• Princípios da culpabilidade e da voluntariedade

  • Angélica Petian

  • Última publicação, Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 2, Abril de 2022

As infrações administrativas, fatos tipificados pela lei como ilícitos e os correspondentes gravames impostos pelo ordenamento jurídico, que são as sanções administrativas, muito embora estejam compreendidos no macro tema do direito sancionador, do qual o Direito Penal é a principal vertente, têm um regime jurídico que lhe é peculiar.

As relações jurídicas travadas entre o Poder Públicos e os particulares, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, dão um contorno próprio às infrações administrativas que nos permite classificá-las como espécie autônoma. No entanto, estas sanções compartilham certas características e requisitos com as sanções gerais existentes no Direito, razão pela qual estão compreendidas no mesmo gênero.

O estudo da infração administrativa, indissociável do tema da sanção administrativa, uma vez que aquela é premissa desta, exige que os olhos estejam voltados para o ordenamento jurídico, nosso ponto de partida e de chegada.

Atualmente há uma pluralidade de leis dispondo sobre sanções administrativas, que elegem a pessoa física e a pessoa jurídica como autores das infrações e descrevem os fatos típicos que as caracterizam.

Os princípios da legalidade e da segurança jurídica, ambos plasmados no art. 5º da Constituição da República, são ascendentes do princípio da tipicidade, que também ganhou status de garantia fundamental, pelo inciso XXXIX do mesmo artigo.

Assim, para que exista infração e sanção administrativa imprescindível a prescrição legal, que poderá ser mais ou menos completa a depender do tipo de sujeição do administrado à Administração Pública, se geral ou especial.

No entanto, seja qual for a relação jurídica subjacente, o descumprimento de dever caracteriza a prática de infração e impõe o dever estatal de aplicação da sanção.

Para a compreensão do tema, essencial a consideração dos princípios da tipicidade, culpabilidade e voluntariedade.

Com o presente texto se almeja apresentar algumas reflexões sobre a matéria, ancoradas na doutrina que formulou, com muita propriedade, as lições iniciais.


1. Dever-poder sancionador na Administração Pública 


Para que se possa afirmar a competência sancionadora da Administração Pública, devemos, antes, dar um passo atrás e analisar, ainda que brevemente, o ius puniendi outorgado ao Estado, pelo ordenamento jurídico.

O dever-poder de punir decorre do próprio conceito de direito, considerado como conjunto de normas postas por um órgão estatal competente, que objetivam regular a vida em sociedade.

Para que o Estado cumpra seu papel, vale-se da edição de normas jurídicas que regulam o comportamento humano, prescrevendo ações obrigatórias, permitidas e proibidas. A norma jurídica, de composição dúplice, além de prescrever a relação jurídica resultante da realização do fato descrito na hipótese da norma primária, também prescreve a sanção que resultará da não realização da conduta determinada pelo direito.

A aplicação da sanção de maneira coercitiva por parte dos órgãos do Estado é o que caracteriza a norma jurídica, diferenciando-a das outras espécies de normas. Para Lourival Vilanova a norma primária sem a secundária desjuridiciza-se.1 

O dever-poder de punir pertence exclusivamente ao Estado que aplica sanções de naturezas distintas. 

A imposição das sanções de natureza administrativa é compartilhada entre os três poderes do Estado, uma vez que todos eles exercem função administrativa, embora tipicamente apenas o Poder Executivo o faça.

O dever-poder sancionador da Administração Pública é um instrumento para a preservação da ordem jurídica, que deve ser utilizado toda vez que for identificada a ocorrência de uma infração administrativa.

 A conclusão de que o dever-poder sancionador não é uma faculdade da Administração Pública decorre do fato de que ela exerce função administrativa, estando obrigada a buscar, no interesse da coletividade, a preservação da ordem jurídica, mediante o desestímulo à prática de condutas juridicamente reprováveis.

No exercício da função administrativa a vontade da Administração é subordinada à lei, ou seja, não há autonomia e sim o dever de cumprir a finalidade contida na norma legal (vontade da lei), razão pela qual diante da constatação de uma infração administrativa, a Administração deve, cumprido o respectivo processo administrativo, impor a sanção prescrita na norma. 

