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Imunidade
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Clélio Chiesa
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Tomo Direito Tributário, Edição 1, Maio de 2019
As imunidades são representadas por aquelas situações que não estão sujeitas à tributação em decorrência de determinação legal inserida no texto constitucional. Significa dizer que aquele que está imune não está obrigado a pagar tributo. É um instituto de natureza constitucional. Não há imunidades fora da Constituição Federal.
1. Definição
Utilizamos o termo “imunidades” para nos referir ao conjunto de regras1 previstas na Constituição Federal que estabelecem a impossibilidade de certas situações serem tributadas pelas pessoas políticas. Tais regras contemplam em seu antecedente a descrição de eventos que não podem ser tributados, como por exemplo, a regra do art. 150, VI, d, que veda a tributação por meio de impostos as operações com livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão. São determinações negativas sobre a possibilidade de se tributar.
O constituinte utilizou para a criação das imunidades termos como “é vedado”, “é proibido” e outros. O propósito foi, sem dúvida, não deixar ao legislador da pessoa política competente para tributar a decisão sobre criar ou não regra proibindo a tributação de tais situações. O próprio constituinte se encarregou de fazer isso. Esse é um dos aspectos marcantes da distinção entre imunidades e isenções. As imunidades estão contempladas na Constituição Federal. Logo, possuem regime constitucional e a competência para legislar é do Congresso Nacional. Já as isenções, na sua grande maioria, são regras veiculadas por meio de lei da pessoa política competente para tributar a respeito da situação que se outorga a isenção.
Assevera José Wilson Ferreira Sobrinho que o “espaço jurídico da imunidade tributária não pode ser caracterizado como campo propício às regras de comportamento, uma vez que não há conduta para ser normada. A análise, portanto, deverá ser centrada nas regras de estrutura, uma vez que elas se destinam à fixação da competência tributária bem como, reflexamente, determinam a impossibilidade de outras regras jurídicas serem editadas objetivando a tributação”.2
As imunidades, tidas como normas que estabelecem a impossibilidade de tributação sobre certas situações, formam, juntamente com as normas de competência, o conjunto de regras que demarcam o âmbito de atuação das pessoas políticas.
Há na Constituição Federal preceptivos que estabelecem o que as pessoas políticas podem fazer a respeito da instituição de tributos e há os que estabelecem o que os entes não podem fazer. Os preceptivos que formam o grupo das normas que estabelecem o que pode ser feito são as chamadas normas de competência legislativa. Já os que contemplam situações que não podem ser tributadas, são as chamadas normas de imunidades. Nota-se que tanto as normas de competência quanto as normas imunizantes são normas que versam sobre a aptidão de tributar. A diferença é que nas normas de competência o legislador constituinte estabeleceu de forma positiva o que as pessoas políticas podem tributar, enquanto nas normas imunizantes ele estabeleceu o que os entes não podem tributar. É da coalescência dessas regras que visualizamos o âmbito de atuação das pessoas políticas.
A Constituição Federal outorga às pessoas políticas competência para criar impostos (determinação positiva: pode fazer). Por outro lado, estabelece que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros (art. 150, VI, a, CF – determinação negativa: “é vedado”). Logo, reescrevendo, as pessoas políticas são aptas a instituir impostos, exceto em relação umas às outras. Nessa esteira, outras regras negativas podem ser agregadas.
Por tais razões, optamos por definir as imunidades como normas constitucionais que estabelecem a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para instituírem tributos sobre certas situações nela especificadas.
Nesse sentir, as imunidades são juízos hipotéticos-condicionais representativos de ordens negativas que se formam em nosso intelecto, construídos a partir do exame do texto constitucional. Entendemos que essa demarcação é importante porque diferencia texto de norma. As imunidades não são, portanto, os preceptivos constitucionais (os artigos, parágrafos, incisos e alíneas) que são as imunidades, mas as ordens negativas que a partir deles construímos. De igual sorte, não são ordens negativas que construímos a partir de qualquer texto normativo, mas somente as que construímos a partir do texto constitucional, cuja redução tem uma função importante na definição de imunidades. Vale dizer, não há imunidades fora da Constituição Federal.
Por outro giro, utilizamos o termo “incompetência” com o intuito de dizer que são somente as normas construídas a partir do texto constitucional que estabelecem a impossibilidade de tributação. Já que, doutrinariamente, as normas que autorizam a tributação as denominamos de normas de competência impositiva.
2. Distinção entre imunidades e isenções
Vimos que as imunidades são normas constitucionais que aliadas às normas de competência definem o campo de atuação das pessoas políticas. São normas que versam sobre hipóteses que não podem ser submetidas à tributação. São normas de estrutura que interagem com as normas de competência impositiva apontando o âmbito dentro do qual podem as pessoas políticas atuar para o fim de criar tributos.
As isenções, tidas como normas jurídicas, são construídas a partir de textos infraconstitucionais. Diferentemente das imunidades, o suporte físico delas não é o texto constitucional. As isenções não são normas que colaboram na demarcação da competência impositiva. Valer dizer, não há hipóteses de isenções na Constituição Federal.
As isenções são normas veiculadas por meio de leis infraconstitucionais que estabelecem que certas situações não devem ser tributadas. Por esse viés, poder-se-ia até pensar que equiparam-se juridicamente às imunidades, entretanto, tal ilação não tem visos de procedência.
Primeiro, porque o regime jurídico é diferente. As imunidades são normas constitucionais e as isenções são normas infraconstitucionais. Significa dizer que as imunidades possuem como suporte físico o texto constitucional e as isenções os textos infraconstitucionais, o que evidencia, por si só, que o regime jurídico é distinto.
Segundo, as imunidades são normas de incompetência; as isenções versam sobre o dimensionamento da incidência. As isenções são normas que, via de regra, são veiculadas pela pessoa política competente para tributar destinadas a afastar a incidência da tributação. Trata-se de uma opção a ser exercida pela pessoa política apta a tributar e, portanto, afeta o dimensionamento da incidência e não a competência.
Terceiro, compete privativamente ao Congresso Nacional legislar sobre imunidades; já quanto às isenções, ressalvadas as hipóteses de conflitos entre relevante interesse nacional e os interesses das ordens jurídicas parciais, compete, como regra geral, à pessoa política apta para tributar a competência para conceder isenções.
Quarto, as isenções são normas que interagem com as normas instituidoras do tributo visando demarcar o âmbito de incidência e não o âmbito de competência como ocorre com as imunidades. Compete aos Municípios instituir o IPTU (art. 156, I, da Constituição Federal). Com efeito, por força da imunidade prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Federal, o IPTU não pode ser exigido das demais pessoas políticas em relação aos seus imóveis. Supondo-se que fosse somente essa regra imunizante, em tese, todos os demais imóveis poderiam ser tributados pelo IPTU. Dentro desse âmbito de atuação poderia, entretanto, o Município optar por determinar, por meio de lei, que certos imóveis não seriam submetidos à tributação, por exemplo, os imóveis com área construída inferior a cinquenta metros quadrados. Bem, neste caso, teríamos aí uma hipótese de isenção. Veja que teria ocorrida aí um redimensionamento da abrangência do imposto. Antes da instituição da isenção todos os imóveis estavam sujeitos à tributação por meio do IPTU. Após a instituição da isenção, todos os imóveis estão sujeitos à tributação, exceto os imóveis com área inferior a cinquenta metros quadrados.
Na percuciente lição de Paulo de Barros Carvalho, isenção “é uma fórmula inibitória da operatividade funcional da regra-matriz, de tal forma que, mesmo acontecendo o evento tributário, no nível da concretude real, não pode o fato ser constituído e seus peculiares efeitos não se irradiam, justamente porque a relação obrigacional não se poderá instalar à míngua de objeto”.3
Assim, podemos dizer que as isenções são normas veiculadas por meio de leis infraconstitucionais que estabelecem a não tributação de certas situações, provocando um redimensionamento da abrangência da norma instituidora do tributo.
