• Estabilidade no emprego

  • Renato Rua de Almeida

  • Tomo Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, Edição 1, Julho de 2020

Ao longo da História, verifica-se que o intervencionismo jurídico nas relações laborais surgiu como meio de proteger os direitos dos empregados nos contratos de trabalho.

O instrumento jurídico por excelência para garantir o princípio do direito ao trabalho foi o instituto da estabilidade no emprego, concebido como verdadeira propriedade do emprego.

Ante a ideia estática da estabilidade no emprego, a Constituição Federal de 1988 adotou o regime dinâmico de proteção da relação de emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, na conformidade do art. 7º, I, da Constituição Federal de 1988, garantido por um sistema indenizatório relacionado ao chamado Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, previsto pelo mesmo art. 7º, III, do texto constitucional brasileiro.  


1. Breve histórico


O conceito da estabilidade no emprego surgiu na fase do desenvolvimento histórico do direito do trabalho chamada de intervencionismo jurídico. Tal fato ocorreu entre a segunda metade do século XIX e meados do século XX, ao término da Segunda Guerra Mundial.

Esse intervencionismo jurídico caracterizou-se por uma legislação protecionista dos direitos trabalhistas dos empregados no contrato de trabalho celebrado quase exclusivamente por prazo indeterminado.

O intervencionismo jurídico da fase do desenvolvimento histórico do direito do trabalho surgiu após o encerramento da primeira fase histórica denominada de liberalismo jurídico, quando a relação de emprego era regulada pela autonomia da vontade individual das partes.

O liberalismo jurídico, desde o final do século XVIII até meados do século XIX, tinha por objetivo garantir o princípio da liberdade de trabalho, após as restrições para trabalhar nas corporações de ofício durante o absolutismo do antigo regime francês, ao passo que o intervencionismo jurídico, por sua vez, tinha por objetivo proteger o novo princípio do direito ao trabalho que surgia em razão dos excessos do liberalismo jurídico.

A propósito, tornou-se célebre nessa fase histórica do intervencionismo jurídico a frase “entre fortes e fracos, entre ricos e pobres, entre senhor e servo, é a liberdade que oprime e a lei que liberta” do frade dominicano francês Henri Dominique Lacordaire.

Ora, o instrumento jurídico por excelência para garantir o princípio do direito ao trabalho foi o instituto da estabilidade no emprego, concebido como verdadeira propriedade do emprego, pois, uma vez admitido o empregado na empresa, nela deveria permanecer até a aposentadoria, salvo se cometesse falta grave disciplinar, quando então seria justificada sua despedida por justa causa.1 

Já a despedida sem justa causa do empregado implicaria judicialmente a declaração de nulidade e o direito à reintegração no emprego sem possibilidade de ser convertida pelo empregador essa obrigação de fazer em obrigação de dar com o pagamento de indenização por tempo de serviço, na hipótese de o empregado completar dez anos de prestação de trabalho subordinado, quando adquiriria a estabilidade no emprego, como então prescrito no direito brasileiro pelo capítulo VII sobre a estabilidade no emprego na Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei 5.452, de 01.5.1943.

Como se verá mais à frente, vigora hoje no Brasil o regime de proteção da relação de emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, na conformidade do art. 7º, I, da Constituição Federal de 1988, garantido por um sistema indenizatório relacionado ao chamado Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, previsto pelo mesmo art. 7º, III, do texto constitucional brasileiro.

Após o término da Segunda Guerra Mundial em meados do século XX, a ideia da garantia do emprego adaptou-se melhor à da estabilidade no emprego para a proteção do novo princípio do direito ao emprego surgido em substituição ao princípio do direito ao trabalho que adquiriu maior amplitude.


2. Princípio do direito ao empregado e princípio do direito ao trabalho


Com efeito, esta distinção entre o princípio do direito ao emprego e o princípio do direito ao trabalho significou dizer que a proteção do direito ao emprego estaria assegurada no contrato de trabalho com a ideia da garantia do emprego em substituição à ideia da estabilidade no emprego, ao passo que a proteção do princípio do direito ao trabalho compreenderia as várias formas de trabalho que passaram a existir nas legislações ao lado do trabalho subordinado promovidas pelo desenvolvimento econômico.

