O Código Tributário Nacional emprega a expressão “exclusão do crédito tributário” para se referir a duas categorias que guardam em comum a característica de implicarem ao contribuinte o direito de não levar dinheiro aos cofres públicos uma vez adimplidas as condições previstas por cada uma delas.

A primeira delas é a isenção e a segunda é a anistia.

A isenção é a previsão legal de que certa situação, inserida na esfera de competência de determinado Ente Tributante relativa a tributo criado por esse mesmo Ente, não está sujeita a tal tributo. Trata-se de uma exceção à tributação, criada por lei, de tal maneira que o legislador, tomando um gênero tributável (inserido na competência daquela Pessoa Política) excepciona determinada espécie de se submeter à imposição fiscal.

A anistia, por sua vez, é o perdão, instituído por lei, do sujeito passivo da obrigação tributária de pagar uma penalidade relativa a uma infração cometida.

Em termos de fenomenologia, enquanto a anistia pressupõe a exclusão de um crédito tributário prévio à sua instituição – ainda que seja crédito tributário no sentido largo, pois extingue-se a penalidade – a isenção surge antes de potencial obrigação tributária se irradiar. Portanto, na isenção, em termos normativos, não há que se falar, propriamente, em “exclusão do crédito tributário”, muito embora o Código Tributário Nacional assim a qualifique.

Agora, tanto no caso da isenção, como no da anistia, os deveres instrumentais hão de ser devidamente cumpridos pelo sujeito passivo. É essa a redação do parágrafo único do art. 175 do Código Tributário Nacional.


1. Isenção e anistia no plano constitucional

A possibilidade de instituição de isenção e anistia é prevista no art. 150, §6º, da Constituição que prevê o seguinte:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

§ 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g”.

Como se nota, a Constituição da República expressamente prevê a possibilidade de se instituir isenção e anistia, nos termos do art. 150, §6º, desde que por lei específica. Portanto, o princípio da estrita legalidade aplica-se, também, à isenção e anistia.

O art. 151, III, da Constituição, por sua vez, se refere às isenções proibindo que a União institua isenções de tributos de competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Trata-se da chamada proibição de instituição de proibição heterônima, consagrando o princípio da autonomia dos Entes Tributantes.

Embora a Constituição não o diga expressamente, também é proibida a instituição de anistia heterônima, isto é, a União impondo anistia para alcançar obrigações relativas a outras esferas tributantes. A assertiva acima pode ser justificada pelo princípio da autonomia das Pessoas Políticas de Direito Público Interno (art. 18 da Constituição da República), mas também o próprio art. 24, I, c/c § 1º da Constituição da República, ao instituir a competência concorrente em matéria tributária, prevê, que em tal âmbito, a competência da União é estabelecer normas gerais.

Assim, é indiscutível que, nos termos da Constituição atualmente em vigor, a União também não poderia instituir anistia heterônima.

Avançando, embora, como regra geral, a competência de isentar seja um reflexo da competência de tributar, de modo que o Ente Público que cria o tributo também pode isentar, há uma exceção aplicável para o caso do Imposto Sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

Trata-se da dicção estampada no art. 155, II, § 2º, “g” da Constituição da República que prevê que cabe à lei complementar regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. Portanto, os Estados não podem instituir isenções e outros benefícios fiscais sem prévia autorização de Convênio.

Esse aspecto se explica o ICMS é um imposto pautado pela não-cumulatividade, sendo que a isenção ou não incidência, salvo legislação em contrário: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; e b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores.

Ademais, o art. 88, II, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, prevê que o Imposto Sobre Serviços de Qualquer ISS terá alíquota mínima de 2% (dois por cento). O art. 88, III, do mesmo art. prevê que o imposto não será objeto de isenções, incentivos fiscais que resulte, direta ou indiretamente, a redução de alíquota inferior ao referido percentual.