É certo que tanto as pessoas imunes quanto as pessoas isentas, em termos práticos, não estão sujeitas à tributação, contudo, por fundamentos jurídicos absolutamente distintos. As imunidades são comandos constitucionais que redimensionam o âmbito de competência das pessoas políticas. Já as isenções são comandos negativos que afetam a norma do tributo.
3. Abrangência das imunidades: impostos ou tributos?
Nada obstante existam divergências acerca desse questionamento, ou seja, se as imunidades abrangem somente os impostos ou tributos de um modo geral. De nossa parte, lastreando-nos nas premissas já firmadas, acreditamos que a solução é simples.
Considerando-se que as ditas imunidades nada mais são do que uma categoria criada pela doutrina e, neste caso, fizemos a opção por definir imunidades como normas constitucionais que estabelecem a impossibilidade das pessoas políticas tributarem certas situações, sem qualquer referência à espécie de tributo, as determinações negativas podem ser em relação a impostos ou outras espécies de tributos. Diga-se, de passagem, que no Capítulo “Do Sistema Tributário Nacional”, o legislador nem usa o termo “imunidades” para estabelecer a impossibilidade da criação de tributos.
Ressalta-se, entretanto, que caso seja feita a opção por uma redução de sentido do termo “imunidades”, é perfeitamente possível dizer-se que as imunidades se referem somente a impostos. Contudo, não é essa opção que fizemos neste trabalho, até porque, a nosso ver, é inconteste que há no texto constitucional preceptivos que nos permitem construir juízos hipotéticos-condicionais de determinações negativas a respeito da aptidão para tributar quanto a outros tributos além dos impostos. São exemplos disso os casos previstos no art. 5º, XXXIV, “a” e “b”, LXXIV LXXVII, art. 149, § 2º, I, e art. 195, § 7º,4 art. 226, § 1º, todos da Constituição Federal.
4. Hipóteses de imunidades
4.1. Imunidade recíproca
O art. 150, VI, a, da Constituição Federal estabelece que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros.
Trata-se de uma regra que explicita os efeitos do princípio federativo e da autonomia das pessoas políticas em matéria tributária, pois estabelece expressamente que as pessoas políticas não podem exigir impostos uma das outras, visando evitar a interferência de uma pessoa política na atuação da outra.
Assevera Roque Antônio Carrazza que “entre as pessoas políticas reina a mais absoluta igualdade jurídica. Umas não se sobrepõem às outras. Não, pelo menos, em termos jurídicos. É o quanto basta para afastarmos qualquer ideia de que podem sujeitar-se a impostos”.5
Nota-se que o legislador utilizou-se do termo impostos e não tributos. Portanto, a imunidade aqui alcança somente a espécie impostos.6 Assim, se por exemplo, um imóvel pertencente ao Estado é beneficiado por uma obra pública que implica em valorização imobiliária, em tese, se não houver nenhuma determinação de não tributação no plano infraconstitucional, o Estado terá que pagar contribuição de melhoria.
4.1.1. Os termos “patrimônio, renda ou serviços”
Vê-se também que a vedação é para instituir impostos que incidem sobre “patrimônio, renda ou serviços”. Uma interpretação restritiva desse preceptivo nos conduziria à conclusão de que os impostos cuja materialidade não recaísse sobre o patrimônio, renda ou serviços, não estariam abrangidos por esta imunidade. Por exemplo, o IOF é um imposto que incide sobre operações financeiras. Logo, não se enquadraria em nenhum dos três tipos “renda, patrimônio ou serviços”. Com efeito, essa não nos parece ser a melhor exegese, eis que o propósito foi evitar a interferência de uma pessoa política na outra por meio de impostos, independentemente da materialidade.
Nesse mesmo sentido foi decido no julgamento do Agravo Regimental em Recurso Extraordinário 197.940/-2, tendo destacado o Relator, Ministro Marco Aurélio, que “a alínea ‘a’ do inciso VI do art. 150 veda, de forma linear, a instituição recíproca de tributos entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Descabe partir para a interpretação literal do preceito, colocando em plano secundário a teleológica. A referência a patrimônio, renda e serviços, uns dos outros, contida na alínea em comento, tem o alcance de afastar a cobrança de todo e qualquer imposto” (STF, Segunda Turma, AGRRE 197.940-3/SC, rel. Min. Marco Aurélio, j. 25.04.1997).
Nota-se, portanto, que a leitura a ser feita do art. 150, VI, a, da Constituição Federal é a seguinte: é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos uns dos outros.
4.1.2. A imunidade recíproca alcança o contribuinte de direito, de fato ou ambos?
Os impostos podem ser classificados em diretos e indiretos. São considerados diretos aqueles cujo ônus da tributação recai sobre a pessoa física ou jurídica que integra o polo passivo da obrigação tributária e indiretos aqueles em que a carga tributária pode ser repassada a terceiros estranhos à relação jurídica tributária. Nos impostos indiretos, aquele que integra a relação jurídica e, portanto, tem o dever de recolher o tributo, é denominado de contribuinte de direito e aquele que, embora não fazendo parte da relação jurídica, suporta o ônus da tributação é chamado de contribuinte de fato.
O imposto sobre a renda, por exemplo, é um imposto que pode ser classificado como direto, pois a carga tributária normalmente é suportada por aquele que integra a relação jurídica tributária, ou seja, aquele que aufere renda. Já o ICMS, pode ser classificado como imposto indireto, na medida em que ônus da tributação pode ser repassado a terceiros que não integram o polo passivo da relação jurídica tributária. Vale dizer, o contribuinte de direito é o vendedor e o contribuinte de fato é o consumidor, pois é quem, em última análise, provavelmente, vai suportar o impacto da tributação, na medida em que o valor do imposto fará parte da composição do preço do produto. O evento tributado, dito de forma singela, é vender mercadoria. Logo, o realizador do evento “vender mercadoria” é o contribuinte de direito. Já o contribuinte de fato “inexiste para o direito”, simplesmente porque juridicamente ele não é contribuinte.
Na percuciente observação de Geraldo Ataliba, é uma “classificação que nada tem de jurídica; seu critério é puramente econômico. Foi elaborada pela ciência das finanças, a partir da observação do fenômeno econômico da translação ou repercussão dos tributos. É critério de relevância jurídica em certos sistemas estrangeiros. No Brasil, não tem aplicação”. Nada obstante isso, reconhece o autor, que no Brasil, “para os juristas, essa classificação é irrelevante, salvo para interpretar certas normas de imunidade ou isenção, pela consideração substancial sobre a carga tributária, em relação à pessoa que a suportará”.7
Nessa esteira, se um município adquire uma ambulância, nesta operação incide ICMS? E, no caso do ICMS incidente sobre a energia consumida pelo município, incide ICMS? Muito bem, a resposta sobre a incidência do imposto em tais casos está diretamente atrelada à demarcação do âmbito de abrangência da imunidade, ou seja, o art. 150, VI, a, da Constituição Federal veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros, na condição de contribuinte de direito, de fato ou em ambas as condições? Nota-se que, nos exemplos citados, o Município não é contribuinte de direito, pois não é ele que realiza a venda, mas provavelmente será o que suportará ônus da tributação que será repassado no custo do produto ou do serviço, na condição de contribuinte de fato.
O Supremo Tribunal Federal tem firmado entendimento que em tais casos a imunidade do art. 150, VI, a, da Constituição Federal não alcança o denominado contribuinte de fato. Em decisão relativamente recente, Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo 758.886, julgado em 04.09.2014, decidiu a Primeira Turma que anota o seguinte:
“é pacífico o entendimento deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que o município não pode ser beneficiário da imunidade recíproca nas operações em que figurar como contribuinte de fato.
O repasse do ônus financeiro, típico dos tributos indiretos, não faz com que a condição jurídica ostentada pelo ente federativo na condição de sujeito passivo da relação jurídica tributária seja deslocada para a figura do consumidor da mercadoria ou serviço”.
