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Competência
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Pedro Paulo Teixeira Manus
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Tomo Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, Edição 1, Julho de 2020
O Poder Judiciário é responsável por dizer o direito, ou seja, aplicar a jurisdição.
Ocorre que, tal sua grandiosidade, abrangendo todas as áreas do direito, se faz necessário disciplinar o poder dos vários juízos para dizer o direito, de acordo com a matéria a eles afeta, bem como a limitação territorial de atuação de cada um, a fim de que sejam evitadas decisões contraditórias, causando a insegurança aos jurisdicionados. E esta disciplina é alcançada pelas regras de competência.
1. Conceito
A competência, na definição de Wilson de Souza Campos Batalha,1 consiste etimologicamente em “jus dicere”, que significa dizer o direito. E esta regra se aplica quer nos casos da jurisdição contenciosa, isto é, quando há conflito entre as partes, quer nas hipóteses de jurisdição graciosa, quando não há conflito, mas busca-se o reconhecimento de determinada situação jurídica.
Isso significa afirmar que o Poder Judiciário tem a atribuição de dizer o direito. Cita Batalha2 Ugo Rocco, para quem a jurisdição é a atividade do Estado dirigida ao acertamento ou à realização coativa dos interesses tutelados pelo direito objetivo, dizendo respeito, abstratamente a todos os órgãos jurisdicionais (ao contrário da competência, que é a parte da jurisdição atribuída in concreto a cada órgão jurisdicional).
Eis o motivo pelo qual se afirma que o direito se expressa pela palavra dos tribunais, referindo-se à interpretação da norma jurídica, que é atribuição exclusiva dos juízes. Neste sentido afirmam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery3 que a jurisdição é monopólio do poder estatal. E o Estado neste caso corporifica-se no Poder Judiciário, que tem o denominado monopólio da jurisdição.
Ocorre que se faz necessário disciplinar o poder dos vários juízos para dizer o direito, de acordo com a matéria a eles afeta, bem como a limitação territorial de atuação de cada um, a fim de que sejam evitadas decisões contraditórias, causando a insegurança aos jurisdicionados. E esta disciplina é alcançada pelas regras de competência.
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery,4 a propósito da competência afirmam: “As regras de competência visam a definir a esfera das atribuições de cada órgão jurisdicional, de sorte que – a partir de critérios diversos – se possa definir aquele que o legislador reputa mais adequado ao exercício daquele mister (Jaeger. DPC, n. 96, p. 231). Competência é o poder que tem o órgão do Poder Judiciário de fazer atuar a função jurisdicional em um caso concreto. É a quantidade de jurisdição atribuída a cada órgão jurisdicional, ou seja a competência é a medida da jurisdição (Liebman. Manuale, v. 1, n. 24, p. 49)”.
A ideia da competência como a medida da jurisdição auxilia na compreensão do conceito tanto de jurisdição quanto de competência. Com efeito, o Poder Judiciário detém o monopólio da jurisdição, enquanto que cada órgão que o compõe possui uma parcela desta jurisdição, que é sua competência fixada por lei.
Outro fato que estimula a divisão de competência é a existência no Brasil de Justiça Estadual e Justiça Federal, além da divisão interna de cada uma delas em razão do campo do direito a que se destinam os vários órgãos.
Assim, a Justiça Estadual ocupa-se principalmente das questões civis e criminais, enquanto que a Justiça Federal divide-se em Justiça Federal Comum, Justiça Federal do Trabalho, Justiça Federal Militar e Justiça Federal Eleitoral, cada uma delas com sua competência específica.
Diante desta realidade o legislador atribui a cada juízo uma “fatia” da jurisdição, que se denomina competência, circunscrevendo a atuação deste juízo tanto em relação ao conteúdo de suas decisões, quanto ao espaço territorial cujos efeitos de sua decisão se aplicam.
Para o correto funcionamento dos órgãos judiciais e o respeito ao princípio do devido processo legal, há ainda outras regras relativas à competência, como a que se refere à pessoa do litigante e à distribuição dos vários processos a juízos que atuam na mesma comarca.
Neste último aspecto é necessário cuidar da questão da prevenção do juízo, isto é, aquela hipótese em que determinado órgão previamente já tem sua competência fixada para um determinado processo. A seguir veremos com vagar estes casos, esclarecendo a dinâmica da distribuição dos feitos numa dada comarca, bem como as formas desta mesma distribuição, em função da situação específica de que se enquadre cada processo.
As regras gerais sobre a competência encontram-se na Constituição Federal, que delimita a atuação dos vários órgãos do Poder Judiciário, delegando ao legislador ordinário a regulamentação da atuação de cada órgão.
Ademais, além da lei ordinária dar cumprimento às regras constitucionais a respeito, sua aplicação efetiva, solucionando questões práticas sobre a competência encontra respaldo nos Regimentos Internos dos Tribunais, que têm por função dar cumprimento à norma legal e tornar suas determinações aplicáveis ao caso concreto. Assim, tanto a lei ordinária submete-se à norma constitucional, quanto as normas regimentais apenas dão cumprimento efetivo às determinações legais, não ampliando nem restringindo as regras constitucionais e legais.
No que nos interessa no momento, que é a competência da Justiça do Trabalho, encontram-se as diretrizes a respeito no texto constitucional, sendo oportuno lembrar a regra dos arts. 112 e 113 que remetem à lei a disciplina da competência dos órgãos que compõem a Justiça do Trabalho, e a evolução do seu art. 114, a fim de compreender a ampliação desta competência.
As regras de competência obedecem a critérios distintos, em função do objeto focado na sua delimitação, o que facilita a distribuição dos misteres pelos vários juízos e seu respectivo acesso pelos jurisdicionados.
Assim, temos a competência em razão da matéria, a competência em razão da pessoa, a competência em razão do território, a competência funcional e, afinal, a questão da prorrogação da competência, a competência por distribuição e o foro de eleição, o que cumpre examinar a seguir.
E assim faremos nesta ordem, iniciando pela competência material, objeto de modificação recente, passando a adentrar o tema da competência em razão da pessoa, após a competência territorial, finalizando com a competência funcional e a questão da prorrogação de competência.
