso, o crime-meio seria mais severamente punido que o crime-fim. E se não chegasse a haver início de execução da bigamia, a falsidade seria punível por si só, como crime continuado.” 32



14. Proposta de descriminalização


Se, no passado, a bigamia já foi sancionada até mesmo com a pena capital, atualmente, e cada vez mais, têm surgido vozes questionando a permanência dessa criminalização no ordenamento.

É bem verdade que a proteção à família tem base constitucional (art. 226 da Lei Fundamental). Mas não se pode confundir família com casamento monogâmico. Hoje, tanto o casamento quanto a união estável são formas reconhecidas de constituição familiar; gozam de proteção constitucional e geram inúmeros efeitos jurídicos e patrimoniais. Como assevera Juliana Cabral, “a Constituição de 1988 inaugurou uma nova ordem jurídica familiar, desmatrimonializada. Neste contexto, a família deixou de ser protegida como instituição e passou a ser concebida como um instrumento de afirmação da dignidade dos seus componentes. O casamento não mais se constitui em um objeto de proteção jurídica em si mesmo, como era concebido nas Constituições anteriores, de 1937, 1946, 1967 e em sua EC 1/1969”. E prossegue: 

“A ‘ordem jurídica matrimonial’, cuja violação anteriormente autorizava a intervenção criminalizadora do Estado, não mais pode ser concebida como ‘bem jurídico’, notadamente quando esta categoria não for entendida apenas como uma função, e sim inicialmente como um valor, ‘objeto de preferência’ e vinculado à finalidade da ordem jurídica em torno da proteção da pessoa humana. Neste sentido, a aplicação do princípio da lesividade no campo legislativo abstrato, impede o reconhecimento da validade das criminalizações prescritas nos arts. 235 a 239 do CP, construídas em torno de condutas que não representam violações a um bem jurídico.”33

Outro não é o magistério de Maria Pinhão Coelho Araújo: 

“A Constituição Federal protege, sim, a família, mas acima de tudo, em seu art. 1º, protege a liberdade do cidadão brasileiro. Ser livre é, na configuração exposta por Hannah Arendt, a possibilidade de desenvolver a sua individualidade nos espaços públicos conforme os entendimentos individuais. Por outro lado, poder viver livre e autônomo na esfera privada, sem a interferência e sem imposições do Estado. (...) O casamento monogâmico (...) é evidentemente uma regra moral. E qual a legitimidade do Direito Penal em proteger enquadramentos morais com a ameaça de coerção penal?”34

E, enquanto o Código Penal de 1940 segue buscando a proteção figurativa do casamento monogâmico e dos bons costumes, há precedentes jurisprudenciais, no âmbito cível, reconhecendo até mesmo a existência concomitante de casamento e de união estável.35

Também sob o prisma da subsidiariedade do Direito Penal, revela-se questionável a criminalização da bigamia, dada a existência de outros instrumentos jurídicos capazes de enfrentar a questão. 

Conforme magistério de Alberto Silva Franco e Tadeu Antonio Dix Silva, não se nega que os crimes contra o direito de família ostentem a qualidade de bem jurídico insertos na Constituição Federal. Contudo, “nem todo bem escolhido pela Magna Carta necessariamente tem de ostentar o porte de bem jurídico penal, se outros meios e mecanismos existentes no ordenamento jurídico, ou mesmo, que lhe são alheios, são aptos a lhe garantir apropriada e eficiente proteção, ressaltando, desta maneira, o caráter e missão do direito penal de proteção subsidiária de bens jurídicos.”36

Como observa Pierangeli, 

“O conceito de bigamia, quando existir, depende dos usos e costumes do lugar, principalmente onde ocorre forte influência de religiões que defendem a monogamia. Conquanto a bigamia quase sempre apareça atrelada a uma motivação sexual, nos momentos de anormalidade social ela decorre da desintegração familiar, durante a ocupação militar numa guerra, na imigração etc., mas a bigamia não parece ser um problema tão grave que mereça a intervenção do direito penal.” 37

De fato, com as formalidades legais exigidas para a celebração do casamento, este crime foi perdendo atualidade, tornando-se raro.38  Sua relevância foi também mitigada pela admissão do divórcio na legislação brasileira na década de 1970, bem como por reformas posteriores, que eliminaram a necessidade de se aguardar determinado lapso temporal para a dissolução do vínculo matrimonial (Emenda Constitucional 66/2014) e simplificaram o divórcio, dispensando, em alguns casos, a intervenção judicial (Lei 11.441/2007). 

