O instituto sub examen representa tópico sobremodo frequentado pela doutrina, seja pela sua relevância no plano teorético e aplicado, seja pelo aspecto controverso nele imerso.

Deveras, mercê de sua significação hospedar fórmula de economia de tributos, a Elisão traduz pressuposto de planejamento tributário, o que, por vezes, rende margem a preocupações por parte da Fazenda, bem como suscita questionamento de parte a parte. 

Em realidade, tanto o legislador, como o Fisco, senão também o contribuinte, podem e devem buscar o ponto de equilíbrio nessa equação consubstanciada na correta dimensão da obrigação tributária.

É com esse espírito que a Elisão será analisada nos desdobres deste verbete, tendo como craveira os postulados da estrita legalidade e o da vinculabilidade da tributação.


1. Aspecto conceitual. Visão doutrinal


Sob o ponto de vista terminológico a palavra “Elisão” provém do verbo Elidir e significa retirar, excluir, suprimir. Não se confunde com o termo Elusão, que é deverbal do verbo Eludir, evitar algo de maneira astuciosa. Demais disso, a locução Evasão, deverbal de evadir, também convive com proximidade com as expressões precedentes. Em consonância com as afirmações trazidas à baila é a lição sempre abalizada de Antônio Houaiss, a saber: “Elisão, Elidir. Fazer elisão de, retirar, excluir, eliminar, enfraquecer, suprimir. Elusão, Eludir. Evitar de modo astucioso, com destreza ou com artifício. Evasão, Evadir. Furtar-se ou esquivar-se a dizer ou realizar algo”.1 

 Dada a contiguidade dos vocábulos sub examen, força é observar que a abordagem de um remete necessariamente aos outros, embora, sem perder o foco tanto a Elisão, objeto do presente verbete, quanto a Elusão e a Evasão. 

Convém assinalar, também, que todas as palavras in casu foram encampadas pela linguagem do Direito, onde produzem efeitos jurídicos relevantes, mantendo, diga-se de passo, os matizes de sua essência na linguagem comum.

Força é assinalar que a precisão terminológica traduz antessuposto inexorável na Ciência do Direito, assim como em qualquer ciência, conforme atremado por Norberto Bobbio com pena de ouro, in verbis: “o rigoroso cuidado na terminologia não é uma exigência ditada pela gramática para a beleza do estilo, mas é uma exigência fundamental para se construir qualquer Ciência”.2  

Com efeito, a doutrina tradicional costuma empregar a dição Elisão Fiscal ou simplesmente Elisão com o desígnio de qualificar a conduta substanciada no planejamento fiscal dotado de licitude, ao passo que, ao revés, as correntes doutrinais denominam de Evasão a modalidade ilícita de economia de tributos.

Em Vocabulário Jurídico, De Plácido e Silva também conceitua Elisão com cores de licitude e trata de evasão com matizes tanto de licitude quanto de ilicitude. Vejamos, pois:

ELISÃO FISCAL. A expressão elisão fiscal designa conduta lícita do contribuinte voltada à redução da carga tributária que eventualmente incida sobre sua atividade econômica. Destaque-se que a elisão fiscal constitui atividade lícita, deferida pela ordem jurídica ao contribuinte e voltada à proteção de seus interesses, diferenciando-se de eventual conduta que viole a ordem jurídica com o mesmo propósito, o que constitui sonegação fiscal.

(...) 

EVASÃO. Na tecnologia do Direito Tributário, quer o vocábulo significar a fuga ou subtração do contribuinte ao pagamento do imposto que lhe é atribuído, usando para isso de meios que evitem a incidência a seu cargo. Pode ser legítima ou ilegítima. É legítima quando ao pessoa procura evitar o encargo tributário, não praticando o ato que a obrigaria ao pagamento do imposto. E assim se subtrai a ele, colocando-se fora da situação e das condições em que a lei o compeliria à obrigação de prestá-lo. É ilegítima quando a pessoa emprega ou se utiliza de processo ou meios ilícitos ou irregulares, defesos em lei, para fugir ao pagamento dos impostos devidos”.3 

Nessa trilha é a lição de Sacha Calmon Navarro Coelho ao expor as diferenças entre a evasão fiscal e a Elisão fiscal, a saber: 

“(a) Na evasão ilícita os meios são sempre ilícitos (haverá fraude ou simulação de documento, fato ou ato jurídico- quando mais de um agente participar dar-se-á o conluio); já na elisão os meios são lícitos porque não vedados pelo legislador. (b) também no momento de utilização destes meios. Na evasão, a distorção da realidade ocorre no momento em que ocorre o fato jurígeno-tributário (fato gerador) ou após sua ocorrência; na elisão fiscal, a utilização dos meios ocorre antes da realização do fato jurígeno-tributário ou como aventa Sampaio Dória, antes que se exteriorize a hipótese de incidência tributária, pois, opcionalmente, o negócio revestirá a forma jurídica alternativa não descrita na lei como pressuposto de incidência ou pelo menos revestirá forma menos onerosa.”4  

Ao final dessas reflexões o Mestre arremata reportando-se a Hensel e a Antonio Roberto Sampaio Dória: “il che distingue l’elusione dell imposta dalla frode fiscale: in quest’ultimo caso si trata di um inadempimento (colpevole) dela pretesa tributaria già validamente sorta atraverso la realizzazione dela fattispecie, mentre nell’lelusione si impedisce il sorgere della pretesa tributaria evitando la fattispecie legale”.5 