Avançando, ainda, sobre as previsões de isenção na Constituição, o §3º do art. 156 prevê que cabe à Lei Complementar excluir da incidência do ISS exportações de serviços para o exterior.  Dúvida surge sobre o dispositivo se estaria tratando de uma imunidade – haja vista que previsto na Constituição – ou isenção – eis que a exclusão da incidência se dá por lei complementar.

Embora seja controvertido, aparentemente se trata de imunidade instituída pela Constituição, porém, de eficácia limitada, isto é, dependente de lei complementar para irradiar seus efeitos. Isso porque não há indicativo de que a Constituição tenha facultado à lei complementar promover tal “exclusão”, isto é, trata-se de um mandamento constitucional. Ora, a não tributação sobre determinados acontecimentos prevista pelo Texto Constitucional não é figura distinta senão a imunidade.


2. Isenção no plano do Código Tributário Nacional

O art. 176 do Código Tributário Nacional reitera o mandamento constitucional de que a isenção há de ser criada por lei que especifique as condições e requisitos de sua concessão, os tributos a que se aplica, e se for o caso, o prazo de sua duração.

O parágrafo único do mesmo artigo prevê que a isenção pode ser restrita a determinada região do território da entidade tributante, em função de condições a ela peculiares.

O art. 178 do Código Tributário Nacional, por sua vez, prevê que a isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o princípio da anterioridade.

Convém examinar com mais calma a dicção desse dispositivo.

Da leitura do artigo, quando assinala que a isenção pode ser concedida “em função de determinadas condições”, pode-se ter a falsa impressão que existem isenções aplicáveis de forma incondicional, isto é, de maneira categórica. Essa impressão não é correta, pois a norma jurídica, por excelência, é hipotética condicional. Não se aplica norma alguma sem que condições nela previstas sejam verificadas.

Nesse contexto, o que se deve entender com a expressão “em função de determinadas condições” é que, por vezes, a isenção pode ser concedida em caráter oneroso ao contribuinte. Não são incomuns isenções e incentivos fiscais condicionados a investimentos, a geração de empregos, compras de terrenos e outras particularidades.

Por essa ordem, se o contribuinte adimple tais condições e a legislação prevê que, por conta disso, poderá se beneficiar de isenção por um determinado período, surge o direito adquirido ao usufruto dessa isenção. A lei, no caso, que revoga a isenção não poderia alcançar esse contribuinte, como já reconheceu a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, na ementa a seguir indicada:

“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. SUDENE. BENEFÍCIO CONCEDIDO SOB CONDIÇÃO. IRREVOGABILIDADE DURANTE O PERÍODO PREVISTO NO ATO DECLARATÓRIO. É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que a isenção tributária concedida por prazo certo e sob condição onerosa gera direito adquirido ao contribuinte beneficiado. O acolhimento da pretensão demandaria verificar, em concreto, a inexistência dos requisitos e pressupostos necessários ao gozo do incentivo. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a controvérsia posta nestes termos demanda o reexame da legislação infraconstitucional aplicável ao caso. Agravo regimental a que se nega provimento.”

(AI 861261 Agr, rel. min. Roberto Barroso, Primeira Turma, j. 18.11.2014).

Além da questão do direito adquirido, outra discussão que o art. 178 do Código Tributário Nacional levanta sobre isenções é se sua revogação deve respeitar o princípio da anterioridade.

Para se compreender tal questionamento, convém apontar que o primado da anterioridade determina que a lei que aumenta ou cria só é aplicável a partir do exercício seguinte àquele que for instituída, observado, nos casos dos tributos sujeitos a esse segundo primado, o prazo mínimo de 90 dias. Assim a questão que surge é a seguinte: revogar isenção se equipara a aumentar tributo?

A resposta é positiva. Quando se revoga uma isenção, uma situação que antes não estava sujeita à imposição tributária passa a ser alvo de tributação. O aumento de tributo é indiscutível.

