Força é reconhecer que a crescente expansão demográfica no cenário mundial tende a tornar cada vez mais complexa a vida social, o que exige uma atuação interventiva do Estado na estruturação e gestão dos três Poderes, os quais encontram-se incumbidos de zelar pela segurança interna e externa, saúde, alimentação, educação, habitação, transporte, previdência social, sem contar todos os incontáveis desdobramentos no dia a dia da sociedade.

Assim, por meio do Parlamento, cabe ao Estado preservar o direito de ontem, bem como revogar o direito que não esteja em harmonia com a dinâmica da vida social, competindo-lhe, também, produzir o direito novo, sempre na busca de atender aos anseios do cidadão, este o titular supremo do Poder.

Outrossim, é mister do Executivo cumprir e aplicar a legislação, fazendo-o por meio de decretos e atos administrativos, implementado a legislação, competindo-lhe, também, exercer a gestão administrativa por intermédio do poder de polícia e pela prestação de serviço público, tanto direta quanto indiretamente, neste caso, meio de interposta pessoa.

Por derradeiro, o Estado não pode declinar de cuidar dos conflitos de interesse que são inevitáveis na vida em sociedade, sem contar a concretização da missão de aplicar atos coativos em sua gradação máxima, os quais são consubstanciados nas penas privativas da liberdade e execução forçada do patrimônio.

Deveras, esse conjunto de incumbências inerentes ao Estado Moderno exige parcelas inimagináveis de recursos financeiros, não raro, centenas de bilhões ou trilhões de reais ou dólares norte-americanos ou marcos alemães ou qualquer outra unidade monetária de cada país. Pois bem, essa busca de recursos é efetivada o que por meio da chamada atividade financeira do Estado, a qual, segundo Aliomar Baleeiro, consiste na obtenção, criação, gestão e dispêndio do dinheiro indispensável às necessidades da sociedade que devem ser atendidas pelo Estado ou por outras pessoas por ele designadas (1981, p. 2).1 

Sob o prisma teorético, a atividade financeira traduz o núcleo da Ciência das Finanças ou da Economia do Estado, que na definição de Nitti estampada por De Plácido e Silva “é o estudo das diversas formas pelas quais o Estado e qualquer outro poder local obtém riquezas materiais necessárias à sua vida e ao seu funcionamento, assim como o modo por que essas riquezas são utilizadas”.2 

Não é sem razão que a doutrina emprega a palavra “financeira” como derivada de finanças e, portanto, com a carga semântica de conseguir um fim ou pagar, por força de sua origem francesa “finance”, exprimindo, como preleciona De Plácido e Silva, o sentido de conjunto de recursos e meios de que dispõe ou pode dispor o Estado para satisfazer suas próprias necessidades e manter a sua existência.3 

Manuel de Juano, inspirado em Benvenuto Griziotti, afirma que a atividade financeira do Estado repousa na ação que o Estado desenvolve na busca dos meios necessários  exigidos pelos gastos públicos para atender as necessidades coletivas e para satisfazer o seu próprio fim.  São suas palavras:“[s]eguiendo las ensenanzas de BENVENUTO GRIZIOTTI diremos que la actividad financeira es la acción que el Estado desarrolha a los efectos de procurarse los médios necessários que requieren los gastos públicos, para atender las necesidades colectivas y em general para la satisfacción de su proprio fin”.5 

Cumpre obtemperar que a denominada atividade financeira do Estado compreende toda sorte de gestão de recursos pecuniários, sejam as receitas provenientes da tributação, sejam aquelas oriundas de bancos estatais, afora as advindas de explorações comerciais ou industriais, ou ainda a exploração de terrenos de marinha ou o monopólio postal e muitas. 

Não escapa do conceito sob exame a obtenção de recursos provindos de penalidades pecuniárias, bem como a dívida pública, a emissão de moeda e quaisquer aspectos concernentes ao crédito público. 

Enfim, em obséquio ao conceito firmado nestes comentos ora anotados, não demasia reafirmar que toda circulação de riqueza, em especial pecuniária, diz respeito à atividade financeira, embora, apenas uma parcela dela seja disciplinada pelo direito financeiro.

À guisa de exemplo, merece citado o Banco Central do Brasil que, ao presidir o sistema financeiro do país, tem o poder de emitir moeda e disciplinar a taxa de juros, dentre outros, o que, embora envolva finanças no âmbito do direito público, ainda assim, a sua missão não se encarta no direito financeiro, mas nos direitos administrativo, econômico e bancário.

O mesmo ocorre, ad exemplum, na seara de empréstimos internos ou externos realizados pelo Poder Público, os quais, ainda que tenham matizes financeiros, repercutem basicamente no direito constitucional e no direito administrativo, não no direito financeiro em sentido estrito.

Outro ponto que ainda suscita dúvidas repousa na tributação, a qual, conquanto seja a mais expressiva fonte de arrecadação de recursos financeiros para o Estado, não integra o direito financeiro, mas, sim, o direito tributário.

Consoante os escólios trazidos à colação, resta evidente que o universo da atividade financeira ou das finanças públicas, como quer Dino Jarach,6 hospeda toda sorte de receita e despesa públicas, embora nem toda receita e despesa faça parte do direito financeiro, máxime porque aquela geralidade se espraia nos campos de outros segmentos normativos, a exemplo do direito constitucional, direito administrativo, direito econômico, direito bancário, sem olvidar os liames entre esses planos com os demais campos do direito, em obséquio, aliás, ao postulado da unidade do sistema de normas que peculiariza o direito. 

O assunto comporta alguns comentos adicionais antes de ser firmada a definição de direito financeiro para que, ao depois, seja analisado o significado e a dimensão do verbete sub examen. Destarte, conforme prefalado, há esferas do direito com maior ou menor intensidade de vínculos com o direito financeiro, a exemplo do direito tributário, do direito administrativo ou do direito econômico, dentre os primeiros, ou do direito bancário ou do direito monetário, dentre os derradeiros.

Entrementes, quaisquer desses hemisférios do direito público culminam por desaguar no direito financeiro, porquanto este compreende como quintessência o orçamento público, o qual, consoante comum sabença abriga todas as receitas e despesas do Estado, tudo conjugado com o respectivo controle interno e externo do orçamento.


1. Definição de direito financeiro

Posto isso, pode dizer que o direito financeiro tem por objeto uma parcela da atividade financeira do Estado, no caso o orçamento público, compreendendo, pois, sua composição por meio das respectivas receitas e despesas, bem assim o competente controle interno e externo.

