A prescrição é uma das causas extintivas da punibilidade (art. 107, IV, CP) e à qual o Codex reserva o maior número de artigos, o que não ocorre em vão. Tema extenso, a prescrição penal, no direito brasileiro, engloba um sem número de regras, que serão explanadas neste verbete, bem como a imprescritibilidade.    

1. História e justificativa


Não se pretende, nos limites deste verbete, esgotar a questão da origem histórica do instituto da prescrição e, para mais detalhes acerca do tema, recomenda-se a leitura do Capítulo 2, subcapítulo 2.3, da obra Prescrição penal e imprescritibilidade, deste mesmo autor. Esclarece-se que o presente verbete foi elaborado com base na referida obra, dentre as demais referidas ao final, bem como no capítulo de “Prescrição Penal” da obra Direito penal: parte geral, do mesmo autor, sendo que, sobre esta última e quanto à primeira, aqui se encontram trechos reproduzidos, parcialmente, sem aspas.


2. Aspectos iniciais


A prescrição civil e a prescrição penal possuem origem comum, sendo da essência do instituto a perda de um determinado direito em face do decurso de certo lapso temporal. Como é sabido, para o direito, o decurso do tempo é extremamente importante, pois pode fazer com que surjam direitos (como exemplo, a propriedade, no caso da usucapião), alterem-se direitos (como a transmutação de posse nova em posse velha) ou pereçam direitos (como se verifica na prescrição).

Como ocorre com as decadências civil e penal, não é conveniente que se estabeleçam paralelos muito próximos entre a prescrição penal e a prescrição civil. Isso porque os prazos, os meios de cálculo, as causas interruptivas e suspensivas, além de vários outros aspectos, são diferentes, de maneira que a comparação traria mais problemas que soluções.

Ainda, não há que se confundir prescrição penal com decadência penal. A semelhança entre os institutos reside no fato de que ambos são causas extintivas do direito de punir do Estado (“jus puniendi”), mas as diferenças são inúmeras.

A prescrição conta com prazos mais longos (no Código Penal, de três a vinte anos), enquanto a decadência apresenta prazo exíguo de seis meses. A primeira tem aplicação para crimes de ação penal pública (condicionada e incondicionada) e privada, enquanto a segunda atinge tão somente crimes de ação penal pública condicionada à representação ou crimes de ação privada. Ainda, a prescrição pode ocorrer antes do trânsito em julgado (prescrição da pretensão punitiva) ou depois do trânsito em julgado (prescrição da pretensão executória); já a decadência somente ocorrerá antes da ação penal.

Outro fator de afastamento entre os dois institutos reside no fato de que a prescrição se sujeita a causas suspensivas e interruptivas, enquanto o prazo decadencial é fatal e peremptório. Também é diverso o objeto de cada qual: a prescrição extingue o direito material de punir do Estado e, como reflexo, extingue o processo; por sua vez, a decadência atinge o direito de ação e, ao mesmo tempo, o direito material, extinguindo a punibilidade. Por fim, não se pode olvidar do termo inicial de cada uma. Na prescrição da pretensão punitiva, o termo inicial é a consumação do crime, em regra. Na prescrição da pretensão executória, o trânsito em julgado para a acusação. Para contagem do prazo decadencial, no entanto, o termo inicial é o conhecimento da autoria delitiva.

Para que não haja dúvidas quanto à diferença entre os institutos, é possível inclusive imaginar situação em que ocorra a prescrição antes da decadência: no caso de a autoria de um delito jamais ser descoberta.


2.1. Pretensão 


É importante entender o que é “pretensão” antes que se defina propriamente a prescrição penal.

Pretensão é o ato de solicitar com veemência ou, em outras palavras, é uma exigência. Quando há duas pretensões opostas, surge uma disputa que, levada à Justiça, denomina-se lide.

No Direito Penal, uma das pretensões do Estado é aplicar as sanções penais aos autores de infrações penais (via de regra, punir os criminosos). Denomina-se isso de pretensão punitiva, que corresponde ao jus puniendi, ou seja, o direito de punir que nasce com o cometimento da infração penal. Para exercer tal pretensão, é preciso buscar-se no curso do processo legal uma sentença condenatória definitiva.

Obtida a sentença criminal condenatória com trânsito em julgado, o direito de punir já foi solidificado. Passa o Estado a ter outra pretensão, ou seja, efetivamente punir (aplicar a pena) ou aplicar a medida de segurança. É o interesse de ver cumprida a sanção imposta na sentença condenatória, o que se dá não mais no processo de conhecimento (já extinto com julgamento do mérito), mas sim no processo de execução. Tal pretensão estatal recebe o nome de pretensão executória.

Colocam-se, portanto, lado a lado, duas pretensões estatais no âmbito do direito penal: a pretensão punitiva e a pretensão executória.

Não sendo exercidas as pretensões em determinados prazos, o Estado perderá tanto o direito de punir quanto o direito de executar a pena. A perda de tais direitos pela prescrição faz surgir as duas grandes espécies de prescrição: prescrição da pretensão punitiva (comumente apelidada de “PPP”) e prescrição da pretensão executória (igualmente conhecida por “PPE”).

A prescrição penal, portanto, pode ser definida como a perda ou a extinção do poder-dever de punir (jus puniendi) ou do poder de executar a sentença criminal que impõe uma sanção penal em decorrência do transcurso do tempo previsto em lei.


2.2. Natureza jurídica 


Tão importante quanto o conceito de prescrição é a definição de sua natureza jurídica pois, como se trata, primordialmente, de cômputo de tempo, há de se saber quais regras serão utilizadas para a contagem, se de direito processual ou material.

Sob o prisma penal, o significado principal da prescrição reside na impossibilidade de o Estado aplicar o direito penal ao caso concreto, extinguindo-se, assim, a exigência de punição ao infrator. Sob a ótica processual, o decurso do tempo obstaria, especialmente, a produção de provas, o que poderia acarretar no proferimento de sentenças injustas, bem como impedir o início ou continuidade da persecução penal.

Consideramos que a prescrição pertence exclusivamente ao campo do direito material, tanto que, constituindo causa extintiva da punibilidade, vem disciplinada pelo Código Penal, e o impedimento à persecução penal consiste em mero efeito de natureza processual penal, tal qual ocorre com as outras causas extintivas da punibilidade (como anistia, renúncia, etc.).