Portanto, para viabilizar o princípio do direito ao emprego no contrato de trabalho, abandonou-se a concepção estática da estabilidade no emprego até a aposentadoria, passando a ser adotada uma concepção dinâmica, traduzida na ideia da garantia do emprego, que assegurasse ao empregado certa proteção no emprego por ele ocupado, e, não sendo possível mantê-lo no mesmo emprego, por algum motivo justificável (não mais apenas a falta disciplinar, mas também por motivos econômicos e tecnológicos atribuídos à performance da empresa), ser-lhe-ia garantida a continuidade do emprego em outra empresa num processo de recolocação profissional que implicasse o direito à reclassificação profissional, se necessária, e o direito ao recebimento de seguro-desemprego, que, na verdade, seriam medidas de políticas públicas de empregabilidade transcendentes aos limites da própria relação de emprego.

Entre as principais características jurídicas da ideia da garantia do emprego como nova roupagem da ideia da estabilidade no emprego é de se ressaltar a indispensável distinção entre a despedida individual e a despedida coletiva.

Essa distinção está consagrada na Recomendação n. 166 e na Convenção n. 158, ambas de 1982, editadas pela Organização Internacional do Trabalho.

Ela é também prevista em diretivas da União Europeia, tendo em vista a harmonização legislativa dos países membros, pelo que adotada por todos eles.2 

A despedida individual só se justificaria por motivo disciplinar atribuído ao empregado ou por sua inaptidão profissional às mudanças técnicas da empresa.

O ato do empregador de despedir individualmente o empregado sofreria controle a priori, como a comunicação escrita e o procedimento que garanta ao empregado despedido o direito ao contraditório, e, a posteriori, quando, se mantida pelo empregador a decisão de despedir o empregado, ela estaria sujeita à apreciação por órgão neutro, judicial ou extrajudicial, podendo resultar na declaração de sua nulidade ou ilicitude, com a consequente reintegração do empregado no emprego ou a sua conversão em indenização compensatória.

Já a despedida coletiva relaciona-se a uma causa objetiva da empresa, de ordem econômico-conjuntural ou técnico-estrutural, e é tida como ato complexo e procedimental condicionado normalmente ao crivo da participação da representação eleita dos empregados na empresa.

Fica evidente que a concepção da garantia do emprego, como nova forma da estabilidade no emprego, para assegurar o princípio do direito ao emprego, só se aplica aos empregados contratados por prazo indeterminado.

É preciso, no entanto, ressaltar que, modernamente, mesmo nos países da União Europeia e também no Brasil, existem inúmeras formas de contratos por prazo determinado, além de outras formas menos clássicas, como, por exemplo, o contrato a tempo parcial e o contrato de trabalho intermitente, às quais não se aplicam as regras de proteção do emprego nos contratos por prazo indeterminado, mas, nem por isso, todas essas formas diferentes e alternativas de celebração do contrato de trabalho deixam de atender, de certa maneira - pelas circunstâncias em que são celebradas - ao princípio do direito ao emprego, como formas contratuais dentro da concepção da garantia do emprego.

No direito do trabalho brasileiro, a ideia da garantia do emprego que assegura o princípio do direito ao emprego, nos contratos de trabalho celebrados por prazo indeterminado, está consagrada no art. 7º, I, da Constituição Federal de 1988, como direito fundamental, ao prever que a relação de emprego está protegida contra a despedida arbitrária ou sem justa causa.

Para o exame do sentido e do alcance da classificação da proteção da relação de emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa como direito fundamental no texto constitucional brasileiro e as modificações trazidas a respeito pela Lei Federal 13.467, de 13.07.2017, para se verificar inclusive se ocorreram inconstitucionalidades a respeito nesta legislação sobre a chamada Reforma Trabalhista, é preciso fazer antes breve digressão sobre a teoria da aplicação dos direitos fundamentais previstos constitucionalmente nas relações privadas e, em especial, nas relações de trabalho.