De outra parte, é de mister assinalar que, a exemplo de qualquer ramo do direito, o financeiro pode ser visto sob o prisma da ciência do direito e sob o ângulo do direito positivo. De conseguinte, à ciência do direito financeiro compete estudar as normas disciplinadoras do orçamento público e do seu controle, ao passo que ao direito positivo cumpre normatizar o orçamento público e o seu controle, tanto interno quanto externo.

Como se vê, a ciência do direito estuda o seu objeto, enquanto o direito positivo estabelece normas reguladoras e disciplinadoras de um dado objeto. Em obséquio à brevidade, é lídimo afirmar que a ciência do direito estuda o direito positivo, ao tempo que o direito positivo disciplina o seu objeto. Enfim, a ciência estuda e o direito positivo normatiza.

Em breve digressão, cumpre advertir que, não raro, obras consagradas e autores de prol incorrem numa censurável imprecisão terminológica na medida em que utilizam o verbo estudar ao definirem um dado plano do direito positivo, o qual, ao contrário de estudar, é formado por um plexo de normas reguladoras de um determinado objeto.

Por outro lado, segundo as lições de Miguel Reale, o Direito Financeiro se situa no perímetro do Direito Público, uma vez que o seu conteúdo tem por finalidade imediata o interesse geral e a sua forma de regulação é de subordinação na medida em que se caracteriza por regime de autoridade.7 

Impende dizer, também, que os múltiplos campos do direito positivo são compostos por normas e princípios. Aquelas traduzem simples comandos que versam sobre conceitos, ordens, proibições, permissões e penalidades, já estes abrigam diretrizes que informam e presidem cada ramo do direito, a exemplo dos princípios constitucionais genéricos que definem a forma de Estado e a forma de governo, bem assim os postulados que proclamam os direitos e garantias, dentre outros.

Ante os comentos ora enunciados, pode-se dizer que o Direito Financeiro é o ramo do direito público formado pelo plexo de normas e princípios que, direta e indiretamente, disciplinam o orçamento público e o seu respectivo controle interno e externo.

Entrementes, é de mister obtemperar que abalizados doutrinadores comunicam um sentido mais amplo ao Direito Financeiro, a exemplo de Ricardo Lobo Torres, para quem “[o] Direito Financeiro é o conjunto de normas e princípios que regulam a atividade financeira. Incumbe-lhe disciplinar a constituição e a gestão da Fazenda Pública, estabelecendo as regras e procedimentos para a obtenção da receita pública e a realização dos gastos necessários para consecução dos objetivos do Estado”. Nas dobras de sua concepção apresenta uma divisão do Direito Financeiro que compreende a Receita Pública composta pelo Direito Tributário, Direito Patrimonial Público e Direito do Crédito Público, enquanto, por outro lado, alude à Despesa Pública desdobrada no Direito da Dívida Pública e no Direito das Prestações Financeiras e, por fim, o Direito Orçamentário.8 

Como se pode notar, apesar da diferença pormenorizada do objeto contido na classificação de Ricardo Lobo Torres, há um ponto comum com a posição suscitada nesta obra na dimensão em que o Direito Orçamentário ou o Orçamento culmina por hospedar quaisquer tópicos relacionados com a matéria. Daí, a rigor, não haver divergência, mas a simples adoção de um critério pormenorizado para efeito de identificar o Direito Financeiro.

O orçamento público, a seu turno, é o conjunto de receitas e despesas contido na lei orçamentária concernentes a um determinado ano-calendário, compreendendo, portanto o período que se inicia em 1º de janeiro e termina no dia 31 de dezembro. Convém esclarecer que o ano-calendário não se confunde com o ano civil, porquanto este representa o lapso temporal de 365 dias contados a partir de qualquer dia do ano, consoante consta da Lei 810, de 6 de setembro de 1949, que assim dispõe:

“LEI No 810, DE 6 DE SETEMBRO DE 1949.

Define o ano civil. 

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o CONGRESSO NACIONAL decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Considera-se ano o período de doze meses contado do dia do início ao dia e mês correspondentes do ano seguinte.

Art. 2º Considera-se mês o período de tempo contado do dia do início ao dia correspondente do mês seguinte.

Art. 3º Quando no ano ou mês do vencimento não houver o dia correspondente ao do início do prazo, êste findará no primeiro dia subsequente.

Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 6 de setembro de 1949; 128º da Independência e 61º da República.

EURICO G. DUTRA

Adroaldo Mesquita da Costa”

A importância do orçamento é de tal monta que Francesco Nitti qualificara que a “primeira condição fundamental de liberdade e independência para um povo é dispor livremente de seus recursos através de órgãos independentes representativos”.9 

No tocante ao controle do orçamento público, há o interno, o externo e o privado, este uma inovação do novel Texto Excelso e argutamente mencionado por Kiyoshi Harada. São suas palavras: “O controle privado é uma novidade trazida pela Carta Política de 1988. Dispõe no § 2º do art. 74 que qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União”.10 A regra in casu diz respeito à União Federal, e é aplicável também aos demais planos de governo, encampando, assim, todas as pessoas jurídicas de direito público interno.

Já o tradicional controle interno é realizado pelos próprios Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, ao passo que o controle externo é efetuado pelo Tribunal de Contas, ao qual incumbe apreciar e julgar as contas do dinheiro, bens e valores públicos, cabendo-lhe, ao demais, efetivar o referido controle nos termos do art. 71, incisos I a XI, bem assim parágrafos 1º a 4º, da Constituição Federal, especificamente aplicáveis à União Federal, os quais se aplicam simetricamente aos Estados, Municípios e Distrito Federal, por força do disposto no caput dos artigos 25, 29 e 32 da Carta Magna.

No Brasil há o Tribunal de Contas da União Federal, havendo um em cada Estado e um no Distrito Federal, além de duas Cortes Municipais nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, uma vez que o § 4º do art. 31 da Lex Legum vedou a criação de novos Tribunais de Contas Municipais, o que destoa da autonomia imanente aos Municípios pela sua condição de pessoa jurídica de direito público interno. Assim, compete aos Tribunais Estaduais o controle externo das contas dos demais Municípios do país.

Sobremais, não se pode olvidar as relações estreitas entre o direito financeiro e outros ramos normativos, a teor do tributário, administrativo, econômico e bancário, dentre outros, tendo sempre presente como vértice inexorável o direito constitucional, este altaneiro e preeminente no universo do direito.