O dever de sancionar, atribuído à Administração Pública, exige que ela, diante do conhecimento da infração, instaure processo administrativo destinado a apurar a verdade dos fatos. Se a conclusão do processo administrativo afirmar a ocorrência da infração e identificar seu autor, o órgão competente terá que impor a penalidade, sendo-lhe vedado se omitir.2 

O Código Penal, encampando esta ideia, tipificou como crime de condescendência criminosa a conduta do funcionário que deixa de responsabilizar subordinado que cometeu infração ou de levar o fato à autoridade competente, caso não tenha competência para tanto.3  

Não existe disponibilidade da Administração Pública para o exercício da competência punitiva. Verificado o descumprimento da norma, impõe-se a sanção. Não há margem de liberdade para que o agente competente avalie a conveniência e a oportunidade de aplicar a norma sancionadora. A competência discricionária, neste caso, residirá, tão somente, na avaliação da extensão da penalidade, quando a norma houver feito previsão genérica. Ainda assim, essa margem de liberdade estará fortemente limitada pela proporcionalidade que deve existir entre a infração e a sanção. 

Além de ser indisponível, o dever-poder sancionador é também irrenunciável. Por esta razão, a delegação e a avocação de competência sancionadora somente serão legítimas quando autorizadas por lei. Neste sentido é a disposição do art. 11 da Lei 9.784/1999,4 aplicável aos processos administrativos sancionadores quando não houver legislação especial, ou, subsidiariamente, na omissão desta. 


2. Infração administrativa


2.1. Definição


Infração e sanção administrativa são objetos de estudos autônomos, que admitem sejam segregados, mas que possuem fortíssima imbricação.

Durante algum tempo a faceta sancionadora do Direito Administrativo foi estudada mais sob o prisma da sanção do que da infração, talvez porque aquela cause impacto negativo direto na esfera jurídica dos administrados.

Mais recentemente é que se apercebeu que o exame da sanção administrativa desprendida completamente da infração não revela sentido lógico, pois sanção é a consequência negativa atribuída pelo ordenamento jurídico ao descumprimento de um dever por ele prescrito.

A infração administrativa se caracteriza por um comportamento ilícito, ou seja, contrário à prescrição legal. O mandamento da norma determina que diante do fato “X” o sujeito ativo faça “A” e ele adota outro comportamento, diferente de “A”. Ao agir assim, recusando-se a cumprir a prescrição normativa, o sujeito ativo pratica o ato ilícito tipificado como infração.

Segundo a teoria da estrutura dual da norma jurídica, toda norma é composta de duas partes, a norma primária e a norma secundária. Na norma primária estatuem-se as relações deônticas, mediante a apresentação de uma proposição descritiva de situação fática de possível ocorrência e de uma proposição prescritiva de conduta.

A prescrição contida na norma jurídica adotará um dos três possíveis modais deônticos: obrigatório, proibido ou permitido.

A partir da prescrição, segue-se para a norma secundária, que preceitua as consequências sancionadoras, no pressuposto do não cumprimento do estatuído na norma determinante da conduta juridicamente devida.

Enquanto a norma primária estabelece o que deve ser, a norma secundária impõe a consequência negativa pelo descumprimento do dever-ser.

Como o direito se dá no plano do dever-ser é possível que a conduta prescrita não se realize na ordem dos fatos, o que fará incidir a norma secundária, cujo conteúdo prescreve uma sanção, que será aplicada por autoridade competente, ao sujeito passivo.

Para que a sanção seja aplicada, há que se constatar a ocorrência da infração, pois esta é premissa necessária daquela. Para tanto se deve investigar a presença dos elementos que compõem a definição de infração, são eles: a tipicidade do fato, a culpabilidade e a reprovabilidade da conduta. 


2.2. A tipicidade como elemento da infração administrativa


O princípio da tipicidade é, como já afirmado, corolário da legalidade, sendo certo que este princípio, pilar do Estado de Direito, exige, de um lado, que a inovação na ordem jurídica primária se dê apenas por meio de lei, estrito senso, e, por outro, que a atuação administrativa seja infralegal.

A legalidade, como limite positivo e negativo à atuação administrativa, condiciona a validade dos atos expedidos pela Administração à prévia regulação legal, de forma que serão inválidos os atos praticados em contradição ou desconformidade com a ordem normativa imposta.

O limite negativo do princípio da legalidade aplicável à Administração Pública é o aspecto diferencial em relação à legalidade que rege as atividades privadas, pois nessa seara o particular está juridicamente autorizado a fazer tudo o que a lei não proíbe, restando-lhe uma ampla margem de liberdade para agir. A Administração Pública, ao contrário, está adstrita aos estritos limites da legalidade, e assim o é porque exerce função, ou seja, competência em nome de outrem, e como tal os interesses que tutela são indisponíveis, devendo ter prévia autorização legal para agir.