Ademais, o Código Civil já estabelece a nulidade do segundo matrimônio (arts. 1.548, II, e 1.521), sendo também possível, àquele que se sentir lesado, o ajuizamento de ação cível pleiteando indenização contra o bígamo.

Não se pretende, com tais argumentos, firmar posição a favor da bigamia ou da poligamia, mas tão somente demonstrar que o Direito Penal, como ultima ratio, não é necessário para lidar com tal situação, que deveria ser relegada ao âmbito cível.39

A repercussão forense dessa criminalização é ínfima, operando, na prática, como um tipo penal de fachada, cuja contribuição tem sido aumentar o já hipertrofiado Direito Penal vigente no país. Comunga-se, pois, com Cezar Roberto Bitencourt, para quem esse e os demais crime contra o casamento perderam importância na sociedade moderna.40


Notas

1  PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, v. 2, p. 540.

 2 PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, v. 2, p. 540.

3  Ibidem.

4  HUNGRIA, Nelson, Comentários ao Código Penal, v. 8, p. 353.

5 A bigamia é o primeiro dos crimes contra o casamento relacionados no Capítulo I do Título VII. São também incriminados o induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento (Art. 236 – “Contrair casamento, induzindo em erro essencial o outro contraente, ou ocultando-lhe impedimento que não seja casamento anterior: Pena - detenção, de seis meses a dois anos. Parágrafo único - A ação penal depende de queixa do contraente enganado e não pode ser intentada senão depois de transitar em julgado a sentença que, por motivo de erro ou impedimento, anule o casamento”), o conhecimento prévio de impedimento (Art. 237 – “Contrair casamento, conhecendo a existência de impedimento que lhe cause a nulidade absoluta: Pena - detenção, de três meses a um ano”), a simulação de autoridade para celebração de casamento (Art. 238 – “Atribuir-se falsamente autoridade para celebração de casamento: Pena - detenção, de um a três anos, se o fato não constitui crime mais grave”), e a simulação de casamento (Art. 239 – “Simular casamento mediante engano de outra pessoa: Pena - detenção, de um a três anos, se o fato não constitui elemento de crime mais grave”).

6  Sobre o tema, ver tópico “proposta de descriminalização”, infra.

7  Nesse prisma, já que se decidiu que “a intenção do legislador ao estabelecer a hipótese de incidência penal contida no artigo 235, do Código Penal, foi proteger a organização a família, especificamente o casamento monogâmico, tido como regra nos países ocidentais. Tem como elementar a existência formal e vigência de casamento anterior, pois somente o divórcio põe termo ao vínculo e abre a possibilidade de novo matrimônio lícito. Anote-se que se o agente é separado judicialmente ou de fato, contudo, não divorciado, será sujeito ativo do crime se, porventura, casar-se novamente. Assim, consuma-se no momento da formal manifestação da vontade, pondo em risco o bem jurídico tutelado, previsto no art. 226, da Constituição Federal: ‘A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado’ (TJSP, Apelação Criminal Com Revisão nº 993.02.011388-6, Rel. Figueiredo Gonçalves, 1ª Câmara de Direito Criminal, j. 9.9.2008).

8  NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado, p. 1159.

9  RAMOS, José Nabantino. Bigamia. Doutrinas essenciais de direito penal, v. 6, pp. 533-542.

10 Art. 1.515. “O casamento religioso, que atender às exigências da lei para a validade do casamento civil, equipara-se a este, desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração”. Art. 1.516. “O registro do casamento religioso submete-se aos mesmos requisitos exigidos para o casamento civil. § 1º O registro civil do casamento religioso deverá ser promovido dentro de noventa dias de sua realização, mediante comunicação do celebrante ao ofício competente, ou por iniciativa de qualquer interessado, desde que haja sido homologada previamente a habilitação regulada neste Código. Após o referido prazo, o registro dependerá de nova habilitação. § 2º O casamento religioso, celebrado sem as formalidades exigidas neste Código, terá efeitos civis se, a requerimento do casal, for registrado, a qualquer tempo, no registro civil, mediante prévia habilitação perante a autoridade competente e observado o prazo do art. 1.532. § 3º Será nulo o registro civil do casamento religioso se, antes dele, qualquer dos consorciados houver contraído com outrem casamento civil”.

