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Crimes contra a honra
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Cleber Rogério Masson
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Tomo Direito Penal, Edição 1, Agosto de 2020
Três são os crimes contra a honra previstos pelo Código Penal: calúnia (art. 138), difamação (art. 139) e injúria (art. 140). Os delitos têm significação própria e não se confundem.
Nada obstante, também há previsão de tipos específicos, prescritos em leis especiais. Assim, tem-se o Código Penal Militar (Decreto-lei 1.001/1969), a Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1983) e o Código Eleitoral (Lei 4.737/1965).
Portanto, as três infrações penais arroladas pelo Código Penal têm natureza subsidiária ou residual. Desta forma, não serão aplicados, caso haja subsunção do fato aos tipos previstos em leis especiais, por força do princípio da especialidade.
Convém ressaltar, ao fim, que a Lei de Imprensa (Lei 5.250/1967) também possuía previsão de crimes especiais contra a honra. No entanto, o diploma não foi recepcionado pela nova ordem constitucional, conforme restou decidido no julgamento da ADPF 130 (Plenário, rel. Min. Carlos Britto, j. 30.04.2009).
1. Conceitos de honra
Honra é o conjunto de atributos físicos, morais e intelectuais de um ser humano, que o fazem merecedor de respeito no meio social e promovem sua autoestima. É inerente a todo indivíduo e sua ofensa causa dor psíquica, abolo moral, desdobrando-se em repulsa ao ofensor.
Traduz o valor social do indivíduo, porque intimamente ligada à sua aceitação ou reprovação no seio social. Assim, não há dúvidas de que integra um patrimônio moral digno de tutela penal.1
Trata-se, pois, de direito fundamental, previsto no art. 5º, inciso X, da Constituição Federal, corroborando a releitura constitucional do Direito Penal.
2. Espécies de honra
2.1. Honra objetiva
Honra objetiva é a visão externa, da sociedade, sobre as qualidades de determinado indivíduo. Cuida-se da reputação do sujeito no seio social. Em suma, trata-se do julgamento que as pessoas fazem de alguém.
Os tipos de calúnia e de difamação vulneram a honra objetiva, exigindo a atribuição da prática de um fato a outrem, previsto em lei como crime (calúnia) ou tão somente ofensivo à sua reputação (difamação). Em ambos os delitos, demanda-se a imputação de um fato específico e determinado. Além disso, por tutelar a honra objetiva, ou seja, o julgamento feito por terceiros, consumam-se quando a ofensa proferida contra o sujeito passivo chega ao conhecimento de outra pessoa.
2.2. Honra subjetiva
Honra subjetiva é o próprio sentimento que cada um possui sobre as suas respectivas qualidades físicas, morais e intelectuais. É o juízo singular que cada um faz de si mesmo (autoestima).
A honra subjetiva ainda é dividida em honra dignidade, englobando as particularidades morais e, também, honra decoro, abrangendo as qualidades físicas e intelectuais.
Destarte, a honra subjetiva é tutela pelo crime de injúria. Inexiste atribuição de um fato específico, mas a imputação de um atributo negativo.
Didático o seguinte precedente do Supremo Tribunal Federal:
“I – O tipo de calúnia exige a imputação de fato específico, que seja criminoso, e a intenção de ofender a honra da vítima, não sendo suficiente o animus defendendi. II – O tipo de difamação exige a imputação de fato específico. III – A atribuição da qualidade de irresponsável e covarde é suficiente para a adequação típica face ao delito de injúria” (STF, Inq. 2.582/RS, Tribunal Pleno, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 21.09.2007).
2.3. Honra comum
A honra comum versa sobre qualidade da vítima enquanto pessoa humana, sendo irrelevante a atividade desempenhada.
2.4. Honra especial (profissional)
A honra especial está referenciada a atividade particular do ofendido. Exemplo: dizer que um determinado advogado é um rábula.
3. Crime de calúnia
3.1. Conceito
Caluniar consiste em atribuir falsamente a alguém a prática de um crime definido como crime. O código foi repetitivo ao empregar os núcleos “caluniar” e “imputar”, ambos dotados de mesma significação.
De melhor técnica, bastaria ao legislador ter atribuído o nomen juris do delito de calúnia e previsto a conduta de “imputar a alguém, falsamente, fato definido como crime”.
Logo se vê que a calúnia nada mais é do que um crime de difamação especial, ou seja, uma espécie de difamação. Atinge, de igual modo, a honra objetiva, irrogando ao ofendido um fato desabonador, em especial, um evento subsumido a uma norma penal incriminadora.
3.2. Objetividade jurídica
Como visto, o crime tutela a honra objetiva, a reputação do sujeito no meio social.
3.3. Objeto material
O objeto do crime de calúnia é a pessoa exposta à conduta criminosa.
3.4. Núcleo do tipo
O verbo núcleo do tipo é “caluniar”. Frise-se a redundância do legislador, pois caluniar é o mesmo que imputar. A conduta consiste justamente em atribuir a alguém a prática de um determinado fato.
Tal fato deve ser previsto em lei como criminoso, qualquer que seja sua espécie: doloso ou culposo, punido com reclusão ou com detenção, de ação penal pública, seja condicionada ou incondicionada. Logo, é possível que o crime de calúnia decorra da imputação do próprio crime de calúnia.2
Com efeito, exige-se a atribuição da prática de um fato determinado, ou seja, de uma situação concreta, disciplinada pela descrição do autor, objeto e suas circunstâncias. Assim, se o indivíduo é chamado apenas de ladrão, será resguardado pelo crime de injúria. Para a caracterização do delito de calúnia seria necessária a seguinte construção: no dia 10 de fevereiro de 2009, por volta das oito horas, “A”, com o emprego de arma de fogo, ameaçou de morte a vítima “B”, dela subtraindo um aparelho celular.
