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Assédio moral institucional
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Adriana Calvo
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Tomo Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, Edição 1, Julho de 2020
Assédio moral é degradação deliberada das condições de trabalho em que prevalecem atitudes e condutas negativas dos chefes em relação a seus subordinados, constituindo uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos práticos e emocionais para o trabalhador e a organização.
Não se confunde com o assédio moral institucional, também chamado de assédio moral corporativo ou organizacional que se configura como sendo um assédio moral para toda a empresa, ou seja, é o conjunto de condutas abusivas, de qualquer natureza, exercício de forma sistemática durante certo tempo, em decorrência de uma relação de trabalho, e que resulte no vexame, humilhação ou constrangimento de uma ou mais vítimas com a finalidade de se obter o engajamento subjetivo de todo o grupo às políticas e metas da administração, por meio da ofensa e seus direitos fundamentais, podendo resultar em danos morais, físicos e psíquicos.
1. Introdução
A doutrina trabalhista já estudou minuciosamente o assédio moral interpessoal, mas pouco avançou no estudo do assédio moral institucional também conhecido como assédio moral corporativo ou organizacional.
Percebe-se haver muita confusão terminológica e até enquadramento de situações de assédio interpessoal de forma equivocada.
Durante pesquisa jurisprudencial sobre o tema,1 não raro encontra-se ações trabalhistas com pedidos equivocados de assédio moral interpessoal, que durante a instrução processual, os magistrados acabam identificando que se tratam de casos de assédio moral institucional e interpessoal.
Desta forma, diante da importância e atualidade do tema é importante o estudo do assédio moral institucional.
2. Assédio moral (interpessoal). Distinção com agressão moral
2.1. Tratamento jurídico
Diante da lacuna legislativa sobre o conceito de assédio moral no Brasil até a atualidade, o papel da doutrina e jurisprudência trabalhista brasileira e estrangeira foi de suma importância jurídica para definição e delimitação do seu conceito jurídico.
Apesar de o Direito do Trabalho ter sofrido recentemente uma Reforma Trabalhista, a Lei Federal 13.467/2017 não tratou do instituto do assédio moral (interpessoal ou institucional). Houve somente preocupação com o instituto do dano moral intitulado pela Reforma Trabalhista de “dano extrapatrimonial”.
2.2. Terminologia
No Brasil, a expressão mais difundida e reconhecida na doutrina e jurisprudência trabalhista foi “assédio2 moral”. Todavia, em países estrangeiros, podemos citar vários distintos para definir este novo fenômeno: “bullying, mobbing, harassment, acoso moral, ijime, dentre outras”.
Na Alemanha, Itália, Dinamarca, Suécia, Suíça e Finlândia, o termo mais utilizado é mobbing que significa “manobras hostis, frequentes e repetidas no ambiente de trabalho, visando sistematicamente à mesma pessoa”. O termo vem do verbo inglês to mob, que significa “assediar, atacar ou agredir” e foi empregado pelo famoso etiologista austríaco Lorenz.
Na Inglaterra e Canadá o termo mais usado é bullying, derivado do verbo em inglês to bully que significa “tratar de forma desumana e grosseiro para com os mais fracos, tiranizar”.
Nos Estados Unidos, o termo mais utilizado é “harassment”, que significa “atacar, assediar ou perseguir alguém”. Neste país, inicialmente foi mais difundido o “sexual harassment”, ou seja, o assédio sexual.
No Japão, o termo mais conhecido é “ijime”. Durante muito tempo, o ijime foi utilizado no Japão como método educacional voltado a desenvolver a rivalidade e a competição entre os alunos na escola. Nos anos 90, o ijime cresceu tanto que passou a ser considerado uma verdadeira chaga social, com relatos de crianças abandonam a escola e chegam até cometer suicídio.
No Japão, o termo ijime era utilizado também para reconhecer o assédio moral também no trabalho, contudo, atualmente o termo mais utilizado passou a ser mora-hara derivado da expressão inglesa moral harassment.
