O art. 288 do Código Penal, com redação dada pela Lei 12.850/2013, tipifica o crime de associação criminosa da seguinte forma: “associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes - pena: reclusão de 1 a 3 anos”. A redação de 2013 conferiu novo nome ao delito, antes chamado de “quadrilha ou bando”.

Veremos, na sequência, as características do delito: objetividade jurídica, sujeitos, elementos do crime, a hipótese de concurso de infrações, e as diferenças fundamentais para outros tipos penais.


1. Objetividade jurídica, elementos do tipo penal e características


O tipo penal tutela a paz pública, razão pela qual a vítima é a sociedade como um todo, porquanto a associação de pessoas para a prática de delitos tem o condão de gerar intensa intranquilidade social. 

O núcleo do tipo é “associar-se”, o que significa, nas lições de Nelson Hungria, “reunir-se, aliar-se ou congregar-se estável ou permanentemente, para a consecução de um fim comum”, qual seja, a “perpetração de uma indeterminada série de crimes”.1  

Desta forma, o delito exige, para sua configuração, uma reunião estável, duradoura dos indivíduos, que não se agregam para cometer apenas um delito (tal como no concurso eventual de pessoas definido no art. 29 do Código Penal), mas sim com o objetivo de praticar uma série de crimes, “seja a cadeia criminosa homogênea, (destinada à prática de um mesmo crime), seja heterogênea (cuja finalidade é praticar delitos distintos, a exemplo de roubos, furtos, extorsões, homicídios etc.)”.2 

Neste sentido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

“Para   caracterização   do   delito de associação criminosa, indispensável a demonstração de estabilidade e permanência do grupo formado por três ou mais pessoas, além do elemento subjetivo especial consiste no ajuste prévio entre os membros com a finalidade específica   de   cometer   crimes   indeterminados.  Ausentes tais requisitos, restará configurado apenas o concurso eventual de agentes, e não o crime autônomo do art. 288 do Código Penal” (Superior Tribunal de Justiça. 6ª Turma. HC 374515/MS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE 14.3.2017).

Note-se que estabilidade duradoura não significa perpetuidade. Basta que haja um tempo relevante.  

O crime é plurissubjetivo ou de concurso necessário de agentes, pois exige no mínimo três pessoas,3 computando-se nesse número os inimputáveis e também os indivíduos não identificados. O que importa é o número de autores envolvidos e não a possibilidade (ou não) de responsabilização criminal de cada um deles.

Outra característica do crime é ser permanente, pois se prolonga no tempo. Isto significa que enquanto o liame subjetivo for mantido, seguirá presente a associação, permitindo-se a prisão em flagrante dos agentes. Além disso, a prescrição somente começará a correr com o término da permanência (art. 111, III, do Código Penal). 

Nada obsta que um agente possua vínculo com mais de uma associação criminosa. Se isto for comprovado, ele responderá pelo art. 288 do Código Penal mais de uma vez (uma imputação para cada associação).


2. Elemento subjetivo


O crime é doloso, não se admitindo a modalidade culposa. Além disso, é necessário o fim específico de cometer uma série de crimes, não importa se idênticos ou de espécies distintas. Desta forma, não basta a mera vontade de se associar; é imprescindível a consciência de estar unindo-se a outros indivíduos para cometer vários crimes. 

A associação para a prática de contravenções penais (exemplo: jogos de azar) é fato atípico, pois a lei é contundente ao referir-se a “crimes”.


3. Consumação e tentativa


O crime é formal, de maneira que sua consumação ocorre com a associação, isto é, com o estabelecimento do vínculo associativo de seus integrantes fundadores; ou, para aqueles membros que ingressarem posteriormente, a partir do efetivo ingresso. Nas palavras de Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini: 

“Consuma-se o crime previsto no art. 288 com a simples associação de três ou mais pessoas para a prática de crimes, com o que se apresenta já um perigo suficientemente grave para alarmar o público ou conturbar a paz ou tranquilidade de ânimo da convivência civil. É indiferente que o agente venha a aderir à associação depois de formada; para ele a consumação se opera com a adesão.”4 

Desnecessário, pois, para a consumação que a associação pratique os delitos por ela visados. Neste trilhar: “Não é necessário que a associação criminosa tenha cometido algum crime para que o delito se concretize. A simples associação é o suficiente. Ou seja, pune-se o simples fato de se figurar como integrante da associação”.5 

Isso ocorre porque o crime do art. 288 do Código Penal é um crime de perigo abstrato ou presumido.6 Noutras palavras, a mera associação de pessoas para a prática de uma diversidade de crimes já é o suficiente para causar riscos à paz pública e intranquilidade social. Em suma, a mera agregação para cometer crimes já pode ser alvo do direito penal, que deve antecipar-se para evitar futuros danos.