O tipo, ainda, reclama que o fato seja verossímil, sob o risco de não subsistir o crime de calúnia. Não há crime, pois, na conduta daquele que imputa a subtração da lua a outrem.
Além disso, a ofensa deverá ser direcionada a pessoa certa e determinada.
A imputação falsa de contravenção não é capaz de tipificar o crime de calúnia. O tipo faz referência tão somente à espécie crime (gênero de infração penal). Vale frisar que o Direito Penal não admite integração da lacuna por analogia, não existindo dúvidas, no entanto, de que tal conduta também é atentatória à honra alheia.
Por fim, se a lei posterior retirar o caráter criminoso do fato imputado (abolitio criminis), desaparecerá a calúnia. A conduta não será, de imediato, atípica. Isto porque, o fato poderá ser desonroso, hipótese em que subsistirá a difamação. Nos demais casos, o crime deixará de existir.
3.5. Elemento normativo do tipo “falsamente”
O Código Penal não tem por escopo a tutela de criminosos. Logo, para existir o crime de calúnia a imputação de crime deve ser falsa. Assim, a falsidade poderá recair sobre: (a) o fato (o crime atribuído à vítima da calúnia não ocorreu) ou (b) o envolvimento no fato (o crime foi praticado, mas o caluniado não tem nenhuma responsabilidade).
Admite-se, desta forma, a figura do erro de tipo, com a exclusão do dolo (não há consciência), quando o sujeito ativo, agindo de boa-fé, acredita equivocamente ser verdadeira a acusação.
3.6. Formas de calúnia
(a) Inequívoca ou explícita
A ofensa é direta, manifesta, inexistindo qualquer dúvida da intenção do agente de atacar a honra do ofendido.
(b) Equívoca ou implícita
A ofensa é velada, discreta, de modo que o agente, sorrateiramente, transmite que a vítima teria praticado delito.
(c) Reflexa
O autor, com o intuito de caluniar a vítima, acaba por depreciar também outra pessoa. Ex. “A” quer atribuir a “B”, policial militar, o crime de corrupção passiva. Por via reflexa, considerando que o fato é falso, também pratica calúnia em relação ao particular que teria oferecido a vantagem indevida
3.7. Consumação
A tutela da honra objetiva impõe a consumação do delito no exato momento em que a imputação falsa chega ao conhecimento de terceiro, sendo irrelevante se a própria vítima tomou conhecimento ou não do fato. Tampouco é necessário que um número indeterminado ou elevado de pessoas tome conhece do injusto.
3.8. Tentativa
A possibilidade de tentativa está relacionada com a forma pela qual é cometida a calúnia.
A forma verbal é unissubsistente e, portanto, não admite o conatus. Porém, nas hipóteses em que o injusto é perpetrado por via eletrônica, caso haja interrupção por circunstâncias alheias à vontade do agente, em tese, é possível a ocorrência da tentativa, como na hipótese de uma chamada via computador.
Por outro lado, classicamente, na forma escrita, é possível a tentativa, tal como no exemplo em que a carta é extraviada.
3.9. Calúnia e denunciação caluniosa: distinções
Na calúnia o autor se limita a imputar a alguém, falsamente perante terceira pessoa, um fato previsto como crime. A denunciação caluniosa vai além. O agente também leva tal afirmação desonrosa ao conhecimento da autoridade pública, movimentando a máquina estatal, mediante a instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém que sabe inocente.
Diferencia-se, ainda, pois a calúnia, crime contra a honra, processa-se, em regra, por ação penal privada. Já a denunciação caluniosa tutela a Administração da Justiça, processando-se por ação penal pública incondicionada.
Por fim, a imputação falsa de contravenção penal não constitui calúnia. Porém, o mesmo objeto, quanto ao crime de denunciação caluniosa, constitui causa de redução de pena pela metade.
3.10. Subtipo do crime de calúnia: art. 138, §1
O art. 138, § 1º, do Código Penal prescreve que: “na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga”.
A hipótese incide sobre sujeito que, após tomar conhecimento da imputação da imputação falsa de um crime à vítima, prossegue na divulgação e na propagação da inverdade.
Propalar é relatar verbalmente. Divulgar consiste em relatar por qualquer outro modo. Tais verbos tipificam a conduta do sujeito, não constituindo resultados do tipo.
A figura equiparada é incompatível com o dolo eventual, haja vista a utilização do Código Penal da expressão “sabendo falsa a imputação”, indicativa da adoção exclusiva do dolo direto.
Para a doutrina majoritária, não é cabível a tentativa, pois o sujeito ouviu e se cala ou, então, relata o que ouviu e, nesta hipótese, o crime já estará consumado. Porém, entendemos ser possível o conatus, na hipótese de divulgação, como no caso em que o sujeito pretende espalhar o fato por um outdoor, mas um raio vem a destruí-lo.
3.11. Calúnia contra os mortos
Por expressa previsão legal, é cabível a punição da calúnia praticada contra os mortos (art. 138, § 2º, do Código Penal).
O tipo só é admitido sobre fatos ocorridos no período em que o morto ainda estava vivo.
A previsão é exclusiva para o crime de calúnia.
A lei penal busca tutelar a boa memória dos mortos, bem como o interesse dos familiares de preservar a dignidade do falecido. As vítimas são cônjuge e os familiares do morto que já não te direitos a serem penalmente guarnecidos.
3.12. Exceção da verdade: art. 138, § 3º
A falsidade de imputação é presumida de forma relativa, admitindo prova em sentido contrário. Logo, o suposto autor da infração penal de calúnia poderá comprovar a veracidade do fato desabonador que constitui crime, através da exceção da verdade.