2.3. Conceito
Em 2003, Einarsen et al.3 publicaram uma obra sobre a visão europeia do assédio moral e apresentaram uma importante distinção entre o conceito de bullying interpessoal e bullying institucional (termos utilizados pelos autores: work related bullying versus person related bullying).
Gosdal e Soboll, explicam que a expressão assédio moral interpessoal foi utilizada por tais autores somente para diferenciar do assédio moral institucional (chamado pelos autores de organizacional), vejamos:
“O assédio moral interpessoal normalmente tem como alvo pessoas, ou pequenos grupos de indivíduos específicos. Já o assédio moral organizacional, orienta-se a alvos que não são específicos, mas são determináveis, podendo alcançar grande parte dos trabalhadores da empresa”.4
Einarsen, Hoel, Zapf e Cooper chegam a afirmar que “no assédio moral institucional não é dirigida nenhuma tarefa para um indivíduo específico, por isso se trata de uma forma despersonalizada de assédio”5 (grifo nosso).
Heinz Leymann, pioneiro no assunto no direito estrangeiro, conceituou: “assédio moral é a deliberada degradação das condições de trabalho através do estabelecimento de comunicações não éticas (abusivas) que se caracterizam pela repetição por longo tempo de duração de um comportamento hostil que um superior ou colega(s) desenvolve(m) contra um indivíduo que apresenta, como reação, um quadro de miséria física, psicológica e social duradoura”.6
O autor defende que a periodicidade é critério fundamental para a definição de assédio moral: “conflito e mobbing não está focalizada no que é feito ou como é feito, mas sim na frequência e duração de seja lá o que for feito. Portanto, só é possível reconhecer o mobbing no caso de a conduta abusiva se repetir semanalmente pelo prazo mínimo de seis meses”.
Quanto à terminologia adotada na França, a mais reconhecida na doutrina e jurisprudência trabalhista é assédio moral. Marie France, autora francesa consagrada no país, explica o motivo da expressão “moral”:
“A escolha do termo moral implicou uma tomada de posição. Trata-se efetivamente de bem e de mal, do que se faz e do que não se faz, e do que é considerado aceitável ou não em nossa sociedade. Não é possível estudar esse fenômeno sem levar em conta a perspectiva ética ou moral, portanto, o que sobra para as vítimas do assédio moral é o sentimento de terem sido maltratadas, desprezadas, humilhadas, rejeitadas (...)”.7
Marie France definiu o conceito de assédio moral individual como: “toda e qualquer conduta abusiva, manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, por em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho”.8
A autora ao definir o conceito de assédio moral deixa claro que o critério temporal é imprescindível para a comprovação da existência de assédio moral.
A primeira jurista brasileira que escreveu sobre o tema foi Juíza do Trabalho baiana Márcia Novaes Guedes em sua obra intitulada de “Terror Psicológico no Trabalho”.
A autora definiu como conceito de assédio moral individual: “mobbing significa todos aqueles atos comissivos ou omissivos, atitudes, gestos e comportamentos do patrão, da direção da empresa, de gerente, chefe, superior hierárquico ou dos colegas, que traduzem uma atitude de contínua e ostensiva perseguição que possa acarretar danos relevantes às condições físicas, psíquicas, morais e existenciais da vítima”.9
Márcia Novaes Guedes10 defende que não é qualquer espécie de conflito no trabalho que pode ser classificado como assédio moral, pois a violência psicológica deve ser regular, sistemática e durar no tempo.
Margarida Barreto assim propõe a caracterização do assédio moral:
“Caracteriza-se pela degradação deliberada das condições de trabalho em que prevalecem atitudes e condutas negativas dos chefes em relação a seus subordinados, constituindo uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos práticos e emocionais para o trabalhador e a organização. A vítima escolhida é isolada do grupo sem explicações, passando a ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada, culpabilizada e desacreditada diante dos pares. Estes, por medo do desemprego e a vergonha de serem também humilhados associado ao estímulo constante à competitividade, rompem os laços afetivos com a vítima e, frequentemente, reproduzem e reatualizam ações e atos do agressor no ambiente de trabalho, instaurando o ‘pacto da tolerância e do silêncio’ no coletivo, enquanto a vítima vai gradativamente se desestabilizando e fragilizando, ‘perdendo’ sua autoestima”.11
Maria Aparecida Alkimin12 conceitua assédio moral como:
“É uma forma de violência psíquica praticada no local de trabalho, e que consiste na prática de atos, gestos palavras e comportamentos vexatórios, humilhantes, degradantes e constrangedores, de forma sistemática e prolongada, cuja prática assediante pode ter como sujeito ativo o empregador ou superior hierárquico (assédio vertical), de um colega de serviço (assédio horizontal), ou um subordinado (assédio ascendente), com clara intenção discriminatória e perseguidora, visando eliminar a vítima da organização do trabalho”.