A tentativa não é possível, pois ou já se estabeleceu um vínculo (e o crime já estará consumado) ou haverá meros atos preparatórios impuníveis (seara da mera cogitação).  Este o ensinamento de Cezar Roberto Bittencourt: “A tentativa é absolutamente inadmissível, pois se trata de crime abstrato, de mera atividade. A impossibilidade de configurar-se a tentativa decorre do fato de tratar-se de meros atos preparatórios (uma exceção à impunibilidade dos atos preparatórios), fase anterior ao início da ação, que é o elemento objetivo configurador da tentativa”.7 


4. Concurso entre associação criminosa e os crimes por ela praticados


É sólido o entendimento de que os integrantes da associação criminosa serão responsabilizados pelo crime do art. 288 do Código Penal em concurso material com os crimes que cometerem, diante da diversidade de bens jurídicos, bem como dos diferentes momentos consumativos.

Exemplo: os integrantes de uma associação formada para a prática de estelionatos responderão pelo crime de associação criminosa e também pelas infrações ao art. 171 do Código Penal, em cúmulo material de penas. Com efeito, a simples associação para cometer crimes consuma-se com a formação do vínculo, capaz, por si só, de atentar contra a paz pública, independentemente dos estelionatos a serem praticados. Se estes efetivamente ocorrerem, existirá, em momento consumativo diverso, ofensa ao patrimônio das respectivas vítimas, o que fará incidir o cúmulo material das penas. 

Neste sentido, Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini: “O crime de associação criminosa é sempre independente daqueles que são praticados pelo societas delinquentium, configurando-se, pois, concurso material entre eles”.8 

Na mesma linha, o magistério de Rogério Sanches Cunha: “É posição pacífica nos Tribunais Superiores (STF e STJ) ser a quadrilha crime autônomo, que independe da prática de delitos pela associação (aliás, eventuais infrações praticadas pelo bando gera, para seus autores – que participaram, direta ou indiretamente da execução – concurso material entre o crime praticado e o art. 288 do CP)”.9  

O delito de associação criminosa voltado à prática dos crimes de furto, roubo ou extorsão não afasta a qualificadora ou causa de aumento atinente ao concurso de pessoas previsto em tais crimes (arts. 155, § 4º, I; 157, § 2º, II; e 158, § 1º, todos do Código Penal); tampouco essas circunstâncias elidem o crime autônomo do art. 288 do Código Penal. Assim, se três ou mais pessoas associarem-se, v.g., para cometer roubos e efetivamente crimes de roubos forem praticados, haverá concurso material entre o art. 288 e o art. 157, § 2º, II, ambos do Código Penal. Nas palavras de Luiz Regis Prado: “[o] delito de associação criminosa subsiste mesmo que haja incidência do concurso de pessoas no delito em seguida praticado. Ou seja: se os componentes da associação criminosa estão associados com o intuito de praticar roubos ou furtos, por exemplo, aplicam-se os artigos 288 e 157, § 2º, II, ambos do Código Penal. Isso porque o delito é autônomo, como já frisado anteriormente”.10 

Neste sentido a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

“A decisão deve ser mantida incólume porque proferida em conformidade com a jurisprudência assentada nesta Casa Superior de Justiça, no sentido da possibilidade de coexistência entre os crimes de quadrilha ou bando e o de furto ou roubo qualificado pelo concurso de agentes, porquanto os bens jurídicos tutelados são distintos e autônomos os delitos.” (Superior Tribunal de Justiça. 5ª Turma. AgRg no REsp 1404832/MS, Rel. Min. Laurita Vaz, DJE 31.3.2014).


5. Concurso entre associação criminosa e extorsão mediante sequestro qualificada pelo cometimento do crime por "quadrilha ou bando"


O art. 159, § 1º, do Código Penal estabelece que o delito de extorsão mediante sequestro será qualificado  quando executado por “quadrilha ou bando”.

A Lei 12.850/2013 alterou a redação e o nome do art. 288 do Código Penal. A redação original era “associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes – pena: reclusão de um a três anos” e passou a ser “associarem-se três ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes – pena: reclusão de um a três anos.” O nome foi alterado de “quadrilha ou bando” para “associação criminosa”. Falhou o legislador, contudo, a não alterar o termo aposto na qualificadora do art. 159, § 1º, do Código Penal.