2. Competência em razão da matéria
Houve sensível ampliação do leque de competência material da Justiça do Trabalho por força da Emenda Constitucional 45/2004. Com efeito, a competência que se concentrava nos conflitos individuais decorrentes da relação de emprego e nos conflitos coletivos envolvendo as entidades sindicais, conforme o texto original, foi bastante alargada pela Emenda Constitucional já referida.
Cumpre desde logo compreender os temas que o legislador constitucional submete ao arbitramento da Justiça do Trabalho e, para tanto, examinar o conteúdo do texto constitucional:
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; II – as ações que envolvam exercício do direito de greve;
III – as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;
IV – os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;
V – os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o; VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;
VII – as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;
VIII – a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;
IX – outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.
§ 1º Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.
§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.
§ 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito”.
Eis o texto atual do art. 114 da Constituição Federal, resultante das alterações promovidas pela Emenda Constitucional 45, de 08.12.2004. Vejamos a seguir, detidamente, cada um dos incisos do art. 114 do texto constitucional.
Afirma o inciso I que se incluem na competência da Justiça do Trabalho as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
É necessário refletir com atenção sobre o texto legal, para evitar incorreções. Dirige-se o legislador inicialmente aos conflitos individuais entre empregados e empregadores (impropriamente designando “relação de trabalho”, quando na realidade refere-se à relação de emprego). E ao afirmar que a competência abrange os entes de direito público externo e a administração pública direta e indireta da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, obviamente refere-se às hipóteses em que há relação de emprego ou de trabalho entre estes entes públicos, desde que não sejam regidas por regime próprio do serviço público, como resulta hoje pacífico na jurisprudência e na doutrina. Importa salientar a questão da imunidade do Estado estrangeiro, por força dos acordos internacionais, que adiante examinaremos.
Isto significa que um prestador de serviços ao Poder Público cuja relação de trabalho seja regida por um regime estatutário não se inclui na competência da Justiça do Trabalho, mas sim à Justiça Comum Federal ou Estadual.
Neste sentido afirma a nova redação deste inciso I do art. 114 da Constituição Federal, proposta pela Proposta de Emenda Constitucional 358/2005, ainda não submetida ao Congresso Nacional, que esclarece este impasse havido inicialmente, mas que hoje já se encontra superado.
O inciso II cuida das ações que envolvam exercício do direito de greve, e aqui a abrangência é maior do que aparentemente pode sugerir. Dúvida não há quanto aos dissídios coletivos entre sindicatos e empresas, ou entre sindicato profissional e patronal, em razão da iminência de greve, ou de paralização já deflagrada, que devem ser dirimidos pela Justiça do Trabalho.
Todavia há ações civis que são decorrentes de greve, como a ações possessórias, relativamente ao estabelecimento do empregador dos grevistas, que igualmente devem ser solucionadas pela Justiça do Trabalho, porque o inciso II em exame não restringe a competência àquelas hipóteses já examinadas.
Deste modo, havendo notícia de que os empregados irão deflagrar uma greve, com ameaça de ocupação do prédio em que se encontra instalada a empresa, com evidente prejuízo à produção e à circulação de pessoas, é cabível ação cautelar de interdito proibitório, que deverá ser ajuizada e decidida pela Justiça do Trabalho.
E assim é porque a norma constitucional é clara quando afirma que se incluem na competência da Justiça do Trabalho as ações que envolvam o exercício do direito de greve, como neste caso. Igualmente ação de reivindicação de posse ou de manutenção de posse, dependendo da situação de fato, são igualmente da competência da Justiça do Trabalho quando decorrentes de greve.
Decidindo sobre o tema das ações possessórias afirmou o Superior Tribunal de Justiça em recente decisão da relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, da 2ª Seção, proferida em 26.9.2018, e publicada no DJe 2.10.2018, que assim asseverou:
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA DO TRABALHO E JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. IMÓVEL. AÇÃO DE INTERDITO PROIBITÓRIO PROPOSTA NA JUSTIÇA ESTADUAL. EXECUÇÃO TRABALHISTA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO.
1. A Justiça do Trabalho detém o jus imperium que lhe permite levar a cabo os atos processuais executórios praticados no seu âmbito, inclusive o julgamento de demandas possessórias envolvendo imóvel alienado judicialmente em ação trabalhista. Precedentes.
2. Agravo interno não provido.”
Verifica-se que a decisão se refere a processo de execução na Justiça do Trabalho, mas cuida da sua competência para conhecer e dirimir ação possessória decorrente de fato que detém a competência, situação que igualmente ocorre na hipótese de ação possessória motivada por greve dos trabalhadores.
Adiante ocupa-se o texto constitucional no inciso III das ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores.
Até o advento da Emenda Constitucional 45/2004, limitava-se a competência da Justiça do Trabalho aos conflitos envolvendo empregados e sindicatos, ou empregador e sindicato, quando a questão fosse iminentemente trabalhista. Daí em diante o texto constitucional ampliou enormemente esta competência material.
Desse modo, ocorrendo conflito entre sindicatos, em que disputam a representação da categoria, ou a base territorial, por exemplo, este será conhecido e arbitrado pela Justiça do Trabalho. De igual forma todas as ações judiciais envolvendo entidades sindicais de quaisquer graus, serão da competência da justiça especializada, como as questões relativas à criação de nova entidade sindical, ou ações que discutam o desmembramento de entidade existente, com a criação de nova entidade.
E a jurisprudência produzida daí em diante demonstra que as decisões judiciais estão bem mais próximas dos interesses dos litigantes, exatamente porque o Judiciário trabalhista tem mais conhecimento sobre as questões fáticas envolvidas nestes conflitos, comparativamente aos outros ramos do Poder Judiciário.
O inciso IV remete à competência da Justiça do Trabalho os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição. E aqui, diga-se, anteriormente à alteração constitucional de que tratamos já se praticava esta regra de competência material da Justiça do Trabalho.
Não obstante, alguns contestavam esta competência, sob o argumento de que tanto o mandado de segurança quanto o habeas corpus e o habeas data cuidariam de matéria estranha aos limites da nossa competência.
