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ICMS - Imposto estadual sobre operações relativas à circulação de mercadorias
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Osvaldo Santos de Carvalho
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Tomo Direito Tributário, Edição 1, Maio de 2019
O presente verbete tem por finalidade apresentar elementos relacionados ao “imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação – ICMS”, estruturado, sobejamente na sua delimitação constitucional, tomando-o, ainda, como viabilizador do modelo federativo por cooperação brasileiro – fizemos referência, por não ser considerados para os limites do trabalho, a seu aspecto de anormalidade, retratado pelo fenômeno da “guerra fiscal”. Dedicamos, ainda e para tanto, breve apontamento relacionado à origem do ICMS, em sua conformação atual, diferenciando-o da tributação que serviu de inspiração – TVA francês – e, no tempo, do seu antecessor, o ICM. À vista do seu detalhamento constitucional, percorremos alguns princípios axiológicos relacionados, com destaque ao da homogeneidade de sua incidência; da não cumulatividade (que não consideramos ao final como princípio, mas como regra ou técnica arrecadatória); e da seletividade (não obrigatória). Por fim, detemo-nos nos elementos de sua imunidade – geral e específica –, bem como de sua isenção – com a nota distintiva da necessidade de produção de Convênio Confaz para sua regência.
1. ICMS – Gênese e importância para o federalismo
O ICMS (imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação) revela-se como o mais importante tributo dos Estados, que, por meio de suas receitas, torna em realidade a autonomia dos referidos entes federativos, viabilizando, em última instância, conceitualmente, a própria federação. Se por um lado, de maneira imediata, o traço de sua arrecadação é pronunciado na garantia de princípios constitucionais – como o é o federalismo –, por outro, o seu potencial de distorção, na dinâmica do sistema tributário dos Estados e do Distrito Federal, também se apresenta em relevo, sobretudo quando se tem em vista a corrosividade imanente da intitulada “guerra fiscal”, expressão que, de início, carrega, imediatamente, uma inegável conotação política e, neste sentido, tornou-se alvo de recentes alterações normativas – veja-se, para tanto, a Resolução do Senado Federal 13/2012 e a Emenda Constitucional 87/2015.1
Tem-se que o ICMS vem, genericamente, previsto no art. 155, II, da Constituição Federal de 1988, com sua literalidade:
“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional 3, de 1993)
(...)
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior” (Redação dada pela Emenda Constitucional 3/1993).
Aponta-se como sua origem imediata o antigo ICM, que foi introduzido no sistema tributário brasileiro, por meio da Emenda Constitucional 18 à Constituição de 1946, datada de 1º de dezembro de 1965, que representou marco determinante para a determinação do atual sistema tributário nacional.
Uma nota que merece destaque em relação ao referido imposto é a consideração do princípio da não cumulatividade – considerado, para os limites do trabalho, como técnica de arrecadação, em que os créditos resultantes das entradas das operações ou prestações de serviços são levados, escrituralmente, a confronto com os débitos, resultantes das saídas de determinado estabelecimento, resultando em saldo credor, devedor ou nulo do ICMS –, na medida em que o mesmo foi introduzido no Brasil por preceito inaugural da legislação ordinária e não com assento imediato na Constituição Federal. Assim, no Brasil introduziu-se na Constituição o princípio da não-cumulatividade com a Emenda Constitucional 65, embora já o tivesse adotado, em legislação ordinária, pela normatização do Imposto de Consumo (a não-cumulatividade surgiu no ordenamento jurídico brasileiro com a Lei 3520/1958, passando o imposto sobre o consumo, equivalente ao atual Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI –, a possibilitar o abatimento do valor incidente nas aquisições de matérias-primas e insumos empregados na produção e no acondicionamento de produtos a sua incidência.