Constitui incidente procedimental e prejudicial, pois impede a análise do mérito do crime de calúnia. O fundamento é o interesse público na efetiva apuração do crime apontado, vez que a calúnia tem por escopo a tutela da honra e não a defesa de criminosos.
Cuida-se de incidente processual e prejudicial, devendo ser solucionado antes da ação penal. Ademais, constitui em medida facultativa de defesa indireta, pois o acusado pelo crime contra a honra não é obrigado a exercer a exceção da verdade, podendo se defender apenas diretamente, como negando a autoria.
Na hipótese de autoridade pública com prerrogativa de foro (foro especial), a exceção de verdade será decidida pelo Tribunal competente. Assim, se o agente imputar a um juiz de Direito a prática de um fato definido como crime, eventual exceção de verdade deverá ser analisada pelo respectivo Tribunal de Justiça. Porém, a análise da admissibilidade é realizada em primeiro grau. Confira-se:
“1. Nos termos do artigo 85 do Código de Processo Penal, os Tribunais só são competentes para o julgamento da exceção da verdade, cujo juízo de admissibilidade e instrução são feitos perante o magistrado de primeira instância. Doutrina. Precedentes do STJ e do STF. 2. No caso dos autos, a exceção da verdade oposta pelos pacientes foi admitida pela magistrada de primeiro grau, que intimou o excepto para apresentar contestação, ressaltando que a sua competência se restringiria ao processamento do incidente, cujo julgamento será realizado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, não havendo que se falar, por conseguinte, em ofensa ao princípio do juiz natural” (STJ, HC 311.623/RS, 5ª Turma, rel. Min. Jorge Mussi, j. 17.03.2015).
Como a falsidade integra uma elementar do crime de calúnia é, via de regra, admitida. Contudo, o próprio Código Penal expressamente regula hipóteses em que a defesa não será admitida: “I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível”.
Nos crimes de ação penal privada somente a vítima (ou o representante legal, a depender do caso) pode dar início ao processo penal. Tal raciocínio é prestigiado pela norma penal que optou pelo critério do strepitus foro (escândalo de foro), vez que nessas situações a publicidade do ato poderia ser ainda mais prejudicial ao ofendido do que a próprio impunidade do crime de calúnia: “II - se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do art. 141”.
A previsão tem assento constitucional, pois a Constituição Federal impede o início da ação penal contra o Presidente da República, somente depois de autorização da Câmara dos Deputados (art. 86, caput, CF).
De igual modo, os chefes de governo estrangeiro estão sujeitos à imunidade diplomática.
Vicente Greco Filho, contrário a estas proibições legais, aduz que o dispositivo, não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, tendo em vista a plenitude do regime democrático, no qual a verdade não admite restrição à sua emergência, qualquer que seja a autoridade envolvida3: “III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível”.
A garantia constitucional da coisa julgada, nesta hipótese, impede a apresentação da exceção da verdade (art. 5º, inciso XXXVI, da CF).
Contudo, caso tenha sobrevindo a extinção da punibilidade quanto ao crime anterior, sem a análise meritória da imputação, a exceção da verdade será oponível.
Vê-se que nas três hipóteses precitadas haverá a estranha possibilidade de calúnia com a imputação verdadeira de fato definido como crime como crime, pois ao acusado não será permitido o manejo da exceção da verdade. Verdadeiro ou não, o fato desonroso poderá constituir a calúnia.
Porém, há entendimento que sustenta a inconstitucionalidade desta perspectiva, por ofensa ao princípio constitucional da ampla defesa.
4. Crime de difamação
4.1. Conceito
Trata-se de crime que tutela a honra objetiva e, tal como na difamação, exige-se a imputação de algum fato a alguém. Contudo, o fato não precisa ser definido como crime, sendo suficiente a aptidão para macular a reputação alheia, pouco importando se verdadeiro ou falso.
O agente deve fazer referência a um acontecimento com circunstâncias descritivas, abrangendo o momento, o local e as pessoas envolvidas. Caso o autor apenas impute a qualidade de bêbado ao ofendido, restará tipificado o crime de injúria. Por outro lado, se pormenorizado que a vítima cambaleava em via pública extremamente embriagada, subsistirá o crime de difamação.
Oportuno o julgado do Supremo Tribunal Federal:
“a tipicidade do crime contra a honra que é a difamação há de ser definida a partir do contexto em que veiculadas as expressões, cabendo afastá-la quando se tem simples crítica à atuação de agente público, revelando-a fora das balizas próprias” (STF, Inq. 2.154/DF, Tribunal Pleno, rel. Min. Marco Aurélio, j. 17.12.2004).
Vale lembrar que a atribuição de um fato definido como contravenção penal configura difamação e não tipifica o crime de calúnia, em que se exige expressamente a subsunção a fato previsto como crime.
4.2. Objetividade jurídica
O tipo penal tutela a honra objetiva
4.3. Objeto material
O sujeito que tem a honra atacada pela conduta difamatória
4.4. Núcleo do tipo
Difamar é imputar a alguém um fato desabonador, desacreditando publicamente uma pessoa, comprometendo os atributos que a tornam merecedora de respeito no seio social.
O Superior Tribunal de Justiça ressalta que a difamação é tipificada: “a partir da imputação deliberada de fato ofensivo à reputação da vítima, não sendo suficiente a descrição de situações meramente inconvenientes ou negativas” (STJ, APn 574/BA, Corte Especial, rel. Min. Eliana Calmon, j. 18.08.2010).
