• Parcerias público-privadas: conceito

  • Floriano de Azevedo Marques Neto

  • Última publicação, Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 2, Abril de 2022

O presente verbete tem por principal objetivo apresentar o conceito de Parceria Público-Privada (PPP) e indicar o regime geral dos contratos de concessão administrativa e de concessão patrocinada segundo a Lei 11.079/2004 para inserção do leitor na temática e direcionamento para posterior aprofundamento no tema.

1. Conceitos, princípios e contratos de PPP


As Parcerias Público-Privadas, largamente conhecidas pela sua sigla PPP, podem ser entendidas como o ajuste firmado entre Administração Pública e a iniciativa privada, tendo por objeto a implantação e a oferta de empreendimento destinado à fruição direta ou indireta da coletividade, incumbindo-se a iniciativa privada da sua estruturação, financiamento, execução, conservação e operação, durante todo o prazo estipulado para a parceria, e cumprindo ao Poder Público assegurar as condições de exploração e remuneração pelo parceiro privado, nos termos do que for ajustado, e respeitada a parcela de risco assumida por uma e outra das partes.


1.1. As PPPs como tipo de parceria na Administração Pública e sua racionalidade


Integram as PPPs o gênero das parcerias na Administração Pública, em que Poder Público se associa com terceiros, públicos ou privados, para a prestação de utilidades públicas à coletividade ou ao auxílio no desenvolvimento das atividades-meio à Administração que servem de substrato para o atendimento das finalidades públicas. Além das PPPs, são exemplos de mecanismos de parcerias na Administração Pública os consórcios públicos, os contratos de gestão firmados com as organizações sociais, os termos de parceria firmados com as organizações da sociedade civil de interesse público e mesmos esquemas mais clássicos, mas cada vez mais empregados na gestão pública, como os convênios e as concessões comuns.

Assim, podemos conceber duas grandes linhas de concepção em torno do termo “parceria”. A parceria em sentido amplo corresponde a toda concentração entre Administração Pública e particulares, com vistas a oferecer e viabilizar um objetivo de política pública. Já a parceria em sentido estrito refere-se à contratação entre Administração Pública e particulares para provimento remunerado de utilidades públicas. Os modelos de parceria previstos na Lei 11.079/2004 são espécies ainda mais restritas.

Muito embora as PPPs estejam compreendidas no gênero das parcerias na Administração Pública, elas guardam sensíveis diferenças em termos de relacionamento público-privado com relação às demais espécies. Enquanto nestas a unilateralidade é notadamente forte, de modo que a modelagem do vínculo contratual é praticamente toda ela definida isoladamente pelo Poder Público, nas PPPs a participação dos particulares mostra-se mais efetiva. Por isso afirmar, no conceito acima, que compete à iniciativa privada a estruturação e o financiamento1  do negócio público, indicando a efetiva participação do privado nas principais decisões contratuais. Não apenas na fase de modelagem do projeto a posição do privado se mostra mais decisiva, mas assim também se verifica em todas as fases de execução do objeto contratual (execução, conservação e operação). Assim, a designação parceria não se limita ao associativismo típico dos contatos públicos, mas vai além para designar um modo de relacionamento público-privado em torno de um projeto de alta complexidade e de vultos valores – a Lei proíbe contrato de PPP com valor inferior a R$ 20 milhões2 –, que se perfaz no longo prazo.3 

Na relação contratual de PPP, as partes recebem nomes específicos que bem expressam essa maior aproximação entre Poder Público e iniciativa privada na modelagem e na execução do objeto concedido. O termo parceiro público faz referência ao Poder Público enquanto autoridade competente para prestar o serviço público contratado, precedido ou não por obra pública. Já o termo parceiro privado é empregado para designar o particular contratado, via de regra formalizado em uma sociedade de propósito específico, que terá grandes atribuições no projeto, não se confundido com um simples executor dos contratos previamente esquadrinhados pelo Poder Público.

Quando da edição da Lei das Parcerias Público Privadas – Lei 11.079/2004 –, entendeu o Legislador que a atração do capital privado seria de fundamental importância para viabilizar infraestrutura e a prestação de serviços públicos que, per se, não gerariam interesse comercial se estruturados conforme a Lei de Concessões – Lei 8.987/95. Isso porque o modelo de concessão comum clássico determina a remuneração do concessionário pela fruição do serviço pelo usuário, geralmente mediante o pagamento de tarifas, e nem sempre um projeto gera tamanha demanda a ponto de viabilizar a subsistência econômica do negócio. Para fins de aplicação da Lei 11.079/2004, a PPP deve ser compreendida como a parceria formada no regime de concessão em que não existe relação de remuneração integral pelo cidadão usuário final.