Nota-se, portanto, que a Corte tem optado por uma interpretação estritamente jurídica. O denominado contribuinte de fato, em verdade, não integra o mundo jurídico, pois a relação se instaura entre o sujeito ativo (Estado, Distrito Federal e excepcionalmente a União nos Territórios Federais – art. 147 da CF) e o sujeito passivo, que será o vendedor ou responsáveis tributários. Desta forma, veja que o adquirente da mercadoria ou do serviço, salvo se for incluído na condição de responsável, ele não integra a relação jurídica tributária. A classificação dos impostos em diretos e indiretos está pautada em critério econômico e não jurídico. A constatação da ocorrência ou não do repasse do ônus da tributação implica em uma análise de ordem econômica e não jurídica. No ICMS, a pessoa obrigada, juridicamente, a pagar o imposto, é a que realiza a venda ou o responsável tributário a ser indicado em lei. O adquirente é estranho à relação jurídica.
4.1.3. Abrangência da imunidade recíproca em relação às autarquias, fundações e outras pessoas jurídicas
4.1.3.1. Autarquias e fundações
Nos termos do §2º do art. 150 da Constituição Federal, a imunidade recíproca “é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes”.
Nota-se que, como ocorre no art. 150, VI, a, da Constituição Federal, a imunidade refere-se às pessoas envolvidas na relação jurídica tributária. Vale dizer, a concessão da imunidade tem como critério o tipo de pessoas jurídicas envolvidas na relação jurídica e não certas operações ou bens. São pessoas jurídicas que possuem regime jurídico próprio e que não se confundem com outras entidades que também têm personalidade reconhecida pelo direito, mas que com elas não se confundem, como por exemplo, as fundações criadas e mantidas por particulares. A imunidade aqui mencionada alcança somente as criadas e mantidas pelo poder público. A imunidade foi estendida para pessoas de direito público, cujo regime jurídico é inconfundível com o privado.
4.1.3.2. Empresas públicas e sociedades de economia mista
As pessoas jurídicas qualificadas de empresas públicas e de sociedades de economia mista não se enquadram no conceito de autarquias nem de fundações mantidas pelo Poder Público. São, sem sobra de dúvida, pessoas jurídicas de naturezas distintas. Logo, não se enquadram na imunidade contemplada no art. 150, § 2º, da Constituição Federal. Nada obstante isso, o Supremo Tribunal Federal tem assegurado, em alguns casos, o direito à imunidade com base no referido preceptivo a essas pessoas jurídicas.
No caso da Companhia Docas do Estado de São Paulo – CODESP, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, embora constituída sob a forma de sociedade de economia mista, o direito à imunidade, tendo vista que a empresa desempenha atividade de interesse público e a sua desoneração não coloca em risco a livre-concorrência e o exercício de atividade profissional ou econômica lícita, vejamos:
“EMENTA: TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RECÍPROCA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA CONTROLADA POR ENTE FEDERADO. CONDIÇÕES PARA APLICABILIDADE DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRAÇÃO PORTUÁRIA. COMPANHIA DOCAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (CODESP). INSTRUMENTALIDADE ESTATAL. ARTS. 21, XII, f, 22, X, e 150, VI, a DA CONSTITUIÇÃO. DECRETO FEDERAL 85.309/1980.
1. IMUNIDADE RECÍPROCA. CARACTERIZAÇÃO.
Segundo teste proposto pelo ministro-relator, a aplicabilidade da imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, da Constituição) deve passar por três estágios, sem prejuízo do atendimento de outras normas constitucionais e legais:
1.1. A imunidade tributária recíproca se aplica à propriedade, bens e serviços utilizados na satisfação dos objetivos institucionais imanentes do ente federado, cuja tributação poderia colocar em risco a respectiva autonomia política. Em consequência, é incorreto ler a cláusula de imunização de modo a reduzi-la a mero instrumento destinado a dar ao ente federado condições de contratar em circunstâncias mais vantajosas, independentemente do contexto.
1.2. Atividades de exploração econômica, destinadas primordialmente a aumentar o patrimônio do Estado ou de particulares, devem ser submetidas à tributação, por apresentarem-se como manifestações de riqueza e deixarem a salvo a autonomia política.
1.3. A desoneração não deve ter como efeito colateral relevante a quebra dos princípios da livre-concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica lícita. Em princípio, o sucesso ou a desventura empresarial devem pautar-se por virtudes e vícios próprios do mercado e da administração, sem que a intervenção do Estado seja favor preponderante.
2. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. EXPLORAÇÃO DE SERVIÇOS DE ADMINISTRAÇÃO PORTUÁRIA. CONTROLE ACIONÁRIO MAJORITÁRIO DA UNIÃO. AUSÊNCIA DE INTUITO LUCRATIVO. FALTA DE RISCO AO EQUILÍBRIO CONCORRENCIAL E À LIVRE-INICIATIVA. Segundo se depreende dos autos, a Codesp é instrumentalidade estatal, pois:
2.1. Em uma série de precedentes, esta Corte reconheceu que a exploração dos portos marítimos, fluviais e lacustres caracteriza-se como serviço público.
2.2. O controle acionário da Codesp pertence em sua quase totalidade à União (99,97%). Falta da indicação de que a atividade da pessoa jurídica satisfaça primordialmente interesse de acúmulo patrimonial público ou privado.
2.3. Não há indicação de risco de quebra do equilíbrio concorrencial ou de livre-iniciativa, eis que ausente comprovação de que a Codesp concorra com outras entidades no campo de sua atuação.
3. Ressalva do ministro-relator, no sentido de que “cabe à autoridade fiscal indicar com precisão se a destinação concreta dada ao imóvel atende ao interesse público primário ou à geração de receita de interesse particular ou privado”. Recurso conhecido parcialmente e ao qual se dá parcial provimento” (STF, RE 253472/SP, Tribunal Pleno, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 31.01.2011).
Nesse mesmo sentido decidiu o Supremo Tribunal em outros casos:
“EMENTA: INFRAERO – EMPRESA PÚBLICA FEDERAL VOCACIONADA A EXECUTAR, COMO ATIVIDADE-FIM, EM FUNÇÃO DE SUA ESPECÍFICA DESTINAÇÃO INSTITUCIONAL, SERVIÇOS DE INFRA-ESTRUTURA AEROPORTUÁRIA – MATÉRIA SOB RESERVA CONSTITUCIONAL DE MONOPÓLIO ESTATAL (CF, ART. 21, XII, “C”) – POSSIBILIDADE DE A UNIÃO FEDERAL OUTORGAR, POR LEI, A UMA EMPRESA GOVERNAMENTAL, O EXERCÍCIO DESSE ENCARGO, SEM QUE ESTE PERCA O ATRIBUTO DE ESTATALIDADE QUE LHE É PRÓPRIO – OPÇÃO CONSTITUCIONALMENTE LEGÍTIMA – CRIAÇÃO DA INFRAERO COMO INSTRUMENTALIDADE ADMINISTRATIVA DA UNIÃO FEDERAL, INCUMBIDA, NESSA CONDIÇÃO INSTITUCIONAL, DE EXECUTAR TÍPICO SERVIÇO PÚBLICO (LEI 5.862/1972) – CONSEQÜENTE EXTENSÃO, A ESSA EMPRESA PÚBLICA, EM MATÉRIA DE IMPOSTOS, DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL FUNDADA NA GARANTIA DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA (CF, ART. 150, VI, A) – O ALTO SIGNIFICADO POLÍTICO-JURÍDICO DESSA GARANTIA CONSTITUCIONAL, QUE TRADUZ UMA DAS PROJEÇÕES CONCRETIZADORAS DO POSTULADO DA FEDERAÇÃO - IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DA INFRAERO, EM FACE DO ISS, QUANTO ÀS ATIVIDADES EXECUTADAS NO DESEMPENHO DO ENCARGO, QUE, A ELA OUTORGADO, FOI DEFERIDO, CONSTITUCIONALMENTE, À UNIÃO FEDERAL – DOUTRINA – JURISPRUDÊNCIA – PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – AGRAVO IMPROVIDO. – A INFRAERO, que é empresa pública, executa, como atividade-fim, em regime de monopólio, serviços de infra-estrutura aeroportuária constitucionalmente outorgados à União Federal, qualificando-se, em razão de sua específica destinação institucional, como entidade delegatária dos serviços públicos a que se refere o art. 21, XII, alínea “c”, da Lei Fundamental, o que exclui essa empresa governamental, em matéria de impostos, por efeito da imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, VI, “a”), do poder de tributar dos entes políticos em geral. Consequente inexigibilidade, por parte do Município tributante, do ISS referente às atividades executadas pela INFRAERO na prestação dos serviços públicos de infra-estrutura aeroportuária e daquelas necessárias à realização dessa atividade-fim. O ALTO SIGNIFICADO POLÍTICO-JURÍDICO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA, QUE REPRESENTA VERDADEIRA GARANTIA INSTITUCIONAL DE PRESERVAÇÃO DO SISTEMA FEDERATIVO. DOUTRINA. PRECEDENTES DO STF. INAPLICABILIDADE, À INFRAERO, DA REGRA INSCRITA NO ART. 150, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO. - A submissão ao regime jurídico das empresas do setor privado, inclusive quanto aos direitos e obrigações tributárias, somente se justifica, como consectário natural do postulado da livre concorrência (CF, art. 170, IV), se e quando as empresas governamentais explorarem atividade econômica em sentido estrito, não se aplicando, por isso mesmo, a disciplina prevista no art. 173, § 1º, da Constituição, às empresas públicas (caso da INFRAERO), às sociedades de economia mista e às suas subsidiárias que se qualifiquem como delegatárias de serviços públicos” (RE em AgR 363412/BA, Segunda Turma, rel. Min. Celso de Mello, j. 18.09.2008).