Ao contrário do crime de calúnia, não há no tipo penal a previsão do elemento normativo falsamente. Logo, remanesce o crime de difamação, mesmo que o fato seja verdadeiro (salvo quando o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções). O legislador demonstrou que não é permitido realizar comentários desabonadores sobre a vida alheia, sendo vedado o ataque desnecessário à honra.
No entanto, ainda que o tipo penal não faça expressa referência, tal como há para o crime de calúnia, a conduta do sujeito que propala difamação de outrem tipifica nova difamação, pois é vedado que se leve tal fato desabonador adiante.
4.5. Consumação
O crime consuma-se no momento em que terceiro toma conhecimento da ofensa.
4.6. Tentativa
O crime perpetrado de modo verbal é unissubsistente e, por isso, não se admite a tentativa. Por outro lado, na forma escrita, é possível o fracionamento do iter criminis, admitindo-se o conatus, tal como a imputação ofensiva registrada em um bilhete que se extravia.
4.7. Exceção da verdade
A exceção da verdade, em regra, não é cabível em relação ao crime de calúnia.
Porém, o Código Penal prevê que “a exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções” – art. 139.
O fundamento da exceção é permitir ao cidadão exercer o direito de fiscalização da atividade dos funcionários públicos4. Cezar Roberto Bitencourt leciona que:
“A difamação somente admite exceção da verdade quando o fato ofensivo é imputado a funcionário público e relacione-se ao exercício de suas funções, pois, nesse caso, o Estado tem interesse em saber se seus funcionários exercem suas funções com dignidade e decoro. Ademais, o servidor público deve ficar exposto à censura, razão pela qual se admite a exceptio veritatis”5.
Há divergência doutrinária sobre a possibilidade de oposição da exceção da verdade em relação ao sujeito que já deixou o cargo público.
Damásio de Jesus defende que:
“É necessário que, ao tempo da prova de verdade, a pessoa ofendida esteja no exercício da função pública. Caso contrário, não se admite a exceptio veritatis. Isso porque o parágrafo único se refere à permissibilidade quando o ofendido é funcionário público. Assim, o Código Penal exige contemporaneidade entre a prova da verdade e o exercício da função”6.
Já Bento de Faria se posiciona pela admissibilidade:
“Não exige a lei que o funcionário público esteja no exercício da função, mas tão somente que a ofensa seja relativa ao seu exercício. Assim sendo, pouco importa que já tenha ele deixado a atividade funcional – a prova da verdade será admissível se a imputação for referente a antiga função”.7
4.8. Exceção da notoriedade
A referida exceção é prevista pelo art. 523 do Código de Processo Penal:
“Quando for oferecida a exceção da verdade ou da notoriedade do fato imputado, o querelante poderá contestar a exceção no prazo de dois dias, podendo ser inquiridas as testemunhas arroladas na queixa, ou outras indicadas naquele prazo, em substituição às primeiras, ou para completar o máximo legal”.
O indivíduo que se vale a exceção de notoriedade aduz a falta de ofensividade de sua conduta, vez que o fato imputado já era de conhecimento público.
Com efeito, a previsão é inútil, pois não há afastamento do tipo penal pela mera falsidade do fato imputado, sendo, por outro lado, irrelevante a sua veracidade. Campo Maia elucida que:
“Os difamadores costumam alegar que o fato imputado é notório; que esse mesmo fato anda na boca de toda gente; que, praticado o ato incriminado, não fizeram senão repetir, com propósitos inocentes, aquilo que ouviram da voz pública, não lhes cabendo a autoria nem da invenção nem da divulgação. Mas essa defesa, por ser internamente despida do sentimento da verdade, não tem a menor consistência jurídica”.8
De igual modo, Rogério Greco disserta:
“ao contrário do que ocorre com o delito de calúnia, a exceção de notoriedade não tem qualquer efeito no que diz respeito ao reconhecimento da difamação, uma vez que, nesta última, não há necessidade de que o fato atribuído seja falso, podendo ser verdadeiro, e mais, de conhecimento público”.9
5. Crime de injúria
5.1. Conceito
A injúria ofende a honra subjetiva. Portanto, ao contrário da difamação e da calúnia, o tipo incrimina a atribuição de qualidade negativa.
A dignidade é ofendida quando são depreciadas qualidades morais. Já o decoro é atacado quando são desabonadas qualidades físicas.
5.2. Objetividade jurídica
Honra subjetiva.
5.3. Objeto material
O indivíduo que tem a honra subjetiva violada
5.4. Núcleo do tipo
Injuriar significa ofender, insultar, falar mal, de modo a abalar o conceito que a vítima possui de si própria. Basta a atribuição de qualidade negativa.
O crime é comissivo, mas Magalhães Noronha exemplifica que: “também por omissão se pode injuriar: se uma pessoa chega a uma casa, onde várias pessoas se acham reunidas e cumprimenta-as, recusando, entretanto, a mão a uma que lhe este a destra, injuria-a”.10
É admitida a injúria indireta, em que além de atacar a pessoa provocada, também é violada a honra de outrem. Ex. a ofensa dirigida a esposa, quando o seu marido é chamado de corno.
5.5. Consumação
Em face da tutela da honra subjetiva, o delito consuma-se com o conhecimento da vítima, tanto quando a injúria é perpetrada na sua presença (injúria imediata), quanto quando tenha sido informada por terceiros (injúria mediata).
5.6. Tentativa
O crime perpetrado na forma escrita é plurissubsistente e, por tal razão, admite tentativa.
Porém, quando praticado de forma oral, ordinariamente, tem-se dito que não é cabível a tentativa. No entanto, considerando os modernos meios de comunicação, é possível vislumbrar-se a hipótese em que a ligação de telefone é interrompida, no exato momento em que é atribuída a qualidade depreciativa. De igual modo, cogita-se o caso de injúria mediata, se o mensageiro deixar de transmitir a ofensa ao destinatário.