2. Relações entre o direito financeiro e outros ramos do direito

2.1. Direito financeiro e direito constitucional

Obviamente, todos os campos do direito guardam conexão com o Direito Constitucional, o qual, diga-se de passo, representa o fundamento de validade de todos os seguimentos do universo jurídico.

Com efeito, a Carta Magna de 1988 trata de Direito Financeiro por meio de uma série de dispositivos, em especial no comando inserto no art. 24, inciso I, que estabelece competência para a União, os Estados e o Distrito Federal para legislar sobre a matéria. Debalde a omissão do aludido mandamento em relação aos Municípios, essas pessoas jurídicas de direito público interno também desfrutam de iguais poderes para produzir normas de direito financeiro.

O asserto decorre da própria autonomia municipal consagrada nos artigos 29 usque 31 da Carta da República. É dizer, por considerar que a independência financeira, administrativa e política caracterizam a autonomia, resta evidente que a autonomia municipal haverá de abrigar o poder de legislar sobre direito financeiro.

A Constituição Federal cuida, também, da destinação de determinadas receitas tributárias em prol de Estados, Municípios e Distrito Federal, em consonância com o disposto nos artigos 145 a 164 do mencionado Códex.


2.2. Direito financeiro e direito tributário

Por essa forma, a relação do financeiro com o tributário é sobremodo estreita, porquanto as principais receitas do Estado Moderno são aquelas procedentes da tributação. Todavia, o traço diferencial entre ambos se afigura muito claramente demarcado, pois o Direito Tributário tem por objeto os planos do nascimento, existência e extinção dos tributos, enquanto o Direito Financeiro, ao dispor sobre o orçamento público, regula a destinação das receitas tributárias para o provimento dos cofres públicos por meio da lei orçamentária.

Em verdade, a compreensão das similitudes e das diferenças propicia uma visão mais clara do campo de atuação do direito financeiro, balizando a parte da atividade financeira pertencente ao tributário e aquela que integra o direito financeiro.


2.3. Direito financeiro e direito administrativo

As relações do direito financeiro com o direito administrativo também despontam com clareza solar, pois ao realizar a gestão do orçamento público, senão também o controle do orçamento por meio do Tribunal de Contas, tais providências são desenvolvidas sob a égide da função administrativa que substancia os atos praticados pelo Poder Público em regime de autoridade com o fito de obedecer e aplicar a lei. Ao propósito, a função administrativa simboliza o cerne do Direito Administrativo, conforme asseverado por Celso Antônio Bandeira de Mello ao dizer que “[o] Direito Administrativo é o ramo do Direito Público que disciplina o exercício da função administrativa, e os órgãos que a desempenham”.11 Noutro excerto de seu Curso de direito administrativo, o festejado mestre definiu a função administrativa como “que o Estado ou quem lhe faça as vezes, exerce na intimidade de uma estrutura e regime hierárquicos e que no sistema constitucional brasileiro se caracteriza pelo fato de ser desempenhada mediante comportamentos infralegais ou, excepcionalmente, infraconstitucionais, submissos todos a controle de legalidade pelo Poder Judiciário”.12  


2.4. Direito financeiro e direito econômico

O Direito Econômico é o ramo normativo que disciplina atividade econômica do Estado e dos particulares, no tocante à produção, distribuição, circulação e consumo de riquezas, tanto no plano interno, como no internacional.13 Cumpre-lhe, por exemplo, garantir o abastecimento de alimentos e serviços essenciais, bem como impedir a concorrência desleal, o abuso de poder econômico, senão também a manipulação de preços no mercado, afora uma série de hipóteses versadas no art. 170 e seguintes do Texto Excelso.

Para Fabiano Del Masso, o Direito Econômico transcende a noção clássica que circunscreve o seu objeto aos planos das regras ordenadoras da economia e sua dinâmica de produção, circulação, distribuição e consumo. Sublinha o autor que o aludido campo do direito versa sobre fatos sociais de conteúdo econômico que são comuns a outros planos do direito, assim como o tributário, o financeiro, o comercial, o trabalho e outros. Todavia, o renomado professor veementiza que o seu universo se afigura inconfundível e sugere a definição pugnada por Washington Peluso Albino de Sousa, a saber: 

“Direito Econômico é o ramo do Direito que tem por objeto a regulamentação da política econômica e por sujeito o agente que dela participe”. Como tal, é um conjunto de normas de conteúdo econômico que assegura a defesa e a harmonia dos interesses individuais e coletivos, de acordo com a ideologia adotada na ordem jurídica. Para tanto, utiliza-se do princípio da economicidade”.14 

Destarte, ressalta à evidência que as finanças de interesse público jazem no palco do Direito Econômico, mas nem por hipótese se confundem com o Direito Financeiro, pois, embora os referidos planos normativos revelem inegável afinidade, cada qual resguarda a sua autonomia na dimensão em que hospedam objeto próprio e peculiar.

Como se vê, são íntimas as relações entre o Direito Financeiro e o Direito Econômico, porquanto, conforme sublinhado, a totalidade dos fatos sociais revestem conteúdo econômico e também financeiro.


2.5. Direito financeiro e direito bancário

O Direito Bancário apresenta uma vertente no direito privado e outra no âmbito do direito público. A primeira diz respeito ao conjunto da atividade bancária de um modo geral, desde a gestão de contas correntes, fundos poupanças e outras. Já no plano do direito público, o Direito Bancário compreende as normas disciplinadoras da atividade bancária, seja sob a perspectiva do Poder Público, seja sob o ponto de vista das relações com os utentes dos serviços bancários. É dizer, o Direito Bancário caracteriza por excelência um meio de propagação e geração de riqueza de índole pecuniária, configurando uma forma de finanças, tanto pública quanto privada, guardando, portanto, uma relação de contiguidade com o Direito Financeiro, embora cada qual tenha espaço próprio no cenário jurídico.

 

3. Normas gerais de direito financeiro

Diante das considerações precedentes, depara-se evidente que as normas de direito financeiro são aquelas imersas na definição do Direito Financeiro, algumas com a feição de princípios e outras com a fisionomia de simples normas, todas, relembrando, versando direta ou indiretamente sobre orçamento público.