Assim nasce a lógica de parceria público-privada: por um lado, o Poder Público participa na composição da remuneração do parceiro privado (integralmente nas concessões administrativas e parcialmente nas concessões patrocinadas) e, por outro, estabelece efetivo relacionamento de parceria com o parceiro privado na tomada de relevantes decisões de estratégia negocial e contratos.

Considerando o longo prazo de duração das PPPs, é importante que se construa um ambiente relacional entre Poder Público e parceiro privado para minimizar os conflitos que tendem a se verificar no longo prazo, garantindo-se, assim, o sucesso do empreendimento. Atratividade e ambiente relacional explicam os principais atributos das PPPs, que passo a descrever na sequência.


1.2. Elementos conceituais das PPPs em sentido estrito


1.2.1. Natureza contratual


Primeiramente, as PPPs têm natureza contratual. Isso significa que, para todos os fins de regime jurídico, as PPPs devem ser compreendidas como contratos públicos, mais especificamente, contratos de concessão. A referência à natureza contratual é dada pela própria redação do art. 2º, caput, da Lei 11.079/2004, segundo a qual “[p]arceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa” (destaquei). Trata-se, portanto, de um contrato de concessão, de modo que a edição da Lei 11.079/2004 determinou a criação de duas novas modalidades de concessão – a concessão patrocinada e a concessão comum – e renomeou as concessões regidas pela Lei 8.987/95, as quais passam a ser conhecidas como concessões comuns. A Lei 11.079/2004 pressupõe uma concepção de concessão entendida como instrumento de delegação da prestação de serviços públicos ao particular.

As parcerias público-privadas se formalizam, portanto, em concessões administrativas ou em concessões patrocinadas.4 Conforme a Lei 11.079/2004, na concessão administrativa a Administração Pública é a usuária dos serviços contratados, mesmo que envolvam execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.5 Já a concessão patrocinada é caracterizada pela contraprestação pecuniária do parceiro privado ao parceiro público, além da remuneração tarifária típica dos contratos de concessão comuns regidos pela Lei 8.987/95.6 Na hipótese de a contraprestação pública ser superior a 70% da remuneração, é necessária autorização legislativa específica.7 

Aplica-se subsidiariamente às PPPs a Lei 8.987/95, enquanto a Lei 8.666/93 tem a sua aplicação apenas nos casos em que a Lei das PPPs expressamente determinar.8 

Importante ressaltar que Estados e Municípios podem formatar parcerias fora dos quadrantes da Lei 11.079/2004, considerando que a Constituição Federal confere competência privativa à União para disciplinar apenas normas gerais de licitações e de contratos administrativos9 e a competência legislativa concorrente para disciplinar procedimentos, como o certame licitatório das concessões patrocinadas e administrativas.10 Por esta razão a Lei das PPPs é composta por duas partes: uma geral, de natureza nacional, aplicável a todos os entes federados (art. 1º ao art. 14), e uma segunda parte federal, especificamente aplicável à União.


1.2.2. Objeto múltiplo


As PPPs têm por objeto a implantação de atividade ou infraestrutura com responsabilidade duradoura, considerando o prazo longo que as caracteriza. Invariavelmente as PPPs determinarão a prestação de atividades, já que a Lei proíbe PPPs com objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e a instalação de equipamentos ou a execução de obra pública.11 Porém esta pode ser precedida pela construção, ampliação, melhoria ou manutenção de infraestrutura pública. Os exemplos são diversos na prática: rodovias, estações de tratamento de água e esgoto, presídios, estádios de futebol, hospitais, etc. Assim, o escopo das PPPs consiste na disponibilidade da utilidade de interesse público fruível, direta ou indiretamente, pelo administrado, respectivamente na concessão patrocinada e na concessão administrativa.

Algumas relevantes concessões encontradas na prática das contratações públicas não foram albergadas pela Lei das PPPs, como as concessões gratuitas, as concessões de bens públicos e as concessões com modelo de “usuário único”.


1.2.3. Compartilhamento de riscos


Os contratos de PPPs são marcados pelo arbitramento de riscos entre as partes.12 A repartição objetiva de riscos é uma das diretrizes enunciadas na Lei 11.079/2004,13 sendo este um dos grandes diferenciais com relação aos contratos de concessão comum, que classicamente estabelecem que o concessionário atua no contrato “por sua conta e risco”.