5.7. Exceção da verdade
Não é admitida no crime de injúria, pois não há previsão legal.
Além disso, é impossível a prova da veracidade da ofensa, sob o risco de maior violação ao bem jurídico tutelado pelo tipo.
5.8. Perdão Judicial
“I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria”.
Exige-se que a provocação seja reprovável, levando-se em conta as condições dos envolvidos e demais circunstâncias correlatas. Também demanda que a provocação tenha sido realizada face a face.
“II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria”.
Retorsão é o revide. Assim, tão logo a vítima seja ofendida vem a atacar a honra do seu ofensor. Nada impede que haja retorsão à injúria por escrito, desde que seja realizada no momento em que o ofendido tome conhecimento da ofensa originária.
Trata-se de modalidade anômala de legítima defesa.
Não se admite a exclusão para o indivíduo que dá início à discussão ofensiva e nem tampouco há retorsão contra ofensa pretérita.
5.9. Injúria real
Cuida-se da injúria consistente em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se consideram aviltantes. O agente não se vale de palavras, mas sim uma agressão física capaz de envergonhar o ofendido.
Violência é equivalente à lesão corporal, sendo imposto o concurso material obrigatório entre as penas do crime de injúria real e daquele inerente à violência.
A contravenção penal de vias de fato consistente na agressão física sem a intenção de produzir lesão corporal. Neste caso, não há o cúmulo material, pois a previsão de soma de penas é exclusiva para o crime de lesão corporal.
Aviltante significa humilhante, o que será definido de acordo com a natureza do ato ou pelo meio empregado.
5.10. Injúria qualificada
Pune-se com maior rigor (pena de um a três anos, sem prejuízo da multa) a ofensa consistente na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem, ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.
A forma qualificada não se confunde com o crime de racismo, definido pela Lei 7.716/1989, que se consubstancia em manifestações preconceituosas generalizadas ou, ainda, em segregação social. Apenas este crime é inafiançável, imprescritível e de ação pública incondicionada.
5.11. Estatuto do Idoso
O Estatuto do Idoso tem previsão de crime subsidiário consistente em desdenhar, humilhar, menosprezar ou discriminar pessoa idosa, por qualquer motivo – art. 96, § 1º, da Lei 10.741/2003.
5.12. Discriminação dos portadores do vírus HIV e dos doentes de AIDS
Há crime específico previsto pela Lei 12.984/2014:
“Art. 1º Constitui crime punível com reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, as seguintes condutas discriminatórias contra o portador do HIV e o doente de aids, em razão da sua condição de portador ou de doente:
I - recusar, procrastinar, cancelar ou segregar a inscrição ou impedir que permaneça como aluno em creche ou estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado;
II - negar emprego ou trabalho;
III - exonerar ou demitir de seu cargo ou emprego;
IV - segregar no ambiente de trabalho ou escolar;
V - divulgar a condição do portador do HIV ou de doente de aids, com intuito de ofender-lhe a dignidade;
VI - recusar ou retardar atendimento de saúde”.
5.13. Distinção com o crime de desacato
Se a ofensa é realizada na presença de funcionário público, no exercício de sua função ou em razão desta, configura-se o crime de desacato. Por outro lado, se a ofensa não for lançada na presença do funcionário público, subsistirá o crime de injúria.
5.14. Competência para os crimes de injúria cometidas pela internet
A competência é estadual, mesmo se forem utilizadas redes mundiais sediadas no exterior:
“O simples fato de o suposto delito ter sido cometido por meio da rede mundial de computadores, ainda que em páginas eletrônica internacionais, tais como as redes sociais ‘Orkut’ e ‘Twitter’, não atrai, por si só, a competência da Justiça Federal. 2 - É preciso que o crime ofenda a bens, serviços ou interesses da União ou esteja previsto em tratado ou convenção internacional em que o Brasil se comprometeu a combater, como por exemplo, mensagens que veiculassem pornografia infantil, racismo, xenofobia, dentre outros, conforme preceitua o art. 109, incisos IV e V, da Constituição Federal. 3 - Verificando-se que as ofensas possuem caráter exclusivamente pessoal, as quais foram praticadas pela ex-namorada da vítima, não se subsumindo, portanto, a ação delituosa a nenhuma das hipóteses do dispositivo constitucional, a competência para processar e julgar o feito será da Justiça Estadual” (STJ, CC 121/431/SE, rel. Min. Marco Aurélio Belizze, j. 07.05.2012).