“EMENTA: Recurso extraordinário com repercussão geral. 2. Imunidade recíproca. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. 3. Distinção, para fins de tratamento normativo, entre empresas públicas prestadoras de serviço público e empresas públicas exploradoras de atividade. Precedentes. 4. Exercício simultâneo de atividades em regime de exclusividade e em concorrência com a iniciativa privada. Irrelevância. Existência de peculiaridades no serviço postal. Incidência da imunidade prevista no art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido” (STF, RE 601392/PR, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 05.06.2013).
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. SERVIÇOS DE SAÚDE. 1. A saúde é direito fundamental de todos e dever do Estado (arts. 6º e 196 da Constituição Federal). Dever que é cumprido por meio de ações e serviços que, em face de sua prestação pelo Estado mesmo, se definem como de natureza pública (art. 197 da Lei das leis). 2. A prestação de ações e serviços de saúde por sociedades de economia mista corresponde à própria atuação do Estado, desde que a empresa estatal não tenha por finalidade a obtenção de lucro. 3. As sociedades de economia mista prestadoras de ações e serviços de saúde, cujo capital social seja majoritariamente estatal, gozam da imunidade tributária prevista na alínea “a” do VI do art. 150 da Constituição Federal. 3. Recurso extraordinário a que se dá provimento, com repercussão geral” (STF, RE 580264/RS, Tribunal Pleno, rel. Min. Ayres Britto, j. 06.10.2011).
Nota-se, portanto, que de acordo com a orientação firmada, a forma de constituição da pessoa jurídica não é determinante para o fim de enquadramento na imunidade contemplada no §2º do art. 150 da Constituição Federal, mas a natureza da atividade desenvolvida e se a desoneração implica ou não em violação aos princípios da livre-concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica lícita.
4.1.4. Exploração de atividade econômica pelas pessoas jurídicas beneficiadas pela imunidade recíproca
A imunidade recíproca tem como propósito afastar a tributação nas hipóteses em que o poder público, autarquias e fundações atuam na sua função típica de desempenhar atividades de interesse público primário e não naquelas em que exploram atividades econômicas reguladas por normas aplicáveis ao setor privado. Nos termos do § 3º do art. 150 da Constituição Federal, as “vedações do inciso VI, “a”, e do § anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel”.
Como asseverou o Joaquim Barbosa, em seu voto na decisão proferida no RE 601392/PR, “a imunidade recíproca não se presta a assegurar ao ente federado vantagens contratuais ou de mercado, para, pura e simplesmente, permitir-lhe contratar e remunerar em condições mais vantajosas. Se o Poder Público age com intuito preponderantemente lucrativo, em favor próprio ou de terceiro, a imunidade recíproca não se lhe aplicará. Afinal, a atividade lucrativa em si mesma constitui signo de capacidade contributiva, ao mesmo tempo em que afasta o risco de pressão econômica. Por outro lado, a imunidade recíproca também não deve ter como função auxiliar particulares em seus empreendimentos econômicos” (STF, RE 601392/PR, Tribunal Pleno, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 05.06.2013).
A restrição justifica-se na medida em que a desoneração acabaria por provocar um desequilíbrio entre o poder público e as demais empresas exploradoras das mesmas atividades econômicas. Ademais, a imunidade recíproca não tem como propósito alcançar as funções atípicas da Administração.
4.1.5. Análise da cláusula restritiva “no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados às suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes
O § 2º do art. 150 da Constituição Federal restringe a imunidade concedida às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados às suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.
Primeira observação a ser feita é que a imunidade assegurada às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público não se restringem aos impostos incidentes sobre patrimônio, à renda e aos serviços das referidas instituições, mas alcança todos os impostos. Portanto, são imunes a impostos no que tange ao desenvolvimento de suas finalidades essenciais.
A parte final do preceptivo em questão, a cláusula “vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes”, pode ser interpretada quanto à destinação dos recursos ou quanto à origem. Vale dizer, a imunidade alcança todas as receitas auferidas no desempenho de suas atividades — sejam elas atividades fins ou não —, desde que aplicadas em seus fins institucionais, ou somente as receitas auferidas com o desenvolvimento das atividades fins da instituição? Parece-nos que a imunidade alcança todas as receitas auferidas, sejam elas oriundas da consecução de atividades fins das autarquias ou fundações ou de outras atividades, desde que, neste caso, o desenvolvimento de tais atividades não impliquem num desequilíbrio econômico-financeiro em relação às demais pessoas jurídicas que desempenham atividades similares, ofendendo os princípios da livre-concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica lícita.
Tal orientação é a que melhor se coaduna com o propósito de fortalecimento dessas entidades visando a autossuficiência, desde que não haja prejuízo a terceiros que desempenham atividades similares.
Por fim, cumpre registrar que em decisão monocrática decidiu o Min. Dias Toffoli que a restrição em comento não se aplica à União, vejamos: “o julgado recorrido contempla a conclusão de que a União não está condicionada ao ônus de comprovar vinculação do bem tributado a uma finalidade pública, o que somente ocorre nos casos das autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo poder público no que se refere à tributação do patrimônio, renda e serviços vinculados a suas finalidades essenciais. Esse entendimento está em consonância com a jurisprudência desta Corte que tem se posicionado no sentido de reconhecer a imunidade recíproca constante do art. 150, VI, a, da Carta Magna aos entes da administração direta e, somente no que refere ao alcance da imunidade recíproca às autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo poder público é que aparece a restrição concernente à vinculação do imóvel às suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes, na exata dicção da norma constitucional” (RE 635.012, rel. Min. Dias Toffoli, decisão monocrática, j. 7.02.2013).
4.2. Imunidade dos templos de qualquer culto
4.2.1. Demarcação do conteúdo semântico da expressão “templos de qualquer culto”
Nos termos do art. 150, VI, b, da Constituição Federal não é permitido à União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituir impostos sobre “templos de qualquer culto”. A Constituição Federal estabelece no art. 5º, VI, que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” e no art. 5º, VIII, que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”. Portanto, essa imunidade nada mais é do que o desdobramento do princípio constitucional que assegura a liberdade de crença religiosa e o livre exercício de cultos em matéria tributária, na medida em que impede que sejam criados embaraços ao exercício de atividade religiosa por meio da tributação de impostos.
Nota-se, então, que a imunidade tem como propósito garantir que a tributação por meio de impostos não se constitua em entrave ao livre exercício da atividade religiosa, colocando em risco a efetividade de tal garantia constitucional. Os cultos religiosos podem ser realizados de maneira formal ou informal. Sendo que, em ambas as hipóteses, por certo, o seu exercício demandará mais do que somente um local destinado à realização. Desta forma, se o propósito é assegurar o livre exercício da manifestação religiosa, a proteção se estende a todos os meios necessários à sua consecução. Isso nos induz a pensar que o termo “templo” não foi utilizado no preceptivo em comento como sinônimo de local físico em que é realizado o evento religioso, mas com o sentido de entidade religiosa.