O antigo ICMS, por sua vez, revelou-se como sucessor do antigo IVM (Imposto sobre vendas mercantis, que se estruturou a partir da década de 20 do século passado) e do IVC (Imposto sobre vendas e consignações, que se estruturou, a partir do IVM, na década de 40 do século passado), procurou afastar a incidência sobre as operações mercantis de forma cumulativa – traduzindo o princípio da não cumulatividade como regra geral.2
Afere-se que o antigo ICM tomou por base o modelo do imposto de valor agregado – IVA – francês, denominado de TVA (“Taxe sur la Valeur Ajoutée”). Contudo, adianta-se que o mencionado tributo europeu somente serviu de fonte de inspiração para a instituição do antigo ICM, que nasceu dotado de características próprias, uma vez que não se encontram alguns fundamentos daquele na sua estrutura, essencialmente, na forma: (a) diferença quanto à imposição sobre base ampla – o ICM, assim como o ICMS, seu sucessor, apresenta restrições ao creditamento; (b) imposto aplicado por ente unitário subnacional – o ICM restringiu-se à tributação estadual e distrital, em operações mercantis, restando espaço para a incidência do IPI (federal) e ISS (municipal), ao passo que o denominado TVA apresentava-se na competência nacional; (c) dedução financeira ao invés da física – o ICM, bem como seu sucessor ICMS, apresentava restrições ao crédito de uso e consumo, apresentando a modalidade de creditamento físico, ao passo que o TVA apresentou-se pautado no creditamento financeiro.
Assim, como o ICM, o ICMS não pode ser considerado como imposto sobre valor agregado, que, de sua parte, caracteriza-se por incidir sobre a parcela acrescida, ou seja, sobre a diferença de valor que se revele positiva entre duas operações sequencialmente postas – saída em cotejo com a entrada do estabelecimento –, alcançando o contribuinte na justa medida daquilo que adicionou – nessa operação – ao bem. Diverso, portanto, é o caso do ICMS, que apresenta, em regra, o seu gravame tomando em conta o valor total da operação.
Nesta medida, como aferido, as diferenças estruturais entre o ICM (bem como do ICMS) em relação ao IVA francês – TVA –, não podem ser consideradas simplesmente para fins didáticos, uma vez que, ao final, esclarecem grandes dificuldades encontradas na prática tributária brasileira, sobretudo no que diz respeito à “neutralidade tributária”.
Tem-se, de sua parte, que a “neutralidade tributária” – próprio do subsistema econômico, contudo, que permeia todo o subsistema tributário – na medida em que é um valor perseguido pela Constituição Federal de 1988, objetivando afastar distorções provocadas por incidência tributária na organização da atividade produtiva, como se revela com a superposição de cargas tributárias.
2. ICMS – Contornos estabelecidos na Constituição Federal de 1988 e os diversos impostos que a sigla - ICMS - comporta
Na linha de Geraldo Ataliba, e apontada por Roque Carrazza, tem-se que o exame do ICMS é descrito, com riqueza de detalhes, na análise do texto constitucional. Nesta medida, a Constituição Federal de 1988, ampliando a materialidade do então ICM para o atual ICMS, dedica extenso rol de dispositivos, impondo uma diretriz que deve ser seguida tanto pela lei complementar, quanto pela lei ordinária do ente político (sejam os Estados, seja o Distrito Federal).
Justifica-se a adoção deste detalhamento constitucional para a tributação do ICMS, pois toma em conta a inegável complexidade do imposto, evitando-se, de imediato, com a normatização direta no Texto Magno, de situação de conflito tributário, se acaso fosse deixado para os entes tributantes – entes políticos subnacionais - um campo maior de atuação, com baliza exclusiva na dicção da lei complementar para a regência integral da matéria na forma da disposição do art. 146, I, da Constituição Federal de 1988.
Por sua vez, tamanha complexidade não poderia ser trazida na forma da univocidade interna do imposto, colhendo-se, conforme consideração doutrinária – com destaque a Roque Carrazza – a presença de “ao menos” 5 (cinco) impostos diferentes albergados sob a sigla do ICMS, isto porque, juridicamente, segundo se apreende, nada impediria de se considerar, por exemplo, a diferenciação existente entre o imposto sobre a produção de lubrificante daquele imposto sobre o consumo de energia elétrica, o que resultaria em mais de 20 (vinte) impostos diferentes – isto tomando em conta os elementos diferenciadores dos impostos nas considerações de suas bases de cálculo e das suas hipóteses de incidência.
