O instituto da Equidade origina-se do Direito Romano, tendo, portanto, mais de dois mil anos de história. Ao lado de outros mecanismos de interpretação, preordena-se a suprir os inevitáveis pontos lacunosos da legislação.

Deveras, Portalis admitira a existência de lacunas no direito ao ensejo da produção do Código Civil Francês nos albores do século XIX, igualmente sublinhado por Ernst Zitelman em obra clássica denominada As Lacunas do Direito (1903).1 

Com efeito, representa importante mecanismo no labor exegético, merecendo, pois, ser redimensionada sua utilização no âmbito do direito, tanto privado, como público, sobretudo na edição das normas concretas e individuais, tudo em prol do aprimoramento dos altaneiros ideais de justiça. 

É com esse animus que a Equidade será examinada em seus contornos e na sua densidade, de forma sucinta embora, consoante estampado nos tópicos subsecutivos.


1. Aspecto semântico


Sob ponto de vista terminológico, a expressão “equidade” origina-se do latim aequitas e aequus. Com efeito, a palavra “equus” significa “igual, justo, parelho”, da qual provém “aequitas” que, a seu turno, reveste o sentido de “igualdade, conformidade, simetria”.O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa apresenta as seguintes definições:

“1. Apreciação, julgamento justo; 1.1. respeito à igualdade de direito de cada um, que independe da lei positiva, mas de um sentimento do que se considera justo, tendo em vista as causas e as intenções. 2. Virtude de quem ou do que (atitude, comportamento, fato etc.) manifesta senso de justiça, imparcialidade, respeito à igualdade de direitos. 3. Correção, lisura na maneira de proceder, opinar etc.; retidão, equanimidade. Igualdade, imparcialidade”.2 

O direito encampou a palavra “equidade” com a mesma carga semântica da linguagem comum, comunicando-lhe apenas foros de juridicidade. A sua quintessência repousa na igualdade conjugada com justiça que se sobrepõe à letra da lei ou da lacuna da lei.

Originalmente empregada no direito inglês, no qual abriga o sentido de justiça, ainda que contrariando disposições legais ou a Common Law, o que, aliás, traduz a ousada orientação interpretativa em prol do direito justo, tanto praeter legem quanto contra legem (1906).

Realmente, é com esse significado que a Inglaterra prestigiou o instituto da Equidade que se espraiou para o direito anglo-saxão e, ao depois, repercutiu no cenário internacional. A propósito, vejamos o conceito de “equidade” contido no verbete equity no Law Dictionary de Maria Chaves de Mello: 

“Equidade é conjunto de regras e princípios que surgiu e se desenvolveu na Inglaterra, estendendo-se depois aos demais países do tronco anglo-saxão, com vigência para corrigir distorções da Common Law, decidindo as questões segundo as particularidades do caso e que, geralmente, se aplica quando o direito estrito não oferece um remédio adequado ao caso concreto; Ramo do sistema da Common Law que privilegia a obediência aos princípios de ordem ética e moral, em vez de formalismo jurídico, e cujas decisões se fundamentam nas máximas de equity, tributárias dos brocardos jurídicos latinos e proferidas apenas pelos juízes togados, sem a participação do júri popular, por visarem apenas questões de direito”.4 

Não é diferente o entendimento contemplado no Law Dictionary de Steven H. Gifis ao bordar o verbete Equity, assim definido: “[m]ost generally, justice. Historically, “equity” developed as a separate body of law in England in reaction to the inability of the common law courts, in ther strict adhrence to rigid writs and forms of action, to entertain or provide remedy for every injury”.4 

No direito pátrio, De Plácido e Silva trata do assunto com detença em seu clássico Vocabulário Jurídico. Ouçamo-lo, num excerto constante do referido verbete em sua obra ora retrocitada: “[n]o conceito atual a equidade é compreendida como a igualdade de que nos falam os romanos: jus est ars boni et aequi”. Mais adiante, o autor frisa que a Equidade compõe o conceito de justiça fundada na igualdade, na conformidade do próprio princípio jurídico e em respeito aos direitos alheios. No entanto, por vezes, possui sentido mais amplo, mostrando-se um princípio do Direito Natural, que pode, mesmo, contrariar a regra do Direito Positivo.5  