3.1. Normas gerais

Sob o ponto de vista filosófico, as normas gerais têm por objeto uma classe de pessoas, enquanto as normas abstratas regulam uma classe de ação. Esse é o pensar de Norberto Bobbio ao versar o tema segundo a aresta da filosofia do direito.15 

No caso vertente, a expressão é empregada em seu sentido coloquial, como quer Thomás Cooley ao atremar que, no interpretar a Constituição, deve-se presumir que as palavras são utilizadas em sua significação natural e ordinária.16 O renomado Professor da Universidade de Michigan nos anos de 1880 enfatiza o seu entendimento acerca do assunto e, a propósito, reproduz as palavras igualmente abalizadas do magistrado John Marshall, assim averbadas: “[o] organizador da Constituição e o povo que adotou deve compreender-se tenham empregados as palavras na sua significação natural e tenham atendido ao que elas dizem”.17  

Nesse tema  a expressão normas gerais reveste a acepção da linguagem comum propugnada por Thomás Cooley e por John Marshall, razão pela qual merece compreendida com o sentido de normas de abrangência genérica, ou seja, aquela que estabelece regras e princípios em relação a um dado campo do normativo.


3.2. Normas gerais de direito financeiro

Passemos finalmente ao verbete sub examen, cujos contornos foram exaustivamente gizados nos itens precedentes, cabendo agora apenas reunir as partes, compondo o todo.

Assim, em harmonia com as reflexões prefaladas, as Normas Gerais de Direito Financeiro são aquelas objetivadas a informar e a presidir a elaboração e a realização do orçamento público e o seu competente controle interno e externo. São, com efeito, as regras submersas em legislação nacional a serem observadas pela legislação orçamentária da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Torna-se de mister dizer que a legislação nacional é editada pelo legislador federal, no caso brasileiro o Congresso Nacional, só que não com a feição de legislador da União, mas com a roupagem de legislador do Estado Brasileiro.

Realmente, é da maior importância essa reflexão como forma de deixar claro que a legislação nacional não se confunde com a federal e, mais do que isso, mercê de seu conteúdo, gravita altaneira acima da legislação federal, estadual, distrital federal e municipal.

Ademais, a legislação nacional é dotada de poderes para submeter ao seu espectro eficacial não só as pessoas jurídicas de direito público ou privado, mas também as pessoas jurídicas de direito público interno. É o caso, por exemplo, do Código de Processo Civil, que subordina as pessoas constitucionais a sua obediência, o mesmo ocorrendo com o Código Civil, cujas regras não podem ser infirmadas pelo legislador federal ou local e assim avante.

As Normas Gerais de Direito Financeiro de caráter nacional habitam o patamar constitucional e o legal, o primeiro por meio de princípios firmados no Texto Excelso e o segundo por intermédio de legislação específica que versa o tema.


4. Plano constitucional. Histórico. Princípios

4.1. O tema orçamentário ao longo das Constituições Brasileiras

4.1.1. Constituição Política do Império do Brasil de 1824

No primeiro quartel do século XIX, por meio do então Projeto de Constituinte, denominado Carta de Lei, Dom Pedro I implantou o primeiro Texto Magno em nosso país, no caso a Constituição Política do Império do Brasil, a qual, segundo a linguagem da época, foi jurada em 25 de março de 1824.

Já naquele tempo, a matéria orçamentária frequentou a Constituição, tanto que por meio do art. 13, inciso X, incumbiu o Poder Legislativo de fixar anualmente as despesas públicas e de dispor sobre impostos, além de dedicar um capítulo específico às finanças públicas, sob o título denominado “Da Fazenda Nacional”, compreendendo os arts. 170 a 172, que versavam sobre receitas e despesas do Tesouro, bem como incumbiam o Ministro da Fazenda de cuidar de matéria orçamentária.

Verdade seja, ainda que numa Carta Imperial e autoritária, é inegável a sua importância histórica, na medida em que o assunto foi alçado ao patamar constitucional de modo explícito, além de abrigar, desde então, o postulado da anualidade orçamentária, conforme inscrito no art. 13, item X, citado no tópico precedente.


4.1.2. Constituição da República dos Estados Unidos do Brazil de 1891

A Constituição Imperial foi a ordem constitucional com maior duração em nossa história, pois vigorou por 67 anos, ou seja, desde 1824 até 1891, momento do advento da Constituição de 1891 que teve o condão de instalar a forma republicana de governo em nosso país.

No tocante ao orçamento, a Carta Republicana cuidou do assunto por intermédio do art. 34 e §§ 1º a 4º, na dimensão em que investiu o Congresso Nacional de competência privativa para orçamentar a receita e fixar a despesa, fazendo-o anualmente, bem como para autorizar o Executivo a realizar empréstimos e a fazer operações de crédito, além de legislar sobre dívida pública e regular a arrecadação e a distribuição de rendas federais.

Simetricamente, tais poderes se projetavam no âmbito dos Estados e dos Municípios, por força do disposto nos arts. 63 e 68 respectivamente, critério, aliás, compatível com o pacto federativo, tanto que essa regra ainda habita a nossa ordem constitucional atual.


4.1.3. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934

Em consonância com o primado republicano instalado em 1891, por meio do art. 39, itens 2 e 3, a Constituição de 1934 estabeleceu competência privativa ao Poder Legislativo no sentido de votar anualmente o orçamento da receita e da despesa, bem como dispor sobre a dívida pública, além de regular a emissão de papel moeda de curso forçado e disciplinar a arrecadação e a distribuição de rendas.  

Ademais, o Texto de então dedicou a Secção IV especificamente ao orçamento, na medida em que o comando inserto no art. 50 e respectivos parágrafos estabeleceram regras pormenorizadas acerca do assunto, a exemplo de proclamar o princípio da unidade, além de fixar normas sobre abertura de crédito suplementar e seus limites.

Afora os avanços verificados, a ordem constitucional de 1934 dispôs sobre o Tribunal de Contas, inovando, mais uma vez, o trato do tema no plano constitucional, tudo nos termos dos arts. 99 a 102 da Lex Legum

Decididamente, a Carta de 1934 deu importante passo no aprimoramento da matéria orçamentária no altiplano constitucional, não só por versar o assunto com detença, mas também por consagrar algumas regras com a dimensão de colunas mestras em relação ao orçamento público.


4.1.4. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937

Em 1937 o então Presidente Getúlio Vargas instalou o chamado Estado Novo caracterizado pela centralização do Poder, nacionalismo, autoritarismo e anticomunismo, período também conhecida como Era Vargas.

O referido regime político interrompeu a crescente democratização orçamentária iniciada na Carta Magna de 1891 e aprimorada na Constituição de 1934.

Com efeito, o autoritarismo esvaziou os Poderes do Congresso Nacional de um modo geral, o mesmo ocorrendo no tocante à matéria orçamentária.