11  Art. 1571, § 1o. “O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente”.

12  Art. 6º. “A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva”. Art. 22. “Desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela haver notícia, se não houver deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens, o juiz, a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público, declarará a ausência, e nomear-lhe-á curador”.  Art. 23. “Também se declarará a ausência, e se nomeará curador, quando o ausente deixar mandatário que não queira ou não possa exercer ou continuar o mandato, ou se os seus poderes forem insuficientes”. Art. 24. “O juiz, que nomear o curador, fixar-lhe-á os poderes e obrigações, conforme as circunstâncias, observando, no que for aplicável, o disposto a respeito dos tutores e curadores”. Art. 25. “O cônjuge do ausente, sempre que não esteja separado judicialmente, ou de fato por mais de dois anos antes da declaração da ausência, será o seu legítimo curador. § 1º. Em falta do cônjuge, a curadoria dos bens do ausente incumbe aos pais ou aos descendentes, nesta ordem, não havendo impedimento que os iniba de exercer o cargo. § 2º. Entre os descendentes, os mais próximos precedem os mais remotos. § 3º. Na falta das pessoas mencionadas, compete ao juiz a escolha do curador”. 

13  VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 195.

14  Art. 1.521. “Não podem casar: (...) VI - as pessoas casadas”. Art. 1.548. “É nulo o casamento contraído: II - por infringência de impedimento”.

15  FRANCO, Alberto Silva e SILVA, Tadeu Antonio Dix. Código Penal e sua interpretação: doutrina e jurisprudência, p. 1171.

16  COSTA JR., Paulo José da Costa. Curso de direito penal, p. 644.

17  COSTA JR., Paulo José da Costa. Curso de direito penal, p. 644.

18  JESUS, Damásio Evangelista de. Código Penal anotado, p. 972.

19  DELMANTO, Celso et. al. Código Penal comentado, p. 501.

20  PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal: jurisprudência, conexões lógicas com os vários ramos do direito, p. 862.

21  ARAÚJO, Marina Pinhão Coelho. Direito penal: jurisprudência em debate, p. 503.

22  Nesse sentido: “Apelação Criminal. Bigamia. Justiça Pública pugna pela condenação. Impossibilidade. Ausência de dolo. Ré desquitada. A apelada incorreu em erro, ao acreditar que o desquite judicial (realizado em 1974) tornaria-a apta a contrair novo matrimônio. Versão escusatória roborada por prova oral. Ademais, houve falha da serventia extrajudicial, que permitiu a extração de certidão de nascimento atualizada sem que dela constasse a averbação do casamento ou do desquite. Crime não punível a título culposo. Recurso Ministerial improvido” (TJSP. Apelação criminal 9218933-79.2003.8.26.0000, Rel. Péricles Piza, 1ª Câmara de Direito Criminal, j. 27.3.2006).

23  Confira-se: “BIGAMIA. Prova robusta da autoria e da materialidade. Atitude do réu, ao contrair o segundo matrimonio, declarando-se solteiro, que evidencia o dolo, não convencendo a alegação de que pensava ser suficiente a separação judicial quanto ao primeiro casamento. Condenação mantida. Pena mínima, porém com aplicação equivocada de sanção pecuniária, não prevista pelo dispositivo legal. Pena corporal substituída na forma do art. 44, do CP” (TJSP. Apelação nº 0006418-77.2007.8.26.0302, Rel. Tristão Ribeiro, 5ª Câmara de Direito Criminal, j. 3.3.2011).

24  FRANCO, Alberto Silva e SILVA, Tadeu Antonio Dix. Código Penal e sua interpretação: doutrina e jurisprudência, p. 1175.

