A igualdade tributária é importante corolário de nosso sistema normativo. Sua positivação, em nosso ordenamento, é extensa, tendo sua primeira menção no preâmbulo da Carta Constitucional1 e,2 posteriormente, nos direitos e garantias fundamentais, integrando os direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º, caput).3 

Especificamente na seara tributária, a encontramos nos princípios gerais, que conformam as diretrizes do Sistema Constitucional Tributário (art. 145, § 1º),4 bem como nas limitações constitucionais ao poder de tributar, na qual figura como uma verdadeira garantia dos contribuintes (art. 150, II).5 

Identifica-se, assim, as referências diretas à igualdade no Texto Constitucional. Contudo, na Lei Suprema, diversos são os dispositivos que estão intimamente ubicados com a igualdade, podendo-se destacar a segurança jurídica – denominada por Paulo de Barros Carvalho como “sobre princípio”, o Estado Democrático de Direito, a legalidade, o devido processo legal. 

Portanto, quer seja por referência expressa ou implícita, a igualdade tributária é de fundamental importância para o sistema normativo, constituindo-se em seu cânone basilar.

É de relevo, nesse esteio, identificar alguns de seus desdobramentos constantes de princípios que informam o sistema político e a tributação.


1. Igualdade e princípios constitucionais

1.1. Princípio republicano

O Brasil, em consonância como art. 1º da Constituição é uma República que se traduz, nos ensinamentos de Roque Antonio Carrazza6 em um “tipo de governo, fundado na igualdade formal das pessoas, em que os detentores do poder político exercem-no em caráter eletivo, representativo (de regra), transitório e com responsabilidade”.

Ainda em consonância com as lições do mestre Carrazza,7 “é intuitiva a inferência de que o princípio republicano leva à igualdade da tributação. Os dois princípios interligam-se e completam-se”. Geraldo Ataliba8 asseverava que a igualdade “é um princípio constitucional fundamental, imediatamente decorrente do republicano”, sendo sua observância inerente ao próprio princípio republicano.

Isto porque, o princípio republicano conduz à isonomia de tratamento na tributação que atinge as pessoas físicas e jurídicas. É dizer: aqueles que se encontram na mesma situação, da perspectiva jurídica, devem obter o mesmo tratamento tributário.

João Barbalho9 é enfático sobre o papel do princípio republicano e a igualdade: 

“não há, perante a lei republicana, grandes nem pequenos, senhores nem vassalos, patrícios nem plebeus, ricos nem pobres, fortes nem fracos, porque a todos irmana e nivela o direito. Não existem privilégios de raça, casta ou classe, nem distinções quanto às vantagens e ônus10 instituídos pelo regime constitucional. E a desigualdade proveniente de condições de fortuna e de posição social não têm que influir nas relações entre o indivíduo e a autoridade pública em qualquer de seus ramos. A Lei, a Administração, a Justiça serão iguais para todos. Finalmente, de todas as formas de governo é a república a mais própria para o domínio da igualdade, a única compatível com ela. A igualdade repele o privilégio, seja pessoal, seja de família, de classes ou de corporação”.

Logo, observa-se que a igualdade e o princípio republicano estão intrinsecamente relacionados. Em uma república, os cidadãos deverão obedecer ao tratamento igualitário em todos os seus direitos e garantias, inclusive no que diz respeito à tributação. Não se pode admitir, dentro de um sistema democrático, republicano, que cidadãos na mesma situação sejam submetidos à tributação de formas distintas. Portanto, a igualdade tributária é um corolário indispensável do princípio republicano.


1.2. Igualdade e capacidade contributiva

A capacidade contributiva, na esfera tributária, traduz-se na maior evidenciação da igualdade.

Insculpida no art. 145, § 1º, da Carta Magna, estabelece que sempre que possível os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte.

Observa-se, assim, a preocupação do legislador constitucional na manutenção da igualdade de condições entre os contribuintes que estejam na mesma situação. Contudo, como bem adverte Elizabeth Nazar Carrazza,11 “a capacidade contributiva encampada pelo legislador constituinte é a capacidade contributiva objetiva, aquela que se refere às manifestações objetivas de riqueza do contribuinte, que se revela no patrimônio como um todo considerado e, não apenas, por meio do exame da conta bancária”.

Desta forma, a capacidade contributiva deve obedecer à máxima de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade.

Portanto, observa-se a fixação de limites objetivos para a delimitação da capacidade contributiva. Alfredo Augusto Becker12 os denominava de “fatos signos presuntivos de riqueza” – consistentes naqueles que conduzem à presunção de que aqueles que realizam a conduta que se subsume à norma geral e abstrata sejam dotados de riqueza para serem colhidos pelo critério material da citada norma. Neste caso, não tem relevância que o sujeito passivo efetivamente não detenha a riqueza para tanto. É dizer: não precisa ser rico, basta parecer.

Roque Antonio Carrazza13 identifica elucidativo exemplo da situação posta. São suas palavras: conheci pessoa que, por herança de família, tinha valioso quadro de pintor flamengo do século XVII. Um dia, ela vendeu seu quadro e, com o dinheiro apurado, comprou belíssimo apartamento. Esta pessoa, que tirante o quadro, poderia ser considerada pobre, tinha – graças ao mesmo quadro – capacidade contributiva. Tanto tinha que, transformando o quadro em moeda correte, adquiriu um imóvel luxuoso”.