O orçamento desfrutou de disposições esmiudadas no cenário constitucional, embora entroncado na esfera do Poder Executivo que contava com um Departamento Administrativo incumbido da elaboração orçamentária, conforme previsto nos arts. 67 a 72 da Constituição da época.

Uma vez elaborada a proposta orçamentária, o texto era remetido à Câmara dos Deputados, a título meramente informativo, a fim de que votasse o orçamento, naturalmente aprovando-o!

O chamado Estado Novo perdurou por menos de uma década, pois em 1946 o Brasil ganhou uma Constituição com matizes exemplarmente democráticos.


4.1.5. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946

A Constituição de 1946 teve a grande virtude de restaurar a democracia no país, pois não só dispôs como concretizou que o poder emana do povo e em seu nome é exercício, consoante inscrito no caput de seu art. 1º.

Descentralizou o poder político de modo efetivo, partilhou as competências entre as pessoas jurídicas de direito público interno, consagrou a interdependência dos Poderes, bem como deu ênfase aos direitos e garantias, senão também estabeleceu normas programáticas em relação a ordem econômica e social.

No tocante ao orçamento, o art. 5º, inciso XV letra b, estipulou caber à União a competência para legislar sobre normas gerais de direito financeiro, o que, de rigor, significa o Poder de produzir legislação nacional, a qual não se confunde com a federal, pois é lei do Estado Brasileiro.

De par com a legislação orçamentária nacional, a União, os Estados e os Municípios desfrutavam de competência para legislar e controlar os seus orçamentos, mercê de sua autonomia no pacto federativo.

Nesse passo, cabia ao Congresso Nacional votar o orçamento e dispor sobre outras providências nessa seara, igual sorte ocorrendo no âmbito das demais pessoas constitucionais em relação aos seus Parlamentos, tudo com o respectivo compartilhamento do chefe do Executivo, seja na apresentação da proposta orçamentária, seja no ensejo da sanção.

Sobremais, no Capítulo II que trata do Poder Legislativo, a Constituição de 1946 dedicou a Seção VI ao Orçamento, fazendo-o por meio do art. 73 ao 76, incluindo a figura importante do Tribunal de Contas nesse grupo de comandos constitucionais.

Enfim, o país respirou democracia sob a égide da Constituição de 1946, embora não por muito tempo, porquanto em março de 1964 um golpe militar tornou a instaurar um regime autoritário no país.

Sob o ponto de vista formal, a Constituição de 1946 foi mantida após o Golpe que o Regime Militar denominou de Revolução. Todavia, Atos Institucionais instalaram uma ditadura com poderes centralizados no Presidente da República. Dentre algumas teratologias firmadas no regime de antanho, basta citar, por exemplo, a possibilidade de realizar prisões sem culpa formada e sem comunicação ao juiz, bem como os Poderes de Generais de Exército no sentido de suspender direitos políticos e cassar mandatos legislativos e exclusão de apreciação judicial em relação aos atos da Revolução, dentre outras hipóteses e competências firmadas no Ato Institucional 1, de abril de 1964, no caso o primeiro de uma série de outros.


4.1.6. Constituição do Brasil de 1967

Em 24 de janeiro de 1967 foi promulgada a primeira Constituição do chamado Governo Revolucionário. O Texto, per se, em sua generalidade, estampava conteúdo de matizes democráticos, a teor da proclamação dos Direitos e Garantias Individuais, dentre outros.

Entrementes, havia regras autoritárias que infirmavam os aludidos valores de feição democrática, a exemplo do disposto no art. 173 e seus desdobres, cujo comando excluía de apreciação judicial os atos praticados pelo Comando Supremo da Revolução de 31 de março de 1964. Não se pode olvidar que essas vicissitudes ainda se encontravam agravadas em face da edição de Atos Complementares e Atos Institucionais dotados de extremo arbítrio e autoritarismo, dentre os quais o espúrio Ato Institucional 5, de 13 de dezembro de 1968.

No tocante ao orçamento, a Constituição de 1967 investiu a União com poderes para produzir a legislação nacional sobre a matéria por intermédio de normas gerais de Direito Financeiro, conforme averbado no art. 8º, inciso XVII, letra “c”. 

Outrossim, cuidou especificamente do assunto por meio dos arts. 63 a 73, firmando regras acerca do procedimento legislativo de iniciativa do chefe do Executivo e aprovação pelo Legislativo, além de fixar regras de fiscalização financeira e orçamentária interna e externa pelo Congresso Nacional com o auxílio do Tribunal de Contas.

As regras procedimentais de caráter federal propagavam iguais efeitos no âmbito das demais pessoas jurídicas de direito público interno, por força do disposto no art. 13 da então ordem constitucional.


4.1.7. Constituição da República Federativa do Brasil de 1969

Em 17 de outubro de 1969, o Governo Militar aprovou uma emenda à Carta de 1967, no caso a Emenda Constitucional 1, a qual, em verdade modificou substancialmente a Constituição pretérita e, por isso, mais do que Emenda, tivemos uma nova Constituição.

Com efeito, com a nova denominação de Constituição da República Federativa do Brasil, o triunvirato que presidia o país, composto pelos Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar, outorgou o referido Texto Supremo, que perdurou até o curso do ano de 1988.

No geral, foi mantido o paradoxo, segundo o qual a Carta Magna enaltecia os postulados democráticos ao mesmo tempo em que os infirmava, não só por impor uma ordem constitucional de forma unilateral, como também por abrigar comandos que excluíam de apreciação do Judiciário os atos da revolução.

No tocante ao orçamento, cabia a União estabelecer normas gerais sobre orçamento, nos termos do art. 8º, XVII, letra c, as quais revestiam o caráter de legislação nacional.

Ao demais, a Carta in casu manteve os contornos da ordem pretérita, em especial em relação à deflagração do procedimento da lei orçamentária, bem como o seu controle interno e externo, este a ser exercido pelo Parlamento com o auxílio do Tribunal de Contas. Cabe ainda lembrar que as regras legislativas e procedimentais de natureza federal seriam igualmente aplicadas nos orçamentos dos Estados e Municípios, ex-vi da própria natureza do pacto federativo e explicitada nos artigos 13 e seguintes do referido Texto.


4.1.8. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

O tempo, sempre inexorável, deu margem ao inevitável desgaste político do regime militar, enquanto ao mesmo tempo florescia um clamor popular em prol de eleições diretas imediatas e por uma nova constituinte, o que teve o protagonismo do MDB, que era o partido de oposição ao governo de antanho.