Nesse sentir, todos os bens, móveis e imóveis, recursos e outros meios necessários a realização do culto religioso estão albergados pela referida imunidade, evidentemente, se adstritos aos seus fins e propósitos religiosos. Por outro giro, o termo “culto” deve ser tomado em sentido amplo, devendo alcançar toda e qualquer manifestação religiosa que não se choque com outros princípios ou diretrizes igualmente prestigiados pelo nosso sistema jurídico.
4.2.2. A imunidade e as propriedades das entidades religiosas
Os imóveis de propriedade das entidades religiosas utilizados para a realização dos cultos não podem ser tributados por meio de impostos. Assim, delas não pode ser exigido, por exemplo, o IPTU. Por outro giro, se o imóvel em que é realizado o culto religioso for alugado pela instituição e, ainda que a instituição tenha assumido o compromisso de pagar o IPTU, haverá a incidência do imposto, salvo se prevalecer a tese de que a imunidade em questão alcança também o contribuinte de fato, pois, no exemplo dado, o contribuinte de direito é o proprietário, que não é instituição religiosa.
Os demais imóveis de propriedade das instituições religiosas que não são utilizados na realização dos cultos também estarão a salvo da tributação por meio de impostos se utilizados para viabilizar a consecução das finalidades essenciais das instituições religiosas. Dentre tais, podemos citar, por exemplo, a casa paroquial, local da catequese, local de instrução dos pastores, residência dos padres ou pastores e outros. De igual sorte, se os imóveis se encontram alugados e os recursos são aplicados na consecução dos fins institucionais da entidade religiosa, há manifestações dos Tribunais assegurando o direito à imunidade.
Nesse sentido é a orientação jurisprudencial firmada pelo Supremo Tribunal Federal:
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. IPTU. IMUNIDADE DE TEMPLOS. PRÉDIOS SEPARADOS DAQUELE EM QUE SE REALIZAM OS CULTOS. FUNCIONAMENTO E FINALIDADES ESSENCIAIS DA ENTIDADE. RECURSO PROTELATÓRIO. MULTA. AGRAVO IMPORVIDO. I – A imunidade prevista na Constituição que tem como destinatário os templos de qualquer culto deve abranger os imóveis relacionados com a finalidade e funcionamento da entidade religiosa. Precedentes. II - Recurso Protelatório. Aplicação de multa. III - Agravo regimental improvido” (STF, AI em AgR 690712/RJ, Primeira Turma, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 13.08.2009).
“EMENTA: DIREITO TRIBUTÁRIO. IPTU. IMUNIDADE. INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS. IMÓVEIS. TEMPLO E RESIDÊNCIA DE MEMBROS. CONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES. 1. O fato de os imóveis estarem sendo utilizados como escritório e residência de membros da entidade não afasta a imunidade prevista no art. 150, VI, c, § 4º da Constituição Federal. 2. Agravo regimental a que se nega provimento” (STF, ARE em AgR 895972/RJ, Primeira Turma, rel. Min. Roberto Barroso, j. 23.02.2016).
De igual forma, a propriedade de bens móveis, como carros utilizados na consecução das finalidades institucionais das entidades religiosas, está albergada pela imunidade em questão.
Ademais, cumpre assinar que a comprovação do desvio de finalidade é ônus do Fisco, consoante entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, vejamos:
“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DE TEMPLOS RELIGIOSOS. IPTU. IMÓVEL VAGO. DESONERAÇÃO RECONHECIDA. O Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que não cabe à entidade religiosa demonstrar que utiliza o bem de acordo com suas finalidades institucionais. Ao contrário, compete à Administração tributária demonstrar a eventual tredestinação do bem gravado pela imunidade. Nos termos da jurisprudência da Corte, a imunidade tributária em questão alcança não somente imóveis alugados, mas também imóveis vagos. Agravo regimental a que se nega provimento” (STF, ARE em AgR 800395/ES, Primeira Turma, rel. Min. Roberto Barroso, j. em 13.11.2014).
Em linhas gerais, podemos dizer que todos os bens utilizados direta ou indiretamente na consecução das finalidades institucionais das entidades religiosas estão a salvo da tributação por meio de impostos.
4.2.3. A imunidade dos cultos e os cemitérios
Os cemitérios podem pertencer a entidades religiosas e serem considerados locais sagrados de adoração e homenagens aos que já partiram dessa vida. E, deste modo, configurar-se-ia um local que se enquadra no conceito de templo de qualquer culto. Por outro lado, o cemitério pode pertencer a pessoa jurídica de direito privado que explora economicamente o local. Neste caso, para a pessoa que realiza a exploração econômica, o local não é um “templo”, mas um imóvel como outro qualquer que está sendo explorado economicamente, que, poderia ser com essa atividade ou qualquer outra rentável.
No caso de cemitério situado em imóvel pertencente à instituição religiosa, o Supremo Tribunal Federal assegurou o direito à imunidade, vejamos:
“EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. IPTU. ART. 150, VI, B, CB/88. CEMITÉRIO. EXTENSÃO DE ENTIDADE DE CUNHO RELIGIOSO. 1. Os cemitérios que consubstanciam extensões de entidades de cunho religioso estão abrangidos pela garantia contemplada no art. 150 da Constituição do Brasil. Impossibilidade da incidência de IPTU em relação a eles. 2. A imunidade aos tributos de que gozam os templos de qualquer culto é projetada a partir da interpretação da totalidade que o texto da Constituição é, sobretudo do disposto nos arts. 5º, VI, 19, I e 150, VI, “b”. 3. As áreas da incidência e da imunidade tributária são antípodas. Recurso extraordinário provido” (RE 578562/BA, Tribunal Pleno, rel. Eros Grau, j. 12.09.2008).
Já em outro caso, em que o cemitério não pertencia a entidade religiosa e era explorado economicamente, o Relator, à época, Min. Joaquim Barbosa, consignou em seu voto que a expressão “templo” abrange os anexos e outras construções nos quais a entidade religiosa desempenha atividades essenciais à consecução de seus objetivos institucionais, mas que não seria coerente, partindo dessa premissa, concluir que terrenos explorados comercialmente por entidades não eclesiásticas, para fins que não são necessariamente próprios à expressão da crença, fossem considerados templos (STF, RE 544.815/SP, Tribunal Pleno, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17.12.2015). Tal julgamento, entretanto, acabou não tendo uma conclusão de mérito, pois a parte desistiu do recurso antes de sua conclusão.
4.2.4. A imunidade dos cultos e as receitas auferidas com imóveis alugados
Os imóveis pertencentes a instituições religiosas, por certo, não estão sendo utilizados diretamente na consecução de suas finalidades essenciais, como por exemplo, a realização do culto. Todavia, pode ocorrer que as receitas auferidas estejam sendo aplicadas nos fins institucionais da entidade religiosa e, neste caso, examinada a questão pela perspectiva da destinação dos recursos, a determinação contida no § 4º do art. 150 da Constituição Federal estaria sendo observada e a instituição teria direito à imunidade. Há, como podemos verificar na citação abaixo, manifestação jurisprudencial nesse sentido.
“EMENTA: Recurso extraordinário. 2. Imunidade tributária de templos de qualquer culto. Vedação de instituição de impostos sobre o patrimônio, renda e serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades. Art. 150, VI, b, e § 4º, da Constituição. 3. Instituição religiosa. IPTU sobre imóveis de sua propriedade que se encontram alugados. 4. A imunidade prevista no art. 150, VI, b, CF, deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços “relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”. 5. O § 4º do dispositivo constitucional serve de vetor interpretativo das alíneas “b” e “c” do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. Equiparação entre as hipóteses das alíneas referidas. 6. Recurso extraordinário provido” (STF, RE 325822/SP, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 14.05.2004).