Disso decorre uma importante consequência: o cômputo do prazo deve se dar de acordo com o direito material, ou seja, seguindo o disposto no art. 10 do CP.1


2.3. Espécies de prescrição


2.3.1. Prescrição da pretensão punitiva 


Na prescrição da pretensão punitiva, o decurso do prazo previsto em lei ataca o direito do Estado de buscar a condenação. Ou seja, impede que o Poder Judiciário aprecie e julgue a lide. Atinge-se, portanto, diretamente o jus puniendi.


2.3.2. Prescrição da pretensão executória 


A prescrição da pretensão executória atua de modo semelhante à da prescrição da pretensão punitiva, contudo, em vez de impedir que o agente criminoso seja levado a julgamento, impede o Estado de dar início ou continuidade à execução a pena imposta.


2.4. Imprescritibilidade 


A Constituição Federal, mais precisamente em seu art. 5º, incisos XLII e XLIV, dispõe que são imprescritíveis os crimes de racismo, bem como a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático de Direito. Ou seja, pouco importa o transcurso do tempo em casos tais, seja quanto à prescrição da pretensão punitiva, seja quanto à prescrição da pretensão executória.

Entendeu o Supremo Tribunal Federal2,  por maioria de seus membros, que o racismo, como crime previsto no art. 5º, XLII, da Constituição Federal, é expressão de alcance amplo e abrange também o preconceito e a discriminação por religião. Alguns defendem que, nesta ocasião, o Pretório Excelso teria decidido que todos os crimes previstos na Lei 7.716/1989 são imprescritíveis (e não só aquele relacionado ao preconceito de raça – o racismo). 

É indiscutível que o Supremo Tribunal Federal adota conceitos de raça e racismo ampliados (em sentido amplo). Tanto é verdade que, em junho de 20193,  o Pretório Excelso determinou que a conduta de homofobia (discriminação em razão da orientação sexual) também deve passar a ser punida pela Lei 7.716/1989, que prevê os crimes de preconceito e discriminação de raça, cor, etnia, religião e procedência nacional, até que o Congresso Nacional legisle especificamente sobre o assunto.4 

Respeitosamente, discorda-se de tal entendimento. Em Direito Penal, no que se refere às normas penais de cunho incriminador (e o mesmo vale para os mandados expressos de criminalização, como a norma prevista no art. 5º, inciso XLII, da Constituição da República, na qual se previu ser o racismo crime sujeito à pena de reclusão, inafiançável e imprescritível), as expressões devem, via de regra, ser interpretadas de modo restritivo, sob pena de lesão à segurança jurídica de todos.

Assim, a própria semântica já indica que o racismo se refere a raça, principalmente. Ou seja: continuamos a entender o racismo como preconceito ou discriminação em virtude da raça (e em alguns raríssimos casos de intolerância em virtude da cor e da etnia, nas hipóteses em que os conceitos se misturam com a questão racial, em sentido estrito).

Em suma: em nosso entendimento, o delito previsto como imprescritível na Constituição Federal é o racismo em sentido estrito, ou seja, o preconceito ou a discriminação em virtude da raça, e não qualquer forma de preconceito segregacionista (por mais condenável que seja).

Já a ação de grupos armados pode ser entendia como “Golpe de Estado” e está disciplinada na Lei 7.170/1983 (Lei de Segurança Nacional).

No mais, imperioso sopesar que o delito de injúria qualificada por utilização de elementos referentes à raça ou cor (art. 140, § 3º, CP) não está incluído na hipótese dos crimes imprescritíveis, por não ser delito de racismo5.  Tampouco são imprescritíveis os crimes hediondos ou equiparados (tortura, terrorismo e tráfico de drogas).


2.5. Cálculo da prescrição 


Para o cálculo da prescrição deve ser utilizada a tabela trazida pelo art. 109 do Código Penal, que vem transcrita a seguir:


Por intermédio da leitura do dispositivo do art. 109 do CP, poder-se-ia pensar que os prazos supratranscritos somente diriam respeito à prescrição da pretensão punitiva. Porém, eles se aplicam a todos os casos, observadas as peculiaridades que doravante serão mencionadas.

A prescrição da pretensão punitiva in abstracto é calculada tendo por base o máximo da pena prevista no preceito normativo secundário, incidindo sobre ela as causas especiais de aumento de pena, bem como as qualificadoras, sendo aquelas aplicadas em seu máximo. Igualmente, as causas de diminuição, como a tentativa, devem ser aplicadas (todavia diminuídas no mínimo, de modo a incidir sobre o cálculo a maior pena possível).

De outro lado, deve-se ressaltar que não incidem no cálculo as agravantes e atenuantes genéricas, à exceção da menoridade do agente e da reincidência, por haver, em casos tais, expressa disposição legal neste sentido (art. 110, caput, e 115, CP).

Em havendo concurso de crimes (crime continuado, concurso formal ou material), não se aplicam os aumentos previstos pela lei, porquanto para efeito da prescrição são todos eles tidos como delitos isolados, nos termos do art. 119 do CP.

Já a prescrição da pretensão punitiva em concreto, tanto na modalidade retroativa quanto na modalidade superveniente (também denominada intercorrente) é calculada tendo por base a pena em concreto estabelecida na sentença condenatória. Por fim, o prazo da prescrição da pretensão executória é calculado com base na pena aplicada na decisão que transitou em julgado ou no restante da pena ser cumprido, conforme se verá.

Apesar de, em primeiro momento, realizar o cálculo da prescrição não parecer tarefa fácil, pode-se dividi-la nos quatro simples passos que se seguem:

(a) Determinar o parâmetro (pena máxima em abstrato? Pena em concreto? Qual modalidade de prescrição será calculada? Há qualificadora? Há causas de aumento e/ou de diminuição?

(b) Confrontar o parâmetro com a “tabela” do art. 109 do Código Penal.

(c) Verificar a idade do agente. Caso seja, ao tempo do crime, menor de 21 anos ou, na data da sentença, maior de 70 anos, o prazo prescricional deverá ser reduzido da metade, de acordo com o art. 115 do Código Penal.

(d) Verificar se o prazo prescricional obtido é maior ou menor do que o período prescricional que se analisa (conjugação entre termo inicial e causa interruptiva, conforme se verá adiante).


3. Consequências do reconhecimento da prescrição punitiva


Como se sabe, o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva extingue a punibilidade do agente. Caso isso ocorre, algumas consequências também deverão ser observadas:

(a) Em não havendo inquérito policial para apurar o fato delituoso, ele não poderá ser instaurado.

(b) Havendo inquérito policial, este deverá ser encerrado e remetido para o fórum, com sugestão do Delegado de Polícia de análise da questão, a fim de que o Promotor de Justiça com atribuição para analisar o caso requeira seu arquivamento judicial, sem o oferecimento de denúncia.