O ponto culminante desse movimento foi consagrado com a promulgação da chamada Constituição cidadã, a qual, empós 21 anos de regime autoritário, restabeleceu a esperança e a democracia no país.

A novel Carta cuidou da matéria orçamentária com muita detença, na medida em que o fez por meio de sobrenumeráveis tópicos espraiados ao longo do seu Texto.

Nesse sentido, manteve o critério tradicional aqui e alhures em relação à iniciativa da Lei Orçamentária, a qual coube ao Chefe do Executivo, nos termos, a bem ver, do disposto no art. 61, § 1º, inciso II, alínea b. Por todas as veras, pela sua própria natureza o Poder Executivo dispõe de meios técnicos e instrumentais para elaborar o projeto de lei do orçamento, competindo ao Parlamento a missão de votar, referendando, emendando ou rejeitando aquela providência deflagrada pelo Executivo.

No âmbito das normas gerais de conteúdo nacional, a competência é da União Federal na condição de legislador do Estado Brasileiro, por força do disposto no artigo 24 combinado com o 24, § 1º, do Texto Excelso.

No mais, obviamente, cada pessoa constitucional é dotada de poderes para elaborar o seu próprio orçamento, seja pela autonomia imanente ao pacto federativo, seja pela explicitude contida no caput do art. 24 da Constituição quanto à competência concorrente.

Ademais, não se pode olvidar que os Estados, Municípios e o Distrito Federal podem e devem se organizar nos termos dos contornos e meandros da Constituição Federal, conforme averbado nos comandos insertos nos artigos 25, 29 e 32 do Códex Supremo. 

Além disso, o Título VI da Carta Magna, ao lado da Tributação, contempla o Orçamento em sua denominação e, em seu Capítulo II, Seção I, trata de Finanças Públicas, ao passo que na Seção II, versa especificamente sobre o Orçamento, fazendo-o por meio dos artigos 165 a 169 da aludida Seção.

Outrossim, o controle do orçamento foi ampliado, pois afora o sistema tradicional circunscrito ao aspecto interno e externo, o § 2º, do art. 74, da Constituição estabeleceu poderes a qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato no sentido de denunciar irregularidades ou ilegalidades na gestão dos recursos públicos perante o Tribunal de Contas.

O Texto Magno firmou regras exaustivas no tocante à fiscalização contábil e financeira do Orçamento, tudo em prol do controle e da transparência na gestão e destinação das finanças públicas.

Decididamente, os breves comentos trazidos à colação revelam a dimensão dos postulados constitucionais em relação à matéria orçamentária, cujo aprimoramento depende da permanente discussão, controle e gestão dos recursos financeiros preordenados a prover o orçamento público dos múltiplos níveis de governo.


4.2. Princípios gerais e princípios de direito financeiro

No plano da Carta da República avultam regras e princípios que presidem a produção de normas gerais de Direito Financeiro, sejam os princípios constitucionais gerais, sejam os de índole especificamente financeira.

Dentre os princípios gerais, merece destaque o postulado federativo, bem assim o primado republicano, senão também o plexo de direitos e garantais que representam prerrogativas da cidadania que balizam o Poder do Estado.

Outrossim, há uma gama de princípios específicos de Direito Financeiro, a exemplo da legalidade, anualidade, universalidade, unidade, exclusividade em matéria orçamentária, vedação ao estorno, especialização e publicidade.

Por oportuno, vejamos de modo compendiado o significado de um a um dos referidos primados constitucionais de matizes financeiros, começando pelo princípio da estrita legalidade que informa o orçamento público.


4.2.1. Estrita legalidade

A legalidade compreende uma acepção genérica e outra em sentido estrito, daí a expressão ora adotada. Deveras, o primado da legalidade em sua latitude ampla encontra-se positivado no art. 5º, inciso II, do Texto Magno, cujo comando estabelece que somente a lei pode criar direitos e deveres.

Deveras, embora os decretos e os atos administrativos possam estipular direitos e deveres na órbita do direito público, bem como os contratos também podem fazê-lo no âmbito do direito privado, cumpre obtemperar que todos os direitos e deveres em quaisquer quadrantes normativos só podem ser instituídos inauguralmente por meio de lei, daí a dimensão do postulado da legalidade.

Logo, os diplomas infralegais e as avenças particulares somente podem produzir efeitos se tiverem a lei como fundamento de validade, sob pena de incorrerem em nulidade pleno jure.

Se a lei desfruta de toda essa relevância no espectro do direito, sempre que for reafirmada como se verifica no Direito Financeiro, semelhantemente ao Tributário, a legalidade ganha foros de rigor extremo, donde mereceu a qualificação de estrita legalidade.

Nessa vereda, o orçamento público encontra-se submetido aos rigores de uma legalidade específica, conforme dispõem as dezenas e dezenas de comandos imersos nos arts. 165 a 169 e seus respectivos desdobramentos em incisos e parágrafos do Texto Magno. Tanto assim é que a referência à lei e iterativa, a exemplo do art. 165 ao firmar que as leis de iniciativa do Poder Executivo devem estabelecer o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e os orçamentos anuais. Em seus desdobres, o referido comando alude ao conteúdo da lei orçamentária anual, bem como estipula que compete a lei complementar dispor sobre o exercício financeiro, bem como estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta.

Enfim, a cada passo dos meandros desse capítulo do Código Máximo, a referência à lei é reafirmada de modo categórico, o que justifica a denominação de estrita legalidade na esfera do Direito Financeiro.


4.2.2. Anualidade

A lei orçamentária é anual por excelência, tradição tanto aqui quanto alhures. Entre nós, a matéria é prevista expressamente no art. 165, § 5º, cujo mandamento estabelece a anualidade da lei orçamentária, o que não impede, verdade seja, a existência de planos orçamentários plurianuais para o atendimento de projetos a serem desenvolvidos ao longo de um período de tempo acima do anual, consoante prevê, o art. 165, inciso I, e o § 7º do mesmo comando.

Por outro lado, o constituinte incumbiu o legislador complementar de dispor sobre a definição do lapso temporal da anualidade, nos termos do disposto no art. 165, § 9º, o que foi efetivado pela Lei 4.320/1964, aprovada como lei ordinária, mas com eficácia complementar porquanto o seu conteúdo ganhou o referido nível eficacial com o advento da Carta de 1988.

A lei in casu, ao versar sobre o exercício financeiro cometeu o erro terminológico de confundir ano civil com ano-calendário. Ora, conforme já observado em tópico precedente, o ano civil é o espaço de tempo de 365 dias a contar de qualquer dia do ano, ao passo que o ano-calendário compreende o lapso temporal de 1º de janeiro a 31 de dezembro.