O estudo da eficácia dos direitos fundamentais nas relações de trabalho exige a sua contextualização histórica e conceitual.

Para tanto, é preciso distinguir o fenômeno da constitucionalização dos direitos sociais interpretados como princípio do positivismo jurídico do fenômeno da constitucionalização dos direitos humanos como direitos fundamentais, cuja eficácia é assegurada, já no contexto do pós-positivismo jurídico, pela força normativa das constituições e pelos princípios normativos, com aplicação direta e vinculante às entidades públicas e privadas.

As Constituições alemã de 1949, a portuguesa de 1976, a espanhola de 1978 e a brasileira de 1988, são exemplos de consagração dos direitos humanos como direitos fundamentais.

Esses direitos fundamentais de primeira geração (direitos da cidadania), de segunda geração (direitos econômicos, sociais, trabalhistas), de terceira geração (direitos da solidariedade e da fraternidade) são formulados constitucionalmente como princípios normativos numa visão pós-positivista a serem aplicados diretamente vinculando as entidades públicas e privadas, conforme previsto pelos arts. 18, I, da Constituição da República Portuguesa, e 5º, § 1º, da Constituição da República Federativa do Brasil.3 

Portanto, o artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal prescreve que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

Significa dizer que os direitos fundamentais, previstos constitucionalmente, devem ser aplicados de forma irradiada em todo o ordenamento jurídico infraconstitucional com a máxima efetividade.

É a dimensão objetiva dos direitos fundamentais que promove sua irradiação no ordenamento jurídico infraconstitucional, vinculando as entidades públicas e privadas.

Desta maneira, o direito fundamental social da relação de emprego protegida contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, prescrito pelo art. 7º, I, da Constituição Federal de 1988, como expressão da ideia da garantia do emprego que consagra o princípio do direito ao emprego na legislação brasileira, deve ter a máxima efetividade assegurada no ordenamento jurídico com a vinculação das entidades públicas e privadas.4 

A proteção contra a despedida sem justa causa - correspondente à hipótese da despedida individual - é garantida pelo pagamento de indenização compensatória, nos termos dos arts. 7º, I, da Constituição Federal de 1988, 10, I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da mesma Constituição Federal de 1988, e 18, § 1º, da Lei Federal 8.036/1990, correspondente ao pagamento de quarenta por cento do montante de todos os depósitos do FGTS realizados na conta vinculada do empregado, até que lei complementar venha a regulamentar em definitivo o valor dessa indenização compensatória.

A opção pela reparação indenizatória adotada pelo legislador constituinte tanto nas despedidas sem justa causa (individuais) quanto nas despedidas coletivas (arbitrárias) afastou a possibilidade de a lei complementar estabelecer a reintegração no emprego como hipótese dentre outros direitos, conforme dicção do art. 7º, I, da Constituição Federal de 1988, como, ademais, assim já decidiu o Pleno do STF no RE 179193/PE.

No entanto, a despedida individual sem justa causa poderá ser revestida de ilicitude por abuso de direito, tal qual prevista pelo art. 187 do Código Civil, isto é, quando a despedida violar a boa-fé objetiva, já, que, na conformidade dos arts. 422 e 472 do Código Civil, compete às partes, no caso o empregador, guardar os princípios da boa-fé objetiva, tanto na conclusão e na execução do contrato, quanto na extinção.

A despedida abusiva ocorre nas hipóteses da violação da boa-fé objetiva consubstanciada, por exemplo, na figura do venire contra factum proprium.5 

Portanto, ocorrendo a despedida sem justa causa de forma abusiva, além da indenização compensatória prevista pela despedida sem justa causa, o empregador arcará também com outra indenização a ser arbitrada em função do abuso de direito cometido, nos termos dos arts. 927 e 944, ambos do Código Civil.