É nesse contexto que exsurge a tipicidade como condição de validade da infração administrativa e, por conseguinte, da sanção que representará a consequência negativa pela prática do ilícito.

Se a Administração só pode atuar em conformidade com a prescrição legal, a caracterização de um fato como ilícito, deve ser feito previamente pela lei, sob pena de nulidade. 

No entanto, há que se considerar que no âmbito das relações jurídico-administrativas há algumas travadas sob regime de sujeição geral e outras sob o regime de sujeição especial.5  

Das lições de doutrinadores que já se dedicaram ao tema, como Renato Alessi, e Guido Zanobini, citados na obra de Daniel Ferreira6 se vê que a diferença decorre de um regime de dever geral (sujeição geral) que atinge a todos, e de um regime decorrente de uma relação jurídica especial, que atinge somente as partes (sujeição especial).

Para Renato Alessi, o regime de sujeição geral decorreria do poder de polícia e o regime de sujeição especial competiria ao poder disciplinar. 

O regime geral tem origem no próprio ordenamento jurídico dirigido a todos, sem distinção, ao passo que no regime de especial sujeição, os deveres não são gerais e decorrem de uma relação jurídica estabelecida entre o sujeito e a Administração. 

Celso Antônio Bandeira de Mello trata o assunto sob a denominação de supremacia geral e supremacia especial da Administração, informando que com base na supremacia geral a Administração, como regra não possui poderes para agir, senão extraídos diretamente da lei, enquanto outros poderes lhe assistiriam quando existisse uma relação específica que os conferisse.7 

A distinção feita pela doutrina assenta-se no inafastável fato de que existem relações específicas entre o Estado e um grupo de pessoas com as quais travou-se um vínculo, que difere da situação da generalidade das pessoas, ensejando um tratamento diferenciado.

Os vínculos estabelecidos entre determinadas pessoas e o Estado sempre ocorrem de acordo com regras que disciplinam a relação, como se dá, por exemplo, com o servidor público que se submete ao Estatuto que disciplina a vida funcional dos servidores e o aluno de escola pública, que se submete às regras disciplinares atinentes aos estudantes. 

Não é pacífica a posição acerca da possibilidade de se tratar de forma indistinta as sanções decorrentes dos vínculos diferenciados apontados, mas há um elemento diferenciador importante que é a possibilidade da existência apenas de lei genérica no caso de sujeição especial, com a delegação de competência ao administrador para dispor sobre as faltas puníveis. 

De fato, não poderá o Legislativo prever todas as hipóteses de infração administrativa, cabendo à lei, exclusivamente no regime de sujeição especial, apenas o estabelecimento da hipótese legal de forma ampla, remetendo à autoridade administrativa a competência para fixar, pormenorizadamente, as infrações e respectivas penas.

A atuação administrativa que será complementar à lei deverá ser feita em atenção aos princípios da legalidade, segurança jurídica e, logo, da tipicidade. Assim, a infração poderá ser genericamente caracterizada pela lei, remetendo a outro instrumento, como um decreto ou um contrato, por exemplo, a especificação da conduta ilícita que perfaz o fato típico.8 


2.3. A culpabilidade como elemento da infração administrativa


A culpabilidade, também denominada de reprovabilidade, é o juízo de reprovação que ordenamento jurídico confere a determinado fato por ele tipificado como ilícito.

A culpabilidade é, para nós, um elemento da infração administrativa e não da sanção,9 uma vez que, para que reste configurado o ato ilícito é necessário que o comportamento praticado seja reprovado pelo ordenamento jurídico.

O juízo de reprovabilidade se dá sobre a conduta do agente, ou seja, sobre o fato por ele praticado e não sobre a consequência negativa que lhe será imposta.

É preciso destacar, no entanto, que este posicionamento está longe de ser pacífico, como demonstra com propriedade Daniel Ferreira.10 

No Direito Penal, ramo da Ciência do qual nos socorremos para melhor compreender as peculiaridades das sanções administrativas, as causas de exclusão da antijuridicidade consagram a licitude do fato, excluindo o próprio crime, porque o fato não é contrário ao Direito, ou seja, não há reprovabilidade. Aplicando o conceito às infrações administrativas, se pode afirmar que, só haverá infração administrativa diante da reprovabilidade da conduta.