Em geral, o Poder Público se responsabiliza pela remuneração, o que não necessariamente significa que o Estado remunere pela atividade prestada. Já o parceiro privado tende a se responsabilizar pela concepção, execução e viabilização do empreendimento pelo prazo da parceria. Todavia, a alocação de riscos entre as partes não é pacífica, sendo objeto de grandes debates doutrinários. A Lei 11.079/2004 apresenta algumas linhas de entendimento. Do texto da Lei depreende-se que a repartição de riscos é ampla, pois que envolve caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária,14 que tradicionalmente ficam à cargo ora do Poder Público contratante, ora do contratado. Dessa forma, o arranjo dos riscos entre as partes é variável, sendo este um dos fatores de sucesso do empreendimento público via PPP.


2. O regime contratual na Lei 11.079/2004


2.1. Tópicos fundamentais do regime contratual na Lei 11.079/2004


As disposições gerais que devem ser observadas quando da celebração de contrato de PPP estão dispostas na Lei 11.079/2004. Na prática, esse regramento delimita a modelagem dos contratos de PPP e precisam ser enfrentados na importante fase prévia de preparação do edital de licitação e da minuta do contrato de concessão patrocinada ou de concessão administrativa. Como assinalado, a iniciativa privada possui importante papel nas PPPs, de modo que a interpretação dos preceitos da Lei relativos aos contratos não se limita ao Poder Público. Pelo contrário.

Cabe à iniciativa privada opinar e trazer sugestões de modelagem jurídico-contratual, visando à eficiência na contratação pública de PPP. Hoje o sistema de direito administrativo contempla normas dispondo sobre a dinâmica do Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), que viabiliza a apresentação de projetos, levantamentos, dados, análises, estudos e demais contribuições qualificadas pelos particulares à Administração Pública, para melhor desenho do contrato de PPP.15 Portanto, o regime contratual previsto na Lei 11.079/2004 consiste em um relevante pressuposto de análise da modelagem contratual, seja por parte do parceiro público, seja por parte do parceiro privado, sendo sua especificação clara e orientada à satisfação de finalidades públicas fundamental para evitar impasses futuros que comprometam a integral e eficiente execução do objeto contratual.


2.1.1. Cláusulas obrigatórias


As cláusulas obrigatórias dos contratos de PPP encontram-se previstas no art. 5º Lei 11.079/2004.


2.1.1.1. Prazo de vigência do contrato


A primeira delas corresponde à determinação do prazo de vigência do contrato que, como já indicado, não pode ser inferior a cinco anos e nem superior a 35 anos, incluindo eventual prorrogação. Ademais, o preceito determina que se estabeleça correlação entre o prazo de vigência contratual e a amortização dos investimentos realizados, de modo que o Estado não onere desnecessariamente seu caixa de longo prazo e nem o tempo seja insuficiente para retorno dos investimentos.


2.1.1.2. Repartição de riscos


Outra cláusula obrigatória, já analisada, corresponde à repartição de riscos entre as partes. Em geral, a matriz de risco leva em consideração a capacidade de gerenciamento dos riscos por cada uma das partes com relação a cada específico risco. Todavia, advirta-se que a previsibilidade relativa dos riscos faz com que ao lado da matriz de risco sejam também definidos mecanismos de resolução de conflitos eficientes, como a previsão da arbitragem e de outros métodos alternativos.16 Um bom contrato de PPP deve prever, além da alocação clara e racional de riscos, o método e o procedimento para  fazer frente à dinâmica destes riscos ao longo do prazo da parceria.


2.1.1.3. Formas de remuneração e de atualização dos valores contratuais


Quanto às formas de remuneração e de atualização dos valores contratuais, a Lei também determina que essas sejam especificamente disciplinadas. Atualizações automáticas de valores baseadas em índices e fórmulas matemáticas, nos termos do § 1º do art. 5º, não precisam de homologação prévia pela Administração Pública, salvo publicação e posterior questionamento. A Lei admite os seguintes modos de contraprestação da Administração Pública ao parceiro privado, sem prejuízo de outros meios disciplinados em lei: ordem bancária; cessão de créditos não tributários; outorga de direitos em face da Administração Pública; e outorga de direitos sobre bens públicos dominicais.17 Note-se, porém, que a contraprestação no caso das concessões patrocinadas há de ser de natureza pecuniária, dada a expressa redação do artigo 2º, § 1º da Lei 11.079/2004.