2. Doutrina e direito positivo


Miguel Reale, com sua habitual mestria sublinha que a Equidade é um instituto destinado a superar as lacunas do direito positivo, bem como os juízos de Equidade possibilitam suavizar os esquemas da regra em sua generalidade, tudo com o desígnio de compatibilizar à norma geral às particularidades que circundam determinadas hipóteses da vida social.6 

Ao propósito, o eminente jurista encomiava a legislação processual de 1939, que, nos termos do art. 114, investia o magistrado de poderes para julgar com fulcro na Equidade, lamentando, outrossim a revogação desse importante instituto ao ensejo do Código de Processo Civil de 1973.

Igualmente, o novel Código de Processo Civil imerso na Lei 13.105, de 16 de março de 2015, restabeleceu o instituto da Equidade, fazendo-o por meio do comando inserto no art. 140, parágrafo único que, a seu turno, encontra-se encartado no capítulo concernente aos poderes, deveres e responsabilidade do juiz, a saber (grifos nossos):

“TÍTULO IV

DO JUIZ E DOS AUXILIARES DA JUSTIÇA

CAPÍTULO I

DOS PODERES, DOS DEVERES E DA RESPONSABILIDADE DO JUIZ

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

I - assegurar às partes igualdade de tratamento;

II - velar pela duração razoável do processo;

III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias;

IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;

V - promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais;

VI - dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito;

VII - exercer o poder de polícia, requisitando, quando necessário, força policial, além da segurança interna dos fóruns e tribunais;

VIII - determinar, a qualquer tempo, o comparecimento pessoal das partes, para inquiri-las sobre os fatos da causa, hipótese em que não incidirá a pena de confesso;

IX - determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais;

X - quando se deparar com diversas demandas individuais repetitivas, oficiar o Ministério Público, a Defensoria Pública e, na medida do possível, outros legitimados a que se referem o art. 5o da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, e o art. 82 da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, para, se for o caso, promover a propositura da ação coletiva respectiva.

Parágrafo único. A dilação de prazos prevista no inciso VI somente pode ser determinada antes de encerrado o prazo regular.

Art. 140.  O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico.

Parágrafo único. O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei.

A eminente jurista Maria Helena Diniz em seu Dicionário Jurídico estabelece interessante construção, na dimensão em que aborda o tema sob o prisma genérico e os desdobramentos do instituto na óptica especificamente legal e judicial.7 

Vejamos, pois a sua primorosa lição, in verbis:

EQUIDADE. À luz da teoria geral do direito Maria Helena Diniz apresenta três acepções do termo, a saber: 1. Disposição do órgão judicante para reconhecer, com imparcialidade, o direito de cada um. 2. Sentimento seguro e espontâneo do justo e do injusto na apreciação de um caso concreto. 3. Justiça do caso singular (Filomusi Guelfi, Calamandrei e Boláffio) 4. Ideal de justiça enquanto aplicado na interpretação, na integração ou na adaptação da norma. 5. Autorização, explícita ou implícita, de apreciar, equitativamente, um caso, estabelecendo uma norma individual para o caso concreto e tendo por base as valorações positivas do ordenamento jurídico. É um ato judiciário: um poder conferido ao magistrado para revelar o direito latente.

EQUIDADE JUDICIAL. Aquilo em que a lei, explícita ou implicitamente, incumbe ao órgão jurisdicional a decisão do caso concreto (Agostinho Alvim).

EQUIDADE LEGAL. Aquela contida no texto normativo, que prevê várias possibilidades de solução (Agostinho Alvim), por conter um standard jurídico “onde há um apelo implícito à equidade do magistrado, a quem cabe julgar do enquadramento ou não do caso, em face das diretivas jurídicas (Limongi França)”.

Deveras, a abordagem específica da Equidade sob múltiplos ângulos contribui para enriquecer a dimensão do instituto, bem assim a compreensão, o alcance e as possibilidades de aplicação da Equidade.