Presentes circunstâncias que retiram do ato típico a reprovabilidade,11 não haverá a imposição da sanção porque inexiste a premissa que a sustenta: a infração administrativa, por ter o Direito reconhecido que a conduta, embora típica, deixou de ser reprovável diante das peculiaridades do caso concreto. 


2.4. A voluntariedade como elemento da infração administrativa


A ocorrência da infração administrativa exige, além da tipicidade e da culpabilidade, a voluntariedade da conduta.

O princípio da voluntariedade, destacado por Celso Antônio Bandeira de Mello, não exige a existência de culpa ou dolo para a configuração da infração administrativa, condição necessária para a aplicação da sanção, mas apenas a constatação do animus em praticar a conduta repelida pelo Direito.12 

A voluntariedade revela a vontade do sujeito de se comportar se modo contrário à prescrição legal que disciplina o fato por ele praticado.

Para a caracterização da infração basta que a conduta externa, comissiva ou omissiva, seja resultado de uma decisão do sujeito. O elemento subjetivo – dolo ou culpa – será útil para aquilatar a extensão da decisão a ser aplicada.


3. Sanção administrativa


3.1. Espécie do gênero sanção jurídica


Segundo a teoria da estrutura dual da norma jurídica, à qual já fizemos referência, toda norma é composta de duas partes, a norma primária e a norma secundária, onde reside a temática das sanções.

Sendo próprio da estrutura lógica da norma jurídica, o conceito de sanção é categorial no Direito. A diferença que se estabelece entre sanções penais, civis e administrativas, não é ontológica, mas puramente formal.

A atividade punitiva do Estado é ampla e várias já foram as tentativas doutrinárias no estabelecimento de uma distinção objetiva entre as sanções administrativas e judiciais. 

A distinção entre sanção administrativa e sanção penal e civil a partir do bem jurídico protegido pelo direito ou da extensão da ofensa ao ordenamento jurídico não é possível, pois os critérios mencionados não têm aptidão para isolar, de um lado, as sanções administrativas, e de outro, as sanções penais, remanescendo sempre um ponto de intersecção.

Tampouco se pode entender que as sanções administrativas decorrem apenas da tutela da organização administrativa interna. A Administração Pública também aplica sanções visando à proteção da ordem geral, como ocorre, por exemplo, com as sanções urbanísticas, as de defesa do consumidor, do meio ambiente, que objetivam proteger a ordem social de forma geral e não a ordem jurídica institucional e interna da Administração.

Por esta razão, a doutrina majoritária afirma que o único critério distintivo útil, entre sanções administrativas e sanções penais e civis, é aquele que se refere à autoridade competente para impor a sanção. A distinção estabelecida a partir de um dado formal é mencionada por García de Enterría e Tomás-Ramón Fernández,13  ao observarem que a diferença decorre da autoridade que impõe as penalidades, ou seja, as administrativas são impostas pela Administração Pública e as penais e civis pelas autoridades judiciais. 

Deste fator de discriminação entre as sanções penal e civil e administrativa decorrem outras diferenças que, pela sua importância, valem ser citadas. São elas a forma posta à disposição do Estado para aplicar a sanção e o grau de definitividade delas. A sanção penal e civil é aplicada por força de uma decisão proferida nos autos de um processo judicial que fará coisa julgada, tornando-se imutável. A sanção administrativa, por sua vez, será imposta por autoridade competente, no exercício da função administrativa, após a conclusão de processo administrativo, cuja decisão poderá, por provocação do interessado, ser objeto de revisão pelo Poder Judiciário.

A nosso ver, esses três fatores (autoridade competente para aplicar a sanção, meio posto à disposição do Estado para impor a penalidade e grau de definitividade da decisão) distinguem as sanções administrativas das sanções penais e civis, por conformarem seu regime jurídico, que é o verdadeiro fator de distinção entre elas.14 

Para nós sanção administrativa é consequência negativa atribuída pelo ordenamento jurídico ao sujeito que não cumpre o comportamento por ele previamente determinado e aplicada por quem esteja no exercício de função administrativa.



3.2. Da prescrição normativa genérica e abstrata ao ato sancionador individual e concreto


A aplicação das sanções administrativas não se dá através de um simples despacho da autoridade competente que, tendo verificado a conduta ilícita impõe a sanção correspondente previamente definida na norma. A tarefa de aplicar a penalidade, isto é, impor concretamente a sanção prevista nas normas jurídicas pertinentes, pelo não cumprimento do dever normativo, exige que a autoridade competente percorra o caminho que tem início na prescrição normativa genérica e abstrata e fim no ato sancionador individual e concreto. Para tanto, o primeiro passo deve ser a identificação da ocorrência do fato que caracteriza o descumprimento da prescrição normativa.