Cláudio Armando Couce de Menezes: “destarte, assediar é submeter alguém sem trégua, a ataques repetidos. O assédio moral, requer, portanto, a insistência, ou seja, condutas que se repetem no bojo de um procedimento destinado a atentar contra a dignidade, a saúde e o equilíbrio psíquico da vítima”.13
Maria José Giannella Cataldi14 caracteriza o assédio moral como uma: “degradação deliberada das condições de trabalho onde prevalecem atitudes e condutas negativas dos chefes em relação aos seus subordinados, constituindo uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos emocionais para o trabalhador e a organização”.
2.4. Distinção do instituto da agressão moral
Amauri Mascaro Nascimento15 faz importante distinção entre os conceitos de agressão moral e assédio moral:
“A diferença entre agressão moral e assédio moral está na reiteração da prática que configura esta última e no ato instantâneo que caracteriza aquela. É uma forma de violência no trabalho que pode configurar-se de diversos modos (ex. o isolamento intencional para forçar o trabalhador a deixar o emprego, também chamado, no direito do trabalho, de disponibilidade remunerada, o desprezo do chefe sobre tudo o que o empregado faz alardeando perante os demais colegas deixando-o em uma posição de constrangimento moral, a atribuição seguida de tarefas cuja realização é sabidamente impossível exatamente para deixar a vítima em situação desigual à dos demais colegas)”.
Amauri Mascaro Nascimento16 faz importante distinção entre os conceitos de agressão moral e assédio moral: “a diferença entre agressão moral e assédio moral está na reiteração da prática que configura esta última e no ato instantâneo que caracteriza aquela”.
No mesmo sentido, Adriana Reis de Araújo defende também que um único ato humilhante é reprovado pelo direito e reconhecido como causa suficiente à condenação de indenização por dano moral, entretanto, não configura assédio moral.17
2.5. Leading case
O leading case de assédio moral na jurisprudência brasileira no Brasil é oriundo do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região – Estado do Espírito Santo –, vejamos a ementa:
“ASSÉDIO MORAL - CONTRATO DE INAÇÃO - INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. A tortura psicológica, destinada a golpear a auto-estima do empregado, visando forçar sua demissão ou apressar sua dispensa através de métodos que resultem em sobrecarregar o empregado de tarefas inúteis, sonegar-lhe informações e fingir que não o vê, resultam em assédio moral, cujo efeito é o direito à indenização por dano moral, porque ultrapassa o âmbito profissional, eis que minam a saúde física e mental da vítima e corrói a sua auto-estima. No caso dos autos, o assédio foi além, porque a empresa transformou o contrato de atividade em contrato de inação, quebrando o caráter sinalagmático do contrato de trabalho, e por consequência, descumprindo a sua principal obrigação que é a de fornecer trabalho, fonte de dignidade do empregado”. (Tribunal Regional do Trabalho, 17ª Região, RO nº 1315.2000.00.17.00.1, Ac. nº 2.276/2001, rel. Juíza Sônia das Dores Dionízio, DJ 20.08.2002, publicado na Revista LTr 66-10/1237).