A Equidade também está presente na obra de Vicente Ráo denominada O Direito e a Vida dos Direitos. Após versar o tema com detença e com invulgar mestria, o autor assim conclui: 

“Designa-se por equidade uma particular aplicação do princípio da igualdade às funções do legislador e do juiz, a fim de que, na elaboração das normas jurídicas e em suas adaptações aos casos concretos, todos os casos iguais, explícitos ou implícitos, sem exclusão, sejam tratados igualmente e com humanidade, ou benignidade, corrigindo-se, para este fim, a rigidez das fórmulas gerais usadas pelas normas jurídicas, ou seus erros, ou omissões”.8  

José Carlos Moreira Alves, por sua vez, em seu Direito Romano versa o assunto sob a nomem jurisaeqvitas” e, apontando as diferenças do instituto no período clássico e pós-clássico, assinala que no direito clássico o seu significado consistia no que modernamente se denomina justiça, vale dizer, um direito justo.9  

Por outro lado, na fase pós-clássica a aequitas ganhou um sentido de benignidade e benevolência (humanistas, benigtas, benevolentia, pietas, caritas).

A referida diferença do aspecto semântico da Equidade entre os dois períodos, clássico e pós-clássico, resta evidente que é algo muito subjetivo, pois o justo é compatível com a benignidade, embora esta não deva passar ao largo da razoabilidade no labor exegético. 

Festejados filósofos consideram que a Equidade representa uma forma de corrigir a lei sempre a interpretação literal ocasionar uma injustiça, consoante opinião sufragada por Aristóteles e Cícero, e posteriormente reelaborada por Francisco Suárez,10 os quais são citados e infirmados por Luis Recasens Siches, para quem, ao revés de corrigir a lei, a Equidade a interpreta de forma razoável.11 

O renomado filósofo vai além ao dizer que 

Lo que solía llamar ‘equidade’ no es un procedimento para corrigir leyes imperfectas. Es la manera correcta de interpretar todas las leyes, absolutamente todas. Es la manera correcta de entenderlas. Es la manera correcta de tomarlas como base para elaborar las normas individualizadas. Siempre y em todos los casos. Sin excepción. La equidade no es um recurso extraordinnario para suavizar la aplicación de ciertas leyes. Por contra, debemos reconocer que debe ser el procedimento ordinário para tratar com todas as leyes. Si el legislador lo há prohibido alguna vez, esto no tiene ningún alcance, no puede tenerlo. El legislador tiene poder para abrogar o derrogar uma ley y dictar nuevas normas. Tiene incluso poder para aclarar em términos generales el sentido y el alcance que quiso dar a uma ley suya anterior; pero, entiéndase bien, em términos generales, com lo cual lo que hace es dictar una espécie de legislación complementaria. Pero si habla de métodos de interpretación emite entonces palavras que se las deve llevar el viento”.12 


3. Seara tributária


Ao versar o assunto, Aliomar Baleeiro observa que, ao longo dos séculos, a Equidade, como método interpretativo foi o tema que mais despertou controvérsia ao longo dos séculos.13 

O renomado jurista bordou o assunto com sua proverbial mestria ao comentar o Código Tributário Nacional em seu Direito Tributário Brasileiro e se posiciona de modo favorável à utilização da Equidade no labor exegético. Registremo-lo, pois, num excerto, a saber: 

“A autoridade fiscal e o juiz, à falta de elementos no art. 108, I,II e III, encontram na equidade, que lhe é concedida expressamente – condição exigida pelo art. 114 do Código de Processo Civil – atualmente a equidade é prevista no art. 140, parágrafo único do CPC – meios de suprir a falta de norma adequada ao caso singular, ou mesmo para amortecer essa norma, se nas circunstâncias específicas ou inéditas, ela conduzir ao iníquo ou ao absurdo, um e outros considerados dentro do sistema geral do Direito e da consciência jurídica contemporânea em nosso país ou em nosso tipo de estrutura econômica, política, social e institucional”.14  

Noutro trecho, o mestre reporta-se à famosa advertência de D’Argentrè: “juiz segundo a lei, e não juiz da lei”.15 Reporta-se, também, à memorável lição de Oliver Wendel Holmes, contida em sua obra: “[a] vida do Direito não foi a lógica, mas a experiência”.16 

É incisivo ao atremar que ante a insuficiência de outros meios de interpretação a autoridade fiscal, bem como o magistrado podem e devem recorrer à Equidade em seu labor exegético.