O argumento, porém, não se sustentava, uma vez que o mandado de segurança de que trata o inciso IV deste art. 114 diz respeito a ato administrativo imputado como violador de direito líquido e certo em matéria trabalhista, como exemplificativamente os atos administrativos de autoridades do Ministério do Trabalho e Emprego cujo conteúdo seja de direito do trabalho. Também o mandado de segurança que se insurge contra ato judicial, em processo trabalhista, quando o impetrante entenda ferir seu direito certo.
O habeas corpus no âmbito da Justiça do Trabalho, ainda que cabível, como determina o legislador constitucional, deixou de se constituir em ação frequente no foro trabalhista, já que se voltava quase sempre contra a ordem de prisão de depositário infiel, em ação trabalhista.
Todavia o Supremo Tribunal Federal declarou incabível este tipo de prisão por dívida civil, em cumprimento ao Pacto de San José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, remanescendo apenas a prisão em caso de dívida de alimentos, que escapa da competência trabalhista. Em caso, contudo, de eventual ordem de prisão por Juiz do Trabalho, nesta ou em outra hipótese, o habeas corpus deverá ser impetrado perante a Justiça do Trabalho.
De igual modo, o cabimento do habeas data, contra ato que dependa de decisão judicial, por ausência de disciplina legal, quando a matéria envolvida for trabalhista. E veja-se que a preocupação do legislador constitucional, nos três casos é não submeter as partes a eventual decisão de outro ramo da Justiça, o que poderia causar, com certeza choques de entendimento, ocasionando incerteza jurídica. O mesmo se diga quanto à ação das autoridades administrativas em matéria trabalhista, que passaram, então, a seguir a jurisprudência dos Tribunais do trabalho, aos quais estão submetidas, buscando-se a uniformização de procedimentos.
Tema interessante e ainda polêmico vem tratado no inciso V do art. 114 da Constituição Federal, e que diz respeito aos “conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o”.
Trata-se das hipóteses no dia-a-dia das lides forenses, que apresentam determinado caso em que dois juízes julgam-se competentes, quando estaremos diante de um conflito positivo de jurisdição, ou do caso em que dois juízes entendem que não são competentes para conhecer e decidir um conflito, hipótese em que estaremos diante de um conflito negativo de jurisdição.
Quer se trate de conflito positivo ou negativo poderemos ter o conflito entre juízes da Justiça do Trabalho ou não, bem como juízos de grau hierárquico diverso.
Vejamos as situações no âmbito interno da Justiça do Trabalho. Se o conflito envolver dois juízos do trabalho da mesma região, será competente para dirimir o conflito o Tribunal Regional a que ambos estão vinculados.
Todavia o conflito pode envolver juízos do trabalho de regiões diversas, caso em que nenhum tribunal regional terá competência para solucionar o impasse.
Neste caso o tribunal competente para conhecer e dirimir o conflito será o Tribunal Superior do Trabalho, cabendo regimentalmente a sua Subseção II da Seção Especializada em Dissídios Individuais conhecer e decidir os conflitos de direito trabalho em âmbito nacional. Igualmente será ele competente quanto houver conflito entre dois Tribunais Regionais do Trabalho, ou um Tribunal Regional do Trabalho e um Juiz do Trabalho vinculado a outro Tribunal Regional.
Sempre é bom lembrar que não existe conflito de competência entre Juiz de 1º grau e o Tribunal Regional do Trabalho a que ele está vinculado, pois a relação é de subordinação, prevalecendo sempre a decisão do Tribunal e cabendo ao Juiz cumprir o determinado, consoante a Súmula 420 do Tribunal Superior do Trabalho. De igual modo não há conflito entre Tribunal Regional do Trabalho e o Tribunal Superior do Trabalho, cabendo ao Tribunal Regional acatar e cumprir a determinação da Corte superior.
Não obstante o esforço empregado para dotar todas as localidades do país de uma Vara do Trabalho, ainda não logramos êxito, embora tenhamos avançado muito, concretizando o acesso à Justiça. Deste modo, nas localidades não inseridas na jurisdição de uma vara do trabalho, o Juiz Estadual faz as vezes de Juiz do Trabalho.
Ocorrendo um conflito positivo ou negativo entre Juiz do Trabalho e Juiz Estadual investido na jurisdição trabalhista, a regra a se aplicar é aquela referente ao conflito entre dois Juízes do Trabalho. Se forem da mesma região o conflito será dirimido pelo Tribunal Regional com jurisdição sobre ambos os Juízes. Pertencendo a regiões diversas a competência será do Tribunal Superior do Trabalho.
Mas se o conflito ocorrer porque o Juiz Estadual nega-se a exercer a jurisdição trabalhista, mantendo-se como Juiz de Direito na jurisdição comum, a competência para solucionar o impasse será do Superior Tribunal de Justiça, único Tribunal que pode dizer o direito para ambos os ramos do Poder Judiciário. De igual modo, no caso de conflito entre Juiz do Trabalho e Juiz Federal, a competência para dirimir o conflito igualmente será do Superior Tribunal de Justiça.
A exceção à competência da Justiça do Trabalho em matéria de conflito de jurisdição, como dissemos, diz respeito à ressalva do inciso V, ora em exame, que afirma “conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o”.
E o dispositivo constitucional (inciso I, alínea o) afirma que compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar “os conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Justiça e quaisquer tribunais, entre Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal.”
A redação do dispositivo gera interpretações diferentes, como resulta da posição de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery,5 que afirmam que mesmo no âmbito da Justiça do Trabalho a competência do Tribunal Superior do Trabalho é menos ampla do que aquela acima referida e Sérgio Pinto Martins,6 que discorda dos autores anteriormente por nós citados. É conveniente consultar a doutrina a respeito, bem como a jurisprudência, mormente aquela sumulada do Tribunal Superior do Trabalho, que reconhece a sua competência para dirimir os conflitos acima por nos referidos.
O inciso VI do art. 114 da Constituição Federal soluciona questão que até então merecia grandes debates quanto à competência da Justiça do Trabalho e que diz respeito às ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho, que definitivamente passam a nossa competência.
Lembremos, de início, que a lei, a doutrina e a jurisprudência muito debateram a respeito do reconhecimento da existência do dano extrapatrimonial, com o consequente direito à indenização respectiva.