Ainda em relação à proteção constitucional da relação de emprego contra a despedida individual sem justa causa, poderá ocorrer abuso de direito do empregador, nos termos dos arts. 187 e 422 do Código Civil, quando, na hipótese de alegação de justa causa, não for assegurado ao empregado, antes da consumação da despedida, o direito à informação do motivo alegado, bem como o direito ao contraditório e à ampla defesa, uma vez que o trabalhador goza do direito da cidadania da presunção de inocência (art. 5º, XIV, da Constituição Federal de 1988) mesmo na relação de emprego.

Aliás, assim como o direito à presunção de inocência, são também direitos fundamentais do trabalhador-cidadão, isto é, são direitos fundamentais do cidadão-trabalhador na relação de emprego, o direito à informação (art. 5º, XIV, da Constituição Federal de 1988) e o direito ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LV, da Constituição Federal de 1988) (direitos inespecíficos dos trabalhadores na relação de emprego que os exerce enquanto “trabalhador-cidadão” desenvolvida pelo professor Palomeque Lopes da Universidade de Salamanca), que vinculam as entidades públicas e privadas.

Portanto, a despedida sob a alegação de justa causa, se não precedida do direito do empregado à informação do motivo alegado, bem como do direito ao contraditório e à ampla defesa, em razão do direito à presunção de inocência de que também goza o trabalhador enquanto empregado, implicará a caracterização de despedida abusiva, a ser reparada por indenização arbitrada.

É equivocado dizer, por outro lado, de forma um tanto quanto açodada, que, com o advento da Lei Federal 13.467, de 13.7.2017, sobre a Reforma Trabalhista, houve rompimento com os princípios fundamentais de proteção do direito do trabalho nas relações individuais do trabalho, com a plena consagração da autonomia da vontade individual.

Ao menos em relação aos direitos fundamentais e, em particular, em relação à proteção contra a despedida individual sem justa causa, amparada como visto acima pelo art. 7º, I, da Constituição Federal, seria inconstitucional toda e qualquer interpretação sobre a ampla autonomia da vontade individual do empregador de despedir sem justa causa, em que todo o ato da despedida pudesse eventualmente ser escoimado de abuso de direito, até porque, pela leitura do art. 444, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho, sobre a liberdade contratual do trabalho, após o advento da legislação sobre a Reforma Trabalhista, não é permitida essa interpretação, que, de resto, como dito, seria inconstitucional.

No tocante à proteção constitucional da relação de emprego contra a despedida arbitrária, que se refere à despedida coletiva, implica dizer que ela só é admitida, sob pena de ilicitude por abuso de direito prevista pelos arts. 187 e 422, ambos do Código Civil, quando precedida do cumprimento pelo empregador dos deveres anexos da boa-fé objetiva.

Esses deveres anexos da boa-fé na despedida coletiva compreendem o dever de informação ao conjunto dos trabalhadores e seus representantes (eleitos na empresa ou, na sua falta, sindicais), da causa objetiva da empresa, de ordem econômico-conjuntural ou técnico estrutural a justificar a despedida coletiva, (o direito à informação é direito fundamental do conjunto dos trabalhadores, conforme o art. 5º, XIV, da Constituição Federal de 1988), bem como o dever da tentativa da negociação coletiva (é direito fundamental dos trabalhadores participarem da negociação coletiva, conforme o art. 7º,  XXVI, da Constituição Federal de 1988 e Convenções 98 e 157 da OIT, ratificadas pelo Brasil), visando à substituição da extinção do contrato por mecanismos encontrados no ordenamento jurídico brasileiro, como, por exemplo, a suspensão dos contratos de trabalho para a participação dos trabalhadores em programa ou curso de qualificação profissional, com recebimento do empregador de ajuda compensatória mensal de recursos provenientes do FAT, nos termos do art. 476-A e seguintes da CLT, e, também, os institutos das férias coletivas, do trabalho a tempo parcial, da redução da jornada e do salário, sendo esta última hipótese, a teor do art. 7º, V, da Constituição Federal de 1988 e Lei Federal 4.923, de 23.12.1965.6 