Nessa linha de raciocínio, ainda que os imóveis não estejam sendo usados na realização de cultos religiosas, mas a receita auferida seja aplicada na atividade fim e a exploração não implique um desequilíbrio concorrencial, os imóveis são imunes.
4.3. Normas imunizantes contempladas na alínea “c” do art. 150 da Constituição Federal
Consoante estabelece o art. 150, VI, c, da Constituição Federal, é vedado às pessoas políticas instituir impostos sobre o patrimônio, a renda ou os serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei.
Salienta Paulo de Barros Carvalho que os
“partidos são células de capital relevância para a organização política da sociedade, saindo de seus quadros os representantes dos vários setores comunitários, que dentro deles discutem e aprovam os programas e as grandes teses de interesse coletivo. As instituições de educação e de assistência social desenvolvem atividade básica, que, a princípio, cumpriria ao Estado desempenhar. Antevendo as dificuldades de o Poder Público vir a empreende-la na medida suficiente, o legislador constituinte decidiu proteger tais iniciativas com a outorga de imunidade”.8
Trata-se de uma hipótese de imunidade que, diferentemente das demais, na parte final da alínea c, estabelece expressamente que os interessados na fruição da referida imunidade devem atender os requisitos da lei. Exsurge daí o questionamento sobre qual seria o veículo normativo adequado e os limites dessa regulamentação.
Parece-nos que o veículo adequado para a regulamentação é a lei complementar, eis que a imunidade encontra-se, na Constituição Federal, dentro da Seção II, intitulada “Das Limitações do Poder de Tributar” e, consoante o art. 146, II, da Carta Magna, cabe à lei complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar. Logo, os requisitos que devem ser cumpridos atualmente são os previstos no art. 14 do Código Tributário Nacional e outros que venham a ser veiculados por meio de lei complementar.9
A função da lei prevista neste preceptivo, com o devido respeito aos que pensam de modo diferente, não é demarcar o próprio conteúdo e alcance das hipóteses de imunidade nele previstas. Cabe à lei complementar somente regular o procedimento a ser respeitado por aqueles que manifestarem interesse em usufruir das hipóteses de imunidade nele previstos. Nessa esteira, não pode o legislador, ainda que por meio de lei complementar, por exemplo, pretender definir o que são instituições de educação sem fins lucrativos, na medida em que se trata de uma hipótese de imunidade. A nossa ver, a construção das normas imunizantes é uma tarefa que se inicia e termina no texto constitucional.
Vale dizer, não poderia o legislador estabelecer, por meio lei infraconstitucional que são consideradas instituições sem fins lucrativos somente as que oferecem seus serviços gratuitamente, pois estaria reduzindo o alcance da imunidade e não apenas regulando o procedimento para sua fruição. Preceptivo de tal teor acabaria por praticamente aniquilar a referida imunidade, pois as instituições que não auferem receitas e, por consequência, não possuem capacidade contributiva, não necessitariam de imunidade, na medida que não poderiam ser tributadas por meio de impostos por ausência de capacidade contributiva. Tal aspecto nos revela de modo inconteste que não se pode, por meio de lei, ainda que do tipo complementar, a pretexto de definir o que são instituições de educação e assistencial social sem fins lucrativos, reduzir o alcance da referida imunidade.
Por isso que, a nossa ver, instituição sem fins lucrativos é toda pessoa jurídica constituídas nos moldes disciplinados pelo Código Civil que não tem como propósito auferir resultado econômico em benefício dos que a constituem. Nesse sentir, a distinção entre instituição sem fins lucrativos e empresa reside no modo de constituição e propósito. Uma instituição sem fins lucrativos não tem sócios nem almeja lucros; visa a busca de recursos para a consecução de seus propósitos institucionais. Aliás, o art. 14, I do CTN, explicita essa que é uma característica inerente a esse tipo de pessoa jurídica, ao estabelecer que é vedada a distribuição de qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título.
A lei prevista no art. 150, VI, c, da Constituição Federal não deve veicular texto destinado a colaborar na construção da norma imunizante. Consoante as premissas firmadas, somente podemos considerar normas imunizantes aquelas construídas a partir do texto constitucional e não da junção de texto constitucional e infraconstitucional, senão deixaria de ser norma constitucional para ser uma norma híbrida. Em outros termos, não há imunidades fora da Constituição.
4.4. A imunidade dos livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão
É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, nos termos do art. 150, VI, d, instituir impostos sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão. A proibição destina-se a afastar o ônus tributário que possa recair sobre tais objetos e com isso limitar a propagação de ideais ou até mesmo dificultar a instrução e formação das pessoas. A proteção constitucional tem como propósito assegurar a não tributação dos veículos destinados a difundir ideias, informações e conhecimento. A imunidade não é dirigida às empresas que comercializam livros, jornais ou periódicos, mas aos objetos. Em última análise o que se quer é reduzir o custo dos livros, jornais ou periódicos e não o custo das atividades das empresas que comercializam esses objetos.
Trata-se de norma que tem como propósito dar maior efetividade aos direitos e garantias fundamentais no tange ao acesso à informação e ao conhecimento. Tal desoneração – salienta Eduardo Sabbag – justifica-se, axiologicamente, na proteção da livre manifestação de pensamento e de expressão da atividade intelectual, artística e científica; da livre comunicação e do irrestrito acesso à informação e aos meios necessários para a sua concretização. Fácil é perceber que toda essa liberdade almejada deságua, em última análise, no direito à educação, que deve ser fomentado pelo Estado, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa e ao seu preparo, para o exercício da cidadania e à sua qualificação para o trabalho, a arte e o saber”.10
O fato de o legislador ter utilizado a expressão “e o papel destinado a sua impressão” levou muitos doutrinadores a sustentar que a imunidade é restrita aos livros, jornais e periódicos feitos de papel e que o único insumo albergado pela imunidade é o papel. Com devido respeito aos que pensam desse modo, parece-nos que essa não é a exegese que melhor se coaduna com as demais diretrizes do sistema que asseguram o direito à informação e instrução. O objetivo da imunidade não é proteger o suporte físico, aglomerado de folhas de papel, mas o conteúdo imaterial por ele veiculado. No caso, as ideais, as mensagens, o conhecimento em geral. Com o avanço tecnológico, outros meios de veiculação foram surgindo, como CDs, livros digitais e outros. Não nos parece que a interpretação deve ficar adstrita ao aspecto literal do dispositivo, mas deve seguir a orientação que maior eficácia puder conferir ao preceptivo, que no caso é evitar que a tributação por meio de impostos possa criar embaraços à efetividade dos direitos e garantias fundamentais asseguradas aos cidadãos de ter acesso ao conhecimento. Nessa senda, parece-nos que não só os livros de papel, mas também os chamados livros eletrônicos estão imunes.
O Supremo Tribunal Federal proferiu, recentemente, decisão importante a respeito do alcance da imunidade do art. 150, VI, d, da Constituição Federal. Decidiu a Corte que o chamado livro eletrônico (e-book) e os aparelhos utilizados exclusivamente para a leitura de textos estão albergados pela referida imunidade. A decisão foi preferida em repercussão geral (RE 330.817). Deste modo, vincula as decisões de todas demais instâncias, que doravante terão que seguir essa orientação. A decisão não contemplou os aparelhos que realizam outras funções, como por exemplo, smartphones, tablets e leptops. Vale dizer, a imunidade não foi estendida para essa categoria de equipamentos. Na oportunidade também foi julgado no mesmo sentido o RE 595.676, de relatoria do ministro Marco Aurélio.
O Min. Relator do RE 330.817, Min. Dias Tofoli, asseverou em seu voto que:
“de igual modo, as mudanças históricas e os fatores políticos e sociais presentes na atualidade, seja em razão do avanço tecnológico, seja em decorrência da preocupação ambiental, justificam a equiparação do “papel”, numa visão panorâmica da realidade e da norma, aos suportes utilizados para a publicação dos livros.