Essa opinião, a bem ver, faz coro com Rubens Gomes de Sousa, Mestre dos Mestres na seara da Tributação que, assim sublinhou o traço diferençal entre licitude e ilicitude: “o único critério seguro para distinguir a fraude da elisão é verificar se os atos praticados pelo contribuinte, para evitar, retardar ou deduzir o pagamento de um tributo foram praticados antes ou depois da ocorrência do respectivo fato gerador: na primeira hipótese, trata-se de evasão; na segunda trata-se de fraude fiscal”.6 

Kiyoshi Harada, a seu turno, não reconhece foros de ilicitude na Evasão, Ouçamo-lo, pois; “[n]a verdade, evasão vem do francês evasion, que expressa exatamente a lititude da economia tributária. Evadir significa evitar, desviar, escapar, ou seja, trilhar o caminho não onerado, o menos onerado pelo tributo”.7 Noutro excerto, o festejado autor propugna que Elidir teria conotação de ilicitude, diversamente do ponto de vista dos demais estudos sobre a matéria.8

Na vereda dissidente de Harada, é o magistério abalizado de Hugo de Brito Machado que predica pela utilização do termo evasão para designar o comportamento lícito e Elisão para denotar os meios ilegítimos para se furtar ao pagamento de tributos.9 

Elisão Fiscal é definida por Bernardo Ribeiro de Moraes como 

“a ação do contribuinte que procura evitar ou reduzir a carga tributária, ou mesmo retardá-la, através de procedimentos lícitos, legítimos, admitidos por lei. O simples fato de o contribuinte desejar evitar o tributo ou procurar pagar um imposto menor – diz Tulio Ascarelli –, ‘não pode qualificar o ato como ilícito’. O conceito de Elisão Fiscal tem sido elaborado pela doutrina dentro de uma orientação positiva, ligando-a a uma atitude legítima do contribuinte em relação ao nascimento da obrigação tributária. Por ação ou omissão, sem violar a legislação tributária, o contribuinte pode evitar, retardar ou reduzir o pagamento de um tributo, hipóteses em que ocorrerá a Elisão Fiscal”.10  

O Professor Bernardo Ribeiro de Moraes invoca postulados constitucionais para sustentar a sua afirmação, ao dizer que a legalidade genérica inscrita no art. 5º, inciso II, assegura ao contribuinte o direito de fazer tudo que o não esteja proibido por lei, bem como a estrita legalidade prevista no art. 150, inciso I, da Magna Carta, não autoriza a estipulação de qualquer exigência fora da moldura do fato gerador, fazendo coro com o brocardo de Wilhelm Hartz, segundo o qual o contribuinte não é obrigado a escolher a forma mais onerosa para pagar impostos.11  

Sob o ponto de vista conceitual, o assunto pode comportar um amplo desdobramento, consoante exposto em alentado estudo da lavra de Roseli Quaresma Bastos, publicado no site Âmbito Jurídico, assim reproduzido: 

“3.2 Evasão Fiscal

A evasão fiscal ocorre quando o contribuinte realiza atos ilegais ou fraudulentos após a concretização do fato gerador, visando suprimir, reduzir ou retardar o cumprimento da obrigação tributária.

Dificilmente, encontra-se na doutrina uma abordagem exclusiva da evasão fiscal, já que a elisão mostra-se como o contraponto da ilegalidade, dessa forma cumpre transcrever o entendimento de Hermes Macedo Huck, citado por Leandro Paulsen (2005, p. 949):

‘Evasão é sempre ilegal; a elisão é lícita. ‘Evasão é sempre ilegal. A fuga do imposto devido, manifestada sob a forma de fraude, simulação ou embuste de qualquer natureza, sofre condenação em todos os sistemas jurídicos nacionais. Elisão, elusão ou evasão lícita é a subtração ao tributo de manifestações de capacidade contributiva originalmente sujeitas a ele, mediante a utilização de atos lícitos, ainda que não congruentes com o objetivo da lei. Em essência, surge como uma forma jurídica alternativa, não prevista na lei tributária, de alcançar o mesmo resultado negocial originalmente previsto, sem o ônus do tributo. Em princípio, é lícita a elisão. São tênues e difusos os limites que separam a evasão ilegal da elisão lícita. Distingui-los é tão difícil quanto defini-los. Várias tentativas de distinção surgem na doutrina. A mais frequente delas fala no fator tempo. Ainda que sujeita a exceções, os autores procuram estabelecer a elisão como a manobra do particular praticada antes do surgimento do fato gerador, evitando exatamente que este apareça. Evasão é o procedimento destinado à fuga tributária, cujos atos constitutivos foram praticados após a ocorrência do fato imponível. O imposto já é devido e o contribuinte deixa de recolhê-lo. Em resumo, segundo essa orientação, elisão é tentar não entrar na relação tributária e evasão é tentar sair dela, como sintetizava Narciso Amorós. Essa distinção cronológica, ainda que bem concebida, não responde a todas as hipóteses de elisão e evasão, pois são frequentes os casos nitidamente evasivos detectados antes da ocorrência do fato gerador. A fraude à lei, de forma genérica, está incluída na hipótese de evasão, e sua prática consiste em evitar ardilosamente, consciente e dolosamente o surgimento do fato gerador do tributo.’

Dessa maneira, a evasão fiscal possui caráter ilícito, o contribuinte de maneira ardilosa visa o não pagamento do tributo, mesmo após o nascimento da obrigação tributária. Já a elisão fiscal consiste nas escolhas preliminares autorizadas pela legislação, ou não proibidas por esta, que evitam, diminuem ou protelam o pagamento do tributo.