De outro lado, a partir da Lei 12.766/2012, no caso de PPPs que envolvam vultosos investimentos, o contrato pode prever aportes, ou seja, contraprestações pecuniárias a serem feitas pari passu ao investimento privado para amortizar os bens que são incorporados ao patrimônio público por conta do investimento.


2.1.1.4. Garantias


As garantias devem vir detalhadas no contrato. Além de outros mecanismos legalmente previstos, a Lei 11.079/2004 prevê as seguintes garantias em seu art. 8º: (i) vinculação de receitas; (ii) instituição de fundos especiais com previsão legal; (iii) contratação de seguro-garantia com companhias seguradoras que não sejam controladas pelo Poder Público; (iv) garantias prestadas por organismos internacionais ou instituições financeiras que não sejam controladas pelo Poder Público; e (v) garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal criada para essa finalidade.

Na esfera federal, a Lei 11.079/2004 criou o Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas (FGP) com a finalidade de prestar garantia de pagamento de obrigações pecuniárias assumidas por parceiros públicos federais, estaduais, distritais e municipais.18 O patrimônio do fundo é constituído por aporte de bens e direitos por meio de integralização de cotas e pelos rendimentos decorrentes da administração desse patrimônio, de modo que o valor devido pela eventual inadimplência pelo parceiro público pode ser coberto pelos bens do Fundo por meio de penhora direta, afastando-se do regime típico dos precatórios previsto no art. 100 da Constituição Federal. Tem-se, assim, significativo atrativo para o investimento privado nas PPPs.

Quanto às garantias prestadas pelos particulares,19 o art. 11, parágrafo único, da Lei 11.079/2004 determina que as garantias de execução apresentadas pelos particulares devem ser compatíveis com os ônus e riscos envolvidos. Aplica-se o art. 56, § 3º, da Lei 8.666/93 para determinar a elevação de até 10% do valor do contrato tratando-se, como é o caso das PPPs, de obras e serviços de grande vulto envolvendo alta complexidade técnica e riscos financeiros consideráveis. Também se aplica o § 5º do mesmo preceito da Lei 8.666/1993 para determinar a prestação de garantia no valor dos bens transferidos caso o contrato importe na entrega de bens pela Administração, ficando o parceiro privado depositário.

Advirta-se que a garantia de PPP é diferente da garantia da proposta do licitante prevista no art. 1, inc. I, da Lei 11.079/2004, apresentada no certame licitatório para fins de comprovação da seriedade desta proposta. Neste caso, deve ser observado o limite de 1% do valor estimado da contratação conforme disposto no art. 31, inc. III, da Lei 8.666/1993.


2.1.1.5. Regime sancionatório contratual


O contrato deverá prever hipóteses de inadimplência do Poder Público, incluindo caracterização da mora, prazo de regularização, acionamento das garantias e penalidades aplicáveis à Administração Pública e ao parceiro privado em casos de inadimplemento. Eis aqui um ponto destacado, pois a Lei de PPP inovou ao tentar tratar a mora do poder público como uma quebra de contrato. O regime sancionatório contratual deve ser orientado pela proporcionalidade e atentar às leis e normas regulatórias do setor regulado, se for o caso, para que o regime contratual se compatibilize com o regulatório. Ressalte-se que, em respeito à legalidade, as sanções não podem ser criadas nos contratos de PPPs, mas suas correspondentes aplicação e dosimetria podem ser plenamente especificada nas cláusulas contratuais. Nessa toada, as infrações que ensejam a aplicação de penalidades pelo sistema de responsabilização administrativa também são passíveis de definição contratual, estabelecendo-se maior previsibilidade e segurança jurídica na configuração do inadimplemento.

É juridicamente viável a definição de acordos substitutivos das penalidades aplicáveis em decorrência da caracterização de inadimplemento contratual, após regular procedimento em que se evidenciem as garantias processuais básicas do contraditório e da ampla defesa. Nesse caso, pode ser previsto acordo – sob o título de termo de compromisso, termo de ajuste de conduta ou quejandos – que determine o dever de investimento para substituição de sanções de advertência ou multa, por exemplo, sem prejuízo de estabelecimento de cronograma de atividades para superação do estado de inadimplência.