Na essência, parece-nos que a alteração restringiu-se a exigir uma pessoa a menos para se delinear a associação e a prever que a finalidade deve ser específica de cometer crimes. A mudança na estrutura, contudo, evidentemente não é apta a afastar a qualificadora do art. 159, § 1º, parte final, do Código Penal, já que a figura criminosa do art. 288 do mesmo diploma legal continua em plena vigência. Destarte, a extorsão mediante sequestro continua sendo muito mais grave quando praticada por associação criminosa (a antiga “quadrilha ou bando”), o que se justifica pelo fato de que a união estável e durável de ao menos três pessoas facilita, em muito, o cometimento do delito do art. 159 do Código Penal, além de demonstrar uma reprovabilidade social muito mais intensa.

Para Rogério Sanches Cunha, a incidência da modalidade qualificada da extorsão mediante sequestro absorve o crime do art. 288 do Código Penal, medida necessária para afastar o bin in idem.12 Entendimento diferente – ao qual nos filiamos – ostenta Cleber Rogério Masson, para quem

“a extorsão mediante sequestro e a associação criminosa apresentam objetividade jurídica diversas. Aquele atinge o patrimônio e a liberdade individual; este fere a paz pública. Além disso, são crimes que se consumam em momento diversos: o primeiro, com a privação da liberdade da vítima; o segundo, com a união de pelo menos três pessoas, revestida de permanência, para o fim especifico de cometer crimes, ainda que nenhum seja efetivamente praticado.”13   

Neste diapasão o Superior Tribunal de Justiça:

“Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, por se tratarem de delitos autônomos e independentes e por serem distintos os bens jurídicos tutelados, é possível a coexistência entre o crime de extorsão mediante sequestro, majorado pelo concurso de agentes, com o de formação de quadrilha ou bando (atualmente nomeado associação criminosa)” (STJ, HC 289.885/SP, 6ª Turma, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 09.06.2014).


6. Pena do delito de associação criminosa. Causas de aumento e qualificadora


A pena do delito, na sua modalidade simples (caput), é de um a três anos de reclusão. Devido à sua pena mínima (um ano), ele comporta o benefício da suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/1995), desde que presentes os demais requisitos legais.

Apesar desta benesse legal, trata-se de crime que admite a prisão temporária dos agentes, consoante previsão expressa do art. 1º, III, “l”, da Lei 7.960/1989.

O parágrafo único do art. 288 determina que a pena aumenta-se até a metade (½) se a associação é armada14 ou se houver a participação de criança ou adolescente.

Para que haja “associação armada” não se faz necessário que todos os membros utilizem armas, bastando que apenas um deles o faça, pois desta forma já estará refletida a maior periculosidade da associação. É o entendimento de autores como Cezar Roberto Bittencourt15 e Luiz Regis Prado.16  

A jurisprudência de nossos Tribunais Superiores considera possível a aplicação conjunta da causa de aumento de pena relativa à associação criminosa armada (art. 288, parágrafo único, 1ª parte, do Código Penal) com as causas de aumento previstas nos arts. 157, § 2º, I, e 158, § 1º, ambos do Código Penal – respectivamente, delitos de roubo e extorsão com emprego de arma. Isso significa que a existência de arma será utilizada, pelo Juiz, tanto para aumentar a pena da associação como a do roubo ou extorsão, sem que isto seja interpretado como bis in idem. A justificativa é a de que os bens jurídicos são diferentes (paz pública e patrimônio), além de que a utilização da arma ao mesmo tempo faz com que a associação seja potencialmente mais perigosa (perigo abstrato) bem como facilita a prática do roubo ou extorsão, atemorizando ainda mais a vítima (dano concreto).

Vejamos:

“As condenações por roubo circunstanciado pelo emprego de arma e por quadrilha armada não configuram o vedado bis in idem, em face da autonomia dos crimes, bem como das circunstâncias que os qualificam. Precedentes” (STF, RHC 102.984/RJ, 1ª Turma, rel. Min. Dias Toffoli, DJe 10.05.2011).