(c) Se o Promotor de Justiça oferecer a denúncia, deverá o juiz de Direito rejeitá-la.

(d) Se a ação penal estiver em andamento, o Ministério Público ou a defesa deverão requerer a extinção do processo ou o próprio juiz poderá fazê-lo de ofício (art. 61, caput, CPP).

(e) Se o processo é concluído e o juiz somente verificar a ocorrência da prescrição no momento da sentença, deverá reconhecê-la, sem ingressar no mérito do caso.

(f) Se reconhecida em grau de recurso, seja por provocação das partes, seja de ofício pelos desembargadores, o processo será extinto, sem que a condenação em primeiro grau surta qualquer efeito.

Derradeiramente, cumpre lembrar que, se o réu for favorecido pelo reconhecimento da prescrição, não poderá ele ser processado e julgado pelo mesmo fato posteriormente.


4. Subespécies da prescrição da pretensão punitiva (PPP)


4.1. PPP propriamente dita 


Trata-se da prescrição calculada com base na maior pena prevista no tipo legal (pena abstrata). Pode ser calculada até que se obtenha uma sentença condenatória, pois, havendo uma sentença de mérito, os cálculos passarão a ser efetuados com base na pena em concreto.


4.2. PPP intercorrente ou superveniente à sentença condenatória 


Consiste na prescrição calculada com base na pena fixada pelo juiz de primeiro grau na sentença condenatória. Aplica-se, portanto, entre a publicação da sentença condenatória recorrível e o trânsito em julgado para a defesa. Contudo, para a sua ocorrência, a sentença tem de ter transitado em julgado para a acusação ou, em caso de recurso do MP, este tem de ser improvido ou não visar ao aumento da pena imposta em primeiro grau. Como exemplo deste último caso pode-se vislumbrar aquele recurso da acusação que tenha como objetivo somente mudar o regime de cumprimento de pena, o que não importa aumento de pena.

Desta primeira definição pode-se extrair dois pressupostos relativos à prescrição da pretensão punitiva em concreto (sem se olvidar que a prescrição intercorrente ou superveniente é dela uma modalidade): (i) condenação e (ii) existência de situação processual que impeça o aumento da pena.

Caso o órgão acusatório tenha recorrido para aumentar a pena, tendo a defesa também recorrido, por hipótese, caberá ao Tribunal apreciar primeiramente o recurso da acusação. Caso seja negado provimento (o que importa não haver aumento de pena), passará, então, a analisar – antes da apreciação do recurso da defesa – se ocorreu a prescrição intercorrente. Isto porque a decisão que reconhece a prescrição impede a análise do mérito da causa.


4.3. PPP retroativa  


Embora grande parcela da doutrina defina PPP retroativa como uma modalidade de prescrição contada “de trás para a frente”, entendemos que tal expressão não seja a mais feliz. Isso porque o cálculo da prescrição não se dá desta maneira. Não se conta, necessariamente, da publicação da sentença condenatória recorrível até o recebimento da denúncia, por exemplo. O nome refere-se, em verdade, ao cálculo da prescrição em intervalos processuais que “já ficaram para trás”, ou seja, que antes foram analisados com base na pena máxima abstratamente prevista e que, agora, passarão a ser verificados com base na pena em concreto estabelecida pelo Poder Judiciário.

Em suma, a prescrição retroativa consiste na verificação posterior dos intervalos processuais antecedentes (entre a data do fato e o recebimento da denúncia e entre o recebimento da denúncia até a publicação da sentença condenatória), só que desta feita, realizado com base na pena imposta e não na prevista in abstracto.


4.4. PPP antecipada, virtual ou projetada 


Este tipo de prescrição é calculado com base na perspectiva da pena a ser aplicada, reconhecendo-se, com isso, antecipadamente a prescrição retroativa. Em outras palavras, trata-se de pedido de reconhecimento antecipado da prescrição retroativa com base na pena em perspectiva, ou seja, na pena hipotética. 

No início da ação penal, o Promotor de Justiça, verificando a primariedade do agente e formulando mentalmente uma antecipação dos cálculos da pena, presume que a ele será conferida pena mínima ou próxima ao mínimo legal. Diante disso, adianta-se e postula o reconhecimento da prescrição que provavelmente seria verificada apenas no futuro, na modalidade retroativa, com base na pena em concreto. Faltaria ao Ministério Público a condição da ação do interesse processual ou “interesse de agir” para oferecer a denúncia, pois o processo estaria fadado ao insucesso, uma vez que seria declarada a extinção da punibilidade pela prescrição no futuro. 

Esta modalidade de prescrição, em que pese não estar prevista expressamente pela lei, era muito utilizada e aplicada pelos operadores do Direito na área criminal (mesmo após a edição da Súmula 438, STJ).

Ocorre que a Lei 12.234/2010 inseriu o § 1º no art. 110 do Código Penal, cuja redação atual consta como segue: “A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa”.

Por óbvio, mencionada previsão legal reduziu a aplicação da prescrição virtual. É consenso, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, que a prescrição virtual, a partir da entrada em vigência de mencionada lei, não mais pode ser aplicada no primeiro período prescricional, qual seja, da consumação do delito até o recebimento da denúncia. Consequentemente, tal modalidade somente é hoje vista para os casos que envolvem práticas de delitos de penas elevadas cometidos antes do advento da Lei 12.234, de 05 de maio de 2010.

A dúvida reside, no entanto, quanto ao segundo período prescricional: do recebimento da denúncia até a condenação recorrível. Ainda existiria ou teria sido totalmente extinta, em maio de 2010, a prescrição retroativa reconhecida antecipadamente? Tal tema divide os penalistas, muito embora a Súmula 438 do STJ seja categórica: “[é] inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal”.


5. Termos iniciais da PPP (art. 111, I, II, III e IV, CP)


O Código Penal estabelece os termos iniciais da prescrição da pretensão punitiva, ou seja, os marcos temporais a partir dos quais será possível verificar se ocorreu ou não a prescrição do delito em análise.

(a) A partir da consumação do crime: embora o Código Penal tenha adotado a teoria da atividade para a prática do crime (art. 4º), para efeito da prescrição o mesmo Codex adotou a teoria do resultado. Assim, paradoxalmente, a prescrição só começa a correr a partir da consumação do delito.

(b) No caso de tentativa: inicia-se a contagem do prazo no dia em que cessou a atividade, ou seja, no dia do último ato de execução.

(c) Crimes permanentes: no dia em que cessou a permanência. 