5.15. Injúria eleitoral
O art. 326 da Lei 4.737/1965 (Código Eleitoral) prevê um tipo especial de injúria de competência da Justiça Eleitoral
Sobre o tema, relevante o precedente do Superior Tribunal de Justiça:
“Particularmente, quanto ao crime de injúria previsto no art. 326 do Código Eleitoral, observo a existência de nítida simetria com o crime de injúria previsto no art. 140 do Código Penal. Distinguem-se, porém, em virtude do acréscimo de elementares objetivas à figura típica da injúria eleitoral, que acabou por resultar em relevante restrição à sua aplicação, refletindo, também por isso, na maior especialização do objeto jurídico tutelado. Na injúria comum, tutela-se a honra subjetiva, sob o viés da dignidade ou decoro individual e, na injúria eleitoral, há proteção desses mesmos atributos, voltados, todavia, para o interesse social que se extrai do direito subjetivo dos eleitores na lisura da competição eleitoral ou do "inafastável aprimoramento do Estado Democrático de Direito e o direito dos cidadãos de serem informados sobre os perfis dos candidatos, atendendo-se à política da transparência" (Inq 1884/RS, Rel. Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJ de 27.8.2004)” Para que se visualize a distinção entre ambos os delitos, convém que se reproduzam os textos legais, o que faço em sequência, verbis: Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. Art. 326. Injuriar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, ofendendo-lhe a dignidade ou o decôro: Pena - detenção até seis meses, ou pagamento de 30 a 60 dias-multa. Como se vê pela leitura dos referidos textos normativos, a injúria eleitoral somente se perfectibiliza quando a ofensa ao decoro ou à dignidade ocorrer na propaganda eleitoral ou com fins de propaganda. Ou seja, a caracterização do crime de injúria previsto na legislação eleitoral exige, como elementar do tipo, que a ofensa seja perpetrada na propaganda eleitoral ou vise fins de propaganda (v.g. TSE/HC n. 187.635/MG, Rel. Ministro Aldir Guimarães Passarinho Júnior, DJe de 16.2.2011), sob pena de incorrer-se no crime de injúria comum)” (STJ, CC 134005/PR, 3ª Seção, rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 11.06.2014).
6. Disposições comuns aos crimes contra a honra
6.1. Classificação doutrinária quanto à intensidade do mal visado pela conduta
Os três crimes contra a honra são crimes de dano.
6.2. Classificação quanto à relação entre conduta e resultado naturalístico
Os crimes contra a honra são formais, de consumação antecipada ou de resultado cortado. O tipo penal prevê um resultado, cuja ocorrência não é essencial para a consumação do injusto.
6.3. Sujeitos do crime
6.3.1. Sujeito ativo
Os crimes contra a honra são comuns ou gerais, podendo ser praticados por qualquer pessoa.
No entanto, há imunidades específicas para os parlamentares e advogados.
Assim, os Deputados e Senadores gozam da imunidade material, prevista pelo art. 53 da Constituição Federal, impedindo que o tipo penal recaia sobre opiniões, palavras e votos relacionados ao exercício da função, ainda que fora do Congresso Nacional. A imunidade dos parlamentares federais é extensiva aos legisladores estaduais, por força do art. 27, §1º, da Constituição Federal.
Porém, os vereadores gozam apenas da referida inviolabilidade na circunscrição do Município, conforme estabelece o art. 29, inciso VIII, da Constituição Federal.
Os advogados, por sua vez, são imunes, no exercício da atividade, aos crimes de injúria e difamação – art. 7º, § 2º, da Lei 8.906/1994. O crime de calúnia está expressamente excluído. Ademais, o Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.127-8, declarou a inconstitucionalidade de idêntica previsão para o crime de desacato.
6.3.2. Sujeito Passivo
Pode ser qualquer pessoa. Exige-se a referência um sujeito passivo determinado e conhecido. Não se exige a identificação nominal, bastando que seja possível a sua caracterização.
Os desonrados podem ser vítimas deste delito, assim como os doentes mentais e menores de 18 anos.
Porém, quanto ao crime de injuria, o sujeito passivo deve ter a capacidade de assimilar a expressão ou a atitude ofensiva.
A pessoa jurídica pode ser vítima de calúnia e de difamação, sendo excluída apenas do crime de injúria. Vale lembrar que o crime imputado deve estar entre aqueles que podem ser praticados por pessoas jurídicas, como os delitos ambientais.
Os mortos não podem ser vítimas de crimes contra a honra. Não se olvide, entretanto, de que há punibilidade da calúnia perpetrada contra os mortos, hipótese em que seus familiares figuraram como ofendidos.
O crime praticado contra o índio, desde que envolva o direito indígena, será de competência da Justiça Federal.
A calúnia e a difamação contra o Presidente da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal são tipificadas pela Lei de Segurança Nacional, art. 26. Não há previsão especial para o crime de injúria que continua a ser regido nos termos do Código Penal.
6.4. Meios de execução
Os crimes em comento são de forma livre.
Assim, os delitos podem ser perpetrados pela imprensa, salientando-se que a Lei de Imprensa (Lei 5.250/1967) não foi recepcionada pela Constituição Federal, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (ADPF 130/DF).
Os três crimes podem ser praticados simultaneamente, no mesmo contexto fático, desde que exteriorizados por condutas distintas, sem que esteja configurado bis in idem. A este respeito, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu:
“Não se constata qualquer violação aos princípios da consunção e da proibição do bis in idem, pois os crimes previstos nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal tutelam bens jurídicos distintos, não se podendo asseverar de antemão que o delito de calúnia absorveria os de difamação e injúria. Com efeito, enquanto os tipos previstos nos artigos 138 e 139 do Estatuto Repressivo visam a tutelar a honra objetiva do indivíduo, o constante do artigo 140 protege o sentimento e a concepção que as pessoas têm de si próprias. Na hipótese em análise, verifica-se que diferentes afirmações constantes da missiva atribuída à recorrente foram utilizadas para caracterizar os crimes de calúnia e de difamação (e-STJ fls. 58/63), não se podendo afirmar que teria havido dupla persecução pelos mesmos fatos. Por outro lado, embora os referidos dizeres também tenham sido considerados para fins de evidenciar o cometimento de injúria, o certo é que tal infração penal, por tutelar bem jurídico diverso daquele protegido na calúnia e na difamação, a princípio, não pode ser por elas absorvido” (STJ, RHC 41527/RJ, 5ª Turma, rel. Min. Jorge Mussi, j. 11.03.2015).
6.5. Elemento subjetivo
O crime é, via de regra, doloso (direto ou eventual).
Porém, o tipo especial previsto para a calúnia, no art. 138, § 1º, do Código Penal, admite exclusivamente o dolo direto.