“Esta Corte já firmou o entendimento de que a condenação simultânea pelos crimes de roubo qualificado com emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º, I, do CP) e de formação de quadrilha armada (art. 288, parágrafo único, do CP) não configura bis in idem, uma vez que não há nenhuma relação de dependência ou subordinação entre as referidas condutas delituosas e porque elas visam bens jurídicos diversos. Precedentes” (STF, HC 113.413/SP, 2ª Turma, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 12.11.2012).

“Inexiste bis in idem em razão da condenação concomitante pelos delitos de roubo majorado pelo emprego de arma de fogo e concurso de pessoas e de associação criminosa armada, antigo quadrilha ou bando armado, porquanto os delitos são independentes entre si e tutelam bens jurídicos distintos” (STJ, HC 288929/SP, 6ª Turma, rel. Des. Conv. Ericson Maranho, DJe 30.04.2015).

Quanto à causa de aumento em decorrência da participação de criança (pessoa de até 12 anos incompletos) ou adolescente (até 18 anos incompletos), a mens legis foi de conferir maior reprovabilidade à conduta dos demais associados, que atraem menores de idade para o mundo da criminalidade habitual.

Parece-nos que perfeitamente possível o concurso material entre o crime do art. 288, parágrafo único, parte final, do Código Penal (associação criminosa majorada pela utilização de crianças e adolescentes) com o crime de corrupção de menores tipificado no art. 244-B da Lei 8.069/1990, com redação da Lei 12.015/2009, cujo bem jurídico-penal protegido é a moralidade da criança ou adolescente.17  

Não nos parece haver bis in idem entre a mencionada majorante do art. 288, parágrafo único, parte final, do Código Penal e o delito autônomo do art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente porque a primeira é protetiva da paz pública e funda-se na maior reprovabilidade social da conduta (e também pelo escopo de utilizar menores de idade – inimputáveis – para a prática dos ilícitos, atenuando os riscos de responsabilidade penal dos agentes), enquanto o segundo, repita-se, tem como bem jurídico-penal a moral da criança ou adolescente e tem por base a prática de qualquer crime em conjunto com o menor.18  

A Lei 8.072/1990 (Lei dos crimes Hediondos) prevê em seu art. 8º que “será de 3 (três) a 6 (seis) anos de reclusão a pena prevista no artigo 288 do Código Penal, quando se tratar de crimes hediondos, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo”. 

Verificamos, pois, um tipo penal qualificado, aplicável aos integrantes de associação criminosa que vise à prática de delitos hediondos ou equiparados.

Nas palavras de Renato Brasileiro de Lima:

“O art. 8º da Lei n.º 8072/90 não criou um novo tipo penal incriminador. Limitou-se apenas a estabelecer novos limites de pena. Por isso, na hipótese de 4 (quatro) indivíduos se associarem, por exemplo, para a prática de crimes de falsificação de remédios, deverão responder pelo crime do art. 273 do Código penal, em concurso material com o delito previsto no artigo 288 do Código Penal, porém com a aplicação da pena cominada pelo art. 8º da Lei n.º 8072/90: reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos.”19 

Note-se, contudo, que a associação estável de duas ou mais pessoas para a prática do tráfico de drogas (delito assemelhado aos hediondos) é crime autônomo e específico, previsto no art. 35 da Lei 11.343/2006, com pena de 3 a 10 anos de reclusão (“associação para o tráfico”). Assim, quando a associação tiver como escopo o tráfico de drogas, advirá o tipo penal da lei própria, aplicando-se ao caso o princípio da especialidade.20 

A Lei 8.072/1990 também previu, no art. 8º, parágrafo único, uma causa especial de diminuição de pena de um terço (1/3) a dois terços (2/3) quando o integrante delatar a associação à autoridade, de modo a permitir o seu desmantelamento.

Trata-se da figura da colaboração premiada, sendo oportuno consignar que se o colaborador for primário e lhe forem favoráveis as condições do art. 13, parágrafo único, da Lei 9.807/199921 (semelhantes às condições do art. 59 do Código Penal), será possível a aplicação do perdão judicial (e a consequente extinção da punibilidade).


7. Associação criminosa e tipos penais análogos (conflito aparente de normas)


Além do já mencionado crime do art. 35 da Lei 11.343/2006 (associação para o tráfico), temos outros quatro tipos penais em aparente conflito de normas com o art. 288 do Código Penal. Vejamos:


7.1. Crime do art. 2º da Lei 2.889/1956


Associarem-se mais de 3 pessoas para praticar genocídio (destruir grupo nacional, étnico, racial ou religioso). A pena é a metade da pena dos crimes praticados pela associação. Este delito prevalece em relação ao do art. 288 do Código Penal por força do princípio da especialidade.