(d) Crimes habituais: o prazo prescricional inicia-se a partir da data da última das ações que constituem fato típico. Nestes crimes, não há diversos delitos, mas um crime único que atinge a consumação apenas com o último ato executório.

(e) Nos crimes de bigamia e falsificação ou adulteração de assentamento de registro civil (arts. 241 e 242 do CP): a contagem do prazo inicia-se apenas após o conhecimento do fato pela autoridade competente (delegado de polícia, juiz, promotor de justiça, etc.). Tal fato justifica-se pela dificuldade em se descobrir a ocorrência de delitos deste jaez.

(f) Crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes: a Lei 12.650/2012 acrescentou o inciso V, ao art. 111 do Código Penal, estabelecendo que o termo inicial da prescrição para os crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes será a data em que a vítima completar dezoito anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal. É importante ressaltar que tal regra se trata de modificação gravosa ao réu, datada de 18 de maio de 2012; logo, não retroage.

Se a vítima do crime sexual vier a falecer antes do seu 18º aniversário, a prescrição terá início na data da consumação do delito de natureza sexual, de acordo com a regra geral do art. 111, inciso I, do Código Penal, pois o ofendido jamais alcançará a maioridade. Já se a morte ocorrer após o 18º aniversário, a prescrição terá se iniciado com o advento da maioridade, na forma do art. 111, inciso V, do Código Penal.

(g) Crimes previstos na Lei de Falências (Lei 11.101/2005): de acordo com o art. 182, parágrafo único, desta lei, o prazo da prescrição começa a correr do dia da decretação da falência, da concessão da recuperação judicial ou com a homologação do plano de recuperação extrajudicial.


6. Causas interruptivas da prescrição da pretensão punitiva (art. 117, I a IV, CP)


As causas interruptivas da prescrição obstam o seu curso, zerando o cálculo, ou seja, desprezam o tempo transcorrido anteriormente. Vale dizer: a prescrição deve ser calculada no intervalo de tempo composto pela conjugação de um termo inicial com a causa interruptiva a ele subsequente. A estes intervalos de tempo dá-se o nome de períodos prescricionais.

São marcos processuais que representam causas interruptivas:

(a) Recebimento da denúncia ou queixa

Deve ser entendido como a data em que o juiz entrega em cartório a decisão que recebeu a denúncia. Vale lembrar que o recebimento de aditamento de denúncia não tem o condão de obstar a prescrição, a não ser que inclua novo delito e somente terá tal efeito quanto a este.

(b) Publicação da sentença de pronúncia

Apenas para os crimes dolosos contra a vida e conexos. Ressalte-se, ainda, que a desclassificação do crime em plenário não afeta esta causa interruptiva, conforme enunciado da Súmula 191 do STJ6

(c) Acórdão confirmatório de pronúncia

Na data da sessão de julgamento. Note-se que o acórdão que confirma a condenação não interrompe a prescrição, mas o que confirma a pronúncia, sim.

(d) Publicação da sentença condenatória recorrível

A publicação de uma sentença ocorre na data em que o escrivão a recebe em cartório e não na data consignada na decisão pelo julgador (art. 389, CPP: “A sentença será publicada em mão do escrivão...”). O acórdão que confirma a condenação não interrompe a prescrição, diferentemente do acórdão que confirma a pronúncia.

O acórdão somente obstará a prescrição em uma hipótese: se a sentença de primeiro grau for absolutória e o acórdão a reformar, condenando o réu. Com efeito, o que interrompe a prescrição é a primeira decisão condenatória recorrível, seja monocrática, seja colegiada. Uma importante exceção é a sentença condenatória proferida pelo STF, pois, por não caber dela recurso, ainda que seja a primeira proferida no processo, não interromperá o curso do prazo prescricional.

Em suma, no que tange aos períodos prescricionais, acreditamos que apresentação mais visual da conjugação entre termos iniciais e causas interruptivas facilite a compreensão, conforme se verá abaixo.

Rito comum (três períodos prescricionais):

 

Rito do Júri (cinco períodos prescricionais):

 

Frise-se que a prescrição deve ser calculada, ou seja, o prazo prescricional deve ser “encaixado” em um destes intervalos para que se verifique a eventual ocorrência da extinção da punibilidade.


6.1. Extensão dos efeitos interruptivos (art. 117, § 1º)


Os efeitos operados pelas causas de interruptivas estendem-se tanto no plano objetivo quanto no plano subjetivo.

Fala-se em extensão objetiva em situações com concurso de crimes: a interrupção da prescrição em relação a um dos crimes ocorrerá também nos crimes conexos que sejam objeto do mesmo processo. Logo: num caso de furto conexo com homicídio (apurados no mesmo processo), embora cada um tenha uma contagem de prazo distinta e independente, a sentença condenatória recorrível proferida em relação ao furto interrompe a prescrição deste crime, estendendo-se esse efeito também ao homicídio.

Já a extensão subjetiva ocorre no caso de existir concurso de agentes. A interrupção da prescrição em relação a um dos agentes estende-se a todos, ainda que não sejam identificados no processo ou desconhecidos à época do fato.


7. Causas suspensivas da prescrição (art. 116) - chamadas, no Código Penal, de impeditivas


São aquelas que sustam o prazo, o qual recomeçará a correr do momento em que foi obstado pelo lapso temporal restante. Portanto, o prazo volta a ser contado pelo tempo restante, não retornando ao zero, como nas causas interruptivas. São chamadas no Código, em seu art. 116, de “causas impeditivas” e não se esgotam, como se verá, no próprio Código.

(a) Enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o conhecimento da existência do crime: é o caso das questões prejudiciais, aquelas cuja solução importariam em prejulgamento da causa, previstas nos art. 92 a 94 do CPP. São exemplos de questões prejudiciais a definição do estado civil quando da apuração do crime de bigamia e o estabelecimento da propriedade em processo de furto.

(b) Enquanto o agente cumpre pena, por outro motivo, no estrangeiro: suspende-se o prazo prescricional, exceto se o fato a ele imputado no estrangeiro for atípico para o direito penal brasileiro.

(c) No caso de indeferimento de pedido da casa legislativa correspondente para processar senador ou deputado federal ou ausência de deliberação a respeito (art. 53, §3º, CF).

Primeiramente, deve-se salientar que a Emenda Constitucional 35, de 20 de dezembro de 2001, retirou a necessidade de licença prévia da Casa respectiva para instaurar o processo criminal em face de deputado ou senador. O STF pode receber a denúncia, sem solicitar autorização do Poder Legislativo. Todavia, nossa Corte Superior deverá cientificar a Câmara dos Deputados ou o Senado Federal, os quais poderão deliberar pela sustação do processo. A suspensão do processo, nesta hipótese, suspenderá a prescrição, enquanto durar o mandato.