O exame da evolução da jurisprudência e da doutrina a respeito constitui uma boa fonte de pesquisa, para nossa melhor compreensão sobre o instituto. Carlos Roberto Gonçalves7 didaticamente e com conteúdo muito rico narra esta trajetória, que convém ser consultada.
Somente com o advento do art. 5º, V e X, da Constituição Federal de 1988, é que restou positivada a caracterização do dano moral como ato ilícito e o direito à respectiva indenização.
Afirma o art. 5º, V, da Constituição: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral, ou à imagem” E o inciso X do mesmo dispositivo dispõe “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Como se vê, hoje não há mais dúvida quanto ao reconhecimento jurídico da figura do dano moral e o consequente direito à indenização em caso de sua violação, quando a vítima é atingida em seu patrimônio imaterial, nos termos do dispositivo constitucional.
Ademais, doutrina e jurisprudência evoluíram no sentido de admitir que um mesmo ato ilício pode ensejar danos materiais e imateriais, o que justifica o pleito de indenizações distintas. E neste sentido ocupa-se o Código Civil, nos arts. 186 e 187 do conceito de atos ilícitos, cuidando dos danos morais, especificamente. E adiante, em seus arts. 927 e seguintes ocupa-se da indenização no caso de dano, estabelecendo o art. 944 do mesmo diploma o critério para fixação de indenização.
Como se vê a questão relativa aos danos patrimoniais e morais, sem dúvida, insere-se no universo do direito civil em razão de seu conteúdo, e não no âmbito do direito do trabalho. Não obstante este fato, a competência do juiz do trabalho para conhecer e arbitrar conflito entre trabalhador e tomador de serviços em matéria de dano decorre da qualificação dos sujeitos e não do conteúdo da demanda.
Por outras palavras a Justiça do Trabalho arbitra os conflitos entre trabalhadores e tomadores de serviços, seja numa relação de emprego subordinado, ou numa relação de trabalho autônomo, desde que o prestador seja pessoa física, ainda que o conteúdo da demanda extrapole os limites da legislação do trabalho.
E este fato não constitui novidade no âmbito da competência material da Justiça do Trabalho, pois desde o advento da Consolidação das Leis do Trabalho o art. 652, III, atribui-lhe competência para dirimir conflitos decorrentes de contratos de empreitada entre empreiteiro operário ou artífice e o tomador dos serviços.
Evidencia-se neste caso uma relação típica de empreitada, que é de direito civil e, mesmo assim o legislador entendeu conveniente atribuir a competência ao juiz do trabalho para solucionar a controvérsia, diante da informalidade e da celeridade do processo do trabalho, em benefício do prestador de serviços.
Na prática acostumamo-nos a vincular o Juiz do Trabalho apenas ao conteúdo de Direito do trabalho, fundamentalmente pelo volume extraordinário de demandas trabalhistas, em sentido estrito, não obstante, desde a instituição da Justiça do Trabalho, ainda na sua fase administrativa, antes da Constituição Federal de 1946, já arbitrasse conflitos com outros conteúdos. A propósito deste fato, a seguir cuidaremos do próximo inciso que dá à Justiça do Trabalho competência em matéria administrativa e tributária, exemplificativamente.
Insista-se, porém, que no caso do dano moral, que se caracteriza pela dicção constitucional já transcrita, na ofensa à intimidade, vida privada, honra e imagem, o juízo do trabalho está diante de um tema de direito civil e assim deve decidir, ainda que se trate de conflito entre empregado e empregador.
Ademais, ainda no que toca ao dano moral, mais frequentemente encontramos reclamações trabalhistas em que o empregado alega ofensa moral e postula indenização pela prática do ato ilícito pelo empregador ou seus prepostos.
Não obstante, hoje há entendimento unânime no sentido de que também a pessoa jurídica pode ser vítima de dano extrapatrimonial, por ato ilícito cometido pelo empregado, quando injustamente ofende, por exemplo, a honra da empresa, ou sua imagem. Lembre-se neste sentido a Súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça que afirma: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.”
E à evidência, tratando-se de conflito entre empregador e empregado, a despeito de seu conteúdo a competência material é da Justiça do Trabalho por força do mandamento constitucional.
O inciso VII do art. 114 da Constituição Federal afirma que se incluem na competência da Justiça do Trabalho as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho. Eis aqui uma alteração legislativa da competência material que trouxe grandes proveitos, tanto aos jurisdicionados, quanto aos órgãos administrativos do Estado.
E aqui o fundamento da conveniência da alteração da competência material da Justiça Federal Comum para a Justiça Federal do Trabalho decorreu exatamente do conteúdo dos conflitos decorrentes de autuações às empresas, pelos agentes administrativos do Ministério do Trabalho e Emprego, no caso de eventual descumprimento da legislação do trabalho.
Havendo uma autuação pelo Auditor Fiscal, com fundamento nas disposições da Consolidação das Leis do Trabalho, em seus arts. 626 e seguintes, esta prevê a possibilidade da empresa não se conformar com a referida autuação, facultando-lhe a discussão e defesa administrativa. E neste caso, poderia, até o advento da Emenda Constitucional 45/2004, ingressar com ação judicial perante a Justiça Federal Comum, porque o agente que a autuou é um servidor vinculado a um órgão do Executivo Federal.
Todavia o conteúdo da autuação é matéria do âmbito do direito do trabalho, o que sempre possibilitou entendimentos divergentes entre a Justiça Federal Comum e a Justiça do Trabalho, o que nem é benéfico para os jurisdicionados, nem para a auditoria fiscal do Ministério do Trabalho, para se orientar em suas ações.
Com a competência para dirimir estes conflitos judiciais passando à Justiça do Trabalho cessam tais conflitos jurisprudenciais, possibilitando à autoridade administrativa pautar suas ações com arrimo na jurisprudência da Justiça do Trabalho, evitando a proliferação de litígios, orientando-se todos os envolvidos pelo direcionamento judicial uníssimo a ser oferecido.
Ainda o inciso VIII do dispositivo em análise elevou ao patamar constitucional a determinação legal de outrora, que passou a incluir na competência da Justiça do Trabalho a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, “a”, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir.
Houve de início certa reação negativa a este acréscimo de trabalho para o judiciário trabalhista, quer pelo volume de trabalho considerável, quer pela matéria de natureza previdenciária e tributária, diversa das questões trabalhistas em sentido estrito.