Apesar da cinca do legislador, entre nós o exercício financeiro leva em conta o ano-calendário e não o ano civil. No mais das vezes, o ano-calendário é adotado pela maioria dos países, a exemplo da Argentina, Bélgica, França, Holanda e Suíça, enquanto a anualidade na Itália se dá entre 1º de julho a 30 de junho ou, ainda, no Reino Unido e na Alemanha o ciclo orçamentário tem início em 1º de abril, e nos Estados Unidos em 1º de outubro.


4.2.3. Universalidade

Consagrado no direito comparado, consiste no registro de todas as receitas e despesas públicas. Assim, essa regra de contabilidade pública oferece transparência à lei orçamentária e otimiza a moralidade administrativa, uma vez que veda a omissão de despesa mediante o artifício de lançamento de receitas líquidas.

Em suas dobras, a universalidade antessupõe também a não afetação das receitas públicas, dando, assim, plena visibilidade à destinação dos recursos financeiros, máxime porque, ao contrário, ou seja, o comprometimento específico de uma dada receita para uma finalidade pode ofuscar a clareza de sua ulterior aplicação.

Aliás, a doutrina francesa define o primado da universalidade por meio do binômio consubstanciado na contabilização obrigatória de todas as receitas e despesas conjugado com o princípio da não afetação das receitas públicas.

Entre nós, contudo, ainda que prevaleça a regra geral da não afetação, a Constituição de 1988 abriu espaço para inúmeras afetações, ad exemplum dos recursos provenientes da arrecadação das contribuições sociais que são destinados ao financiamento da ordem social, incluindo a seguridade, ou a obrigatoriedade pela qual a União deve aplicar o mínimo de 18% na manutenção e no desenvolvimento do ensino, cabendo às demais pessoas politicas o dever de aplicar um mínimo de 25%, nos termos do disposto no caput do art. 212, do Texto Supremo. 

Igual sorte ocorre em relação à receita de impostos que é destinada à saúde, sem contar as transferências dos Fundos de Participação dos Estados, Municípios e Distrito Federal previstas no art. 157 e seguintes da Constituição Federal e assim avante.

Em suma, afigura-se censurável a existência desse grande número de receitas com destinação afetada, o que compromete a liberdade na elaboração e gestão do orçamento, culminando, por vezes, por contrariar o interesse público.


4.2.4. Unidade

De acordo com o postulado sob exame, a lei orçamentária haveria de constar de um único documento, em atendimento à regra instituída na Constituição de 1934 e mantida nas Cartas de 1937 e 1946. 

Outrossim, as Constituições de 1967, 1969 e 1988 foram silentes em relação à unidade, o que não significa a sua desaparição do referido postulado orçamentário, visto que a unidade ganhou nova configuração nas últimas décadas, pois remanesce como princípio constitucional inexpresso, mantendo sua dimensão unitária.

Cumpre obtemperar que a concepção moderna do princípio em apreço não significa a unidade documental, como argutamente sublinhado por José Afonso da Silva, porquanto a unidade é de objetivos contextualmente imersos na legislação orçamentária.18  

Verativamente, um único documento orçamentário jamais teria o condão de estipular em pormenor o conjunto de receitas e despesas com a dimensão do Estado Moderno e sua inevitável multiplicidade de demandas, tudo acentuado com o surgimento de situações imprevistas e imprevisíveis. 

Destarte, permanece a unidade traduzida numa lei orçamentária básica, a qual é implementada por documentos ou orçamentos miniaturais que se agregam ao orçamento matriz, preservando, assim, o primado da unidade que é de cabedal importância para efeito de transparência e controle do orçamento.


4.2.5. Exclusividade em matéria orçamentária

Consoante sugere a própria denominação, a lei orçamentária só pode dispor sobre previsão de receita e fixação de despesa, simpliciter et de plano

A bem ver, o referido princípio encontra-se explicitado no art. 165, § 8º, do Texto Magno, assim averbado: “A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei”.

Como se vê, a regra é estreme de dúvidas, pelo que, por exemplo, não compete à lei orçamentária dispor sobre a criação de uma universidade ou de um hospital ou de uma rodovia, cabendo-lhe, sim, destinar a verba correspondente para a concreção dessa providência se criada por lei específica.


4.2.6. Vedação ao estorno

O princípio in casu exprime um viés do regime jurídico administrativo, uma vez que a execução do orçamento é efetivada no plano da função administrativa que é infralegal, donde, cabe ao seu gestor aplicar a lei orçamentária em conformidade com o seu teor aprovado pela Casa Parlamentar.

É dizer, a administração do orçamento haverá de ser nos termos, quando, quanto e onde a lei determinar, nada mais. Daí a proibição de remanejar verbas de uma despesa para outra, ainda que fosse uma aplicação teoricamente idônea e justificável, pois, não demais reafirmar, a lei orçamentária, assim como qualquer lei, deve ser obedecida e concretizada.

A propósito, a apontada vedação mereceu um comando expresso cristalizado no art. 167, inciso VI, da Constituição Federal, a saber:  

“Art. 167. São vedados:

(...)

VI – a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa”.

Aliás, não raro há casos de responsabilização do chefe do Poder Executivo por descumprimento do princípio ora examinado, alguns, por vezes, com repercussão midiática, o que mostra o rigor da regra e a sua relevância em termos de cidadania, transparência e segurança jurídica.


4.2.7. Especialização

Os postulados de contabilidade pública aplicáveis ao orçamento revestem a suficiente clareza para estampar a origem das receitas e a sua respectiva destinação.

O grau de pormenorização e a verticalidade que deve impregnar a lei orçamentária são qualificados pela doutrina como princípio da especialização, pois tendem a redimensionar a transparência e o controle do orçamento.


4.2.8. Publicidade

A publicidade representa um primado constitucional de ordem pública, pois é inerente ao Estado Democrático, daí sua dimensão genérica que compreende todos os quadrantes do Direito, inclusive, logicamente, o âmbito da Lei Orçamentária.

Conforme comum sabença, o processo legislativo somente é concluído quando a lei objeto de aprovação é publicada no Diário Oficial, o mesmo ocorrendo nos demais Poderes, tanto no Judiciário quanto no Executivo.