(d) Durante a suspensão condicional do processo: nos delitos cuja pena mínima for igual ou inferior a um ano, nos termos do art. 89, § 6º, da Lei 9.099/1995.

(e) Acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado (art. 366 do CPP).

Nesta hipótese também restará suspenso o curso da prescrição até o comparecimento do réu. Contudo, pertinente a indagação: se o acusado jamais for localizado, o processo, bem como a prescrição poderão ficar suspensos indefinidamente?

Já foi entendimento consolidado no Supremo Tribunal Federal o de que a prescrição poderia ficar suspensa por prazo indeterminado e isto não resultaria em uma nova hipótese de imprescritibilidade.7 

Contudo, o entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça é de que o prazo prescricional será suspenso de acordo com o resultado da combinação da pena máxima em abstrato cominada no preceito normativo secundário do tipo com a “tabela” do art. 109 do Código Penal.8  Tal posicionamento foi inclusive sumulado no enunciado 415 do mesmo tribunal: “[o] período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada”.

(f) Acusado no estrangeiro, em lugar sabido, será citado por carte rogatória, suspendendo-se o prazo prescricional até seu cumprimento (art. 368, CPP): em caso de não-cumprimento da carta rogatória, o prazo voltará a correr a partir da juntada do mandado de citação não cumprido ao processo.

(g) Quando do reconhecimento de repercussão geral em Recurso Extraordinário

Em 2017, o Supremo Tribunal Federal acabou por criar causa suspensiva de prescrição não prevista em lei ao reconhecer a repercussão geral no RE 966.177, de relatoria do Ministro Luiz Fux, cujo objeto é discutir a tipicidade da exploração de jogos de azar (art. 50 da Lei de Contravenções Penais). Com base no art. 1.035, § 5º, do CPC/20159,  o Pretório Excelso determinou a suspensão de todos os processos que versavam sobre esta infração penal, bem como a suspensão da prescrição durante este período, até o julgamento do caso selecionado como paradigma.

(h) Acordo de leniência nos crimes contra a ordem econômica (art. 87 da Lei 12.529/2012).10 

(i) Crimes contra a ordem tributária: a suspensão da prescrição pode ocorrer em várias hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, como na do parcelamento (art. 83, §2º e §3º da Lei 9.430/1996). Ainda, para o Supremo Tribunal Federal, nos crimes materiais contra a ordem tributária (art. 1º da Lei 12.382/2011) o lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo importa na falta de justa causa para a ação penal, suspendendo, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo.11 


8. Prescrição da pretensão executória (PPE)


8.1. Conceito 


É a perda do poder-dever do Estado de executar a sanção imposta, em face de sua inércia durante determinado lapso temporal.


8.2. Efeitos 


Ao contrário da prescrição da pretensão punitiva, que extingue todos os efeitos da condenação, a prescrição da pretensão executória só extingue a pena principal, permanecendo, com isso, inalterados os efeitos secundários, penais e extrapenais da condenação. Assim, mesmo reconhecida a prescrição da pretensão executória, desde que não decorridos cinco anos da decretação da extinção da pena (período depurador), será o criminoso tido como reincidente.


8.3. Termos iniciais 


(a) Trânsito em julgado para a acusação

Apesar de ser o expressamente previsto em lei, trata-se de situação absolutamente incompreensível, na medida em que a sentença só pode começar a ser cumprida depois do trânsito em julgado para ambas as partes. 

A posição ainda majoritária na doutrina e na jurisprudência é de que o Código Penal deve ser interpretado literalmente neste aspecto. Porém, a consequência desta interpretação pode gerar a ocorrência da prescrição da pretensão executória antes mesmo de que o Estado adquira o direito de começar a executar a pena.

Parcela minoritária dos penalistas defende que o art. 112, inciso I, Código Penal, deve ser interpretado de modo sistemático, integrado ao ordenamento jurídico e de maneira conforme à Constituição Federal. Assim, a contagem do prazo prescrição da pretensão executória só teria efetivo início quando o Estado adquirir sua pretensão executória, ou seja, puder efetivamente dar início ao cumprimento da pena.

A discussão chegou ao Supremo Tribunal Federal, no qual será votado o Tema 788, de relatoria do Ministro Dias Toffoli: “[t]ermo inicial para a contagem da PPE do Estado: a partir do trânsito em julgado para a acusação ou a partir do trânsito em julgado para todas as partes”. 

(b) Data em que é proferida decisão que revoga o livramento condicional ou o sursis.

Revogado o sursis ou o livramento condicional, expede-se mandado de prisão para que, no caso de sursis, o agente cumpra a integralidade da pena e, no caso do livramento condicional, cumpra o restante dela. Trata-se do momento em que o Estado adquire o poder-dever de executar a pena, nestes casos.

(c) Dia em que a execução da pena é interrompida por qualquer motivo (por exemplo, fuga).

Neste caso, a prescrição da pretensão executória será calculada com base no restante de pena a ser cumprido.

Importante ressaltar que, no caso de sobrevir doença mental a condenado que esteja cumprindo pena,12 por mais que este deixe o estabelecimento prisional, não há que se falar em termo inicial da prescrição da pretensão executória. Isso porque o sentenciado será transferido para hospital de custódia e tratamento. Logo, tecnicamente, não estará cumprindo pena, mas continuará com a liberdade cerceada e sob a custódia do Estado. Em que pese ter ocorrido a interrupção do cumprimento de pena, não começa a correr o tempo da prescrição da pretensão executória.


8.4. Causas interruptivas (art. 117, V e VI, CP)


(a) Início ou continuação do cumprimento da pena

Enquanto o sentenciado está foragido ou ainda não começou a cumprir a sua pena, o prazo da prescrição da pretensão executória está sendo contado. Porém, assim que é capturado ou recapturado, a contagem será zerada.

Saliente-se que o prazo ficará “congelado” no zero, pois, uma vez recapturado, o sentenciado voltará a cumprir a pena e o prazo não correrá.

(b) Reincidência subsequente ou futura

No caso de o sentenciado, estando foragido, cometer outro crime, o prazo da prescrição da pretensão executória será interrompido e sua contagem será reiniciada. A interrupção da prescrição ocorre na data em que o novo crime é praticado e não na data em que transita em julgado a sentença condenatória pela prática desse novo delito.