Contudo, como demonstrado pelo autor, a distinção entre elisão e evasão fiscal, apenas, sob o enfoque do momento da concretização do fato gerador, torna-se, em muitas vezes falha, assim, associado ao critério cronológico, faz-se necessária a análise da situação sob o enfoque dos meios utilizados no ‘planejamento tributário’.

Na elisão fiscal são utilizados meios sempre lícitos, entretanto na evasão empregam-se meios ilegítimos, como a fraude, a sonegação e a simulação. Nota-se que os princípios da legalidade negativa cumulados com o da livre iniciativa asseveram que toda a atividade do contribuinte buscando a economia tributária é autorizada, desde que não seja expressamente vedada pelo legislador.

Pontuado o conceito da evasão fiscal, bem como suas principais diferenças entre com a elisão fiscal, passa-se a detalhar as espécies do ‘planejamento ilícito’.

3.2.1 Espécies de Evasão Fiscal

Antônio Roberto Sampaio Dória citado por Miguel Delgado Gutierrez foi um dos primeiros doutrinadores do país a construir uma classificação sistêmica do fenômeno da evasão fiscal, contudo para esse autor a evasão não possui apenas a face ilegal do planejamento tributário. Diante dessa situação, o jurista distinguiu a evasão em dois grandes grupos (evasão omissiva e a evasão comissiva).

3.2.1.1 Evasão Omissiva

A evasão omissiva ocorre quando o contribuinte deixa de realizar uma ação. Dessa forma se subdivide em imprópria e por inação:

- Evasão Imprópria: Nessa espécie de evasão o contribuinte se abstém do comportamento fiscalmente relevante no país, devido à alta carga tributária. Assim, passa a exercê-lo em outro país que tenha uma retenção fiscal menor. A modalidade é chamada imprópria, segundo Sampaio Doria, pois o sujeito não chega a praticar a situação geradora do tributo, dessa forma não incorrendo em qualquer ilegalidade.

- Evasão por Inação: Resulta de uma negativa do contribuinte ao pagamento do tributo depois de ocorrido o fato gerador, situação que causa prejuízo ao erário. Contudo, a omissão pode ocorrer por ignorância do contribuinte (diante da complexidade da legislação tributária, é quase impossível efetivamente conhecer todas as normas) ou de forma intencional (ocorre quando o contribuinte/devedor voluntariamente não salda no prazo legal as obrigações fiscais ou quando se abstém de fornecer elementos às autoridades para que procedam ao lançamento tributário). Essa última espécie, para o autor, constitui sonegação, podendo, de acordo com a gravidade, ser tipificada como crime ou contravenção, desde que a lei defina como tal.

3.2.1.2 Evasão Comissiva

Por fim, Sampaio Doria expõe a evasão comissiva, ou seja, quando o contribuinte efetivamente pratica determinados atos, os quais poderão ser lícitos ou ilícitos.

- Evasão Ilícita: O indivíduo consciente e voluntariamente procura eliminar, reduzir ou protelar o pagamento do tributo devido, por meios ilícitos. Essa forma de evasão, também designada pelo autor como fraude fiscal, foi por ele subdividida em fraude, simulação e conluio fiscal.

- Evasão legítima: Igualmente denominada como elisão ou economia fiscal, nessa situação o contribuinte também visa à diminuição da carga tributária, contudo utilizava, para tanto, meios permitidos pelo ordenamento jurídico. Nesse caso, não existe qualquer infração ou ilegalidade.

Nota-se que entre a evasão ilícita e a evasão legítima (elisão fiscal) existe uma linha tênue de distinção, dessa forma cabe ao aplicador do direito apontar os limites do planejamento tributário, ou seja, as fronteiras entre a licitude e a ilicitude da conduta do contribuinte em tentar reduzir o ônus fiscal. A partir dessa percepção pode-se apontar os limites da Fiscalização quando desconsidera atos do contribuinte por supor serem esses ilegais.

Diante da complexidade do tema, importante adentrar da elisão fiscal, preliminarmente já tratada nesse capitulo, contudo merecendo maior destaque.

3.3 Elisão Fiscal

No direito tributário, a palavra elisão, como salientado anteriormente, tem sido utilizada para representar a forma legítima de evitar, retardar ou diminuir o adimplemento de tributos, antes, em regra, da ocorrência do fato gerador e consequentemente do nascimento da obrigação tributária. Inclusive, tal prática é autorizada pelo ordenamento jurídico, especialmente, pelos princípios constitucionais.

Diante do exposto, torna-se importante enaltecer as espécies de elisão fiscal criadas, igualmente, por Sampaio Doria. 

3.3.1 Espécies de Elisão Fiscal

3.3.1.1 Elisão Induzida pela Lei

Na elisão induzida pela lei o próprio ordenamento jurídico dispõe no sentido de diminuir a tributação suportada pelo contribuinte, para tanto, normalmente, requer, para o gozo do benefício, o preenchimento de certos requisitos em prol do interesse nacional ou regional.

Essas regras são chamadas por Luis Eduardo Schouer (2005, p.43) de normas tributárias indutoras. O Estado, visando estimular determinados setores da economia, reduz a carga tributária ou, até mesmo, isenta contribuintes do pagamento de tributos.

Salienta-se que, atualmente, o Governo Brasileiro em função da crise econômica mundial, reduziu o Imposto sobre Produtos Industrializados dos automóveis e de determinados eletrônicos de uso doméstico, tudo isso para estimular o consumo e, finalmente, evitar a demissão de funcionários desses setores.

Nota-se que a elisão fiscal por indução tem um caráter de extrafiscalidade, não se caracterizando como planejamento tributário, o que efetivamente ocorre quando existe lacuna na lei.