25  LACERDA, Romão Côrtes de apud HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, v. 8, p. 351.

26  NORONHA, Magalhães. Direito penal, v. 3, p. 402.

27  DELMANTO, Celso et. al. Código Penal comentado, p. 411.

28  STJ, REsp 85794 SP 1996/0001873-1, Rel. Min. Barros Monteiro, 4ª T, j. 5.10.1999.

29  DEMERCIAN, Pedro Henrique e MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, p. 1.

30  TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, v. 2, pp. 531-532.

31  No mesmo sentido: “HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. CRIME DE BIGAMIA E FALSIDADE IDEOLÓGICA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL QUANTO AO DELITO DE BIGAMIA DETERMINADO PELO TRIBUNAL A QUO POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. IMPOSSIBILIDADE DE SEGUIMENTO DO PROCESSO-CRIME QUANTO À FIGURA DO CRIME DE FALSIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. 1. O delito de bigamia exige para se consumar a precedente falsidade, isto é: a declaração falsa, no processo preliminar de habilitação do segundo casamento, de que inexiste impedimento legal. 2. Constituindo-se a falsidade ideológica (crime-meio) etapa da realização da prática do crime de bigamia (crime-fim), não há concurso do crime entre estes delitos. 3. Assim, declarada anteriormente a atipicidade da conduta do crime de bigamia pela Corte de origem, não há como, na espécie, subsistir a figura delitiva da falsidade ideológica, em razão do princípio da consunção. 4. Ordem concedida para determinar a extensão dos efeitos quanto ao trancamento da ação penal do crime de bigamia, anteriormente deferido pelo Tribunal a quo, à figura delitiva precedente da falsidade ideológica” (STJ,5ª Turma, HC 39583 MS 2004/0161507-1, rel. Min. Laurita Vaz, j. 08.03.2005).

32  FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, v. 3, p. 560.

33  CABRAL, Juliana. Dúvidas acerca da tutela penal do matrimônio. Ciências Penais, vol. 11. 2009. 

34  ARAÚJO, Marina Pinhão Coelho. Direito penal: jurisprudência em debate, p. 502.

35  Por todas: TJRS, Apelação Cível nº 70015693476, 8ª Câmara Cível, rel. José Ataídes Siqueira Trindade, j. 20.07.2006.

36  FRANCO, Alberto Silva e SILVA, Tadeu Antonio Dix. Código Penal e sua interpretação: doutrina e jurisprudência. p. 1168.

37  PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, v. 2, p. 540.

38  BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de direito penal, v. 4, p. 221.

39  Também defendendo o sancionamento do bígamo somente na esfera cível, entre outros: Paulo Queiroz (Do caráter subsidiário do direito penal: lineamentos para um direito penal mínimo, p. 148), Ney Moura Teles (Direito penal, v. 3, pp. 73-74) e Ivan Lira de Carvalho (O direito penal como instrumento inibidor da violência. Revista dos Tribunais, v. 732, p. 463).

40  BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, v. 4, p. 229.


Referências

  ARAÚJO, Marina Pinhão Coelho. Direito penal: jurisprudência em debate. Miguel Reale Júnior (coord.). 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. Volume 4. 

CABRAL, Juliana. Dúvidas acerca da tutela penal do matrimônio. Ciências Penais, vol. 11. 2009. 

CARVALHO, Ivan Lira de. O direito penal como instrumento inibidor da violência. Revista dos Tribunais, vol. 732. São Paulo, 1996.

COSTA JR., Paulo José da Costa. Curso de direito penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

DELMANTO, Celso et al. Código Penal comentado. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal. São Paulo: José Bushatsky, 1959. Volume 3. 

FRANCO, Alberto Silva e SILVA, Tadeu Antonio Dix. Código Penal e sua interpretação: doutrina e jurisprudência. Alberto Silva Franco e Rui Stoco (coord.). 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 5. ed. São Paulo: Forense, 1961. Volume 8.

JESUS, Damásio Evangelista de. Código Penal anotado. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

NORONHA, Magalhães. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 1961. Volume 3.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal: jurisprudência, conexões lógicas com os vários ramos do direito. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. Volume 2. 

QUEIROZ, Paulo. Do caráter subsidiário do direito penal: lineamentos para um direito penal mínimo. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.

RAMOS, José Nabantino. Bigamia. Doutrinas essenciais de direito penal. Volume 6. 

TELES, Ney Moura. Direito penal. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006. Volume 3. 

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. Volume 2. 

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004.


Citação

ALVES, Jamil Chaim. Bigamia. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Penal. Christiano Jorge Santos (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/431/edicao-1/bigamia

Edições

Tomo Direito Penal, Edição 1, Agosto de 2020