É o entendimento da maioria da doutrina, encabeçada por Guilherme de Souza Nucci: 

“Trata-se de marco interruptivo da pretensão executória. A reincidência verifica-se pela prática do segundo delito, embora fique o seu reconhecimento pelo juiz condicionado à condenação. Há quem sustente que, pelo princípio da presunção de inocência, somente a data da condenação com trânsito em julgado pode fazer o juiz reconhecer a existência da reincidência. Esta última posição não é a correta, pois a lei é clara ao mencionar apenas reincidência, que é o cometimento de outro crime depois de já ter sido condenado. Ora, ainda que se dependa da condenação definitiva para se ter certeza do marco interruptivo, este se dá muito antes do trânsito em julgado da segunda condenação”.13 


9. Aumento do prazo prescricional (art. 110, caput, in fine, CP)


O prazo da prescrição da pretensão executória será acrescido de um terço se o sentenciado for reconhecido como reincidente na sentença condenatória.

Logo, a reincidência pode impactar de duas maneiras a prescrição da pretensão executória: a antecedente aumentará em 1/3 o prazo prescricional e a subsequente interromperá tal prazo.

Tal cenário somente se observará na prescrição da pretensão executória, conforme enunciado da Súmula 220 do STJ: “[a] reincidência não influi no prazo da prescrição da pretensão punitiva”.


10. Diminuição dos prazos prescricionais (art. 115, CP)


Tanto a prescrição da pretensão punitiva quanto a prescrição da pretensão executória têm seus prazos prescricionais reduzidos pela metade no caso de o agente ser menor de 21 anos à época dos fatos ou maior de 70 anos na data da sentença.


11. Prescrição das penas restritivas de direitos (art. 109, CP)


Via de regra, as penas restritivas de direitos prescrevem no mesmo tempo das penas privativas de liberdade, consoante reza o parágrafo único do art. 109 do CP, até por serem substitutivas destas.

Já o prazo da prescrição da pretensão executória de pena restritiva de direitos descumprida pelo condenado é calculado de acordo com o tempo faltante da pena alternativa aplicada em substituição à pena privativa de liberdade. 14

Ocorre que nem todas as penas restritivas de direitos são substitutivas às penas privativas de liberdade. A Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) prevê crime cuja pena cominada é unicamente restritiva de direitos.

Trata-se do crime do art. 28 da Lei de Drogas (adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo drogas para consumo pessoal), que obedece a previsão expressa no art. 30 da mesma lei. O prazo prescricional é de 2 (dois) anos, em que pese serem aplicáveis, para este crime, as causas interruptivas do Código Penal.


12. Prescrição de medidas de segurança


As medidas de segurança, de acordo com o Código Penal, podem ser aplicadas aos inimputáveis e aos semi-imputáveis quando comprovada a sua periculosidade. Em qualquer hipótese, submetem-se ao instituto da prescrição, pois tratam-se de espécies de sanção penal.

Polêmica não há em relação aos semi-imputáveis: a prescrição segue a sistemática relativa às penas privativas de liberdade, uma vez que, neste caso, existe uma sentença condenatória concreta apta a servir de parâmetro para o cálculo do prazo prescricional. Ou seja, por ser condenado o réu semi-imputável, o juiz deve, de acordo com as regras da dosimetria, fixar uma pena para, após, substituí-la por medida de segurança.

A discussão reside no caso dos inimputáveis. Existem duas posições acerca do tema, abaixo explanadas.

(a) É possível somente a prescrição da pretensão punitiva, com base na pena máxima em abstrato, inexistindo a prescrição da pretensão executória para os inimputáveis. O motivo seria que esta última modalidade de prescrição exige a imposição de pena concreta, o que não existe no caso de medida de segurança aplicada ao inimputável. Para os defensores deste posicionamento, no caso de fuga do inimputável ou de demora para o início da execução da medida de segurança, quando da sua captura, deve ser reanalisada a sua periculosidade. Caso persista, a medida de segurança deve ser aplicada; caso não mais se verifique, a sanção penal deve ser extinta.

(b) Tanto a prescrição da pretensão punitiva quanto a prescrição da pretensão executória podem ocorrer em relação às medidas de segurança, sendo ambas calculadas conforme a pena máxima em abstrato.

Esta segunda posição é o entendimento consolidado tanto no Supremo Tribunal Federal15  quando no Superior Tribunal de Justiça.16 


13. Prescrição da pena de multa


O art. 114 do Código Penal estabelece como a pena de multa prescreve, no que tange à prescrição da pretensão punitiva: em dois anos quando for aplicada isoladamente ou for a única cominada in abstracto; no mesmo prazo estabelecido para a prescrição da pena privativa de liberdade, quando a multa for alternativa ou cumulativamente aplicada ou cominada com aquela prevista no tipo penal.

Diante disso, temos:

(a) Quando a multa for cominada ou imposta pela sentença condenatória isoladamente, ela prescreverá no prazo de dois anos.

(b) Quando a multa for cominada abstratamente no tipo penal, cumulativa ou alternativamente com a pena privativa de liberdade, ou quando imposta na sentença condenatória juntamente com a pena privativa de liberdade, o prazo prescricional será o mesmo desta, obedecendo, portanto, ao princípio estabelecido no art. 118 do Código Penal, de que as penas mais leves prescrevem com as mais graves.

Ressalte-se que o artigo em tela faz menção tão somente à prescrição da pretensão punitiva, não se aplicando, com isso, à prescrição da pretensão executória da pena de multa. Neste caso, a discussão é antiga na doutrina e na jurisprudência.

Estava sedimentado o entendimento de que a prescrição da pretensão executória será regulada pela legislação tributária, vez que passa ela a ser considerada dívida de valor, prescrevendo, pois, em cinco anos, prazo que deverá ser observado pela Fazenda Pública, a responsável por sua execução. Este entendimento ganhou força quando foi firmada a seguinte tese em sede de julgamento de recursos repetitivos: “[n]os casos em que haja condenação a pena privativa de liberdade e multa, cumprida a primeira (ou a restritiva de direitos que eventualmente a tenha substituído), o inadimplemento da sanção pecuniária não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade”.17 

Uma segunda corrente entende que o prazo de prescrição da pretensão executória da pena de multa é o mesmo da pena privativa de liberdade, se aplicada conjuntamente com esta, em obediência ao art. 118 do Código Penal, pelo qual as penas mais leves prescrevem com as mais graves. E se foi a única imposta ao condenado, a pena de multa prescreve em dois anos (art. 114, inciso I, CP).