Identificado o fato, o segundo passo será verificar se ele se subsume à norma (tipicidade), se o comportamento é culpável e se houve voluntariedade. Presentes esses elementos, haverá a caraterização da infração e, consequentemente, o dever-poder de o Estado punir, mas para que o faça há, ainda um longo caminho a percorrer.

O dever de definir a pena a ser aplicada e sua respectiva extensão, pautada por rigorosos parâmetros de proporcionalidade, será exercido pela autoridade competente somente após a definição da autoria da infração, já que a materialidade deve ser comprovada na primeira etapa do processo (identificação do fato).

O momento é agora de identificar o sujeito infrator e o sujeito passivo da sanção.

O infrator é a pessoa que materialmente descumpre a prescrição normativa e que, no mais das vezes, será sancionado por esta conduta ilícita. O sujeito passivo da infração, por sua vez, pode ser uma pessoa que, embora não tenha praticado a infração, seja por ela responsável, nos termos da lei, pelo vínculo que mantém com o infrator.  

Uma vez identificados o autor da infração e o responsável por ela, se pessoas diferentes, passar-se-á à etapa seguinte, na qual será definida a espécie sancionatória a ser aplicada, em perfeita consonância com a previsão legal e a extensão da consequência negativa, segundo juízo de proporcionalidade.

De forma bastante singela, o princípio da proporcionalidade pode ser entendido como o dever jurídico de reagir moderadamente a uma ação. Esse princípio não tem aplicação somente nas hipóteses de imposição de sanção e nos respectivos processos, administrativo ou judicial, embora seja nesta matéria que ganha destacado relevo.

A proporcionalidade em sentido estrito, também conhecida por máxima do sopesamento, impõe a comparação entre a importância da realização do fim e a intensidade da restrição aos direitos fundamentais.

A Lei 9.784/1999, além se inserir o princípio da proporcionalidade, ao lado da razoabilidade, na lista de preceitos que orientam os processos administrativos, ainda prescreve no art. 2º, parágrafo único, VI, que será observado o critério de “adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público”.

A validade da sanção dependerá, também, da proporcionalidade dela em relação à gravidade da infração.

Vencida esta fase, seguir-se-á a aplicação da sanção administrativa, a qual se dará por meio da expedição pela autoridade competente do ato administrativo sancionador.  

O ato administrativo sancionador é a declaração de vontade do Estado que impõe a penalidade ao responsável, prescrevendo de forma concreta e individual a consequência negativa atribuída pelo ordenamento jurídico ao sujeito que não cumpriu o comportamento por ele previamente determinado.

Para que seja reconhecida a validade, a perfeição e a eficácia da sanção administrativa, o ato de aplicação deve apresentar todos os elementos dos atos administrativos e cumprir todos os pressupostos de existência e validade. 

A aplicação da sanção, precede a sua execução, pois esta é a própria imposição do gravame a ser suportado pelo sujeito passivo.

A execução da sanção dependerá de sua espécie. Assim, se tratar-se de uma sanção de advertência, o ato que a aplica já a executa, sendo impossível cuidar da execução como etapa autônoma do processo sancionador. Se se tem em vista uma pena pecuniária, a sua aplicação não exaurirá a execução, que somente será cumprida com o recebimento pela Administração do montante correspondente à multa.

Diante da inexistência de lei que regule, de forma geral, as espécies de sanção administrativa e a forma de execução de cada uma delas, a aplicação e respectiva execução dependerá da legislação especial que cuida da matéria, aplicável, sempre, de forma subsidiária, as leis gerais de processo administrativo, de cada um dos entes federados.


Notas

1 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito.

2 "Se a lei ou algum outro ato normativo impõe ao administrador o dever de agir, não pode este quedar-se inerte diante da regra de competência. Em outras palavras, se a lei impõe um facere, ao administrador é vedado atuar com omissão (non facere). A atuação comissiva exigida na lei não pode ser substituída por atuação omissiva. A omissão, nesse caso, estampa flagrante abuso de poder e, portanto, inegável ilegalidade, por contrariar a respectiva norma de competência” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo administrativo federal: comentários à Lei 9.784 de 29/1/1999, p. 216).

3 "Art. 320. Deixar o funcionário, por indulgência, de responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente: Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa".

4 "Art. 11. A competência é irrenunciável e se exerce pelos órgãos administrativos a que foi atribuída como própria, salvo os casos de delegação e avocação legalmente admitidos".