3. Assédio moral institucional
3.1. Conceito
Araújo foi pioneira na seara jurídico trabalhista a trazer uma definição de assédio moral institucional, nomeado pela autora como organizacional.18 O conceito proposto por Araújo é inovador no sentindo de ser baseado na obra de Focault e defender que o assédio moral é uma sanção normalizadora da sociedade disciplinar empresarial:
“O conjunto de condutas abusivas, de qualquer natureza, exercício de forma sistemática durante certo tempo, em decorrência de uma relação de trabalho, e que resulte no vexame, humilhação ou constrangimento de uma ou mais vítimas com a finalidade de se obter o engajamento subjetivo de todo o grupo às políticas e metas da administração, por meio da ofensa e seus direitos fundamentais, podendo resultar em danos morais, físicos e psíquicos”.
Gosdal e Soboll entendem que o conceito pioneiro acima proposto por Araújo é amplo e não deveria ser adotado para configurar o assédio moral institucional:
“É importante o conceito trazido pela autora, que intitula sua dissertação de mestrado de “assédio moral organizacional” e destaca sua dimensão coletiva de modo conceitual pela primeira vez em pesquisas brasileiras. Contudo, entendemos muito amplo o conceito proposto. Para a autora todo assédio que não for meramente interpessoal, é organizacional, o que inclui situações que não há uma política deliberada da empresa que configura assédio, mas a empresa permite o assédio, porque escolhe chefias e líderes assediadores. De acordo com o conceito da autora, todo assédio que não seja fundado em questões totalmente alheias a empresa, é organizacional. O que inclui no conceito situações em que não há uma política deliberada da empresa ou do gestor configuradora do assédio”.19
Gosdal e Soboll ressaltam que no assédio moral institucional as interações são indiretas: “há situações em que os administradores, individual ou coletivamente, executam estruturas e procedimentos organizacionais que podem atormentar, abusar ou até mesmo explorar os empregados. Portanto, bullying, nesses casos, não se refere estritamente a interações interpessoais, mas antes a interações indiretas entre o indivíduo e a administração da empresa”.20
Renato de Almeida Oliveira Muçouçah defende que o assédio moral individual denominado por ele de assédio moral simples é na verdade modalidade de assédio moral individual homogêneo.
O fundamento do autor está na Lei Federal 8.078/1990, em seu art. 81, III, que concebe direitos individuais homogêneos como aqueles que se apresentam uniformizados pela origem comum.
Nesse sentido, concorda-se com as psicólogas Gosdal e Soboll: “em geral, os autores identificam uma dimensão coletiva para o assédio moral, mas não chegam a conclusão que a empresa pode ser mais que simplesmente tóxica, ou simplesmente permissiva com relação ao assédio, para ser promotora de tais práticas”.21 (grifo nosso).
Zabala, psicólogo e administrador de RH, afirma que o assédio moral não é somente um problema do indivíduo, mas um problema da organização do trabalho (a toxidade organizacional). Nesse sentido, essas empresas são consideradas tóxicas, uma vez que trabalhar nelas prejudica a saúde dos trabalhadores.22
Hirigoyen reconhece que a empresa pode ser autora de práticas assediantes com objetivos maquiavélicos: “quando o fim justifica os meios e ela se presta a tudo, inclusive a destruir os indivíduos, se assim vier a atingir seus objetivos”.23
Os psiquiatras e os psicólogos têm reconhecido a existência da síndrome do assédio moral institucional gerada por algumas empresas pós-toyotistas do século XXI, consideradas tóxicas, que impõem políticas institucionais neoliberais que atentam contra a saúde dos trabalhadores, principalmente a saúde mental.
No campo da psiquiatria estrangeira, o psiquiatra espanhol Revuelta defende a ocorrência de uma síndrome do assédio moral institucional.
Nessa linha de pensamento, no direito comparado português, R. Pereira defende também que o mobbing institucional é:
“Parte de uma estratégia de gestão de recursos humanos, na esteira das novas formas de organização do trabalho – medidas aplicáveis a todo ou parte do universo de trabalhadores, com vista à implementação de determinados procedimentos ou à proibição de certos comportamentos, visando-se atingir como tal melhores resultados produtivos”.24
Eberle enfatiza o papel do discurso organizacional no assédio moral institucional:
“Os abusos são, geralmente, nos casos de assédio moral organizacional, envoltos de um discurso organizacional capaz de justificar tais práticas como necessárias e úteis, em nome dos valores relevantes na empresa e da sobrevivência organizacional, com tendência à naturalização da violência”.25
Do ponto de vista jurídico, não há como deixar de reconhecer a existência do assédio moral institucional como espécie distinta do assédio moral interpessoal, como a face despersonalizada do assédio.