3.3.1.2 Elisão por Lacuna na Lei

A elisão por lacuna na lei ocorre em função do princípio da legalidade negativa associado à livre iniciativa. Ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei que expressamente a proíba. Dessa forma, poderá o contribuinte escolher a melhor forma de administrar seus negócios e, portanto, de reduzir seus gastos tributários.

Essa forma de elisão é extremamente combatida pelo Fisco, pois foge ao seu controle a possibilidade de impor ao contribuinte o pagamento do tributo, já que pelo princípio da legalidade a Administração Pública não poderá realizar atos que não sejam determinados pela legislação.

Miguel Delgado Gutierrez (2006, p. 73) explicando o entendimento de Sampaio Doria pontua:

‘Para o autor, a verdadeira elisão tributária é a que resulta de lacunas ou imperfeições da lei tributária. Por mais previdente que se demonstre o legislador, sempre existiram lacunas e fissuras no sistema tributário, das quais os contribuintes e seus assessores se aproveitam para, de forma criativa, escapar da tributação, moldando juridicamente os fatos com o intuito de serem tributados da forma mais benéfica possível, sem, no entanto, desnaturá-los a tal ponto que não mais produzam os efeitos econômicos ou possuam a utilidade negocial que incita à sua realização.

Com efeito, o contribuinte tem a liberdade de optar, entre duas ou mais formas jurídicas disponíveis, por aquela que lhe seja fiscalmente menos onerosa. Não existe preceito legal que proíba ao contribuinte a escolha do caminho fiscalmente menos oneroso dentre as várias possibilidades que o ordenamento jurídico oferece para a realização de um ato ou negócio jurídico. Assim, se o legislador deixou de tributar determinados fatos ou os tributou de forma menos gravosa, o contribuinte pode optar por realizá-los, ao invés de praticar outros fatos que o legislador escolheu como hipótese de incidência tributária.’

Entretanto, é importante destacar que a elisão fiscal por abuso, poderá ser tornar ilegal. Nota-se para tanto o entendimento de Hermes Marcelo Huck citado por Leandro Paulsen:

‘Nada deve impedir o indivíduo de, dentro dos limites da lei planejar adequadamente seus negócios, ordenando-os de forma a pagar menos impostos. Não lhe proíbe a lei, nem tampouco se lhe opõe razões de ordem social ou patriótica. Entretanto, essa formula de liberdade não pode ser levada ao paradoxismo, permitindo-se a simulação e o abuso de direito. A elisão abusiva deve ser coibida, pois o uso de formas jurídicas com a única finalidade de fugir ao imposto ofende a um sistema criado sobre as bases constitucionais da capacidade contributiva e da isonomia tributária. (...) uma relação jurídica sem qualquer objetivo econômico, cuja única finalidade seja de natureza tributária, não pode ser considerado como comportamento lícito. Seria fechar os olhos à realidade e desconsiderar a presença do fato econômico na racionalidade da norma tributária. Uma interpretação jurídica atenta a realidade econômica subjacente ao fato ou negócio jurídico, para efeitos de tributação, é a resposta justa, equitativa e pragmática. (...)’

Nota-se que a simulação fiscal consiste em uma das técnicas mais utilizadas pelos contribuintes na busca da redução fiscal, situação que deve ser totalmente combatida pelos operadores do direito, assim como pela fiscalização.

3.3.2 Elisão e Simulação Fiscal

A simulação ocorre quando existe um desacordo entre a vontade interna e a exteriorizada pelo indivíduo, fazendo, assim, nascer um negócio jurídico que somente existe na aparência, sem qualquer correspondência com a realidade, ou ocultando o negócio almejado através da declaração de vontade enganosa.

A partir dessa conceituação é fácil entender a íntima relação entre a elisão e a simulação, assim como a opção de muitos contribuintes em optarem por essa ilicitude no momento de realizarem o planejamento tributário.

Porém, o Código Civil, de forma geral, desconsidera os negócios jurídicos simulados, como se verifica:

‘Art. 167- É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que dissimulou, se válido for na substância e na forma.

§1° Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:

I- aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;

II- contiverem declaração, confissão, condição ou clausula não verdadeira;

III- os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós datados.

§ 2° Ressaltam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.

Art. 169- O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso de tempo.’

Verifica-se que o legislador pátrio considerou três espécies de simulação, as quais culminou com a nulidade. A primeira, simulação por interposta pessoa, ocorre quando a pessoa que deve aproveitar os resultados do negócio jurídico não participa da operação, já que pretende esconder-se de terceiros. A segunda, a simulação por ocultação da verdade na declaração, apresenta-se quando o negócio jurídico apresentar declaração, confissão, condição ou cláusula inverídica. Já a terceira, simulação por falsidade da data, há premeditada divergência nas datas apostas nos documentos, considerando o momento em que foram realizados.

A doutrina caracteriza a simulação, ainda, como absoluta e relativa:

- Simulação Absoluta: Ocorre quando o ato simulado não encontra qualquer relação com o ato efetivamente desejado pelos indivíduos, pode-se dizer, figuradamente, que se está diante de um fantasma. O ato jurídico praticado inexiste no mundo jurídico.

- Simulação Relativa: Nesse caso apresentam-se dois negócios: um simulado, aparente, que não representa a verdadeira vontade das partes e o dissimulado, oculto, que justamente constitui a exata relação jurídica. Aqui, ao contrário da simulação absoluta, está-se diante de uma máscara que só encobre a verdadeira intenção das partes.