Observa-se, no esteio do exemplo dado pelo mestre Carrazza, que o simples fato de possuir um imóvel luxuoso é fato signo presuntivo de riqueza, inclusive para o pagamento do IPTU, nos moldes que fixados pelo legislador do município no qual está situado o imóvel.

Desta forma, a capacidade contributiva, na esfera tributária, é corolário indispensável da igualdade.


2. Conceito de igualdade

Humberto Ávila,14 em monografia sobre o tema da igualdade tributária, a conceitua como uma relação entre dois sujeitos em razão de um critério que serve a uma finalidade, sendo que tais sujeitos são sempre comparados por algum motivo.

Muitas são as teorias sobre a igualdade e sua origem. Dentre as existentes, destacamos: (i) a igualdade e a proibição da arbitrariedade, que prega a coibição de condutas arbitrárias;15 (ii) a igualdade como tratamento paritário; (iii) a igualdade como tratamento finalisticamente adequado.

Contudo, a medida de comparação, ao lado de outros elementos estruturais identificados por Humberto Avila,16 como os sujeitos, os elementos indicativos da medida de comparação e a finalidade da diferenciação traduzem conceito que melhor se amolda ao ordenamento jurídico brasileiro.

Isto porque a medida de comparação deve ser obtida por intermédio de elemento que guarde consonância com a finalidade que justifica a sua utilização como, por exemplo, incentivar condutas por parte dos contribuintes (empreendedorismo, estimulo às exportações, desenvolvimento de atividade rural) apenas para citar algumas situações, aliadas à finalidade desta diferenciação, como, por exemplo, nos casos em que a extrafiscalidade tributária é perseguida. Contudo, a finalidade a ser buscada não deve apresentar ambiguidade nem contradição.

Portanto, a igualdade se perfaz diante de diversas situações e elementos; deve dar azo à isonomia dos contribuintes, de sorte a estabelecer critérios para o tratamento igualitário àqueles que se encontram em situações análogas.

Contudo, os parâmetros para a fixação desta igualdade são inúmeros. Primeiramente tem-se os sujeitos eleitos pelos entes políticos como passíveis de realização das condutas colhidas pelas normas jurídicas. Referidas condutas serão objeto de comparação com todas as demais condutas, tendo-se por elementos indicativos desta comparação situações as quais são eleitas pelo legislador para serem prestigiadas como, a título exemplificativo, o incentivo ao exercício de atividades profissionais por microempresários ou a exportação de produtos nacionais. E, culmina a igualdade tributária nas finalidades inerentes à esta situação, como a extrafiscalidade que visa a regular a balança comercial. 

Desta forma, trata-se igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade.


Notas

1 “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”.

2 Paulo de Barros Carvalho chama a atenção para a importância e prescritibilidade do preâmbulo da Constituição. São suas palavras: “quero insistir que o Preâmbulo Constitucional é portador de carga prescritiva como qualquer outra porção do direito posto. Distingue-se, porém, pela hierarquia. É a palavra do legislador constituinte que remete à própria instância da enunciação do Texto Maior, anunciando valores que funcionam como verdadeiros dêiticos para localizar, no tempo e no espaço, o momento e o lugar cultural em que se implantou a Constituição de 1988”. CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e positivação, p. 21.

3 “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”.

4 “§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.

5 “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;”.

6 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p. 67.

7 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p.  88.

8 ATALIBA, Geraldo. República e constituição, p. 157.

9 BARBALHO, João. Constituição federal brasileira – comentário, pp. 407-408.

10 Geraldo Ataliba ensinou que “a igualdade é o grande tom do nosso Direito Constitucional que penetra toda – necessariamente, ainda que implicitamente – legislação e os atos de aplicação da legislação. A igualdade é que diferencia nosso direito dos direitos totalitários e arbitrários que desconhecem a igualdade. ATALIBA, Geraldo. Sistema tributário na constituição de 1988. Revista de direito tributário, nº 51, p. 151.

11 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU e progressividade – Igualdade e capacidade contributiva, p. 74.

12 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário, pp. 459-461.

13 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p. 101.

14 ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária, p. 40.

15 Elizabeth Nazar Carrazza, sobre o tema, transcreve enunciado do Tribunal Constitucional Alemão, na seguinte conformidade: “O enunciado da igualdade é violado se não e possível encontrar um fundamento razoável, que decorra da natureza das coisas, ou uma razão objetivamente evidente para a diferenciação ou para o tratamento igual feitos pela lei; em resumo, se a disposição examinada tiver que ser classificada como arbitrária. CARRAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU e progressividade – Igualdade e capacidade contributiva, p. 37.

16 ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária.


Referências

ATALIBA, Geraldo. República e constituição. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011.

__________________. Sistema tributário na constituição de 1988. Revista de direito tributário, nº 51. São Paulo: Malheiros Editores, 1990.

ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.

BARBALHO, João. Constituição federal brasileira – comentário. Rio de Janeiro, F. Briguiet; Cia Editores, 1924.

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1972.

CARRAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU e progressividade – Igualdade e capacidade contributiva. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2015.

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e positivação. São Paulo: Noeses, 2015. Vol. II.


Citação

GONÇALVES, Carla de Lourdes. Igualdade tributária. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Tributário. Paulo de Barros Carvalho, Maria Leonor Leite Vieira, Robson Maia Lins (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/286/edicao-1/igualdade-tributaria

Edições

Tomo Direito Tributário, Edição 1, Maio de 2019

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