2.1.1.6. Vistoria de bens reversíveis


O contrato de PPP deve definir previamente à celebração quais bens serão reversíveis ao término da concessão. A vistoria deve necessariamente ser feita ao final da concessão, podendo o contrato definir vistorias periódicas ao longo da execução do objeto contratual. No que tange aos bens reversíveis nas PPP, deve-se estabelecer a seguinte distinção: nas PPP que contemplem a previsão de aportes em amortização de bens implementados com investimentos de parceria privada a reversão será acompanhada da transferência necessária da posse, pois a aquisição dominial destes bens será feita pari passu ao pagamento do aporte. Ao fim do contrato ocorre a fusão entre a nua propriedade (o bem já será formalmente público) e o domínio útil.

Em relação aos bens não amortizados por aportes, a reversão seguirá a lógica funcional própria ao instituto da reversão. Ou seja, reverter à apenas a posse dos bens que sejam imprescindíveis à continuidade da utilidade objeto da PPP.


2.1.1.7. Critérios de avaliação de desempenho do particular


É obrigatória a previsão dos critérios de avaliação do desempenho do particular no curso da execução do objeto da concessão patrocinada ou administrativa. O art. 37, § 3º, da Constituição Federal faz menção à participação do usuário na Administração Pública, notadamente para endereçar reclamações relativas à prestação de serviços públicos em geral, “asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços” (destaquei). Desse modo, entende-se que o usuário deve ser envolvido na avaliação de desempenho do parceiro privado.

A remuneração do parceiro privado pode ser variável conforme o seu desempenho na execução do contrato,20 razão pela qual os critérios de avaliação de desempenho do parceiro privado constituem cláusula obrigatória no contrato, devendo, preferencialmente, ser detalhado com o máximo de objetividade, clareza e razoabilidade.

Outro avanço significativo é a previsão de avaliador independente para mensurar o desempenho do particular.


2.1.1.8. Outras cláusulas obrigatórias


Outras cláusulas obrigatórias que devem necessariamente constar nos contratos de PPP são: (i) os mecanismos para a preservação da atualidade da prestação dos serviços; (iii) o compartilhamento com a Administração Pública de ganhos econômicos efetivos do parceiro privado decorrentes da redução do risco de crédito dos financiamentos; e (iii) o cronograma de repasse de aportes de recursos.


2.2. Desafios e perspectivas do regime contratual na Lei 11.079/2004


Embora haja experiências antigas, é com a Lei 11.079/2004 e com as legislações estaduais que os modelos contratuais podem se desenvolver. Há, obviamente, um aprendizado a ser vencido. Porém, nesses últimos anos, evoluímos muito na medida em que o Poder Público vem desenvolvendo conhecimento e vencendo obstáculos.21 

Dentre os principais desafios que precisam ser enfrentados para plena alavancagem das PPPs no Brasil, é preciso, primeiramente, capacitar o setor público para lidar com a complexidade das PPPs, bem como criar procedimentos administrativos para absorver projetos dos particulares e, assim, assimilar valiosos inputs para o desenvolvimento do empreendimento público objeto de concessão patrocinada ou concessão administrativa.

Também é preciso desenvolver a técnica de aferição de indicadores de desempenho dos parceiros privados, bem como modificar a cultura e parâmetros usualmente utilizados para definir o value for money. Em comum, ambos os desafios apontam para a necessidade de sofisticação no trato dos projetos de PPP, cuja celebração significa uma decisão de endividamento de longo prazo, até mesmo geracional. Um amplo processo de sensibilização para as características peculiares das PPPs, que demandam a construção de um ambiente relacional com destravamento dos modelos de garantias, precisa ser fortalecido no Brasil, passando inclusive pelas instâncias de controle – afinal, a batalha cultural nos órgãos de controle contra as PPPs é salutar.

Para o futuro, creio que nossa pauta seria tomada não só pelas parcerias contratuais, mas também pelas estruturais. Para tanto, arranjos societários mais arrojados e complexos, inclusive com controle compartilhado, seriam bem-vindos.


Notas

1 Financiamento, compreendido como origem dos recursos financeiros, não se confunde com financiabilidade, que faz referência à origem da remuneração do capital investido. Há várias fontes de financiabilidade para os empreendimentos públicos, como a geração de déficit (inflação), os recursos da sociedade vis tributação, os recursos dos usuários via tarifa, bem como as receitas ancilares. Nas PPPs, a origem do capital de financiamento, se próprio ou de terceiro, é indiferente. As PPPs permitem novos arranjos de financiabilidade para os empreendimentos públicos.