Silvio Rodrigues (2002, p. 296) ao tratar sobre a simulação exalta a necessidade, para configurá-la, dos seguintes requisitos:

‘a) acordo entre os contratantes, que no mais das vezes se apresenta por meio de uma declaração bilateral de vontade;

b) desconformidade consciente entre a vontade e a declaração, pois as partes não querem o negócio declarado, mas tão-somente fazê-lo aparecer como querido;

c) propósito de enganar terceiros, ...’

Diante do exposto, destaca-se que na elisão fiscal deverá haver unicidade das vontades subjetiva (intrínseca ao pensamento) e objetiva (aquela efetivamente expressada), caso contrário estar-se-ia frente à evasão fiscal, punível pelo ordenamento jurídico.

Outrossim, retomando a teoria da relação jurídico-tributária, na elisão evita-se o nascimento da obrigação tributária, mediante a fuga do fato gerador. Já na simulação, mesmo que mascarado por outro negócio jurídico, o fato gerador é concretizado, por conseguinte devido o tributo pelo contribuinte.

Outra importante peculiaridade sobre a simulação é sobre o ônus da prova. Apesar da simulação constitui-se em uma ilegalidade, o ônus da prova cabe a quem a alega, já que se presume a boa-fé dos contratantes. Sob o enfoque do direito tributário, ficará a cargo da Fazenda Pública provar que houve simulação do negócio jurídico, principalmente, pois incumbe a essa constituir as provas que embasam o lançamento tributário.

Por conseguinte, como a simulação apresenta-se por um vício de caráter subjetivo, torna-se mais difícil ao Fisco percebê-lo e, dessa forma, com frequência são criadas regras genéricas proibindo todas as formas de planejamento tributário”.12 

Como visto, a autora estampou uma série de modalidades específica de figuras concernentes ao tema, assim como Evasão omissiva com as variáveis impróprias e por inação, Evasão comissiva – ilícita e legítima, Elisão fiscal desdobrada em razão de lacuna legislativa e por simulação, esta classificada em absoluta e relativa.

Na senda de concepções distintas, Alfredo Augusto Becker proclama que a economia legal de tributos configura Evasão Fiscal ou Elusão, em harmonia, aliás, com a quintessência desses verbetes sob o prisma terminológico.13

Aliás, o autor deste verbete já afirmara que a palavra Evasão provinda do francês Evasion, bem como Elisão, podem revestir signos de licitude ou de ilicitude, pois ambos cogitam de economia de tributos que pode ser efetivada em harmonia ou em descompasso com o direito positivo.14  

Em obséquio à precisão terminológica, Heleno Torres sufraga a opinião esposada por Becker e redimensiona o aspecto semântico da palavra Elusão, comunicando-lhe o correto significado de economia lícita de tributos. No direito comparado é semelhante a posição de Dino Jarach, tanto que, numa de suas obras, versa o tema sob a denominação de Problemas de la Interpretacion y de la Elusion Tributaria.15 

Em que pese às controvérsias conceptuais, merece lembrada a sutil observação de Narciso Amorós ao demarcar exemplarmente o divisor de águas entre a licitude e ilicitude. São suas palavras: “[a] elisão para nós é não entrar na relação fiscal. A evasão é sair dela. Exige, portanto, estar dentro, haver estado ou podido estar em algum momento”.16 

No Judiciário, por exemplo, persiste a falta de unanimidade conceptual, tanto que em remansosa jurisprudência do Pretório Excelso a expressão Elisão é empregada com acepção de ilicitude, assim como averbado no decisum ora ementado: 

“PENAL. HABEAS CORPUS. CONTRABANDO (ART. 334, CAPUT, DO CP). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO-INCIDÊNCIA: AUSÊNCIA DE CUMULATIVIDADE DE SEUS REQUISITOS. PACIENTE REINCIDENTE. EXPRESSIVIDADE DO COMPORTAMENTO LESIVO. DELITO NÃO PURAMENTE FISCAL. TIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. ORDEM DENEGADA. 1. O princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. Precedentes: HC 104403/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ªTurma, DJ de 1/2/2011; HC 104117/MT, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJ de 26/10/2010; HC 96757/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJ de 4/12/2009; RHC 96813/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJ de 24/4/2009) 2. O princípio da insignificância não se aplica quando se trata de paciente reincidente, porquanto não há que se falar em reduzido grau de reprovabilidade do comportamento lesivo. Precedentes: HC 107067, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJ de 26/5/2011; HC 96684/MS, Rel. Min. Cármen Lúcia, 1ªTurma, DJ de 23/11/2010; HC 103359/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ªTurma, DJ 6/8/2010. 3. In casu, encontra-se em curso na Justiça Federal quatro processos-crime em desfavor da paciente, sendo certo que a mesma é reincidente, posto condenada em outra ação penal por fatos análogos. 4. Em se tratando de cigarro a mercadoria importada com elisão de impostos, há não apenas uma lesão ao erário e à atividade arrecadatória do Estado, mas a outros interesses públicos como a saúde e a atividade industrial internas, configurando-se contrabando, e não descaminho. 5. In casu, muito embora também haja sonegação de tributos com o ingresso de cigarros, trata-se de mercadoria sobre a qual incide proibição relativa, presentes as restrições dos órgãos de saúde nacionais. 6. A insignificância da conduta em razão de o valor do tributo sonegado ser inferior a R$ 10.000,00 (art. 20 da Lei nº 10.522/2002) não se aplica ao presente caso, posto não tratar-se de delito puramente fiscal. 7. Parecer do Ministério Público pela denegação da ordem. 8. Ordem denegada.

Decisão

A Turma denegou a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Unânime. Presidência da Senhora Ministra Cármen Lúcia. 1ª Turma, 9.8.2011.