Não há crime culposo contra a honra.
É necessário, além do dolo, um especial fim de agir, consistente na intenção de macular a honra alheia (animus diffamandi vel injuriandi).
Logo, não há crime contra a honra, na hipótese em que a conduta é despida de seriedade e existe a intenção de brincar (animus jocandi).
Também não há crime contra a honra quando o agente se limita a narrar um fato (animus narrandi), descrevendo de forma objetiva o que viu ou ouviu, tal como ocorre com as testemunhas.
Ademais, não subsiste o crime na mera crítica honesta e merecida, com o propósito de auxiliar o criticado (animus criticandi), como na crítica científica.
Tampouco quando o sujeito pretende se defender (animus defendendi) ou apenas corrigir (animus corrigendi, ex. admoestação verbal dos pais). Nem sequer se o indivíduo pretende aconselhar outrem (animus consulendi).
Por fim, frise-se que a honra é um bem jurídico disponível, de modo que o consentimento prévio do ofendido exclui o crime e o posterior, poderá constituir renúncia ou perdão. No entanto, o consentimento prestado pelo representante legal de um menor de idade ou incapaz não afasta o crime, pois a honra não lhe pertence, e a ninguém é dado dispor validamente de direito alheio.11
6.6. Aplicabilidade da Lei 9.099/1995
Todos os crimes são sujeitos aos institutos previstos para os crimes de menor potencial ofensivo, à exceção do crime de injúria qualificada (Código Penal, art. 140, § 3º).
6.7. Classificação doutrinária
Os crimes contra a honra são comuns, de forma livre, unissubsistentes ou plurissubsistentes, instantâneos, unisubjetivos (unilaterais ou de concurso eventual), comissivos ou omissivos (apenas na injúria), de dano e formais.
6.8. Causas de aumento de pena
O art. 141 do Código Penal contempla causas de aumento de pena aplicáveis a todos os crimes contra a honra.
“I - contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro”.
Lembre-se que a calúnia e a difamação praticadas contra o Presidente da República com motivação e objetivos políticos e lesão real ou potencial aos bens jurídicos da segurança nacional constitui crime próprio da Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1983).
“II - contra funcionário público, em razão de suas funções;
III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria”.
A referência a “várias pessoas” deve ser entendida como no mínimo três indivíduos, pois o Código Penal é expresso quando requer apenas duas pessoas (ex. Código Penal, art. 155, § 4º, inciso IV e art. 146, § 1º).
Não se computam a vítima, o autor e nem eventuais coautores ou partícipes, tampouco se incluem pessoas que não tenham capacidade de compreender a ofensa.
“IV – contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou portadora de deficiência, exceto no caso de injúria”.
A exceção é justificada, pois a prática de injúria contra idosos já torna o crime qualificado e, portanto, tal circunstância não pode ser duplamente valorada para também majorar o delito, constituindo causa de aumento.
“Parágrafo único - Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa, aplica-se a pena em dobro”.
Cuida-se de crime plurissubjetivo ou de concurso necessário entre o executor e o mandante. No entanto, apenas o executor terá a pena exasperada, porque se trata de circunstância de índole subjetiva e, assim, incomunicável (art. 30 do Código Penal).
O pagamento pode ser em dinheiro, em outro valor, podendo ser constituído por vantagem não pecuniária, já que se cuida de crime contra a honra e não contra o patrimônio.
6.9. Exclusão do crime
O art. 142 prevê hipóteses de exclusão dos crimes de injúria e de difamação.
O dispositivo não exclui o crime de calúnia, vez que há o interesse social de apurar-se a prática de crimes, identificando e punindo os seus responsáveis.
As causas de exclusão são:
“I - a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador”.
Trata-se da imunidade judiciária que abrange a ofensa oral e escrita.
A hipótese demanda a relação entre a ofensa e o exercício de defesa de um direito em juízo.
Prevalece o entendimento de que a exclusão não se estende à ofensa propalada contra os magistrados.
Quanto aos promotores, ordinariamente a doutrina divide a atuação como parte, hipótese em que será admitida a exclusão, da função de custos legis, em que não subsiste a imunidade judiciária.
Porém, há previsão legislativa específica, prevendo a prerrogativa dos Membros do Ministério Público, conforme art. 41, inciso V, da Lei 8.625/1993:
“Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, no exercício de sua função, além de outras previstas na Lei Orgânica: gozar de inviolabilidade pelas opiniões que externar ou pelo teor de suas manifestações processuais ou procedimentos, nos limites de sua independência funcional”.
De igual modo, os advogados gozam de semelhante previsão legal, conforme art. 7º, § 2º, da Lei 8.906/1994:
“O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que comete”.
Vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a exclusão do crime de desacato.
Em todas as hipóteses de imunidade judiciária, não há exclusão para o sujeito que dá publicidade à difamação e à injúria.
“II - a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar
III - o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever do ofício”.
Trata-se de hipótese especial de estrito cumprimento do dever legal.
O conceito de funcionário público é trazido pelo art. 327, caput e § 1º, do Código Penal.
Não há exclusão, tal como na imunidade judiciária, para o sujeito que confere publicidade.
6.10. Retratação
Dispõe o art. 148 do Código Penal: “o querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da difamação, fica isento de pena”.
Trata-se de hipótese de extinção de punibilidade, tal como prevê o art. 107, inciso VI, do Código Penal.
Não é extensiva ao crime de injúria, nem tampouco é admitida para as hipóteses de calúnia e de difamação, em que a ação é pública, vez que o código faz expressa referência à figura do querelado.
A causa de extinção tem natureza subjetiva, não se comunicando aos demais querelados.