A Equidade também frequentou uma das obras de Bernardo Ribeiro de Moraes bordou o tema ao analisar os métodos de interpretação inscritos no Código Tributário Nacional.

São suas palavras: “[a]pós os princípios gerais de direito público, dispõe o CTN que a autoridade competente deve utilizar ‘a equidade’ (art. 108, inciso IV) na integração da legislação tributária, embora com a cutela de não admitir resulte o fato ‘na dispensa do pagamento de tributo devido’” (§ 2º do art. 108). Devemos ver que a Equidade não se acha, necessariamente, vinculada à matéria da integração das lacunas da legislação. Pode, a Equidade, funcionar também diante da existência da norma jurídica. O artigo 108 do CTN dispõe sobre a Equidade apenas para os casos de integração da legislação tributária, de ausência de disposição expressa. 

A palavra Equidade apresenta várias acepções correlatas entre si. Em geral, é tida como sinônimo de direito ideal (Vander Eryton), de direito justo (Stammler), de direito natural (Aristóteles), de princípio ético (Groppali) ou de justiça absoluta (Teixeira de Freitas). Equidade vem do latim aequitate, que significa ideal, justo, equitativo. Em verdade, a Equidade constitui um atributo do direito, seja conferido pelo legislador (ao formular a norma jurídica) ou pelo juiz (ao palicar a norma jurídica). Para vestir-se a equidade, salienta Vicente Ráo, o direito se submete a três regras principais, a saber:

I – por igual modo devem ser tratadas as cousas iguais e desigualmente as desiguais;

II – todos os elementos que concorreram para constituir a relação subjudice, cousa, pessoa, ou que, no tocante a estas tenham importância ou sobre elas exerçam influência, devem ser devidamente consideradas;

III – entre várias soluções possíveis deve-se preferir a mais suave e humana, por ser a que melhor atende ao sentido de piedade e de benevolência da justiça: jus bonum et aequum.

Caracteriza-a Equidade, portanto, como um modo particular de atenuação ou amenização da rigidez das normas jurídicas, exigindo igualdade de tratamento nas relações jurídicas concretas. Equidade, diz o Professor. Ruy Barbosa Nogueira, “é a mitigação do rigor da lei”. Pela Equidade nos aproximamos do conceito de justiça ideal. Enquanto que os preceitos de justiça são particulares, atendendo às singulares características de cada caso particular. Diante destas é que se irá aplicar com justiça a lei. O fim da Equidade, portanto, é impedir qualquer possível dissonância entre a norma jurídica e a sua aplicação ao caso concreto, graças ao poder que se confere ao juiz de ampla e livre apreciação. Conforme já dizia Aristóteles, a Equidade desempenha um papel corretivo, sendo um remédio para sanas os defeitos decorrentes das generalidades da lei. Pela Equidade abranda-se a dureza da lei (dura lex sed lex), a fim de que se alcance o objetivo colimado. O Código tributário Nacional não deixou de contemplar a equidade como um dos critérios de integração da legislação tributária. Segundo dispõe:

“Art. 108 – Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária, utilizará sucessivamente, na ordem indicada

(...)

IV – a equidade

§ 2º - O emprego da equidade não poderá resultar na dispensa do pagamento de tributo devido.”

Portanto, em matéria tributária, na ausência de disposição expressa de lei, a autoridade competente pode utilizar-se da Equidade como fone subsidiária do direito. A Equidade tem por objeto dar à lei a plenitude de seu vigor, ao corrigir as estreitezas da generalidade da lei. No sentido utilizado pelo § 2º do art. 108, equidade tem o sentido de suavização, de humanização na aplicação do direito, na busca da justiça. F.W. Maitland já dizia: “[a] equidade não destrói a lei, mas completa-a”. Uma das virtudes da Equidade é a de ser flexível, impedindo a petrificação do direito em fórmula imóvel e definitiva.17 

Não demasia observar que o § 2º do art. 108 do Código Tributário Nacional estabelece uma fronteira em relação ao emprego da Equidade, na medida em que a sua utilização não pode implicar a dispensa do pagamento do tributo devido, aliás, ao menos em tese, guardando harmonia com o postulado da estrita legalidade e o da vinculabilidade da tributação. O primeiro substanciado no rigor extremo da aplicação da lei por parte do Executivo, já o segundo supõe a exigibilidade e a cobrança do tributo, nos termos, quando, quanto e onde a lei determinar.