Acórdãos no mesmo sentido

HC 121633  PROCESSO ELETRÔNICO

JULG-27-05-2014  UF-PR  TURMA-01  MIN-LUIZ FUX N.PÁG-015

DJe-115  DIVULG 13-06-2014  PUBLIC 16-06-2014

HC 108731  PROCESSO ELETRÔNICO

JULG-03-04-2012  UF-MG  TURMA-01  MIN-LUIZ FUX N.PÁG-015

DJe-091  DIVULG 09-05-2012  PUBLIC 10-05-2012” 

Como se vê, as palavras em questão são empregadas com sentidos diferençados, conforme a escola, o autor ou o Tribunal, cabendo obtemperar que o autor deste verbete abraça as lições de Becker e de Heleno no tocante ao termo Elusão, com a acepção de economia lícita de tributos. De todo modo, em obséquio ao aspecto pragmático da linguagem, neste verbete a palavra Elisão é empregada como economia lícita de tributos, assim como o é o vocábulo Elusão.


1.1. Dimensão espacial da elisão ou elusão


Em sua origem, o tema relacionado com a Elisão ou Elusão, bem como com os institutos afins, encontrava-se circunscrito ao âmbito das pessoas físicas e, sobretudo, das pessoas jurídicas, em regra, dentro de um dado direito nacional.

A contar das últimas décadas, cada vez mais o assunto transcendeu o território do direito interno e se projetou para o cenário intercontinental, pois a globalização rendeu margem à internacionalização de empresas, bem assim ensejou o redimensionamento de operações no plano de comércio exterior, situações que, a seu turno, são acompanhadas, também, pelo planejamento tributário que utiliza ou pode utilizar a Elisão ou Elusão e outros meios com o objetivo de economizar despesa com tributos.

Tal fato, obviamente, revela uma preocupação por parte do direito interno e do direito internacional, tanto por parte do Estado, quanto por parte do contribuinte. Assim, conquanto seja um assunto pleno de controvérsias e complexidades, uma coisa é certa: trata-se de realidade inexorável sempre presente no universo das relações jurídico-tributárias e, portanto, merecedora de reflexões.


2. Breves comentos sobre o art. 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional


A Elisão ou Elusão, bem assim quaisquer figuras vocacionadas a redução de tributos, foi objeto da Lei Complementar 104, de 10 de janeiro de 2001, a qual acrescentou um parágrafo único ao art. 116 do Código Tributário Nacional, com a seguinte redação (grifos nossos): 

“Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:

I – tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;

II – tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.

Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)”.

Com efeito, prospera entendimento dominante na doutrina no sentido em que o comando interserto no parágrafo único sob comento configuraria uma norma antielisiva, compreendida a Elisão como conduta permeada de ilicitude.

Primeiramente, cabe observar que sob o prisma eficacial o aludido comando se situa dentre os não auto-aplicáveis, pois o seu mandamento é dotado de incompletude, além de fazer referência explícita à legislação integrativa destinada a implementar a sua eficácia. 

Destarte, o referido artigo, per se, não produz nenhum efeito, salvo se complementado por lei de integração específica de natureza federal ou distrital federal ou estadual ou municipal que lhe dê completude.

Em segundo lugar, embora haja referência expressa somente à dissimulação, força é reconhecer que, por via transversa, a regra in casu encampa também a simulação, dada a conexidade entre esses dois institutos. 

Deveras, simulação significa revelar ou mostrar ou aparentar algo que não existe, enquanto dissimulação, ao revés, exprime a conduta de ocultar um fato ou conduta ou a verdade material. Em suma, toda simulação pressupõe uma dissimulação, senão também toda dissimulação envolve uma simulação, ou seja, como dito da linguagem coloquial, são os dois lados de uma mesma moeda.


2.1. Interpretação econômica


Ademais, sob a óptica de muitos estudiosos, o comando representaria uma modalidade de interpretação econômica do direito, o que, no mínimo, traduz uma contradicito in terminis, máxime porque o direito só pode ser compreendido segundo o universo jurídico e não segundo postulados da economia ou da geografia ou qualquer outro.

Os prosélitos da propugnada interpretação econômica do direito não interpretariam o sistema normativo do futebol tradicional segundo as regras do futebol norte-americano, pois este, ao contrário daquele, é praticado com as mãos e não com os pés, sem contar que a bola e oval e não redonda.

Por todas as veras, o exemplo trazido à cita preordena-se a demonstrar o quão teratológico se depara a acoimada interpretação econômica, a qual não gera nada a não ser confusão.

O asserto ressoa nas lições de Hans Kelsen em sua clássica Teoria Pura do Direito, que propõe evitar o sincretismo metodológico e excluir do direito tudo que não seja o seu objeto.18 Não é diferente o magistério de Miguel Reale, para quem aquilo que o direito hospeda valores religiosos, econômicos, sociológicos e outros, os quais uma vez juridicizados tornam-se Direito, assim como conta a lenda grega em relação ao monarca Rei Midas, que transformava em ouro tudo o que ele tocava.19 

Compartilha dessa concepção filosófica do direito Sacha Calmon, Alberto Xavier e Pontes de Miranda, dentre outros. Num excerto, o Mestre Sacha assim averbou: “[p]ara logo não existe nenhuma interpretação econômica: toda interpretação é jurídica, O Direito, opera pela jurisdização do fático, como diria Pontes de Miranda”.20 