É certo que concentração constitucional de diversas espécies de impostos sob a mesma carga semântica da rotulação do Imposto sobre operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre prestações de Serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação – ICMS –, além de poder receber críticas em torno do processo de positivação constitucional, produz, na prática tributária do tributo, eventuais distorções e dificuldades de apreensão de sua incidência, como se pode ter, a título de exemplo, das tradicionais diferenciações entre as obrigações de dar e fazer, tão presentes no conflito de competências entre a incidência do ISSQN – de competência municipal – e a tributação estadual pelo ICMS.
Contudo, saliente-se, um traço comum e determinante habilita o estudo conjunto das mais variadas espécies de impostos, todos albergados na sigla ICMS, revelada na obediência geral do princípio da não-cumulatividade.
Portanto, comungando de uma linha redutora das hipóteses de incidência e de suas bases de cálculo albergados pelo ICMS, na ordem de 5 (cinco) núcleos distintos de incidência do ICMS, poderíamos conceber uma classificação prévia, assim disposta:
(i) 1º imposto albergado sob a sigla ICMS: imposto sobre operações mercantis – que se relaciona diretamente com as operações relativas à circulação de mercadorias, que, compreende também, o resultado do negócio jurídico de importação, com a entrada jurídica das mercadorias importadas do exterior;
(ii) 2º imposto albergado sob a sigla ICMS: imposto sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal, salientando-se que a hipótese de incidência relacionada à prestação de serviços de transporte intramunicipal encontra-se sob a incidência da tributação municipal pelo ISSQN;
(iii) 3º imposto albergado sob a sigla ICMS: imposto sobre serviços de comunicação, que apresenta, de maneira inegável, intensa conflituosidade com a competência tributante municipal, sobretudo quando se toma em conta o desenvolvimento de modernas e novas soluções tecnológicas de comunicação (veja-se, como exemplo de grande expressão, a disposição normativa da Lei Complementar 157/2016, que introduziu o item 17.25 na Lista Anexa à Lei Complementar 116/2003, estabelecendo, com a presença de condicionantes, que a veiculação de publicidade pela “internet” passaria à incidência da tributação municipal – ISSQN –, afastando a incidência, sobretudo, para casos da espécie, da disposição normativa do art. 2º, III, da Lei Complementar 87/1996, que sustentaria a incidência da tributação estadual pelo ICMS);
(iv) 4º imposto albergado sob a sigla ICMS: imposto sobre produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica;
(v) por fim, o 5º imposto albergado sob a sigla ICMS: imposto sobre a extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais.
3. ICMS – Princípios jurídicos axiológicos de destaque
Aponta-se, previamente, conforme doutrina de Paulo de Barros Carvalho, a existência de princípios jurídicos em todos os ramos de investigação do Direito, como na História do Direito, Sociologia do Direito, e assim sucessivamente. Contudo, centrando-nos na “dogmática jurídica”, podem-se apreender as suas seguintes modalidades possíveis de relato:3
(i) Princípios ontológicos: relacionável à lógica do ser, como por exemplo, “tudo aquilo que não é proibido, é permitido”, traduzindo a lei do quarto modal excluído;
(ii) Princípios empiricamente verificáveis: considerados como aqueles que se constrói a partir do Direito Positivo;
(iii) Princípios deôntico-jurídicos: que derivam do caráter lógico das normas jurídicas, na medida, como exemplificativamente, “de que tudo que é obrigado é permitido fazer”, e “tudo aquilo que é proibido é permitido não fazer”;
(iv) Princípios epistemológicos: relacionados ao conhecimento do sistema jurídico, apresentando pressupostos epistemológicos da investigação científica do Direito, como se verifica, exemplificativamente, com a norma fundamental de Kelsen, a homogeneidade sintática e heterogeneidade semântica;
(v) Princípios axiológicos: ligados à ordem axiológica subjacente à ordem jurídica, como a igualdade, justiça, solidariedade, entre outros.