5 Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, fazia essa distinção sob a denominação punição interna e externa, nos seguintes termos: “(...) interna diz respeito a atos punitivos de servidores públicos pela infringência às determinações ordenatórias de serviço, como as instruções, ordens individuais, ou decisões administrativas, e, outrossim, às prescrições legais e regulamentares. Já a externa se refere aos atos punitivos dos particulares em geral, pela infração às determinações legais e regulamentares” (BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios gerais de direito administrativo, p. 561).

6 FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas, pp. 36-38.

7 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, pp. 840-841.

8 Afirmamos em outra oportunidade, ao ensejo de examinar a prescrição do art. 87 da Lei  8.666/1993, que prevê a aplicação de sanções administrativas diante da inexecução total ou parcial do contrato, sem tipificar quais as condutas, comissivas ou omissivas, que levam à inexecução, sermos partidários da corrente que defende que a previsão genérica da Lei 8.666/1993 é suficiente para validar a aplicação das sanções administrativas, desde que seja, neste caso específico, complementada pelas cláusulas do instrumento convocatório da licitação e do contrato administrativo. A nosso ver, a própria Lei de Licitações estabeleceu essa sistemática ao prescrever, respectivamente, nos arts. 40, III e 55, VII a obrigatoriedade de cláusulas editalícias e contratuais que dispusessem sobre sanções administrativas. São, sem dúvida alguma, o edital e o termo de contrato os instrumentos adequados para tipificação das infrações administrativas e cominação das respectivas sanções, observados, em todos os casos, os limites legais e constitucionais, especialmente quanto ao cumprimento dos ditames do devido processo legal, da razoabilidade e da proporcionalidade (PETIAN, Angélica. Sanções administrativas nas licitações e contratações públicas. Boletim de licitações e contratos, v. 10, p. 06).

9 Concordamos com as lições de Daniel Ferreira sobre o assunto apresentadas em obra monográfica intitulada Teoria geral da infração administrativa a partir da Constituição Federal de 1988.

10 FERREIRA, Daniel. Teoria geral da infração administrativa a partir da Constituição Federal de 1988.

11 Tratando desse tema, Heraldo Garcia Vitta incluiu na classe das causas excludentes do ilícito, além da legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular do direito, também o princípio da insignificância, o caso fortuito, a força maior, o erro de fato e o erro de direito, a coação irresistível e a obediência hierárquica (VITTA. Heraldo Garcia. A sanção no direito administrativo, p. 52).

12 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, p. 871.

13 FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón; ENTERRÍA; Eduardo García de. Curso de derecho administrativo, v. 2, p. 174.

14 Nas lições de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello: “Não se confundem a sanção administrativa e a penal. Esta visa punir atos contrários aos interesses sociais e aquela aos da atividade administrativa. A distinção está no fundamento da responsabilidade, tendo em vista o bem jurídico ofendido. Dada a diversidade do fundamento jurídico da punição, pode o infrator se sujeitar a ambas, sem que ocorra o bis in idem, levadas a efeito por órgãos distintos: da Administração pública e do Poder Judiciário. Esta faz coisa julgada e aquela não. É o direito positivo, entretanto, que estrema os atos considerados de ilícito administrativo e penal, dentro de uma zona de limite” (BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios gerais de direito administrativo, pp. 561-562).

Referências

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 29 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011.

BANDEIRA DE MELLO. Oswaldo Aranha. Princípios gerais de direito administrativo. São Paulo: Forense. 1979.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo administrativo federal: comentários à Lei 9.784 de 29/1/1999. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2001.

FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón; ENTERRÍA; Eduardo García de. Curso de derecho administrativo. 5. ed. Madrid: Civitas, 1998. Volume 2.

 FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas. São Paulo: Malheiros Editores, 2001.

__________________. Teoria geral da infração administrativa a partir da Constituição Federal de 1988. Belo Horizonte: Fórum, 2009.

PETIAN, Angélica. Sanções administrativas nas licitações e contratações públicas. Boletim de licitações e contratos, v. 10. São Paulo: NDJ, 2008.

VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

VITTA. Heraldo Garcia. A sanção no direito administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.


Citação

PETIAN, Angélica. Princípios da culpabilidade e da voluntariedade. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 2. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2021. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/34/edicao-2/principios-da-culpabilidade-e-da-voluntariedade

Edições

Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 1, Abril de 2017

Última publicação, Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 2, Abril de 2022

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