2 Cf. art. 2º, § 4º, inc. I, da Lei 11.079/2004.

3 O prazo mínimo de um contrato de PPP previsto na Lei 11.079/2004 é de 5 anos (art. 2º, § 4º, inc. I), não podendo ser superior a 35 anos, incluindo eventual prorrogação (art. 5º, inc. I). Por esta razão afirmarmos trata-se de um contrato com prazo diferido, distendido o suficiente para viabilizar o retorno dos investimentos ou para amortizar a verba orçamentária pública empenhada no projeto de PPP.

4 Isso não implica em vedação a outras espécies de parcerias sujeitas ao regime jurídico geral das licitações e contratos, como a doação de obra e os convênios de cooperação econômica.

5 Cf. art. 2º, § 2º, da Lei 11.079/2004.

6 Cf. art. 2º, § 1º, da Lei 11.079/2004.

7 Cf. art. 10, § 3º, da Lei 11.079/2004.

8 Apesar de se intitular a lei geral de licitações e de contratos administrativos, a Lei 8.666/93 não se aplica subsidiariamente, ressalvados os casos expressos pela Lei, em virtude do art. 3º, § 3º, segundo o qual “[c]ontinuam regidos exclusivamente pela Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e pelas leis que lhe são correlatas os contratos administrativos que não caracterizem concessão comum, patrocinada ou administrativa”. Aplicam-se às PPPs, porém, o art. 56, § 3º e § 5º e o art. 31, inc. III, da Lei 8.666/93.

9 Cf. art. 22, inc. XXVII, da Constituição Federal.

10 Cf. art. 24, inc. XI, da Constituição Federal.

11 Cf. art. 2º, §4º, inc. III, da Lei 11.079/2004.

12 Antes da Lei das PPPs, porém, a experiência da repartição de riscos foi experimentada com sucesso no Caso da Sub-Estação do Metrô-SP, no programa de redução de consumo na USP, na concessão de limpeza urbana em São Paulo, nos modelos de concessão de transporte de passageiros e no modelo de serviços complementares ao SUS.

13 Cf. art. 4º, inc. VI, da Lei 11.079/2004. Além da repartição objetiva de riscos, são diretrizes das PPPs a eficiência no cumprimento das missões de Estado e no emprego dos recursos da sociedade (inc. I); o respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços e dos entes privados incumbidos da sua execução (inc. II); a indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado (inc. III); a responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias (inc. IV); a transparência dos procedimentos e das decisões (inc. V); e a sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas dos projetos de parceria (inc. VII).

14 Cf. art. 5º, inc. III, da Lei 11.079/2004.

15 É nessa linha a disciplina jurídica federal do PMI no Decreto 8.428/2015, cujo art. 1º assim preceitua: 

“[e]ste Decreto estabelece o Procedimento de Manifestação de Interesse - PMI a ser observado na apresentação de projetos, levantamentos, investigações ou estudos, por pessoa física ou jurídica de direito privado, com a finalidade de subsidiar a administração pública na estruturação de empreendimentos objeto de concessão ou permissão de serviços públicos, de parceria público-privada, de arrendamento de bens públicos ou de concessão de direito real de uso”.

16 Cf. art. 11, inc. II, da Lei 11.079/2004.

17 Cf. art. 6º da Lei 11.079/2004.

18 Cf. art. 16 da Lei 11.079/2004.

19 Aplica-se o disposto no art. 18, inc. XV, da Lei 8.987/95 para as concessões patrocinadas, pelo qual o projeto básico deve conter as exigências de garantias específicas à obra, para plena caracterização do objeto contratado.

20 Cf. art. 6º, § 1º, da Lei 11.079/2004.

21 Dentre as experiências de destaque, podemos indicar as seguintes: Linha 4 do Metrô de São Paulo (concessão patrocinada); MG 050 (concessão patrocinada); Emissário Jaguaribe na Bahia (concessão administrativa); ETA Taiaçupeba em São Paulo (concessão administrativa); Data Center BB-CEF no Distrito Federal (concessão administrativa); ETE Rio Claro em São Paulo (concessão administrativa); e ETE Rio das Ostras no Rio de Janeiro (concessão administrativa).

Referências

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__________________. As parcerias público-privadas e o financiamento das infra-estruturas. Fórum de contratação e gestão pública, vol. 29. Belo Horizonte: Fórum, 2004.

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Citação

MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Parcerias público-privadas: conceito. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 2. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2021. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/32/edicao-2/parcerias-publico-privadas:-conceito

Edições

Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 1, Abril de 2017

Última publicação, Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 2, Abril de 2022

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