Nesse contexto moderno, contemporâneo, portanto, a teleologia da regra de imunidade igualmente alcança os aparelhos leitores de livros eletrônicos (ou e-readers) confeccionados exclusivamente para esse fim, ainda que, eventualmente, estejam equipados com funcionalidades acessórias ou rudimentares que auxiliam a leitura digital, tais como dicionário de sinônimos, marcadores, escolha do tipo e do tamanho da fonte etc. Embora esses aparelhos não se confundam com os livros digitais propriamente ditos (e-books), eles funcionam como o papel dos livros tradicionais impressos e o propósito é justamente mimetizá-lo.
Enquadram-se, portanto, no conceito de suporte abrangido pela norma imunizante. Esse entendimento, como se nota, não é aplicável aos aparelhos multifuncionais, como tablets, smartphone e laptops, os quais vão muito além de meros equipamentos utilizados para a leitura de livros digitais.
No caso concreto, entendo ser o CD-Rom apenas um corpo mecânico ou suporte. Aquilo que está nele fixado (seu conteúdo textual) é o livro. Tanto o suporte (o CD-Rom) quanto o livro (conteúdo) estão abarcados pela imunidade da alínea d do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. O acórdão recorrido, portanto, está em consonância com a orientação da Corte, no que reconheceu ser imune o livro digital denominado Enciclopédia Jurídica Eletrônica e o disco magnético (CDRom), em que as informações culturais são fixadas”. (STF, RE 330.817, Tribunal Pleno, rel. Min. Dias Tofoli, decisão unânime, j. 08.03.2017).
De igual sorte, muito se tem discutido sobre quais insumos estão abrangidos por esta imunidade. No Supremo Tribunal Federal a orientação não é unívoca, mas tende a se consolidar em sentido mais restrito aos tipos de insumos, Vejamos:
“EMBARGOS DECLARATÓRIOS EM AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ART. 1.022 DO CPC. EFEITOS INFRINGENTES. DIREITO TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE, CHAPAS DE IMPRESSÃO. INSUMOS ASSIMILÁVEIS AO PAPEL. RECURSO POSTERIOR AO ADVENTO DO CPC/15. 1. Aos embargos de declaração é possível a atribuição de excepcionais efeitos infringentes. 2. Constata-se que o acórdão do Tribunal de origem não divergiu do entendimento majoritário do STF no sentido de que a imunidade tributária prevista no art. 150, VI, d, da Constituição da República, deve ser interpretada finalisticamente à promoção da cultura e restritivamente no tocante ao objeto, na medida em que alcança somente os insumos assimiláveis ao papel. Precedentes. Reforma da decisão embargada. 3. Embargos declaratórios acolhidos, com a atribuição de efeitos infringentes, para fins de manter a higidez do acórdão prolatado pelo juízo a quo” (ARE em AgR-ED 930133/SP, Primeira Turma, rel. Min. Edson Fachin, j. 07.10.2016).
Quanto ao conteúdo veiculado, a nosso ver não há restrição. Todas as manifestações estão protegidas pela imunidade. Nesse sentido é a orientação trilhada pelo Supremo Tribunal Federal.
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. ART. 150, VI, “D” DA CF/88. “ÁLBUM DE FIGURINHAS”. ADMISSIBILIDADE. 1. A imunidade tributária sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão tem por escopo evitar embaraços ao exercício da liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, bem como facilitar o acesso da população à cultura, à informação e à educação. 2. O Constituinte, ao instituir esta benesse, não fez ressalvas quanto ao valor artístico ou didático, à relevância das informações divulgadas ou à qualidade cultural de uma publicação. 3. Não cabe ao aplicador da norma constitucional em tela afastar este benefício fiscal instituído para proteger direito tão importante ao exercício da democracia, por força de um juízo subjetivo acerca da qualidade cultural ou do valor pedagógico de uma publicação destinada ao público infanto-juvenil. 4. Recurso extraordinário conhecido e provido”. (STF, RE 221239/SP, Segunda Turma, rel. Min. Ellen Grace, j. 06.08.2004).
Portanto, considerando que o propósito dessa imunidade é conferir maior efetividade aos direitos e garantias constitucionais relativos à liberdade de manifestação e acesso à informação, a interpretação que melhor atende a esse desiderato é que considera imune não só os livros, jornais e periódicos de papel, mas todos os livros, jornais e periódicos, independentemente da mídia por meio da qual são veiculados, do tipo e qualidade do conteúdo.
4.5. A imunidade dos fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil
Trata-se uma hipótese de imunidade que foi inserida pela Emenda Constitucional 75, em 15.10.2013, a qual acrescentou a alínea “e” ao art. 150, VI da Constituição Federal. Com essa inserção, as pessoas políticas ficaram proibidas de instituir impostos sobre fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.
Salienta Regina Helena Costa que os “valores homenageados pela nova imunidade coincidem com alguns dos contemplados pela norma imunizante da alínea ‘d’: liberdade de comunicação, a liberdade de manifestação do pensamento, bem como a expressão da atividade artística. O intuito é incentivar a produção musical de autoria e/ou interpretações brasileiras, por meio de CDs, DVDs e outras mídias, desonerando esses itens da carga tributária de impostos. Como consequência prática imediata, tal exoneração tributária conduzirá a expressiva diminuição de custos no mercado fonográfico, desestimulando a ‘pirataria’.11
Tal imunidade, tudo indica, teve como propósito incentivar o desenvolvimento de produções nacionais. Contudo, adota um fator discriminante questionado por muitos doutrinadores, na medida em que estabelece tratamento diferenciado entre brasileiros e estrangeiros.
Salienta Hugo de Brito Machado que há “quem afirme sua inconstitucionalidade, porque entraria em conflito com o princípio da isonomia, posto que a Constituição garante a igualdade entre brasileiros e estrangeiros, além de vedar diferença tributária entre bens e serviços em razão de sua procedência ou destino. Não nos parece, porém, que seja assim. Entendemos que a imunidade em questão não fere o princípio da isonomia, sendo válido o critério de discrímen adotado”.12
Nada obstante a polêmica que esse tratamento diferenciado possa gerar, certo é que tende a contribuir para o desenvolvimento cultural nessa seara.
4.6. A “isenção” do art. 195, §7º da Constituição Federal
O § 7º do art. 195 da Constituição Federal estabelece que são “isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei”.
O legislador constituinte não foi feliz na utilização da expressão “isentas”. Teria sido mais correto tecnicamente ter empregado o termo “imunes”, pois o preceptivo não contempla uma isenção, mas uma hipótese de imunidade. Conforme já salientado alhures, fenômeno das isenções se dá no plano infraconstitucional. Trata-se de uma redução do âmbito de tributação a ser implementada, em regra, pela pessoa política competente para instituir o tributo. Não há cronologia entre a lei que contempla a tributação e a lei isentiva; é da coalescência das duas que surge a demarcação do campo de incidência. Para que se possa falar em conceder determinada isenção, é pressuposto indispensável que o tributo já tenha sido instituído, pois a isenção consiste numa redução de um dos critérios da norma padrão de incidência tributária. Logo, enquanto esta não tiver sido instituída, não há o que ser reduzido.
Nada obstante o termo utilizado tenha sido “isentas”, certo é que se trata de um texto constitucional e que a partir dele é possível se construir uma norma com um mínimo de sentido deôntico consistente na proibição de se exigir contribuição à seguridade social das entidades beneficentes de assistência social. Logo, trata-se de regra negativa a respeito de competência, ou seja, configura uma hipótese de imunidade. Aliás, nesse sentido é o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal: “a expressão ‘isenção’ utilizada no art. 195, § 7º, CF/88, tem o conteúdo de verdadeira imunidade” (STF, RE 636941/RS, Tribunal Pleno, Min. rel. Min. Luiz Fux, j. 04.04.2014).
4.7. Outras hipóteses de imunidades
Partindo-se da premissa que imunidades são normas constitucionais que estabelecem a impossibilidade de certas situações, bens ou pessoas de serem tributadas, vamos encontrar no texto constitucional, além dos já mencionados, outros preceptivos que contemplam normas de incompetência relativas aos impostos, às taxas e contribuição. Vamos passar mencionar de forma breve alguns deles.
Há imunidades que são restritas a determinados impostos. É exemplo desse tipo de imunidade a prevista no art. 156, § 2º, I, da Constituição Federal. Tal dispositivo estabelece que não incide o ITBI sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.