Entrementes, torna-se de mister obtemperar que nem toda simulação se subsume à aludida norma denominada antielisiva, ad exemplum de interessante situação aventada por Sacha Calmon em que duas pessoas querendo comprar e vender um imóvel rural, ao revés de celebrarem a operação de venda e compra pagando 4% de ITBI, decidem constituir uma sociedade, na qual um ingressa com a Fazenda e outro com o dinheiro. Um mês depois, fazem o distrato social e o sócio que entrou com o capital sai com a Fazenda e o outro sai com o dinheiro vivo. Sacha é categórico ao dizer que houve simulação e que o negócio jamais poderia ser desclassificado, salvo se houvesse, uma norma antielisiva determinando que o sócio que entra com as terras só poderia sair com o dinheiro depois de cinco anos, por exemplo.21

Na tributação, seria simulação suscetível de comprometimento do ato, por exemplo, a conduta consistente em realizar a locação de imóvel com a fachada de comodato, tudo como forma de evitar a incidência do imposto sobre a renda proveniente dos rendimentos do aluguel. De par com a simulação, a referida conduta representa também dissimulação na medida em que está a ocultar a verdadeira operação locacional.

Tal conduta, além de tipificar simulação, configura fraude e, por isso, assujeita-se à desconsideração, cabendo ao Fisco tributar o imposto sobre a renda omitido na avença locacional, sem contar possíveis desdobres criminais.

De todo modo, cabe veementizar que, ao administrar a tributação, o Fisco pode e deve cumprir a lei, nos angustos quadrantes da estrita legalidade, tipicidade e vinculabilidade, razão pela qual a chamada norma antielisiva afigura-se inócua, máxime porque diferente do direito francês que a inspirou.

O asserto faz coro com o magistério abalizado de Alberto Xavier que em exemplaríssima monografia exaustou o tema com pena de ouro. O festejado jurista é incisivo ao acoimar a questionada norma antielisiva como inconstitucional. Veementiza que o comando in casu passa ao largo dos postulados da estrita legalidade e da tipicidade, além de ultrajar um rol de direitos e garantias do contribuinte, sem contar a indevida restrição à liberdade econômica, igualmente assegura pela Constituição de República.22 

Realmente, ao cobrar o tributo ou deixar de cobrá-lo na realização de uma fiscalização, é vedado ao Agente Fiscal ou Auditor Fiscal subjetivar e acoimar como simulação ou dissimulação um ato ou fato qualquer. De revés, o Fisco encontra-se investido do poder e do dever de efetivar a cobrança ou a dispensa do tributo nos termos, quando, quanto, onde e como a lei determinar. Logo, não é necessária a existência de norma antielisiva, pois é incompaginável com o sistema constitucional tributário que além de não recepcioná-la, a repudia, seja pela sua inocuidade ou, o que é pior, pela sua iniquidade.

Por oportuno, merece citada a lúcida reflexão de Paulo de Barros Carvalho que tece reproches ao parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional, qualificando como inócuo, sobre advertir acerca do risco de vulnerar a segurança jurídica, pois essa regra instalou um equivocado animus no sentido de desconsiderar indevidamente o negócio jurídico realizado em decorrência de planejamento fiscal.23 

Ademais, o eminente jurista pontua que a legislação tributária, per se, é suficiente para instrumentar o Fisco para identificar a prática de atos fraudulentos, os quais, se praticados com o intuito de ocultar o verdadeiro negócio jurídico, podem e devem ser desconsiderados pela autoridade fiscal.24 


2.2. Adoção de padrões de direito estrangeiro


Ao que tudo indica, a regra sob comento foi inspirada no Code General des Impôts do Direito Francês, como bem sublinhado por Ricardo Lobo Torres, assim como, segundo dito pelo eminente jurista, o país recepcionou outros modelos estrangeiros, a exemplo, dentre outras, da Lei de Responsabilidade Fiscal copiada do Fiscal Responsability Act da Nova Zelândia, ou as normas anti-sigilio bancário (LC 105/2001) do Direito Europeu.25 

Nada impede que o direito pátrio promova a importação de standards legislativos estrangeiros, desde que sejam compatibilizados com o contexto de nosso Direito, sobretudo os princípios constitucionais gerais e específicos de cada segmento do universo jurídico, o que, em regra, não se verifica.

Ora, consoante prefalado, diferentemente do Direito Francês, não demasia reafirmar que a tributação no Brasil é informada por postulados constitucionais que não rendem espaço para a norma especificamente antielisiva, pois a estrita legalidade, a tipicidade e a vinculabilidade já bastam para tornarem a chamada Elisão pontual absolutamente inútil. 

Outrossim, se houver fraude, resta ao Fisco cobrar o tributo devido, aplicar a multa e propor a apuração do reflexo criminal da referida conduta do contribuinte.

A propósito, o problema de modelos estrangeiros não se circunscreve ao Parlamento, pois o Pretório Excelso, influenciado pela Corte Suprema dos Estados Unidos, ao julgar matéria tributária decidiu que em determinadas situações o Executivo poderia legislar, olvidando, contudo, que naquele país não há o postulado da estrita legalidade tributária (RE 328.646-3/PR, DJ 23.08.2002). Num excerto o Relator Min. Carlos Velloso assim atremou: 

“Estou, entretanto, que o § 2º do art. 1º do DL 1.422/75 não contém regra de delegação pura, situando-se a norma ali inscrita no campo da regulamentação, atribuição que era e é atribuída ao Poder Executivo (CF/67, art. 81, III, CF/88, art. 84,IV ), na linha de que o Estado moderno requer a adoção de técnicas de administração, dado que, conforme lecionou, na Suprema Corte americana, O Juiz Frankfurter, registra Bernard Schwartz. ‘ao referir-se à separação dos poderes, as exigências práticas do Governo impedem a sua aplicação doutrinária, pois estamos lidando com aquilo a que Madison chamava uma ‘máxima política’ e não uma regra de lei técnica.’ (Frankfurter, ‘the Public and its Government (1930), pág. 77; Bernard Schwartz, ‘Direito Constitucional Americano, Forense, págs. 349-350)”.