7.2. Crimes dos arts. 16 e 24 da Lei 7.170/1983


Associar-se para, com violência ou grave ameaça, mudar o regime vigente ou o Estado de Direito (pena de 1 a 5 anos); ou formar organização do tipo militar para finalidade combativa (pena de 2 a 8 anos). Os crimes da chamada Lei de segurança Nacional igualmente sobrepõem-se ao do art. 288 do Código Penal em virtude do princípio da especialidade.


7.3. Crime do art. 2º da Lei 12.850/2013: organização criminosa


Trata-se das condutas de “promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa”. A pena é de “reclusão, de três a oito anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.”22 

O conceito de organização está exposto no art. 1º, § 1º, da Lei: “associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, com o objetivo de obter vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 anos, ou de caráter transnacional.” 

Podemos observar, das descrições típicas, as seguintes diferenças entre os tipos penais do art. 288 do Código Penal e do art. 2º da Lei 12.850/2013: (a) enquanto o primeiro exige a presença de no mínimo 3 pessoas, o segundo considera um mínimo de 4; (b) o primeiro objetiva a prática de qualquer crime, ao passo que o segundo só aqueles com pena máxima superior a 4 anos (ou que sejam transnacionais); (c) o primeiro, apesar de requerer uma estabilidade prévia, não exige uma estruturação ordenada nem a divisão de tarefas; iv) o primeiro não estabelece a finalidade de obter “vantagem de qualquer natureza”, presente no segundo: “Portanto, o crime de organização criminosa contém todos os elementos mínimos do artigo 288 do Código Penal e mais alguns específicos, que o tornam mais grave e mais amplo (por isso seu preceito secundário traz balizas de penas bem superiores). Logo, entendemos que a associação criminosa é crime subsidiário à organização criminosa.”23  (Grifamos).24 


7.4. Crime do art. 288-A do Código Penal


“Constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos no Código penal – pena: reclusão de 4 a 8 anos” (acrescentado pela Lei 12.720/2012). 

A infração penal do art. 288-A do Código Penal é especial em relação à tipificação de associação criminosa, porquanto os autores do tipo penal do art. 288-A constituem grupos ou milícias privadas (espécies de associações criminosas) com finalidades próprias, como, por exemplo, ocupar determinado espaço territorial ou exterminar pessoas a pretexto de excluir da sociedade pessoas perigosas. 

Com efeito, conforme os ensinamentos de Rogério Greco, o dolo específico deste crime é a associação para a prática de crimes típicos de milícias, como homicídio, lesão, extorsão, sequestros e ameaças.25 Trata-se, pois, da aplicação do princípio da especialidade.26  


Notas

1HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal, v. 9, pp. 177-178.

2GRECO, Rogério. Curso de direito penal, v. 4, p. 208.

3Antes da alteração legislativa promovida pela Lei 12.850/2013, exigiam-se no mínimo 4 pessoas.

4MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de direito penal, v. III, p. 167. 

5PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Erika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de direito penal brasileiro, pp. 1204-1205. 

6Neste sentido: Luiz Regis Prado et al. (Op. cit., p. 1204) e Cezar Roberto Bittencourt (Tratado de direito penal, v. 2, p. 443). Em sentido oposto, Heleno Cláudio Fragoso parece sustentar que o crime do art. 288 do CP seria de perigo concreto, ao lecionar que a presunção de perigo “só subsiste no caso da prática de crimes pelo membro da quadrilha, nesta qualidade, não a implicando a simples condenação por fazer parte do bando” (FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições de direito penal, pp. 289-290). 

7BITTENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., p. 442.

8MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Código penal interpretado, p. 1824.

9CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal, p. 683.

10PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Erika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de direito penal brasileiro, p. 1205.

11A pena da modalidade simples é de reclusão de 8 a 15 anos; mas se a extorsão mediante sequestro for praticada por “quadrilha ou bando”, a pena passa a ser de 12 a 20 anos de reclusão.  

12CUNHA, Rogerio Sanches. Manual de direito penal, p. 316.

13MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado, v. 2, p. 497.

14Inserem-se, aqui, armas de fogo (mais usual) ou armas brancas, já que a Lei não fez qualquer distinção.