Nesta ordem classificatória, podemos apontar, exemplificativamente como princípios axiológicos relacionados ao sistema positivado do ICMS:
3.1. Princípio da homogeneidade da incidência do ICMS
Necessariamente, tem-se em vista, como ponto inaugural, a irretocável projeção nacional da tributação do ICMS, em estreita e pronunciada relação de estruturação do perfil do federalismo cooperativo brasileiro, diante da homogeneidade da sua incidência, com a densidade e demarcação como apontados, amplamente prevista na Constituição Federal de 1988.
Sobreleva-se, então, o caráter nacional do imposto, traduzindo o corolário do princípio da homogeneidade da incidência do ICMS – com sinonímia às expressões princípio da equiponderância ou solidariedade nacional –, que, em nosso sentir, estruturaria, ainda, o federalismo estabelecido na Constituição Federal de 1988, como cooperativo, na medida em que ao se ressaltar o caráter nacional do imposto, o faz com grande juridicidade, apesar da ausência de disposição expressa direta no corpo constitucional, contudo, mesmo assim, irradia sua força normativa por toda a extensão do imposto. Dessa forma, somente com esta apreensão de caráter nacional, pode se apreender a regra–matriz do ICMS em sua plenitude sintática e na sua projeção semântica, relacionados, de maneira, inegável, com diplomas de âmbito normativo nacional e na busca da integração sistêmica entre os diversos entes federativos competentes pela tributação do ICMS.
3.2. Princípio da não cumulatividade
De plano, aponta-se que a doutrina encontra-se dividida entre a consideração da não-cumulatividade como técnica ou regra, por um lado, e, de outra banda, como verdadeiro princípio.
Em essência, a não-cumulatividade, revela-se – como tangenciado anteriormente – como a garantia (ou seja, direito) de compensação de créditos e débitos do imposto, assegurada constitucionalmente, que tem como objetivo claro a desoneração da cadeia de consumo, cumprindo, como desdobramento, as vertentes econômicas do princípio livre da iniciativa, da livre concorrência e da neutralidade da tributação.
Sua aferição positivada encontra-se na disposição constitucional do art. 155, § 2º, I, da Constituição Federal de 1988,4 com sua literalidade:
“§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional 3, de 1993)
I – será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal” (grifos nossos).
De nossa parte, apreendemos a não-cumulatividade como regra ou técnica de arrecadação, uma vez que consideramos, da leitura que tiramos da Carta Magna, que o ICMS reclama a edição de Lei Complementar em sua cadeia de positivação (papel cumprido com as disposições normativas da Lei Complementar 87/1996). Assim, em sequência, a sua cadeia de positiva se completaria, em regra, pela edição de lei ordinária pelos entes federativos (certo que, tomando em conta a disposição constitucional do art. 24, § 3º, da Constituição Federal de 1988, a capacidade legiferante plena diante das peculiaridades do imposto). Portanto, somente assim teríamos devidamente positivada a sistemática da não-cumulatividade.
Em contraponto, parte da doutrina5 apreende a consideração da não-cumulatividade com carga principiológica, pois a regra em exame não encerraria mera sugestão, apontando, antes, uma diretriz imperativa, que daria ao contribuinte o direito subjetivo de ver observado, no caso concreto, o princípio da não-cumulatividade do ICMS.
3.3. Princípio da seletividade
Saliente-se que o antigo ICM era um tributo uniforme, e, portanto, apresentava as mesmas alíquotas para todas as mercadorias (portanto, apresentava-se exclusivamente como instrumento de fiscalidade).
Por sua vez o ICMS, diante da disposição do art. 155, § 2º, III, da Constituição Federal de 1988, inaugurou o caráter extrafiscal do imposto, apontando a consideração de que o mesmo poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços.
Diversamente do quanto o texto constitucional estabelece para a incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI –, na forma do art. 153, § 3º, I, da Constituição Federal de 1988, onde se apreende a seletividade como um dever estatal, na tradução de uma verdadeira obrigatoriedade, para o referido imposto; o mesmo não se apreende na regência constitucional do imposto estadual ICMS na consideração de que a norma constitucional em exame não impõe um dever para o legislador ordinário.