Em tese de doutorado defendida na PUC/SP em 2013, convertida em publicação de obra pela editora LTr,26 foram apresentados os seguintes requisitos para configuração de assédio moral institucional:
(a) ofensa ao direito fundamental à saúde no ambiente de trabalho – não é necessária a prova do dano psíquico coletivo, mas este pode ser facilmente identificado por psicólogos e psiquiatras como síndrome loco-neurótica (SLN) ou síndrome do assédio moral institucional;
(b) atos inseridos dentro da política institucional da empresa – os atos de ofensa à dignidade humana dos trabalhadores são inseridos na política institucional da empresa por meio de diversos modelos de gestão: administração por estresse, administração por injúria, bossing, straining, dentro outros;
(c) presença do caráter despersonalizado do assédio – os atos não serão dirigidos a pessoas ou grupo específicos, mas sim à coletividade dos trabalhadores de um setor da empresa ou de toda a empresa. Portanto, não há presença de alvos específicos, embora determináveis.
O agressor é a empresa – o agressor é a própria pessoa jurídica (acionistas) que por meio de seus administradores (conselheiros e diretores) se utiliza de uma política de gestão desumana para atingir objetivos, em geral de fins econômicos, não sendo necessária a prova da intenção dolosa na prática do ato, uma vez que faz parte de uma estratégia de administração da empresa.
3.2. Tratamento jurídico
Apesar de o direito do trabalho ter sofrido recentemente uma Reforma Trabalhista, a Lei Federal 13.467/2017 não tratou do instituto do assédio moral (interpessoal ou institucional).
O legislador reformista tratou somente do instituto do dano moral intitulado pela Reforma Trabalhista de “dano extrapatrimonial”.
3.3. Jurisprudência trabalhista sobre assédio moral institucional
3.4. Outras figuras: "straining"
Márcia Novaes Guedes não concorda com a denominação assédio moral institucional. A autora defende que este novo fenômeno deve ser denominado “straining”.
Márcia Novas Guedes, em artigo acadêmico, cita a decisão da juíza Mônica Bertoncini do Tribunal de 1º grau de Bergamo no caso P.I x A.T. SRL [711/2002] da Itália proferida em 2005 como uma das primeiras sentenças sobre o assédio moral institucional (straining).27
Segundo a autora28, esse processo é de suma importância para o estudo do fenômeno do straining, pois nele o Professor Ege, o maior especialista em assédio moral da Itália, atuou como perito judicial e fez, pela primeira vez, a distinção entre assédio moral e straining, descrita a seguir:
“De modo geral, o termo strain significa puxar, esticar, cansar, peneirar, coar, forçar, pôr à prova, tensionar, distensão muscular. No Longman Active Study Dictionary, London, 2000, p. 658, dentre os sentidos registrados para o termo straining, encontramos o seguinte: grave preocupação decorrente de ter sempre uma grande quantidade de trabalho, ou sempre estar às voltas com problemas nos negócios; grave preocupação decorrente da falta de tempo, de dinheiro ou de alguma outra coisa; dor causada por forte tensão muscular ou emprego excessivo de certas partes do corpo; dor provocada pelo esforço físico excessiva de uma parte do corpo para enxergar ou ouvir alguém: she moved closer, straining to hear what they said. Indicar uma situação ou relacionamento muito difícil e tenso: it is one of the issues that are straining relations between the countries.
No trabalho, straining é uma situação de estresse forçado, na qual a vítima é um grupo de trabalhadores de um determinado setor ou repartição, que é obrigado a trabalhar sob grave pressão psicológica e ameaça iminente de sofrer castigos humilhantes. Nessa espécie de psicoterror, parte-se do pressuposto de que os vestígios da memória [da era dos direitos] já foram apagados, e o ambiente de trabalho é um campo aberto, onde tudo é possível. No straining, o nível da pressão vai aumentando à medida que os trabalhadores, sem se darem conta, vão “colaborando”.