Em prol da Equidade, propugna Antonio J. Franco de Campos ao invocar julgados do Pretório Excelso, bem como medidas legislativas e administrativas em relação aos parcelamentos de débitos fiscais e também a concessão de incentivos fiscais. Vejamos as suas reflexões: 

“Por outro lado, interativa é a jurisprudência: o Supremo Tribunal Federal, com base na equidade, tem relevado ou diminuído multas fiscais – RTJ, 44/661,33/647, 37/296 etc. Parece-nos, ainda, ser os parcelamentos dos débitos fiscais (concedidos pelos órgãos da Administração), com natureza dilatória de prazos de pagamentos dos tributos, exemplo típico de providência equitativa. Eles são concedidos quanto a inflexibilidade da lei possa desvirtuar suas finalidades. Em regiões subdesenvolvidas da nação, onde há interesse coletivo de desenvolvimento, características materiais do próprio caso, legitimam a aplicação de medidas equitativas. Um outro exemplo, decorrente da segunda hipótese, seriam os incentivos fiscais”.18 

A propósito, há precedentes pretorianos de reconhecimento da Equidade como forma realização dos altaneiros ideais de justiça, ad exemplum de irrepreensível Decisão do Superior Tribunal de Justiça abaixo estampada:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. ICMS. ARTIGO 108, IV, DO CTN. APLICAÇÃO DA EQUIDADE PARA EXCLUSÃO DE MULTA. RECONHECIMENTO POR PARTE DO ÓRGÃO JULGADOR A QUO DA BOA-FÉ DO CONTRIBUINTE E DA AUSÊNCIA DE DOLO NA CONDUTA. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA BOA-FÉ. REVISÃO DO JULGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. PRECEDENTES. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 7 E 83 DO STJ.

1. Agravo regimental no qual o Estado do Paraná declara que o exame da suposta violação do art. 108, IV, do CTN não encontra óbice nas Súmulas 7 e 83/STJ.

2. A Corte de origem afastou a multa correspondente a 60% sobre o creditamento irregular de ICMS prevista na legislação estadual paranaense (art. 55, § 1º, III, "a", da Lei 11.580/96). E assim o fez com fundamento na equidade, diante das circunstâncias fáticas do caso concreto (inexistência de dolo contribuinte e aplicação dos princípios da proporcionalidade e da boa-fé).

3. ‘Não há como prevalecer a tese deduzida em sede de agravo regimental, no sentido de que a violação aos artigos 108 e 136 do CTN independe de análise de prova, sob o argumento de que a lei estadual que regulamenta o ICMS não autoriza a exclusão da multa fiscal pelo princípio da equidade. Descabe a este Superior Tribunal de Justiça apreciar ofensa a lei local. Súmula 280/STF’ (AgRg no AgRg no REsp 327.387/PR, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJ de 30.8.2004). Pela incidência da Súmula 7/STJ, confiram-se também: REsp 494.080/RJ, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ de 16.11.2004; REsp 254.276/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJ de 28.3.2007.

4. Agravo regimental não provido.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator.”19 

Como se vê, a decisão da Corte ora exposta traz à colação o aspecto dimensional do instituto da Equidade no Direito Tributário, já encampado em muitas outras manifestações do Poder Judiciário em suas múltiplas instâncias.


4. Conclusões


O primeiro equívoco a ser afastado consiste na suposição segundo a qual a aplicação da Equidade dependeria de sua presença no direito positivo. Deveras, a Equidade representa um dos múltiplos mecanismos de interpretação, os quais tem por fulcro a Hermenêutica, considerada como Ciência da Interpretação.