Portanto, naquilo que diz respeito ao ICMS, comparando-se mercadorias e serviços e a seletividade em função da essencialidade, o princípio da seletividade – se incluso na legislação ordinária - exige que o ônus econômico do imposto recaia sobre as mercadorias ou serviços, na razão direta de sua superfluidade e na razão inversa de sua necessidade, tomando-se como baliza a relação de consumo, sobretudo, popular.
Nestes termos, a seletividade no ICMS poderá ser alcançada com o emprego de quaisquer técnicas de alteração quantitativa da carga tributária: sistema de alíquotas diferenciadas – saliente-se, nosso entendimento, de que as resoluções do Senado Federal para a fixação das alíquotas mínimas e máximas do ICMS, na forma da disposição do art. 155, §2º, V, da Constituição Federal, poderão ser elaboradas tomando em conta a seletividade em função da essencialidade das mercadorias ou dos serviços -, variação das bases de cálculo, ou mesmo com a criação de incentivos fiscais, lastreados em convênios para seu estabelecimento, conforme prescreve a disposição do art. 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição Federal de 1988.
Por fim, entendemos que o Poder Judiciário pode ser chamado para dirimir acerca da essencialidade ou não de determinada mercadoria ou serviço, contudo, o mesmo se dará como expressão de controle de constitucionalidade de lei determinada – seja em caráter de controle difuso ou concentrado.
4. ICMS – Imunidades
Partimos da concepção de imunidade como uma hipótese de não-incidência do imposto, contudo, dotada de demarcação constitucional. Então, a própria Constituição Federal de 1988 define os aspectos em que determinadas operações do ICMS não poderão sofrer a sua incidência.
Assim, em termos gerais, para o ICMS são cabíveis as imunidades dispostas no art. 150, VI, da Constituição Federal de 1988, em que, essencialmente, são elencadas as limitações ao poder de tributar voltados para as pessoas políticas responsáveis por sua instituição.
Contudo, em que pese a existência dos termos gerais de imunidade, há que se ter presente, em caráter específico, as disposições delineadas pelo art. 155, § 2º, X, “a”, “b”, “c” e “d”, da Constituição Federal de 1988, tradutores, então, de hipóteses específicas de não-incidência, constitucionalmente qualificada.
Assim, como imunidade específica do ICMS, são apreendidos como a não incidência:
(i) sobre operações que destinem para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores;
(ii) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica – que se cuida, de modo inegável, numa imunidade objetiva, com a utilização do parâmetro de destino ou consumo, como uma forma de equalização das riquezas naturais presente de modo heterogêneo, uma vez que são poucos os Estados produtores desses bens que compõem a estrutura energética do país;
(iii) sobre o ouro nas hipóteses definidas no art. 153, § 5º, da Constituição Federal de 1988 – uma vez que o ouro, na condição de ativo financeiro ou instrumento cambial, estará sujeito apenas à tributação do imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários – IOF –, não se cuidando, de fato, de mercadoria propriamente dita;
(iv) nas prestações de serviço de comunicação nas modalidades de radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita.
5. ICMS – Isenções
Em linhas iniciais, acentua-se que a competência para tributar abrange, ainda, a competência para a concessão das isenções tributárias, que se revela, portanto, como uma consequência lógica daquela.
Essencialmente, manifesta-se a isenção como uma limitação legal do âmbito de validade da norma jurídica tributária, que impede que o imposto nasça ou faz com que ele surja de modo mitigado, alijando alguns de seus critérios jurídicos, naquilo que se concebe por isenção parcial.
No ponto, faz-se presente que não se deve confundir os incentivos fiscais (ainda chamados de benefícios ou estímulos fiscais) com isenções tributárias, que são apenas um dos meios de concedê-los.
Saliente-se que, em regra, as isenções são consideradas autonômicas, ou seja, dependente exclusivamente do ente legiferante responsável pelo imposto, conforme se depreende da disposição do art. 151, III, da Constituição Federal de 1988.