Mas, para agravar a situação houve quem pretendesse estender esta competência além do âmbito das sentenças condenatórias proferidas pelos juízos do trabalho, buscando a execução destas contribuições pela simples declaração de vínculo em períodos anteriores, ainda que sem a devida condenação no pagamento, única hipótese válida da ampliação da competência trabalhista
Afinal, serenados os ânimos, restou fixado o entendimento, hoje pacífico, no sentido de que somente as sentenças condenatórias da Justiça do Trabalho que contenham verbas de natureza salarial e que, portanto, geram incidência de contribuições previdenciárias, é que se enquadram na hipótese deste inciso VIII do art. 114 da Constituição Federal.
Assim, a partir desta alteração promovida pela Emenda Constitucional 45/2004, passou o juízo do trabalho a ter o encargo de determinar “ex officio” a execução pela empresa da contribuição previdenciária devida em decorrência da sentença por ele proferida, ou fiscalizar o devido recolhimento pela executada, constatando a exatidão dos valores recolhidos aos cofres públicos.
Dúvida não há de que se trata de acréscimo considerável no trabalho dos Juízes e dos Serventuários da Justiça do Trabalho, tendo em conta o volume extraordinário de processos com sentenças condenatórias, que contêm verbas salariais, e que acarretam arrecadação de parcelas previdenciárias, sob o crivo do juízo do trabalho. Todavia, sob a ótica do interesse público a medida faz todo sentido.
Por derradeiro, o inciso IX deste art. 114 da Constituição Federal determina que outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei, também podem ser agregadas à competência material da Justiça do Trabalho. Desta forma recepciona o texto constitucional o mencionado art. 652 da Consolidação das Leis do Trabalho, no que se refere aos contratos de empreitada, em que o prestador for operário ou artífice, além de outras controvérsias que o legislador entender devam submeter-se ao arbitramento da Justiça do Trabalho, quer pelo seu conteúdo, pela especificidade dos litigantes, ou ainda da maior celeridade na solução dos conflitos.
Neste casos de inclusão na competência da Justiça do Trabalho encontram-se o empregado rural, o trabalhador doméstico, o trabalhador temporário, além do avulso, eventual ou autônomo, quer por força da lei que regulamenta sua relação de trabalho, quer pelo alcance da Emenda Constitucional 45/2004, razão pela qual são incluídos neste ramo do Poder Judiciário.
Esgotado o elenco do art. 114 da norma constitucional sobre a competência material da Justiça do Trabalho, no que se refere aos dissídios individuais, ocupam-se os parágrafos 1º e 2º do art. 114 das questões afetas ao seu poder normativo, que abre novo leque da competência.
Afirma o § 1º deste dispositivo constitucional que frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros. Isso significa fazer referência ao inciso XXVI do art. 7º da própria norma constitucional, que reconhece a validade das convenções e acordos coletivos de trabalho, celebrados respectivamente entre sindicato patronal e profissional e entre sindicato profissional e uma ou mais empresas.
Trata-se do reconhecimento pela norma constitucional da denominada autonomia coletiva dos grupos, facultando às entidades sindicais e aos empregadores a celebração de acordos e convenções coletivas, que têm natureza híbrida, pois são contratuais na forma, mas legislativas em seu conteúdo, já que contêm normas aplicáveis obrigatoriamente tanto aos empregados quanto aos empregadores pertencentes à categoria das entidades que celebram o instrumento.
Deste modo, prevê o legislador constitucional, como já vinha previsto na norma constitucional anterior, na hipótese de não ocorrer a auto composição, com a celebração direta da convenção ou do acordo coletivo, a possibilidade da indicação conjunta de árbitro, que terá a incumbência de dirimir a controvérsia.
Veja-se, a propósito, que a solução arbitral na Justiça do Trabalho é admitida há tempos, não se entendendo, por óbvio, qualquer vedação ao acesso ao Poder Judiciário por este fato. Resta o entrave ainda da jurisprudência e de boa parte da doutrina de admitir a arbitragem também nos conflitos individuais, o que até então tem sido repelido com fundamento na desigualdade das partes.
Convém anotar, contudo, o novo dispositivo da Consolidação das Leis do Trabalho, introduzido pela Lei Federal 13.467, de 13.7.2017, conhecida como reforma trabalhista, e que dispõe:
“Art. 507-A. Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a 2 vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante sua concordância expressa, nos termos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996”.
Admite assim o legislador ordinário a arbitragem para conflitos individuais, limitada a possibilidade aos empregados que percebem salários mais elevados, tornando sem efeito o veto presidencial ocorrido, quando do advento da atual lei de arbitragem, que contemplava possibilidade semelhante de arbitragem para empregados categorizados, conforme a redação original da referida Lei Federal 9.307/1996.
Já o § 2º deste art. afirma que se recusando qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente. Houve no caso a introdução de importante requisito para a validade do ajuizamento do processo de dissídio coletivo, que é a exigência do comum acordo, sob pena do Judiciário Trabalhista ver-se impedido de conhecer e dirimir o conflito, estimulando as partes a encontrar uma solução negociada diretamente, como concluiu o Tribunal Superior do Trabalho.
Afinal o § 3º do art. 114 da Constituição Federal assevera que em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.
E tal se dá porque as atividades consideradas essenciais, nos termos do art. 10 da Lei Federal 7.783, de 28 de junho de 1989, são aquelas cuja eventual paralisação provoca maiores transtornos e até danos à população, estando a exigir pronta solução ao conflito, com a retomada da normalidade dos trabalhos.
Daí atribuir o encargo ao Ministério Público do Trabalho do ajuizamento do dissídio coletivo, com o objetivo de buscar mais rápida solução do impasse e o retorno ao oferecimento do bem ou serviço afetado pela paralisação.
A redação do § 2º do art. 114 da Constituição Federal fixa a competência da Justiça do Trabalho para conhecer e dirimir os conflitos coletivos de trabalho entre sindicatos de empregados e empresas, no caso de frustração da realização de acordo coletivo de trabalho, ou conflitos coletivos entre sindicatos de empregados e sindicato de empregadores, no caso de frustração da celebração de convenção coletiva de trabalho.