O Supremo Tribunal Federal, reconhecendo essa circunstância, decidiu pela necessidade de observância do primado da anterioridade para revogação de benefícios fiscais:

“IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – DECRETOS Nº 39.596 E Nº 39.697, DE 1999, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – REVOGAÇÃO DE BENEFÍCIO FISCAL – PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE – DEVER DE OBSERVÂNCIA – PRECEDENTES. Promovido aumento indireto do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS por meio da revogação de benefício fiscal, surge o dever de observância ao princípio da anterioridade, geral e nonagesimal, constante das alíneas “b” e “c” do inciso III do artigo 150, da Carta. Precedente – Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.325/DF, de minha relatoria, julgada em 23 de setembro de 2004. MULTA – AGRAVO – ARTIGO 557, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Surgindo do exame do agravo o caráter manifestamente infundado, impõe-se a aplicação da multa prevista no § 2º do artigo 557 do Código de Processo Civil.”

(RE 564225 Agr, rel. min. Marco Aurélio, Primeira Turma, j. 02/09/2014)

Não há dúvida que o racional acima também se aplica às isenções cuja revogação implicam patente majoração de tributo.

Por fim, cabe examinar a dicção do art. 179 do Código Tributário Nacional que prevê o seguinte:

“Art. 179. A isenção, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para sua concessão.

§ 1º Tratando-se de tributo lançado por período certo de tempo, o despacho referido neste artigo será renovado antes da expiração de cada período, cessando automaticamente os seus efeitos a partir do primeiro dia do período para o qual o interessado deixar de promover a continuidade do reconhecimento da isenção.

§ 2º O despacho referido neste artigo não gera direito adquirido, aplicando-se, quando cabível, o disposto no artigo 155”.1 

O artigo acima citado prevê a possibilidade de concessão de isenção individualmente. Trata-se, na verdade, de aplicação administrativa, por norma individual e concreta, de isenção criada por lei. Como não poderia deixar de ser, cabe à autoridade administrativa identificar, nesses casos, se os requisitos legais foram devidamente cumpridos.

O § 1º do dispositivo prevê que em se tratando de tributo lançado por período certo de tempo, o despacho referido em tal artigo será renovado antes da expiração de cada período, cessando automaticamente os seus efeitos a partir do primeiro dia do período para o qual o interessado deixar de promover a continuidade do reconhecimento da isenção.

Já o § 2º determina o despacho que reconhece a isenção não gera direito adquirido. É preciso refleti, com acuidade, essa afirmação.

Uma vez adimplida as condições legais para reconhecimento da isenção, a autoridade administrativa está vinculada para sua aplicação. Essa vinculação deve estar refletida no despacho que reconhece sua aplicação para certo contribuinte.

Agora, se a isenção for revogada por lei, desde que não por prazo certo, não há que se falar em direito adquirido, até mesmo porque não existe direito adquirido a regime jurídico. O mesmo não se diga no que tange à isenção por prazo certo e onerosa: para este caso, a partir do momento em que o contribuinte adimple suas condições passa a ser detentor do direito adquirido de usufruir o benefício.

Por outro lado, o eventual despacho concedendo isenção, ou é legal, ou ilegal. Se legal, enquanto em vigor a lei que o institui e permanecerem os requisitos da isenção, não pode ser revogado. Daí se trata de uma questão de legalidade e não de direito adquirido.

Agora, se o despacho for ilegal, certamente, deve ser revisto, para que a ilegalidade seja sanada.

Outro ponto, porém: se um despacho concede isenção a certo contribuinte e, por uma mudança de interpretação normativa, o Fisco passa a entender que essa isenção não seria aplicável, o novo critério jurídico deveria ser aplicável apenas para eventos posteriores. Trata-se da dicção do art. 146 do Código Tributário Nacional que proíbe a aplicação retroativa de mudança de critério jurídico.