Destarte, o Plenário do Pretório Excelso invocou uma premissa falsa, reportando-se ao Direito Americano em que, diferentemente do Direito Pátrio, não há o postulado da estrita legalidade que, entre nós, é um dos pilares do Direito Constitucional Tributário Brasileiro. A partir dessa concepção falaciosa reconheceu a legitimidade da cobrança da contribuição ao tempo em que a sua alíquota era livremente fixada pelo Ministro da Indústria e Comércio, numa afronta estarrecedora ao primado da estrita legalidade, que mesmo sob a forma atenuada permite apenas que o Presidente da República altere as alíquotas dos impostos sobre a importação, exportação, IOF e IPI, ainda assim, nos limites previamente estabelecidos em lei.

Logo, à época a legislação aplicável ao caso investia o Ministro da Indústria e Comércio de poderes para estabelecer a alíquota segundo o seu alvedrio, o que se situa entre os mais incredíveis descompassos em relação ao primado da estrita legalidade, tendo como desdobres o atrito no tocante à segurança jurídica, à separação de Poderes, dentre outros direitos e garantias do contribuinte. 

De conseguinte, a legitimação de tal desconcerto por parte do Supremo Tribunal Federal significa em última análise a legitimação de uma inconstitucionalidade!


3. Conclusão


Na concepção do autor do presente verbete, Elusão é a palavra adequada para qualificar a economia lícita de tributos, em obséquio às lições de Becker e de Heleno Torres.

Em que pese à existência de uma multiplicidade de construções distintas da lavra de eminentes doutrinadores, força é concluir com uma referência explícita, segundo a qual o termo Elisão reveste matizes de ilicitude, na trilha de abalizados autores e em consonância com a linguagem dos Tribunais, inclusive do Pretório Excelso.

Não obstante, o emprego da Elisão ou de qualquer fórmula de redução da carga tributária por meio ilícito haverá de configurar infração administrativa com eventuais desdobres criminais, dependendo da particularidade de cada caso.

De todo o modo, na ótica do autor que subscreve este texto, força é reafirmar que no Direito Tributário Brasileiro, intensamente constitucionalizado, não há espaço para norma pontualmente antielisiva, diferentemente do Direito Francês, fonte de inspiração para a produção da Lei Complementar 104/2001. 

O asserto se justifica porquanto, ao contrário do Direito de alhures, os primados da estrita legalidade, tipicidade e vinculabilidade são suficientes para delimitar a potestade do Fisco e para impedir condutas ilícitas, as quais, se efetivadas, são puníveis no âmbito administrativo e até criminal.

Logo, as normas antielisivas perdem a sua razão de ser, simbolizando um sin sentido, como diria Genaro Carrió em sua obra denominada Sobre los límites del linguaje normativo.26 


Notas

1 HOUAISS, Antonio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa, pp. 1111-1112; 1113-1114; 1277.

2 BOBBIO, Norberto. Teoria della scienza giuridica, pp. 200-236.

3 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico, pp. 515; 571-572.

4 CALMON, Sacha. Manual de direito tributário, p. 113.

5 CALMON, Sacha. Manual de direito tributário, p. 113.

6 SOUSA. Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária, p. 113.

7 HARADA, Kiyoshi; HARADA, Marcelo Kiyoshi. Código Tributário Nacional comentado, p. 243.

8 Ibidem.

9 MACHADO, Hugo de Brito. A norma antielisão e o princípio da legalidade: análise crítica do parágrafo único do art. 116 do CTN.  O planejamento tributário e a Lei Complementar 104, p. 115.

10 MORAES, Bernardo Ribeiro. Compêndio de direito tributário, p. 468.

11 Idem, p. 468-469.

12 BASTOS, Roseli Quaresma. Elisão e evasão fiscal: os limites do planejamento tributário. Portal âmbito jurídico.

13 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário, p. 122.

14 Idem, pp. 140-141.

15 JARACH, Dino. Finanzas públicas y derecho tributario, p. 406.

16 AMORÓS, Narciso. La elusion y la evasion tributaria. Revista de derecho financiero y de hacienda pública, pp. 573-584.

17 STF, HC 100.367/RS, 1ª Turma, rel. Min. Luiz Fux, j. 09.08.2011, DJe 08.09.2011.

18 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, pp. 17-18.

19 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, p. 22.

20 CALMON, Sasha. Os limites atuais do planejamento tributário. O planejamento tributário e a Lei Complementar 104, p. 285.

21 CALMON, Sasha. Os limites atuais do planejamento tributário. O planejamento tributário e a Lei Complementar 104, p. 301.

22 XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva, p. 111 e ss.

23 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 278.

24 Idem, p. 279.

25 LOBO TORRES, Ricardo. A chamada “interpretação econômica do direito tributário”, a Lei Complementar 104 e os limites atuais do planejamento tributário. O planejamento tributário e a Lei Complementar 104, pp. 242-243.

26 CARRIÓ, Genaro. Los límites del lenguaje normativo.


Referências

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Citação

JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Elisão. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Tributário. Paulo de Barros Carvalho, Maria Leonor Leite Vieira, Robson Maia Lins (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/309/edicao-1/elisao

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Tomo Direito Tributário, Edição 1, Maio de 2019