Em relação à proteção contra a despedida arbitrária, entendida como despedida coletiva, pode-se dizer que está eivada de inconstitucionalidade a nova redação do art. 447-A da Consolidação das Leis do Trabalho, dada pela Lei Federal 13.467, de 13.7.2017, sobre a Reforma Trabalhista, quando prescreve que as dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo para sua efetivação, a regulamentar, de certa forma, a proteção da relação de emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, sendo certo que o texto expresso a respeito do art. 7º, I, da Constituição Federal, prevê que a tal regulamentação ocorrerá por lei complementar e não por lei ordinária, como o foi pela legislação sobre a Reforma Trabalhista.

Desta forma, esta nova lei ordinária sobre a Reforma Trabalhista conflita com os dispositivos constitucionais acima elencados e representa um retrocesso social em relação à máxima efetividade dos direitos fundamentais, a teor do art. 5º, § 1º, e em relação à melhoria das condições sociais dos trabalhadores, na conformidade do disposto no caput do art. 7º, ambos da Constituição Federal de 1988, tendo em vista o posicionamento doutrinário e jurisprudencial que se formara em sentido contrário em relação à diferença a respeito do conceito da proteção contra a despedida sem justa causa (individual) e arbitrária (coletiva) e suas consequências jurídicas.7 

Com efeito, a despedida coletiva ou em massa sem a prévia informação e negociação implica ilicitude por abuso de direito ao violar a boa-fé objetiva e seus deveres anexos, previstos pelos artigos 187 e 422 do Código Civil, daí resultando a obrigação do empregador de pagar indenização complementar à indenização já prevista no ordenamento jurídico.

Assim decidiu o Tribunal da 15ª Região, em decisão paradigmática no caso Embraer (processo de dissídio coletivo jurídico n. 00309200900015004-DC), o que levou o TST (processo de dissídio coletivo jurídico n. TST-ES-207660/2009-000-00-7) a decidir que as despedidas coletivas doravante devem ser precedidas de negociações entre a empresa e os trabalhadores e seus representantes.

E por todas essas razões acima expostas, sobretudo as de ordem constitucional relacionadas aos direitos fundamentais, espera-se que o Supremo Tribunal Federal, em decisão a ser proferida com repercussão geral, julgue improvido o RE 999.435 interposto pela Embraer, que pretende a reforma da decisão do Tribunal Superior do Trabalho, acima mencionada, por entender dispensável a negociação coletiva prévia para a despedida coletiva dos trabalhadores, sob o fundamento de que a regulamentação do art. 7º, I, da Constituição Federal de 1988 ainda depende de lei complementar.

Vê-se, portanto, que a efetividade da aplicação imediata do direito fundamental social da proteção da relação de emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa e da vinculação das entidades públicas e privadas passa pela aplicação dos institutos das cláusulas gerais (boa-fé objetiva e função social do contrato), em razão da força irradiante e da dimensão objetiva dos direitos fundamentais.

Essa é, portanto, a forma atual do direito brasileiro, de fundamento constitucional e infraconstitucional, para que a ideia da garantia do emprego – versão renovada da concepção da estabilidade no emprego - possa assegurar o princípio do direito ao emprego na figura do instituto da proteção da relação de emprego contra a despedida arbitrária e sem justa causa, tal qual prevista pelo art. 7º, I, da Constituição Federal de 1988.



3. Conclusão


O intervencionismo jurídico da fase do desenvolvimento histórico do direito do trabalho surgiu após o encerramento da primeira fase histórica denominada de liberalismo jurídico, quando a relação de emprego era regulada pela autonomia da vontade individual das partes.