3. A anistia no Código Tributário Nacional

O art. 180 do Código Tributário Nacional prevê que a anistia abrange, exclusivamente, as infrações cometidas anteriormente à vigência da lei que a concede, não se aplicando:

I. os atos qualificados em lei como crimes ou contravenções e aos que, mesmo sem essa qualificação, sejam praticados com dolo, fraude ou simulação pelo sujeito passivo ou por terceiro em benefício daquele;

II. salvo disposição em contrário, às infrações resultantes de conluio entre duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas.

Apesar desse aspecto, por vezes surgem anistia que alcançam atos qualificados em lei como crime ou contravenção. Um exemplo recente foi a instituída pela Lei 13.254/2016 que anistiou a imposição de multas para contribuintes que recolhiam em atraso Imposto Sobre a Renda sobre rendimentos não declarados relativos a ativos situados no exterior, em eventual crime, em tese, previsto pelo art. 1º da Lei 8.137/1990 e pelo art. 22 da Lei 7.492/1986. Em que pese a esses exemplos, a determinação de proibição de anistia está prevista no Código Tributário Nacional.

Avancemos. O art. 181 do mesmo Código prevê que a anistia pode ser concedida em caráter ou de modo limitado, considerando-se os seguintes aspectos:

(a) às infrações da legislação relativa a determinado tributo;

(b) às infrações punidas com penalidades pecuniárias até determinado montante, conjugadas ou não com penalidades de outra natureza;

(c) a determinada região do território da entidade tributante, em função de condições a ela peculiares;

(d) sob condição do pagamento de tributo no prazo fixado pela lei que a conceder, ou cuja fixação seja atribuída pela mesma lei à autoridade administrativa.

Os dispositivos acima distam de ser taxativos e a criatividade do legislador, em cada caso, certamente criará outros elementos limitadores. Um exemplo típico é a data de vencimento de tributos, tal como invariavelmente constante em leis que criam parcelamentos especiais como o REFIS.2 

Já o art. 182 prevê que a anistia, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previsto em lei para sua concessão.

A exemplo do que o Código determinou para a isenção, o parágrafo único do art. 182 prevê que o despacho referido em tal artigo não gera direito adquirido, aplicando-se, quando cabível, o disposto no art. 155.

Mais uma vez, aqui, deve-se compreender a intenção do legislador. Em verdade, se a anistia foi concedida por despacho sem a observância dos requisitos legais, certamente, deve ser revisada em razão do princípio da estrita legalidade. Caso tenha sido concedida legalmente, não há que se revisto.


Notas

1 “Art. 155. A concessão da moratória em caráter individual não gera direito adquirido e será revogado de ofício, sempre que se apure que o beneficiado não satisfazia ou deixou de satisfazer as condições ou não cumprira ou deixou de cumprir os requisitos para a concessão do favor, cobrando-se o crédito acrescido de juros de mora:

I - com imposição da penalidade cabível, nos casos de dolo ou simulação do beneficiado, ou de terceiro em benefício daquele;

II - sem imposição de penalidade, nos demais casos.

Parágrafo único. No caso do inciso I deste artigo, o tempo decorrido entre a concessão da moratória e sua revogação não se computa para efeito da prescrição do direito à cobrança do crédito; no caso do inciso II deste artigo, a revogação só pode ocorrer antes de prescrito o referido direito.”

2 Vide art. 1º, §1º da Medida Provisória 766/2017.

Referências

BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. 3. ed. Saraiva, 2011.

CARVALHO, PAULO DE BARROS. Curso de direito tributário. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

__________________. Direito tributário, linguagem e método. 6. ed. São Paulo: Noeses, 2015.

LUNARDELLI, Pedro Guilherme Accordi. Isenções tributárias. São Paulo: Dialética, 1999.


Citação

MCNAUGHTON, Charles W.. Exclusão de crédito tributário. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Tributário. Paulo de Barros Carvalho, Maria Leonor Leite Vieira, Robson Maia Lins (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/301/edicao-1/exclusao-de-credito-tributario

Edições

Tomo Direito Tributário, Edição 1, Maio de 2019

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