A propósito, ao lado da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência, a publicidade mereceu referência expressa no caput do art. 37 da Constituição Federal, cujo mandamento determina a observância desses valores por parte da administração direta e indireta de quaisquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Em face dos recursos tecnológicos atuais, o cidadão, querendo, pode ter acesso e conhecimento dos atos dos Poderes Públicos, incluindo a lei orçamentária, o que exprime um aprimoramento do regime democrático e da cidadania.


5. Plano legislativo

5.1. Normas gerais de direito financeiro

As normas gerais, tema deste verbete, são por excelência aquelas contidas na Lei 4.320, de 17 de março de 1964, diploma de índole nacional, o qual, em seu preâmbulo assim dispõe, in verbis: “[e]statui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal”.

Em veras, o referido diploma normativo estipula o conteúdo da lei orçamentária, bem como explicita a sua abrangência, define e classifica as receitas e as despesas públicas, cuidando, outrossim, da elaboração do orçamento desde sua proposta até a sua execução e o respectivo controle interno e externo. Ademais, a lei em apreço trata de fundos especiais, de créditos adicionais, de balanços e de contabilidade financeira e orçamentária. 

Em suma, sob o ponto de vista lógico jurídico, a Lei 4.320/1964 representa um verdadeiro Código de Direito Financeiro, no qual habitam normas gerais que vinculam e obrigam a elaboração dos orçamentos da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, o que indica a sua relevância e magnitude no âmbito do Direito Público com importante repercussão na vida do cidadão.

Ao lado da lei examinada, sobreveio nova legislação com o fito de aprimorar aspectos contidos na Lei 4.320/1964 e notadamente com o desígnio de assegurar o seu cumprimento e a concreção de seus objetivos. Assim, com fulcro no art. 163, inciso I, da Constituição Federal, foi editada a Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000, destinada a versar sobre finanças públicas.

É a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal, denominação, a bem ver, inadequada, porquanto um dos aspectos fundamentais da aludida lei consiste no estabelecimento de limites na instituição de receitas públicas e na fixação de despesas públicas. 

Em abono ao alegado, é necessário esclarecer que o descumprimento de normas da chamada Lei de Responsabilidade Fiscal implica responsabilidade de natureza administrativa e não fiscal. Assim, caso o gestor das finanças públicas incorra no inadimplemento de disposições do aludido diploma complementar, daí, sim, por via transversa, poderá haver punição de natureza administrativa, assim como a configuração de improbidade administrativa prevista na Lei8.429/1992. Convém ressaltar que a improbidade in casu não se confunde com aquela aplicável a agentes políticos, e sim aplicável a agentes públicos por conduta lesiva ao interesse público na órbita administrativa.

De todo o modo, é forçoso reconhecer que, apesar do equivocado nomen juris, a Lei Complementar 101/2000, representa um inegável avanço no aprimoramento da gestão dos recursos públicos. A título de exemplo, vejamos o comando inserto no art. 1º, combinado com o seu § 1º, o qual proclama uma ação planejada na gestão das contas públicas com o objetivo de prevenir riscos e corrigir eventuais descompassos que possam afetar o seu equilíbrio. Ademais, estipula especial rigor e observância em relação aos limites concernentes à renúncia de receitas, geração de despesas e operações de crédito, dentre outros, mostrando, assim, a sua razão de ser.

Positivação da matéria nas Constituições Brasileiras:

CF 1824 – arts 170 a 172;

CF 1891 – art. 34 e §§;

CF 1934 – art. 39, 2 e 3;

CF 1937 – art. 67 e desdobres;

CF 1946 – art. 5º, XV, letra b;

CF 1967 – art. 8º, XVII, letra c;

CF 1969 – art. 8º, XVII, letra c;

CF 1988 – art. 24, I/legislação concorrente- art. 24, § 1º investe a União de competência para editar normas gerais in albis.

Plano subconstitucional.

Planos legislativos no pacto federativo.


Notas

1 BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças, p. 2.

2 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico, p. 623.

3 Idem, p. 622.

4 JUANO, Manuel de. Curso de finanzas y derecho tributario, p. 41.

5 Ibidem.

6 JARACH, Dino. Finanzas públicas y derecho tributário, p. 37 e ss.

7 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, p. 339.

8 TORRES, Ricardo Logo. Curso de direito financeiro e tributário, p. 12.

9 NITTI, Francesco. Princípios da ciência das finanças, v. 2, p. 318.

10 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário, p. 91.
 
11 BANDEIRA DE MELLO. Celso Antônio. Curso de direito administrativo, p. 27.

12 Idem, p. 34.

13 JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Curso de direito financeiro e tributário, p. 48.

14 DEL MASSO, Fabiano. Direito econômico esquematizado, pp. 7-9.
 
15 BOBBIO, Norberto. Teoria dela norma giuridica, p. 231.

16 COOLEY, Thomás. Princípios gerais de direito constitucional dos Estados Unidos da América do Norte, p. 407.

17 Ibidem.

18 SILVA, José Afonso da. Orçamento-programa no Brasil, p. 144.

Referências

BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981.

BANDEIRA DE MELLO. Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.

BOBBIO, Norberto.Teoria dela norma giuridica. Torino: G.Giappichelli, 1986.

COOLEY, Thomás. Princípios gerais de direito constitucional dos Estados Unidos da América do Norte. Trad. por Alcides Cruz, Professor da Faculdade de Direito de Porto Alegre. 3. ed. Porto Alegre: Carlos Echenique – Livraria Universal, 1909.

DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. Atual por Nagib Slaibii Filho e Gláucia Carvalho. 28. ed. 2. tir. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

DEL MASSO, Fabiano. Direito econômico esquematizado. São Paulo: Método, 2012.

HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

JARACH, Dino. Finanzas públicas y derecho tributario. Buenos Aires: Cantagallo S.A.C.I., 1983.

JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Curso de direito financeiro e tributário. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

JUANO, Manuel de. Curso de finanzas y derecho tributario. Rosario: Ediciones Molachino, 1963. Tomo I – Parte General.

NITTI, Francesco. Princípios da ciência das finanças. Trad. por C. Machado. v. 2. Rio de Janeiro: Atena, 1937.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. 9 tir. São Paulo: Saraiva, 2010.

SILVA, José Afonso da. Orçamento-programa no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 15. ed. Rio de Janeiro-São Paulo-Recife: Renovar, 2008.


Citação

JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Normas gerais de direito financeiro. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Tributário. Paulo de Barros Carvalho, Maria Leonor Leite Vieira, Robson Maia Lins (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/307/edicao-1/normas-gerais-de-direito-financeiro

Edições

Tomo Direito Tributário, Edição 1, Maio de 2019