No straining, todo o grupo, indistintamente, é pressionado psicologicamente e apertado para aumentar a taxa de produtividade, atingir metas, bater recordes nas vendas de serviços e de produtos, debaixo de reprovações constrangedoras, como a acusação de “falta de interesse pelo trabalho”, “falta de zelo” e “colaboração” para com a empresa, e a ameaça permanente e subjacente, lançada de modo vexatório, de perder o emprego, ou, ainda, sofrer uma punição ainda mais dura e humilhante. As punições variam bastante: e vão desde o constrangimento de endossar camisas com dizeres depreciativos da própria pessoa; aceitar apelidos abjetos e preconceituosos; e praticar atos, gestos e comportamentos repugnantes e degradantes diante da assistência dos demais colegas. Diferentemente do assédio moral, no straining a vexação é coletiva e o jogo é aberto: gritos, xingamentos, alaridos, músicas depreciativas, ameaças, emprego de apelidos e o “castigo final” são praticados à luz do dia contra todo o grupo, fato, aliás, utilizado na defesa das organizações nos tribunais, que alegam que “tudo” não passava de “brincadeiras” combinadas entre as próprias vítimas”.
Guedes exemplifica o conceito de straining apontando um caso real julgado pela Juíza Relatora Sonia Dionizio do 17º Tribunal Regional do Trabalho:
“Um caso real colhido num contundente depoimento de uma testemunha em Juízo nos ajuda a compreender melhor o que vem a ser straining: (...) que em 2000, a primeira ré passou a vender Pepsi e Guaraná Antártica e, por isso, foi colocada numa jaula, durante cerca de 6 meses, para incentivar a venda desses produtos; que se a pessoa não vendesse era obrigada a entrar na jaula, abraçar a macaca e assistir a reunião lá dentro; que isto nunca aconteceu com o depoente, mas aconteceu com o autor uma vez; que isto aconteceu com o Fernando, que era negro e se sentiu humilhado e pediu demissão; que o supervisor incentivava aqueles que estavam fora da jaula a jogar papel e cutucar dizendo que amanhã a pessoa poderia estar dentro da jaula e ele faria o mesmo com ela; que a macaca era um boneco e ficava o dia inteiro na jaula, e a empresa passou a pedir que usassem peruca ou um chapéu tipo um cone onde estava escrito “Eu sou fraquinho.”29
Em suma, a autora defende isoladamente na doutrina trabalhista que o straining é o método de administração por estresse ou gestão por injúria, é uma forma de gestão adotada pela empresa para a prática do assédio moral institucional, são estressores sociais, mas não é o assédio em si.
Há jurisprudência adotando a tese doutrinária de Guedes, conforme pode-se verificar a seguir:
“EMENTA: STRAINING. CONFIGURADO. Derivado do termo inglês strain, que significa tencionar, peneirar, coar, puxar, esticar, straining é a tensão decorrente do estresse forçado pelo excesso de trabalho. Diferentemente do assédio moral, cuja vítima é individualizada, isolada do convívio dos demais colegas, e forçada à inatividade moralmente demolidora, no straining a vítima é um grupo de trabalhadores de um determinado setor ou repartição, que é obrigado a trabalhar exaustivamente, produzir e obter resultados, sob grave pressão psicológica e ameaça de sofrer castigos humilhantes, e ser despedido do emprego. Os trabalhadores são vítimas de uma estratégia cruel que tem por objetivo levá-los a acreditar que trabalhando à exaustão teriam seus empregos garantidos, o que não é verdade. Acontece que essa estratégia, assentada na pressão psicológica para o cumprimento de metas de produtividade cada vez mais rigorosas, aliada à exploração intensiva do trabalho vivo, combinada com as constantes ameaças da perda do emprego, implica em violação do direito fundamental ao trabalho saudável, e revela a face perversa da gestão por estresse, conhecida por straining. Restou configurada a prática de assédio moral organizacional, na modalidade straining”. (TRT, 4ª Turma, Recurso Ordinário 00037-2008-008-08-00-0).