Nelson Hungria disserta sobre as razões para a existência da causa extintiva:
“A retratação revela, da parte do agente, o propósito de reparar o mal praticado, o intuito de dar uma satisfação cabal ao ofendido, a boa-fé com que os homens de bem reconhecem os próprios erros, o arrependimento de um ato decorrente de momentânea irreflexão. Do ponto de vista objetivo, é força reconhecer que o dano, se não é de tudo apagado, é grandemente reduzido. A retratação é mais útil ao ofendido do que a própria condenação penal do ofensor, pois esta, perante a opinião geral, não possui tanto valor quanto a confissão feita pelo agente, coram judice, de que mentiu”.12
A retratação deve ser total e incondicional. Precisa abarcar tudo o que foi dito pelo agente. É ato unilateral, sendo prescindível a aceitação do ofendido.
Deve ser anterior à prolação da sentença de primeira instância ou do acórdão, no caso de competência originária.
6.11. Pedido de explicações
Prescreve o art. 144 do Código Penal:
“Se, de referências, alusões ou frases, se infere calúnia, difamação ou injúria, quem se julga ofendido pode pedir explicações em juízo. Aquele que se recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as dá satisfatórias, responde pela ofensa”.
Se não há certeza sobre o ânimo de atacar honra alheia ou, ainda, não se conhece exatamente quem é o sujeito objeto da ofensa, permite-se ao interessado pedir explicações em juízo, antes do oferecimento da ação penal.
O pedido é incabível, entretanto, quando o fato estiver acobertado de exclusão de ilicitude (art. 142) ou de extinção da punibilidade (ex. prescrição e decadência), quando manifestamente não há ofensa ou, por fim, quando não há dúvidas de seu caráter ofensivo.
Trata-se de medida facultativa, prévia e sem procedimento específico, seguindo-se o rito das notificações avulsas. Não há sanção coercitiva para obrigar o comparecimento do requerido.
Não há julgamento sobre o pedido de explicações e nem tampouco condenação automática pelo simples silêncio do demandado, eis que ainda será recebida a inicial e o suposto ofensor terá em seu favor o curso do processo.
O pedido de explicações não suspende nem interrompe a prescrição e a decadência. Porém, gera a prevenção do juízo.
6.12. Ação penal
Pela regra geral, os crimes contra a honra são processados por ação penal privada.
Há três exceções.
(i) ação penal pública incondicionada, na hipótese de injúria real, caso resulte lesão corporal (art. 145, caput, parte final).
Fernando Capez entende que a disciplina normativa da Lei 9.099/1995, art. 88, teve o condão de tornar a ação condicionada à representação, quando a lesão resultante for leve.13
Por outro lado, Damásio de Jesus e Guilherme Nucci lecionam que a injúria real constitui crime complexo, subsistindo a ação penal incondicionada, independente do grau da lesão.14
De toda sorte, não há dúvidas de que a injúria real praticada com o emprego de vias de fato é de ação penal privada.
(ii) ação penal pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça: crime contra o Presidente da República ou contra chefe de governo estrangeiro (art. 145, parágrafo único, §1ª parte).
(iii) ação penal pública condicionada à representação: calúnia, difamação ou injúria contra funcionário público, em razão do exercício das funções (art. 145, parágrafo único, 2ª parte) e injúria qualificada, na forma do art. 140, § 3º, do Código Penal (art. 145, parágrafo único).
A Súmula 714 do Supremo Tribunal Federal (“É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do ministério público, condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções”) busca não onerar o funcionário público, nesta hipótese, impondo a contratação de advogado para tutelar a sua honra.
Notas
1ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Crimes contra a honra, pp. 2-3.
2FARIA, Bento. Código penal brasileiro comentado, p. 148.
3GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal, p. 387.
4COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito penal, p. 291.
5BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal comentado, p. 594
6JESUS, Damásio E. Código Penal anotado, p. 472.
7FARIA, Bento. Código Penal brasileiro comentado, p. 167.
8MAIA, L. de Campos. Delitos de linguagem contra a honra, p. 143.
9GRECO, Rogério. Código Penal: comentado, p. 347.
10NORONHA, E. Magalhães. Direito penal, v. 2, p. 126.
11BITENCOURT, Cezar Roberto. Uma releitura do crime de calúnia. Estudos jurídicos em homenagem ao Prof. Marcello de Araújo Júnior, p. 103.
12HUNGRIA, Nelson. Comentário ao Código Penal, pp. 123-124.
13CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, p. 303.
14JESUS, Damásio E. Código Penal anotado, p. 509 e NUCCI, Guilherme de Souza, Código Penal Comentado, pp. 665-666.
Referências
ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Crimes contra a honra. 3. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005
BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal comentado. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
_______________. Uma releitura do crime de calúnia. Estudos jurídicos em homenagem ao Prof. Marcello de Araújo Júnior. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. Volume 2.
COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
FARIA, Bento. Código penal brasileiro comentado. Rio de Janeiro. Distribuidora Record. 1961. Volume 4.
GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 3. ed. São Paulo. Saraiva. 1995.
HUNGRIA, Nelson. Comentário ao Código Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1953. Volume 6.
JESUS, Damásio de. Código Penal anotado. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva: 2001.
MAIA, L. de Campos. Delitos de linguagem contra a honra. 2. ed. São Paulo, Saraiva, 1929.
NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1973. Volume 2.
NUCCI, Guilherme de Souza, Código Penal comentado. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
Citação
MASSON, Cleber Rogerio. Crimes contra a honra. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Penal. Christiano Jorge Santos (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/429/edicao-1/crimes-contra-a-honra
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Tomo Direito Penal, Edição 1,
Agosto de 2020