Logo, sob o ponto de vista da Hermenêutica, a interpretação haverá de ser contextual, sopesando o aspecto semântico, pragmático e sintático da linguagem jurídica, como quer Paulo de Barros Carvalho,20 atrelando, ao depois, os métodos lógico, analógico, teleológico, histórico-evolutivo e o sistemático. Ao demais, é de mister levar em conta o aspecto eficacial das normas constitucionais, bem como o significado dos conceitos lógico-jurídicos, estes subjacentes à linguagem do Direito, isso sem contar outras escolas de interpretação, a exemplo da Tópica proposta por Theodor Viehweg21 ou da Sociológica pugnada por Claude Bufnoir22 ou, ainda, a Razoabilidade de Recasens Siches.23 

A concepção sistemática, por sua vez, consiste na visão contextual do direito que é revelada por meio da conjugação dos princípios constitucionais com os métodos interpretativos retrocitados.

Diante desses escólios, força é depreender que a Equidade é um postulado integrante do processo interpretativo, permeado pela razoabilidade, o qual, como ensina Recasens, deve ser empregado na exegese do direito, independentemente de previsão legal.

Negar o asserto equivaleria a dizer, por exemplo, que o juiz só poderia empregar a interpretação teleológica ou qualquer outra se houvesse estipulação legislativa expressa, o que seria um rematado despropósito.


Notas

1 ZITELMAN, Ernst. Lücken in recht.

2 HOUAISS, Antônio. Instituto Antônio Houaiss. Dicionário Houaiss da língua portuguesa, p. 1183.

3 MELLO, Maria Chaves de. Law dictionary, p. 778.

4 GIFIS. Steven H. Law dictionary, p. 163.

5 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico, pp. 541-542.

6 REALE,  Miguel. Lições preliminares de direito, pp. 298-299.

7 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico, v. 2, p. 35.

8 RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos, p. 69.

9 MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito romano, p. 78.

10 SUÁREZ, Francisco. La filosofia del derecho.

11 SICHES, Luis Recasens. Filosofia del derecho, p. 654.

12 SICHES, Luis Recasens. Filosofia del derecho, p. 655.

13 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro, p. 388.

14 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro, p. 390.

15 Idem, p. 390.

16 Idem, p. 391.

17 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário, pp. 225-226.

18 FRANCO DE CAMPOS, Antonio J. Arts. 107 a 112 do CTN. Comentários ao Código Tributário Nacional, 145.

19 STJ, AgRg no REsp 1.129.805/PR, 1ª Turma, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 10.05.2011, DJe 13.05.2011.

20 BARROS CARVALHO, Paulo de. Curso de direito tributário, p. 109 e ss.

21 VIEHWEG, Theodor. Tópica y jurisprudência.

22 BUFNOIR, Claude. Propriété et contrat. Collection de la Faculté de Droit et des Ciences Sociales.

23 SICHES, Luis Recasens. Filosofia del derecho.


Referências

BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1972.

BUFNOIR, Claude. Propriété et contrat. Collection de la Faculté de Droit et des Ciences Sociales. Paris: LGDJ Editeur, 2005 (1924). 

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. 28. ed. Atual por. Nagib Slaibi e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998.

FRANCO DE CAMPOS, Antonio J. Arts. 107 a 112 do CTN. Comentários ao Código Tributário Nacional. Ives Gandra da Silva Martins (coord.). 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

GIFIS. Steven H. Law dictionary. 3. ed. Nova York: Barron’s Educational Series, Inc., 1991. 

HOUAISS, Antônio. Instituto Antônio Houaiss. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

KANTOROWICZ, Herman. La lucha por la ciencia del derecho. La ciencia del derecho. Vários autores. Buenos Aires: Losada,1949. 

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MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário. 3. ed. 2. tir. Rio de Janeiro: Forense, 1997. 

MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito romano. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. Volumes I e II.

RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. Volume 1.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. 9. tir. São Paulo: Saraiva, 2010.

SICHES, Luis Recasens. Filosofia del derecho. 20. ed. México: Porrúa, 2010.

SUÁREZ, Francisco. La filosofia del derecho. Madri: Victoriano Suárez, 1927.

VIEHWEG, Theodor. Tópica y jurisprudência. Madri: Taurus, 1964.

ZITELMAN, Ernst. Lücken im recht. Leipzig, 1903.


Citação

JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Equidade. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Tributário. Paulo de Barros Carvalho, Maria Leonor Leite Vieira, Robson Maia Lins (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/312/edicao-1/equidade

Edições

Tomo Direito Tributário, Edição 1, Maio de 2019

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