“EMENTA. ASSÉDIO MORAL. STRAINING. GESTÃO PELO ESTRESSE. O straining, modalidade de assédio moral cuja premissa é a gestão pelo estresse, dá-se quando o empregador, a título de cobrança de metas, extrapola o limite do razoável e da decência, impondo prendas e punições vexatórias, humilhando os empregados etc. Porém, para o reconhecimento judicial da prática de straining, a prova há de ser robusta, ante a ‘linha tênue’ entre o abuso alegado e o regular poder empregatício da empresa”. (TRT, 3ª Turma, Recurso Ordinário 0000004-65.2011.5.08.0014, Min. Rel. Odete de Almeida Alves, j. 19.08.2011).
3.5. Conclusão
Notas
1 Para fins de elaboração de tese de doutorado perante a PUC/SP, em 2012, convertida em obra publicada pela LTr: CALVO, Adriana. O direito fundamental a saúde mental no ambiente do trabalho.
2 Em consulta ao Novo Dicionário Aurélio a palavra “assédio” significa “insistência importuna, junto de alguém, com perguntas, propostas, pretensões etc.”
3 EINARSEN, S. et al. Bullying and emotional abuse in the workplace: international perspectives in research and practice, pp. 3-30.
4 GOSDAL, Thereza Cristina; SOBOLL, Lis Andrea (org.). Assédio moral interpessoal e organizacional: um enfoque interdisciplinar, p. 28.
5 EINARSEN, S. et al. Op. cit., pp. 3-30.
6 FIORELLI, José Osmir; FIORELLI, Maria Rosa; MALHADAS JUNIOR, Marcos Julio Olivé. Assédio moral: uma visão multidisciplinar.
7 HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano, p. 67.
8 Idem, p. 65.
9 GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho, p. 32.
10 GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho, pp. 34-35.
11 BARRETO, Margarida. Uma jornada de humilhações.
12 ALKIMIN, Maria Aparecida. Assédio moral na relação de emprego, p. 36.
13 MENEZES, Cláudio Armando Couce de. Assédio moral e seus efeitos jurídicos. Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, nº 162.
14 CATALDI, Maria José Giannella. O stress no meio ambiente de trabalho, p. 85
15 NASCIMENTO, Amauri mascaro. Iniciação ao direito do trabalho, p. 136.
16 Ibidem.
17 ARAÚJO, Adriane Reis de. O assédio moral organizacional, p. 62.
18 ARAÚJO, Adriane Reis de. O assédio moral organizacional, p. 61.
19 GOSDAL, Thereza Cristina; SOBOLL, Lis Andrea (org.). Assédio moral interpessoal e organizacional: um enfoque interdisciplinar, p. 34.
20 Idem, p. 19.
21 GOSDAL, Thereza Cristina; SOBOLL, Lis Andrea (org.). Assédio moral interpessoal e organizacional: um enfoque interdisciplinar, p. 36.
22 ZABALA, Iñaki Piñuel y. Mobbing: como sobreviver ao assédio psicológico no trabalho.
23 HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano, p. 98.
24 GOSDAL, Thereza Cristina; SOBOLL, Lis Andrea Pereira (org.). Op. cit., pp. 175-176.
25 EBERLE, André Davi et al. Assédio moral interpessoal e organizacional, p. 27.
26 CALVO, Adriana. O direito fundamental a saúde mental no ambiente do trabalho.
27 GUEDES, Márcia Novaes. Assédio moral e straining. Revista LTR, nº 02, vol. 74, São Paulo: 2010.
28 Ibidem.
29 A íntegra da decisão pode ser obtida consultando o processo 00405-2005-005-17-00-0. Disponível em: <www.trt17.gov.br>. Acesso em: 10.03.2013.
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Citação
CALVO, Adriana. Assédio moral institucional. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Pedro Paulo Teixeira Manus e Suely Gitelman (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/352/edicao-1/assedio-moral-institucional
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Julho de 2020