Parece que o entendimento majoritário fará guinada para esta segunda corrente. Isso porque o Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida no dia 13 de dezembro de 2018, no Plenário, por maioria de votos (7x2), na ADI 3.150, decidiu que a multa é de natureza penal e o órgão legitimado a promover a execução é o Ministério Público.18 

Com o trânsito em julgado desta ação, entendemos que não caberá mais enviar a execução da multa à Procuradoria da Fazenda, nem tampouco julgar extinta a punibilidade, quando o réu ainda não pagou a multa, mas cumpriu a pena privativa de liberdade.


14. Crimes complexos, crimes conexos e crime continuado


Quanto aos crimes complexos, a prescrição da pretensão punitiva no que se refere a crime que compõe elemento típico de outro não se comunica a este. Por exemplo, no crime de extorsão mediante sequestro, a prescrição do delito de sequestro em nada afeta o tipo penal complexo do art. 159, que terá sua prescrição calculada com a pena ali cominada.

Nos crimes conexos, de outro lado, a prescrição é calculada para cada delito isoladamente. 

Por fim, no que tange ao crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação, de acordo com a Súmula 497 do STF.


15. Legislação especial


As disposições quanto à prescrição do Código Penal Militar aplicam-se tanto aos crimes militares (próprios ou impróprios), quanto aos delitos constantes na Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1983).

Por sua vez, a Lei 11.105/2005 (Lei de Falências) alterou a prescrição dos crimes falimentares, que antes ocorria em dois anos, fazendo com que tais delitos seguissem os critérios erigidos no Código Penal, nos termos do art. 182 da Lei de Falências. Além disso, o mesmo dispositivo estipula que o termo inicial da prescrição dos delitos falimentares se dá a partir do dia da decretação de falência, da concessão da recuperação judicial ou da homologação do plano de recuperação extrajudicial.19


Notas

1 CP, art. 10: “O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendário comum”.

2  Siegfried Ellwanger, sócio editor da Editora Revisão Ltda., foi denunciado como incurso no art. 20 da Lei 7.716/1989. Foi absolvido em primeira instância, tendo a juíza fundamentado sua decisão no fato do caso em tela não ter ultrapassado os limites da liberdade de expressão. O processo foi, em grau de recurso, para o Tribunal de Justiça, que entendeu que os livros publicados por Siegfried Ellwanger, O judeu internacional, de Henry Ford, Holocausto judeu ou alemão?, de S. E. Castan, A história secreta do Brasil, de Gustavo Barroso, Os conquistadores do mundo, de Louis Marschalko, Hitler, culpado ou inocente?, de Sérgio Oliveira, e Os protocolos dos sábios de Sião, texto completo e apostilado por Gustavo Barroso, faziam apologia discriminatória e que o réu tinha praticado o racismo, condenando-o à pena de dois anos de reclusão. A questão foi, ainda, levada ao Superior Tribunal de Justiça em ordem de habeas corpus, que, por maioria de votos, denegou a ordem, entendendo que o crime praticado contra a comunidade judaica foi de racismo, para os fins do art. 5º, XLII, da CF. Por fim, o processo seguiu para a última instância, o Supremo Tribunal Federal, onde, após exausta discussão, por maioria de votos, Siegfried Ellwanger foi condenado pela prática de racismo contra o povo judeu (HC 82.424-2/RS).

3 Julgamento conjunto da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26 (número único 9996923-64.2013.1.00.0000) e do Mandado de Injunção 4733 (número único 9942814-37.2012.1.00.0000).

 4 Neste tocante, nosso entendimento é de que houve flagrante e brutal violação ao princípio da reserva legal (não há crime sem LEI anterior que o defina), pois diferentemente da interpretação dada à expressão racismo no “Caso Ellwanger – HC 82424-RS”, o elemento dos tipos penais “religião” está expressamente previsto na Lei 7.716/1989, vale dizer, possui previsão LEGAL. Diferentemente, orientação sexual ou condição de pessoa LGBT, não. E, se a lei não pode conter palavras inúteis (princípio elementar de hermenêutica, como estabelecido em Carlos Maxiliano: “Presume-se que a lei não contenha palavras supérfluas; devem todas serem entendidas como escritas adrede para influir no sentido da frase respectiva” (MAXILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito, p. 110), obviamente a expressão “racismo” - que não é mencionada em uma única vez na Lei 7.716/89 – não pode servir de guarda-chuva para agrupar todo e qualquer grupo alvo de preconceitos e de discriminações (somente aqueles definidos como tais, por lei, repita-se). Logo, não há lógica semântica nem razoabilidade em dizer que o preconceito contra a população LGBT é racismo. Se assim fosse, preconceito contra as mulheres poderia ser racismo se o Supremo Tribunal Federal assim entendesse, ou o preconceito contra os pobres ou contra palmeirenses, ou contra vascaínos, etc. Não se trata de discordar ou não que deva ser criminalizada a homofobia (como também deveria ser pensado se o machismo deve ser criminalizado ou não), mas abrir mão de um princípio previsto na Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 11), na Constituição da República (art. 5º, inciso XXXIX), na Convenção Americana Sobre Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica (art. 9) e no Código Penal (art. 1º), significa abrir mão de um dos principais direitos humanos ligados à liberdade, com o que não se pode concordar, nem mesmo a pretexto de defesa de minorias. Nunca é demais alertar àqueles que hoje acham e que ao tempo da decisão judicial acharam correta a criminalização da homofobia pela Corte Suprema brasileira: tais pessoas não terão legitimidade (por absoluta falta de coerência) se o mesmo Supremo Tribunal Federal, numa hipotética situação futura, decidir criminalizar, por exemplo, “manifestações explícitas de afeto em público, por pessoas do mesmo sexo biológico”. Afinal, “quem com ferro fere, com ferro será ferido”.

 5 O Superior Tribunal de Justiça decidiu que o delito de injúria racial seria mais um no cenário do racismo e, portanto, a sua pena não se submeteria à prescrição (AgRg no AREsp 686.965, 6ª Turma, rel. Min. Ericson Maranho, j. 18.08.2015). Não comungamos desta opinião, que não foi reiterada pelo Superior Tribunal de Justiça e tampouco encampada pelo Supremo Tribunal Federal.

6  Súmula 191 do STJ: “A pronúncia é causa interruptiva da prescrição, ainda que o Tribunal do Júri venha a desclassificar o crime”.

7  Por todos: STF, RE 460.971/RS, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 30.03.2007.

8  Por todos: STF, RHC 69.270/SP, rel. Min. Felix Fischer, j. 26.08.2016.

9  CPC, art. 1.035, § 5º: “Reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional”.

10 Lei 12.529/2012, art. 87. Nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os tipificados na Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, e os tipificados no art. 288 do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, a celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação ao agente beneficiário da leniência.