A Consolidação das Leis do Trabalho em seus arts. 856 e seguintes estabelece o procedimento a adotar quanto aos processos de dissídios coletivos, além das normas regimentais do Tribunal Superior do Trabalho e dos Tribunais Regionais, que igualmente se ocupam do tema, adaptando o procedimento às peculiaridades de cada Tribunal.
Cumpre lembrar que a competência para conhecer e decidir o conflito coletivo de trabalho é originariamente do Tribunal Regional do Trabalho, a partir da extensão da decisão a ser proferida e cumprida. Assim, limitando-se o conflito à jurisdição do órgão regional, dele será a competência. No caso de um dissídio coletivo espraiar sua decisão além dos limites da jurisdição do órgão regional, a competência originária será do Tribunal Superior do Trabalho.
Anote-se, porém, a exceção a esta regra, trazida pela Lei Federal 9.524/1996, que alterou a Lei Federal 7.520/1996, que criou o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, com sede na cidade de Curitiba, desmembrando-o do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, com sede na cidade de São Paulo.
Em seu art. 12, alterado pela nova lei, afirma caber ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região conhecer e dirimir os dissídios coletivos que produzirão efeitos parte na área territorial deste tribunal e parte da área territorial do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.
3. Competência em razão da pessoa
A competência da Justiça do Trabalho em razão da pessoa, originariamente, alcançava somente os dissídios entre empregados e empregadores e, excepcionalmente, algumas situações a eles equiparados, como no caso das pequenas empreitadas, em que o empreiteiro fosse operário ou artífice, consoante o art. 652 da Consolidação das Leis do Trabalho, que já examinamos anteriormente.
Os empregados rurais, cujos contratos têm regulamentação própria pela Lei Federal 5.889/1973, estão abrangidos atualmente também pela competência da Justiça do Trabalho, após o advento da Constituição Federal de 1988. O mesmo se dá com relação aos trabalhadores avulsos, eventuais, temporários e autônomos, cuja relação com o tomador de serviços não é subordinada, o que os distingue do empregado, mas na condição de prestadores pessoas físicas inserem-se no rol já estudado do art. 114 da norma constitucional.
Relativamente aos servidores públicos, cumpre examinar o regime jurídico a que se vinculam com a Administração Pública, a fim de estabelecer a competência para suas ações judiciais.
Houve época em que coexistiam três regimes jurídicos para servidores públicos, que eram o regime estatutário, o regime celetista e o regime especial. Tal situação propiciou a criação de outros regimes, alargando as regras originárias e dando margem a muitas distorções na aplicação dos vários institutos aos servidores, com a consequente criação de tratamentos não isonômicos, como devido.
Diante destes problemas a Constituição Federal estabeleceu um regime único para os servidores da União regulado pela Lei Federal 8.112/1990, que diante das suas peculiaridades levou à fixação da competência para arbitrá-los à Justiça Federal, como resulta hoje pacífico na doutrina e jurisprudência, não obstante os debates sobre a melhor interpretação do inciso I do art. 114 da norma constitucional.
Os Estados membros da Federação e os Município têm alguns regimes próprios, o que remete tais servidores às decisões da Justiça Estadual, salvo se instituído como regime único o celetista, hipótese em que a competência será da Justiça do Trabalho. Na coexistência dos dois regimes, divide-se a competência entre Justiça Especializada e Comum, em função do regime adotado em cada caso.
Questão que merece atenção diz respeito à competência em razão da pessoa da Justiça do Trabalho no que se refere aos denominados entes de direito público externo. Lembremos que o inciso I do art. 114 da Constituição Federal, já comentado anteriormente, quanto aos entes de direito público interno, dispõe que compete à Justiça do Trabalho julgar “as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.”
Assim, é preciso compreender a extensão da competência com relação a estes entes de direito público externo, que são as representações de Estados estrangeiros em nosso território. Diga-se, desde logo, que havendo prestação de trabalho por agente estrangeiro vinculado por regime estatutário próprio do país tomador de serviços, nada tem a ver a nossa Justiça do Trabalho com eventual conflito que venha a ocorrer. Isto à semelhança dos servidores estatutários da União vinculados pelo regime único da Lei nº 8.112/1990, já anteriormente referido.
No que se refere aos trabalhadores brasileiros que aqui prestem serviços a entes de direito público externo, têm estes ação perante a Justiça do Trabalho para reconhecimento de vínculo de emprego e recebimento de haveres a que tenham direito, desde que o Estado estrangeiro ou o organismo internacional a ele vinculado tenha renunciado expressamente à sua imunidade.
Neste sentido dispõe a OJ-SDI1-416 do Tribunal Superior do Trabalho: Imunidade de jurisdição. Organização ou Organismo Internacional. As organizações ou organismos internacionais gozam de imunidade absoluta de jurisdição quando amparados por norma internacional incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro, não se lhes aplicando a regra do Direito Consuetudinário relativa à natureza dos atos praticados. Excepcionalmente, prevalecerá a jurisdição brasileira na hipótese de renúncia expressa à cláusula de imunidade jurisdicional.
E o entendimento firmado pelo Tribunal Superior do Trabalho decorre do entendimento com repercussão geral expresso pelo Supremo Tribunal Federal. Acresce notar que a expressão imunidade absoluta de jurisdição alcança tanto a ação quanto a execução, pois expressa o fato do Estado não se submeter à jurisdição brasileira.
Resulta, portanto, que a regra do inciso I do art. 114 da Constituição Federal há de ser conjugada com a existência de renúncia pelo Estado estrangeiro a sua imunidade, a fim de que possa a Justiça do Trabalho julgar o conflito.
4. Competência em razão do lugar
A competência em razão do território, ou em razão do lugar, é disciplinada pelo art. 651 da Consolidação das Leis do Trabalho, que assim dispõe:
“Art. 651 – A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento é determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro”.
Verifica-se que o legislador buscou estabelecer como regra geral um critério que assegure ao empregado o direito constitucional de acesso ao Poder Judiciário, possibilitando o ajuizamento de reclamação, ou o exercício do direito de defesa na condição de reclamado, quer no local da prestação de serviços, quer no local da contratação, quando forem ambos diversos.