O art. 155, § 2º, X, da Constituição Federal também contempla hipótese de imunidade restrita ao ICMS. Nos termos deste preceptivo, o ICMS não incidirá sobre “a) sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores; b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica; c) sobre o ouro, nas hipóteses definidas no art. 153, § 5º; d) nas prestações de serviço de comunicação nas modalidades de radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita”.
De igual sorte, com relação ao IPI, o art. 153, § 3º, III, da Constituição Federal, estabelece que o referido imposto “não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior”.
No tocante às contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, estabelece o art. 149, § 2º, I e II, das Constituição Federal que: “I – não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação; II – incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços”.
Nota-se que em todas as situações mencionadas há uma determinação negativa dirigida ao legislador das pessoas políticas para que se abstenha de criar tributos em relação a elas. Logo, tais normas configuram hipóteses de imunidades que podem, como visto e revisto, estabelecer a impossibilidade de tributação em relação a qualquer espécie de tributo.
4.8. A análise da regra contemplada no §4º do art. 150 da Constituição Federal
O § 4º do art. 150 da Constituição Federal estabelece que “as vedações expressas no inciso VI, alíneas ‘b’ e ‘c’, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”.
Tal cláusula restritiva pode ser vista quanto à origem ou quanto ao destino. Vale dizer, se estivermos falando, por exemplo, de uma instituição religiosa, sua finalidade essencial consiste, essencialmente, na realização de cultos. Assim, todos os recursos auferidos com tal atividade estão imunes. Entretanto, se a instituição religiosa aufere receitas em virtude do desenvolvimento de atividades estranhas aos seus fins institucionais, por exemplo, a realização de um almoço destinado a arrecadar recursos, é indiscutível que tal atividade não se encontra dentro das finalidades essenciais de uma entidade religiosa. Eis a questão. Neste caso, tal atividade pode ser tributada por meio de impostos? Nota-se que, é inconteste que os recursos, neste caso, são oriundos de atividades não relacionadas com as finalidades essenciais da entidade. Contudo, tais recursos poderão ou não ser destinados à consecução de suas finalidades essenciais. E isso faz diferença para fins de fruição da imunidade em questão? Parece-nos que sim, pois se examinarmos a questão pela perspectiva da origem dos recursos, concluiríamos que não estariam relacionados com as finalidades essenciais da entidade religiosa. Por outro giro, se examinarmos a questão quanto à destinação dos recursos, podem ser ou não qualificados como relacionados às finalidades essenciais.
Há no caso, portanto, duas interpretações possíveis. Uma mais restritiva e outra mais ampla. Cumpre-nos, então, verificar qual delas melhor se harmoniza com as demais regras do sistema. A nosso ver, devemos optar pela interpretação mais ampla, pois é a que melhor atende aos desideratos pretendidos com a instituição das imunidades em questão. Nesse sentido, a imunidade afasta a tributação não só das receitas auferidas com o exercício de suas atividades fins, bem como das obtidas com atividades ou negócios estranhos aos fins estatutários, desde que aplicadas nas finalidades essenciais e o exercício de tais atividades não impliquem em violação a outros direitos também constitucionalmente assegurados, como a livre concorrência. Não pode, evidentemente, implicar em quebra da isonomia na exploração da atividade rentável em relação à outras pessoas físicas ou jurídicas que exploram a mesma atividade. Assim, assegurado que não haja desequilíbrio e os resultados sejam revertidos para a consecução dos objetivos estatutários, a imunidade se estende para outras atividades estranhas aos fins estatutários. Como exemplo podem ser citadas as quermesses realizadas por instituições religiosas e cujos recursos são aplicados nas finalidades essenciais da instituição.
Nesse sentido tem decidido o Supremo Tribunal Federal: “o § 4º do art. 150 da Constituição, ao determinar que a imunidade concerne apenas ao patrimônio, à renda e aos serviços relacionados com suas finalidades essenciais, não exclui os rendimentos decorrentes das aplicações financeiras que são vertidos aos objetivos da própria entidade, como ocorre com a renda auferida a partir das suas atividades assistenciais, ou mesmo da comercialização de seus bens. 3. A imunidade não é restrita apenas à renda decorrente do objeto social da entidade, mas sim toda aquela auferida de forma regular visando resguardar o seu patrimônio dos efeitos corrosivos da inflação, como ocorre com as aplicações financeiras” (AI 740563 AgR/SP, Primeira Turma, rel. Min. Luiz Fux, j. 25.04.2013).
Aliás, tal assunto já foi até objeto de súmula do STF: “ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, c, da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades” (Súmula 724).
Portanto, as rendas auferidas pelas instituições mencionadas no art. 150, VI, c, com o desenvolvimento de atividades econômicas estranhas aos objetivos sociais são imunes, desde sejam aplicadas nas finalidades essenciais e a prática de tais atividades não implicarem na violação a outras diretrizes estabelecidas pela ordem jurídica.
Notas
1 Os termos “norma” e “regra” estão sendo utilizados com o mesmo significado, ou seja, utilizamos esses termos para nos referir à construção abstrata feita a partir dos textos normativos, segundo a qual é formada por antecedente e um consequente, de tal sorte que no antecedente temos a descrição de uma ocorrência qualquer e no consequente a relação jurídica que se instaura quando ocorre o evento descrito no antecedente.
2 SOBRINHO, José Wilson Ferreira. Imunidade tributária, p. 76.
3 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 573.
4 A expressão “são isentas” foi inadequadamente utilizada, na medida em que contempla uma hipótese de determinação negativa de tributação que tem como suporte físico o texto constitucional. Em outros termos, é uma norma constitucional que estabelece a impossibilidade da União tributar, por meio da contribuição social destinada a financiar a seguridade social, as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei. Logo, é uma imunidade.
5 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p. 739.
6 Nesse sentido já decidiu o STF: “a imunidade tributária recíproca não engloba o conceito de taxa, porquanto o preceito constitucional (art. 150, inciso VI, alínea “a”, da Constituição Federal) só faz alusão expressa a imposto”. (RE 424.227, SegundaTurma, rel. Min. Carlos Velloso, j. 10.9.2004; RE 253.394, Primeira Turma, rel. Min. Ilmar Galvão, j. 11.4.2003; e AI 458.856, Primeira Turma, rel. Min. Eros Grau, j. 20.04.2007).
7 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, p. 126.
8 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário linguagem e método, p. 372.
9 O Supremo Tribunal Federal, recentemente, ao julgar questões relativas ao §7º do art. 195, da Constituição Federal, decidiu que a “suprema corte indicia que somente se exige lei complementar para a definição dos seus limites objetivos (materiais), e não para a fixação das normas de constituição e de funcionamento das entidades imunes (aspectos formais ou subjetivos), os quais podem ser veiculados por lei ordinária (art. 55, da Lei 8.212.1991). As entidades que promovem a assistência social beneficente (art. 195, §7º, CF/1988) somente fazem jus à imunidade se preencherem cumulativamente os requisitos de que trata o art. 55, da Lei 8.212/1991, na sua redação original, e aqueles previstos nos arts. 9º e 14, do CTN” (STF, RE 636941/RS, Tribunal Pleno, rel. Min. Luiz Fux, j. 04.04.2014 – Repercussão Geral).
10 SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário, p. 378.
11 COSTA, Regina Helena. Imunidades tributárias. Teoria e análise da jurisprudência do STF, p. 209.
12 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 296.
Referências
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 5. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1997.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 25. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
__________________. Direito tributário linguagem e método. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2009.
COSTA, Regina Helena. Imunidades tributárias. Teoria e análise da jurisprudência do STF. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2015.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 37. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2016.
SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
SOBRINHO, José Wilson Ferreira. Imunidade tributária. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 1996.
Citação
CHIESA, Clélio. Imunidade. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Tributário. Paulo de Barros Carvalho, Maria Leonor Leite Vieira, Robson Maia Lins (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/280/edicao-1/imunidade
Edições
Tomo Direito Tributário, Edição 1,
Maio de 2019
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