O instrumento jurídico por excelência para garantir o princípio do direito ao trabalho foi o instituto da estabilidade no emprego, concebido como verdadeira propriedade do emprego, pois, uma vez admitido o empregado na empresa, nela deveria permanecer até a aposentadoria, salvo se cometesse falta grave disciplinar, quando então seria justificada sua despedida por justa causa.

Para viabilizar o princípio do direito ao emprego no contrato de trabalho, abandonou-se a concepção estática da estabilidade no emprego até a aposentadoria, passando a ser adotada uma concepção dinâmica, traduzida na ideia da garantia do emprego, que assegurasse ao empregado certa proteção no emprego por ele ocupado.

Entre as principais características jurídicas da ideia da garantia do emprego como nova roupagem da ideia da estabilidade no emprego é de se ressaltar a indispensável distinção entre a despedida individual e a despedida coletiva.

Em relação à proteção contra a despedida arbitrária, entendida como despedida coletiva, pode-se dizer que está eivada de inconstitucionalidade a nova redação do art. 447-A da Consolidação das Leis do Trabalho, dada pela Lei Federal 13.4678, de 13.7.2017, sobre a Reforma Trabalhista, quando prescreve que as dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo para sua efetivação.


Notas

1ALMEIDA, Renato Rua de. A estabilidade no emprego num sistema de economia de mercado. Revista LTr, v. 63, pp. 1600-1604.

2ALMEIDA, Renato Rua de. O regime geral do direito do trabalho contemporâneo sobre a proteção da relação de emprego contra a despedida individual sem justa causa. Estudo comparado entre a legislação brasileira e as legislações portuguesa, espanhola e francesa. Revista LTr, v. 71, pp. 336-345.

3ALMEIDA, Renato Rua de. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações de trabalho. Revista LTr, v. 76, pp. 647-650. 

4ALMEIDA, Renato Rua de. Proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa. Revista LTr, v. 75, pp. 156-158.

5PESSOA, Valton Doria. A incidência da boa-fé objetiva e do venire contra factum proprium nas relações de trabalho, p. 228.

6ALMEIDA, Renato Rua de. Subsiste no Brasil o direito potestativo do empregador nas despedidas em massa? Revista LTr, v. 73, pp. 391-393.

7ALMEIDA, Renato Rua de. Eficácia dos direitos fundamentais sociais e seus impactos teóricos e práticos nas relações de trabalho à luz de questões trazidas pela Lei Federal 13.467, de 13 de julho de 2017 sobre a Reforma Trabalhista. Revista LTr, v. 81, pp. 909-914.


Referências

ALMEIDA, Renato Rua de. A estabilidade no emprego num sistema de economia de mercado. Revista LTr, v. 63. São Paulo: LTr, 1999.

_______________. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações de trabalho. Revista LTr, v. 76. São Paulo: LTr, 2012.

_______________. Eficácia dos direitos fundamentais sociais e seus impactos teóricos e práticos nas relações de trabalho à luz de questões trazidas pela Lei Federal 13.467, de 13 de julho de 2017 sobre a Reforma Trabalhista. Revista LTr, v. 81. São Paulo: LTr, 2017.

_______________. O regime geral do direito do trabalho contemporâneo sobre a proteção da relação de emprego contra a despedida individual sem justa causa. Estudo comparado entre a legislação brasileira e as legislações portuguesa, espanhola e francesa. Revista LTr, v. 71, São Paulo: LTr, 2007.

_______________. Proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa. Revista LTr, v. 75. São Paulo: LTr, 2011.

_______________. Subsiste no Brasil o direito potestativo do empregador nas despedidas em massa? Revista LTr, v. 73. São Paulo: LTr, 2009.

PESSOA, Valton Doria. A incidência da boa-fé objetiva e do venire contra factum proprium nas relações de trabalho, p. 228.


Citação

ALMEIDA, Renato Rua. Estabilidade no emprego. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Pedro Paulo Teixeira Manus e Suely Gitelman (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/360/edicao-1/estabilidade-no-emprego

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Tomo Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, Edição 1, Julho de 2020