É importante ressaltar que se entende por local da contratação tanto a localidade em que for formalizado o contrato, quanto aquele em que foi arregimentado o empregado para trabalhar em localidade diversa. Deste modo, seja o empregado reclamante ou reclamado busca o legislador assegurar-lhe o efetivo direito de ação e de defesa:
“§ 1º – Quando for parte de dissídio agente ou viajante comercial, a competência será da Junta da localidade em que a empresa tenha agência ou filial e a esta o empregado esteja subordinado e, na falta, será competente a Junta da localização em que o empregado tenha domicílio ou a localidade mais próxima”.
A regra do § 1º tem igual fundamento àquela do caput, garantindo ao agente ou viajante, que presta serviços em várias localidades, a possibilidade do ajuizamento da reclamação ou sua defesa como reclamado na localidade da agência ou filial a que estiver vinculado, ou na localidade de seu domicílio ou localidade mais próxima, sempre com o escopo de garantir o acesso ao Poder Judiciário.
Agrega aqui o legislador outra preocupação, que é a de facilitar a produção de provas neste processo, ao fixar a competência da localidade em que se situa a agência ou filial, em que se encontram os documentos e eventuais testemunhas a serem ouvidas na instrução processual.
Deste modo busca a lei evitar o quanto possível a colheita de provas em outra localidade, por meio de carta precatória, o que contribui para a demora na solução do conflito, assim como busca evitar semelhante problema em eventual execução de sentença, procurando que a reclamação tramite na localidade em que se encontram os bens do possível devedor executado:
“§ 2º – A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento, estabelecida neste artigo, estende-se aos dissídios ocorridos em agência ou filial no estrangeiro, desde que o empregado seja brasileiro e não haja convenção internacional dispondo em contrário”.
Relativamente à extensão da competência territorial da Justiça do Trabalho aos dissídios ocorridos no estrangeiro, ganha importância esta possibilidade com o advento da Lei Federal 7.064/1982, que regula a situação de trabalhadores brasileiros contratados ou transferidos para o exterior, possibilitando, quando do regresso, ou do desfazimento do contrato de trabalho, a possibilidade de ingressar com reclamação trabalhista no Brasil:
“§ 3º – Em se tratando de empregador que promova realização de atividades fora do lugar do contrato de trabalho, é assegurado ao empregado apresentar reclamação no foro da celebração do contrato ou no da prestação dos respectivos serviços”.
E o § 3º reafirma a regra geral do art. em exame, que possibilita ao empregado o ajuizamento de reclamação, ou a defesa como reclamado, quer no local da celebração do contrato, quer no local da prestação de serviços, quando não coincidentes, assegurando o direito de ação.
5. Competência em razão da função
Igualmente denominada competência funcional, trata-se de critério de distribuição dos feitos pelos vários órgãos que compõem a Justiça do Trabalho, quer no que respeita à existência de graus hierárquicos de jurisdição, quer no que se relaciona ao fato de coexistirem vários juízos de mesmo grau numa dada localidade, a fim de aumentar a capacidade de julgar os feitos distribuídos.
Em qualquer destes casos há necessidade de regras objetivas de distribuição, tanto para que o número de processos submetidos a cada juízo seja equitativo, como para evitar tentativas de desvirtuamento da distribuição, em atenção ao princípio do devido processo legal.
Para o exame da competência em razão da função e a consequente regra de distribuição dos processos, é necessário considerar a existência das Varas do Trabalho, do Tribunal Regional do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho, nos termos dos arts. 111 a 113 da Constituição Federal, e sua respectiva competência para cada tipo de processo.
Como decorre do texto do art. 111-A, § 1º, a Lei Federal 7.701/1988 é que cuida da competência funcional do Tribunal Superior do Trabalho, dividindo-o em Tribunal Pleno, Órgão Especial, Seção Especializada em Dissídios Individuais e Seção Especializada em Dissídios Coletivos, além das oito Turmas que o compõem.
Diante do texto dos arts. 112 e 113 da Constituição Federal, já referidos, igualmente foi delegado ao legislador ordinário estabelecer a competência funcional dos Tribunais Regionais do Trabalho e das Varas do Trabalho, sendo solucionadas as questões atinentes e peculiares à estrutura de cada órgão regional pelo seu regimento interno.
Ao discorrer sobre os órgãos que compõem a Justiça do Trabalho o art. 644, “c” refere-se às Juntas de Conciliação e Julgamento, pois anterior à Emenda Constitucional 24/1999, que considerava a existência, desde a fase administrativa, dos representantes classistas em todos os órgãos da Justiça do Trabalho. Posteriormente, com a supressão desta representação, passou-se à atual denominação de Vara do Trabalho, conforme o art. 112 da Constituição Federal.
As ações individuais da competência da Justiça do Trabalho, que já examinamos anteriormente, são atribuição funcional originária das Varas do Trabalho, comportando recursos ordinários (Consolidação das Leis do Trabalho, art. 895), para o Tribunal Regional do Trabalho da região em que se localiza a vara sentenciante. E os arts. 650 e seguintes da Consolidação dispõem sobre a competência funcional do juízo do trabalho de 1º grau.
O Tribunal Regional do Trabalho, como já referimos, tem sua competência estabelecida pela lei ordinária e pelo seu próprio regimento interno, para atender às peculiaridades de cada estrutura, já que o número de integrantes de cada órgão regional é variável em função do número de habitantes de cada região, bem como do volume de processos em cada uma das vinte e quatro regiões do país, acarretando maior ou menor número de desembargadores do trabalho.
Assim, exemplificativamente, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, com sede na cidade de São Paulo, e jurisdição na capital do Estado, na Grande São Paulo, nas cidades circunvizinhas à capital, e na Baixada Santista, compõe-se de noventa e quatro Desembargadores, que atuam funcionalmente integrando uma das dezoito Turmas julgadoras, que apreciam os recursos oriundos das Varas do Trabalho, além de integrarem uma das oito Seções Especializadas em Dissídios Individuais, que apreciam ações rescisórias e mandados de segurança, ou integrarem a Seção normativa, que julga os dissídios coletivos. As questões de natureza administrativa são da competência funcional do Órgão Especial, composto por Desembargadores escolhidos pelos critérios de merecimento e antiguidade.
O Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região, com sede na cidade de Campo Grande e jurisdição no Estado do Mato Grosso do Sul, é integrado por oito Desembargadores, que atuam ou em Seção Plenária para conhecer de ações de sua competência originária, ou dividido em duas Turmas, julgando os recursos oriundos das Varas do Trabalho. Diante da diversidade das composições evidencia-se a necessidade de que o regimento interno de cada Tribunal disponha sobre sua organização interna e competência funcional, respeitadas sempre as normas gerais do processo do trabalho.
O Tribunal Superior do Trabalho, como já referido, quando teve sua composição ampliada para vinte e sete ministros pela norma constitucional, teve sua organização interna e competência funcional disciplinada pela referida Lei Federal 7.701/1988. E passou a funcionar com oito Turmas julgadoras, que conhecem os recursos oriundos dos Tribunais Regionais do Trabalho, bem como de duas Seções Especializadas, sendo uma de direito individual e outra de direito coletivo.
Dada a quantidade enorme de processos em matéria individual, a Seção Especializada em Dissídios Individuais foi subdividida em Subseção I, que julga os embargos oriundos das oitos Turmas do Tribunal, e Subseção II, que julga os mandados de segurança, as ações rescisórias e os conflitos de competência. À Seção Normativa compete conhecer e dirimir originariamente os dissídios coletivos que extrapolam a jurisdição do Tribunal Regional, ou como instância revisora julgar os recursos ordinários em dissídios coletivos.
Afinal, registre-se que regimentalmente conhece ainda o Tribunal Superior do Trabalho de matéria atinente ao Tribunal Pleno, além das questões administrativas afetas ao Órgão Especial.
6. Prorrogação da competência, distribuição e o foro de eleição
No que respeita à possibilidade de prorrogação de competência, em se tratando de incompetência absoluta não há como aplicá-la, como nos casos de competência em relação à matéria, internacional ou à pessoa. Mas a competência territorial, que é de natureza relativa, pode ser prorrogada, como resulta pacífico tanto na doutrina quanto na jurisprudência, não podendo por este fato o juízo argui-la de ofício.
É importante salientar que frequentemente deparamo-nos com mais de um juízo de mesmo grau, numa dada localidade, com igual competência, sendo necessário um sistema seguro e democrático de distribuição dos processos, evitando tentativas de escolha deste ou daquele juízo, bem como buscando equilibrar a quantidade de processos distribuídos a todos os juízos.
Para tanto, nas comarcas em que há mais de um juízo com igual competência, os processos sujeitam-se à distribuição por um sistema eletrônico, aleatório, que evita que a parte tente dirigir a distribuição para este ou para aquele juízo. O programa utilizado garante a lisura na distribuição dos feitos, bem como o equilíbrio de quantidade de processos recebidos por cada juízo, num dado espaço de tempo.
Igual critério é utilizado nos Tribunais Regionais do Trabalho e no Tribunal Superior do Trabalho com relação aos recursos oriundos das Varas do Trabalho, bem como nas ações de sua competência originária, garantindo, desde modo a isenta distribuição.
Diga-se, por derradeiro, que não se admite no processo do trabalho o foro de eleição, admitido no âmbito civil. Isto porque as regras de competência em razão do lugar são expressas, como examinamos no art. 651 da Consolidação das Leis do Trabalho, sendo de observância obrigatória.
A razão da vedação reside na desigualdade entre as partes no contrato individual de trabalho, o que poderia levar, se admitido o foro de eleição, à fixação de competência para localidade de difícil acesso ou até inatingível para o empregado.
7. Conclusão
O Poder Judiciário detém o monopólio da jurisdição, enquanto que cada órgão que o compõe possui uma parcela desta jurisdição, que é sua competência fixada por lei.
A competência em razão da matéria na Justiça do Trabalho vem disciplinada pelo art. 114 da Constituição Federal, alterada pela Emenda Constitucional 45/2004, que trouxe para a Justiça Especializada a competência para dirimir conflitos, como exemplo, nas ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho.
O referido artigo constitucional dirime os conflitos de competência entre os órgãos do Poder Judiciário.
A competência em razão da pessoa, originariamente, alcançava somente os dissídios entre empregados e empregadores e, excepcionalmente, algumas situações a eles equiparados, como no caso das pequenas empreitadas.
Outrossim, o inciso I do art. 114 da Constituição Federal aumentou a competência da Justiça do Trabalho que passou a julgar as ações oriundas da relação de trabalho, dos entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Entretanto, somente os entes cujo contrato de trabalho é regido pela CLT se socorrem da Justiça do Trabalho. Os servidores abrangidos pelo regime único da Lei Federal 8.112/1990 continuam acobertados pela Justiça Comum, Federal ou Estadual, dependendo do servidor.
A competência em razão do lugar vem disciplinada pelo art. 651 da CLT e garante a observância ao princípio do acesso à Justiça ao trabalhador.
A competência funcional é o critério de distribuição dos feitos pelos vários órgãos que compõem a Justiça do Trabalho, quer no que respeita à existência de graus hierárquicos de jurisdição, quer no que se relaciona ao fato de coexistirem vários juízos de mesmo grau numa dada localidade, a fim de aumentar a capacidade de julgar os feitos distribuídos.
A prorrogação de competência só é possível nos casos de competência relativa, ou seja, na competência em razão do lugar, sendo que somente a parte pode argui-la, não podendo o juiz ou desembargador o fazê-lo. Não sendo suscitada, prorroga-se a competência do lugar.
Não é cabível o foro de eleição na Justiça do Trabalho, para que não dificulte o acesso à Justiça do empregado, parte mais fraca no contrato de trabalho.
Notas
1 BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito judiciário do trabalho, p. 44.
2 BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito judiciário do trabalho, p. 44.
3 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado, p. 267.
4 Idem, p. 336.
5 NERY JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado, pp. 2016-2017.
6 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito processual do trabalho, pp. 225-227.
7 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, pp. 387 e ss.
Referências
BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito judiciário do trabalho. São Paulo: LTr, 1977.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
MARTINS, Sergio Pinto. Direito processual do trabalho. 39. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
Citação
MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Competência. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Pedro Paulo Teixeira Manus e Suely Gitelman (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/358/edicao-1/competencia
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Tomo Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, Edição 1,
Julho de 2020