15“Há incidência da qualificadora quando qualquer dos agentes esteja portando arma (parágrafo único), não sendo necessário que todos os integrantes da quadrilha estejam armados. É suficiente que um deles esteja portando arma, desde que os demais tenham conhecimento desta circunstância e concordem com ela, caso contrário, essa qualificadora não se comunicam aos membros que ignorem essa circunstância.” (BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, v. 2, p. 443).  

16“Para a configuração da agravante, basta que um só integrante esteja armado. Assim, todos respondem por ela.” (PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Erika Mendes de e CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de direito penal brasileiro, p. 1207).

17Conforme Súmula 500 do Superior Tribunal de Justiça, “a configuração do crime do art. 244-B do ECA independe da prova da efetiva corrupção do menor, por se tratar de delito formal”. Como descreve Cleber Masson, “a finalidade do tipo penal é coibir a prática de delitos em que existe a exploração de pessoas com idade inferior a 18 anos”. Além disso, “o simples fato de uma criança ou adolescente praticar um fato típico e ilícito em concurso com um agente maior por si só revela, senão o ingresso em um universo prejudicial ao seu sadio desenvolvimento, ao menos sua manutenção nele, o que, de igual modo, é passível de recriminação, pois o comportamento do maior de idade ainda assim reforça, ao menor, sua tendência infracional anteriormente adquirida.” (MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado, v. 2, p. 397). 

18O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “não configura bis in idem a incidência da causa de aumento referente ao concurso de agentes no delito de roubo, seguida da condenação pelo crime de corrupção de menores, já que são duas condutas, autônomas e independentes, que ofendem bens jurídicos distintos. Precedentes” (Superior Tribunal de Justiça. 5ª Turma. HC 157201/DF, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJE 2.2.2015). Embora o acórdão refira-se a concurso de crime entre um roubo circunstanciado pelo concurso de agentes e a corrupção de menores, o fundamento é exatamente o mesmo, dadas as condutas autônomas e independentes e a diversidade de bens jurídicos.

19LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada, p. 117. 

20Especial é a norma que possui elementos iguais ou similares aos da lei geral e mais alguns, denominados especializantes.

21Lei de proteção às vítimas e testemunhas ameaçadas e ao réu colaborador.

22O crime de organização criminosa possui duas causas de aumento de pena: até metade (½), se houver uso de arma de fogo (§ 2º do art. 2º da Lei 12.850/13); de um sexto (1/6) a dois terços (2/3), se houver participação de criança ou adolescente, concurso de funcionário público, remessa do produto dos crimes ao exterior, transnacionalidade da organização, ou conexão com outra organização (§ 4º). Possui ainda uma agravante de pena para quem exerce o comando, ainda que não pratique atos de execução (§ 6º).

23Subsidiária é a norma que descreve um grau menor de violação de um mesmo bem jurídico, de forma que a infração definida pela subsidiária, por ser de menor gravidade, é absorvida pela norma principal (ou primária). A figura típica subsidiária (no caso, o crime do art. 288 do Código Penal) está contida na principal (no caso, o crime do art. 2º da Lei nº12.850/2013). Há uma relação continente (todo) e conteúdo (parte).  

24ZANELLA, Everton Luiz. Infiltração de agentes e o combate ao crime organizado: análise do mecanismo probatório sob o enfoque da eficiência e do garantismo, p. 49.  

25GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial, p.230. 

26O crime do art. 288-A do Código Penal possui elementos análogos ao do art. 288 do CP (notadamente a união de pessoas), porém tem como objeto peculiar a prática dos delitos visados por grupos ou milícias. 


Referências

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. Volume 2.

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal. 5. ed. São Paulo: Jus Podivm, 2013.

FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições de direito penal. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal. Niterói: Impetus, 2014. Volume 4.

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959. Volume 9.

LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada. Niterói: Impetus, 2013.

MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado. 9. ed. São Paulo: Método, 2016. Volume 2. 

MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de direito penal. São Paulo: Atlas, 2015. Volume III. 

_______________. Código Penal interpretado. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Erika Mendes de e CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de direito penal brasileiro. 13. ed. São Paulo: RT, 2014.

ZANELLA, Everton Luiz. Infiltração de agentes e o combate ao crime organizado: análise do mecanismo probatório sob o enfoque da eficiência e do garantismo. Curitiba: Juruá, 2016.  


Citação

ZANELLA, Everton Luiz. Associação criminosa. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Penal. Christiano Jorge Santos (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/413/edicao-1/associacao-criminosa

Edições

Tomo Direito Penal, Edição 1, Agosto de 2020