Parágrafo único. Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a punibilidade dos crimes a que se refere o caput deste artigo”.

11 STF, ARE no ED 709.719/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 04.12.2012. 

12  Art. 41 do CP: “O condenado a quem sobrevém doença mental deve ser recolhido a hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, a outro estabelecimento adequado”. (Redação dada pela Lei 7.209, de 11.07.1984) 

13  NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado, pp. 572-573.

14 STF, HC 232.764/RS, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 25.06.2012.

15 “EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. MEDIDA DE SEGURANÇA. LAUDO PERICIAL ASSINADO POR UM ÚNICO PERITO OFICIAL: VALIDADE. PRESCRIÇÃO PELA PENA MÍNIMA EM ABSTRATO: IMPOSSIBILIDADE. 1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido da validade do laudo pericial assinado por um único perito oficial. 2. A medida de segurança é espécie do gênero sanção penal e se sujeita, por isso mesmo, à regra contida no artigo 109 do Código Penal. Impossibilidade de considerar-se o mínimo da pena cominada em abstrato para efeito prescricional, por ausência de previsão legal. O Supremo Tribunal Federal não está, sob pena de usurpação da função legislativa, autorizado a, pela via da interpretação, inovar o ordenamento, o que resultaria do acolhimento da pretensão deduzida pelo recorrente. Recurso ordinário em habeas corpus ao qual se nega provimento”. (STF, RHC 86.888/SP, Rel. Min. Eros Grau, j. 08.11.2005).

 16 “RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. INIMPUTABILIDADE. MEDIDA DE SEGURANÇA. TESE DISTINTA DA CAUSA DE ISENÇÃO DE PENA. INEXISTÊNCIA. ALEGAÇÃO GENÉRICA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 1. Nos termos do artigo 415, parágrafo único, do Código de Processo Penal, o juiz poderá absolver desde logo o acusado pela prática de crime doloso contra a vida se restar demonstrada a sua inimputabilidade, salvo se esta não for a única tese defensiva. 2. A simples menção genérica de que não haveria nos autos comprovação da culpabilidade e do dolo do réu, sem qualquer exposição dos fundamentos que sustentariam a tese defensiva, não é apta a caracterizar ofensa à referida inovação legislativa. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA IMPRÓPRIA. IMPOSIÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA. PRESCRIÇÃO. APLICABILIDADE. INTERNAÇÃO. MARCO TEMPORAL. PENA MÁXIMA ABSTRATAMENTE PREVISTA PARA O DELITO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. INOCORRÊNCIA. RECURSO IMPROVIDO. 1. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que o instituto da prescrição é aplicável na medida de segurança, estipulando que esta "é espécie do gênero sanção penal e se sujeita, por isso mesmo, à regra contida no artigo 109 do Código Penal" (STJ, RHC n. 86.888/SP, Rel. Min. Eros Grau, j. 2.12.2005). 2. Sedimentou-se nesta Corte Superior de Justiça o entendimento no sentido de que a prescrição nos casos de sentença absolutória imprópria é regulada pela pena máxima abstratamente prevista para o delito. Precedentes. 3. Na hipótese, não se verifica o transcurso do prazo prescricional aplicável entre os marcos interruptivos. 4. Recurso improvido. (STJ, EREsp 39.920/RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 06.2.2014)”.

17  “Extinta pelo seu cumprimento a pena privativa de liberdade ou a restritiva de direitos que a substituir, o inadimplemento da pena de multa não obsta a extinção da punibilidade do apenado, porquanto, após a nova redação dada ao art. 51 do Código Penal pela Lei n. 9.268/1996, a  pena  pecuniária  passou a ser considerada dívida de valor  e,  portanto,  possui  caráter  extrapenal,  de  modo que sua execução  é  de  competência  exclusiva  da  Procuradoria da Fazenda Pública” (STJ, REsp 1.519.777/SP, rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j.28.05.2015). 

18 “EMENTA: EXECUÇÃO PENAL. CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PENA DE MULTA. LEGITIMIDADE PRIORITÁRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO CONFORME. PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO. 1. A Lei nº 9.268/1996, ao considerar a multa penal como dívida de valor, não retirou dela o caráter de sanção criminal, que lhe é inerente por força do art. 5º, XLVI, c, da Constituição Federal. 2. Como consequência, a legitimação prioritária para a execução da multa penal é do Ministério Público perante a Vara de Execuções Penais. 3. Por ser também dívida de valor em face do Poder Público, a multa pode ser subsidiariamente cobrada pela Fazenda Pública, na Vara de Execução Fiscal, se o Ministério Público não houver atuado em prazo razoável (90 dias). 4. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga parcialmente procedente para, conferindo interpretação conforme à Constituição ao art. 51 do Código Penal, explicitar que a expressão “aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição”, não exclui a legitimação prioritária do Ministério Público para a cobrança da multa na Vara de Execução Penal. Fixação das seguintes teses: (i) O Ministério Público é o órgão legitimado para promover a execução da pena de multa, perante a Vara de Execução Criminal, observado o procedimento descrito pelos artigos 164 e seguintes da Lei de Execução Penal; (ii) Caso o titular da ação penal, devidamente intimado, não proponha a execução da multa no prazo de 90 (noventa) dias, o Juiz da execução criminal dará ciência do feito ao órgão competente da Fazenda Pública (Federal ou Estadual, conforme o caso) para a respectiva cobrança na própria Vara de Execução Fiscal, com a observância do rito da Lei 6.830/1980”.

 19 Art. 182 da Lei 11.101/2005: “A prescrição dos crimes previstos nesta Lei reger-se-á pelas disposições do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, começando a correr do dia da decretação da falência, da concessão da recuperação judicial ou da homologação do plano de recuperação extrajudicial.

Parágrafo único. A decretação da falência do devedor interrompe a prescrição cuja contagem tenha iniciado com a concessão da recuperação judicial ou com a homologação do plano de recuperação extrajudicial”.

 


Referências

FERRARI, Eduardo Reale. Medidas de segurança e direito penal no estado democrático de direito. São Paulo: RT, 2001

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2008

SANTOS, Christiano Jorge. Crimes de preconceito e de discriminação. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

SANTOS, Christiano Jorge. Direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.

_______________. Prescrição e imprescritibilidade. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. 

Citação

SANTOS, Christiano Jorge. Prescrição penal. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Penal. Christiano Jorge Santos (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/430/edicao-1/prescricao-penal

Edições

Tomo Direito Penal, Edição 1, Agosto de 2020