Contudo, as isenções relacionadas à incidência do ICMS, não seguem esta diretriz. Assim, unilateralmente, nem os Estados, nem o Distrito Federal podem concedê-las, nem mesmo por lei ordinária, devendo, portanto, obediência à disposição constitucional do art. 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição de 1988, na dicção de cabe à lei complementar regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos ou revogados (esta forma de deliberação é o convênio, na justa medida das disposições da Lei Complementar 24/1975, recepcionada que foi diante da disposição do art. 34, §§ 5º e 8º, da Constituição de 1988). E isto se deve, em nosso entender como decorrência imediata do princípio da homogeneidade da incidência do ICMS, já referido.
Notas
1 Por meio da Resolução do Senado Federal 13/2012, visando primordialmente acabar com a denominada “Guerra dos Portos”, estabeleceu-se alíquotas do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), nas operações interestaduais com bens e mercadorias importados do exterior, em regra a 4% (quatro por cento) nas operações interestaduais, conforme seu art. 1º. Diga-se que o Convênio ICMS 123/2012, dispôs a não aplicação de benefícios fiscais de ICMS na operação interestadual com bem ou mercadoria importados submetidos à tributação prevista na Resolução do Senado Federal 13/2012.
Por sua vez, por meio da Emenda Constitucional 85/2015, promove-se a alteração da sistemática de cobrança do imposto do ICMS nas operações e prestações que destinem a consumidor final – não contribuinte do imposto, localizado em outra unidade federativa – diga-se que tal alteração não se restringiu ao denominado “e-commerce”. Para informação, uma forma de regulamentação da referida emenda constitucional materializou-se com o Convênio ICMS 93/2015.
2 Ives Gandra da Silva Martins, aponta que, naquilo que diz respeito ao ICMS, a Constituição Federal de 1988, estabeleceu 4 (quatro) técnicas de arrecadação: (i) a não-cumulatividade, considerada como técnica de imposição e arrecadação geral; (ii.) a monofásica, expressa na disposição do art. 155, XII, “h”, da Constituição Federal de 1988; (iii.) a substituição tributária por antecipação, na forma da disposição do art. 150, § 7º, da Constituição Federal de 1988; e (iv.) a cumulatividade, prevista pela disposição do art. 155, § 2º, II, da Constituição Federal de 1988. Assim, a exceção à não-cumulatividade só pode apresentar-se diante do quanto expressamente encontrar na previsão do texto constitucional. (veja-se: MARTINS, Ives Gandra. As técnicas de arrecadação admitidas no ICMS. Revista Dialética de Direito Tributário, nº 95, pp. 96-99).
3 A par desta, há outra classificação de considerável importância, que vem distinguir os princípios, dos subprincípios e dos sobreprincípios. Os primeiros seriam equivalentes aos princípios empíricos, encontráveis facilmente no Direito Positivo (ex.: Legalidade). Os segundos seriam aqueles derivados dos princípios, com menor generalidade (ex.: Tipicidade Tributária). E, por fim, os terceiros seriam aqueles que representariam a síntese de vários princípios, com maior generalidade (ex.: Segurança Jurídica).
4 Retome-se, conforme nota de rodapé 2 do presente, que a veiculação normativa do art. 155, § 2º, II, da Constituição Federal de 1988, retrata uma das exceções ao princípio/regra da não cumulatividade, à vista da sua cumulatividade, diante do não direito à manutenção creditória do imposto, decorrente de saídas relacionadas à isenção ou à não incidência do imposto.
5 Destaca-se, por todas, a doutrina de Roque Antonio Carrazza.
Referências
CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 13. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.
CARVALHO, Osvaldo Santos de. A não-cumulatividade do ICMS e o princípio da neutralidade tributária. São Paulo: Saraiva, 2013.
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2011.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 19. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1995.
MARTINS, Ives Gandra. As técnicas de arrecadação admitidas no ICMS. Revista Dialética de Direito Tributário, nº 95, São Paulo: Dialética, 2003.
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. Volume IV – os tributos na constituição.
Citação
CARVALHO, Osvaldo Santos de. ICMS - Imposto estadual sobre operações relativas à circulação de mercadorias. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Tributário. Paulo de Barros Carvalho, Maria Leonor Leite Vieira, Robson Maia Lins (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/278/edicao-1/icms---imposto-estadual-sobre-operacoes-relativas-a-circulacao-de-mercadorias
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