Muito se discute sobre o conceito de evasão fiscal e a tênue distinção com a elisão fiscal, notadamente após o advento da Lei Complementar 104/2001. Acredita-se que um “critério seguro” seria atribuir-se caráter lícito à elisão e ilícito à evasão. Contudo, estas qualificações merecem uma análise mais criteriosa.

1. Diferenças entre evasão e elisão

A doutrina pátria já exarou diversas manifestações para diferenciação dos conceitos de evasão e elisão.

Sampaio Doria,1 em sua preciosa monografia sobre o tema, corrobora a posição anteriormente identificada ao estabelecer forte conotação ilícita à evasão, motivo pelo qual discorda da utilização dos adjetivos “lícita” e “ilícita” à evasão. Nesse campo, merece registro as expressões “fraude fiscal e evasão lícita”2 ou “elisão lícita e ilícita”3 ou, ainda, “elisão eficaz (lícita) e ineficaz (ilícita)”.4 Gilberto de Ulhôa Canto,5 em acatado estudo, concluiu que “a diferença entre elisão e evasão fiscal consiste em a primeira ser a conduta do contribuinte, visando a evitar, reduzir ou retardar o pagamento do tributo mediante atos praticados antes da ocorrência do fato gerador, ao passo que a segunda se configura pela prática de tais atos após o fato gerador”. Ricardo Mariz de Oliveira6 consigna que: “a elisão fiscal é a economia tributária ilícita, decorrente de atos ou omissões do contribuinte, anteriores a ocorrência do fato gerado, que sem violar a lei, inclusive, sem simulação, evitam ou postergam a ocorrência da incidência. A evasão fiscal é a fuga da obrigação de recolhimento do tributo devido pela ocorrência do fato gerador, sempre que o contribuinte não se tenha valido da liberdade de elidir tal ocorrência pela adoção de um meio hábil, tal como acima definido. Portanto, os limites entre elisão e evasão situam-se na anterioridade da ação ou omissão do sujeito passivo em relação à ocorrência do fato gerador e na perfeita juridicidade do seu ato ou omissão”. Nota-se que o esteio dos doutrinadores consiste na divisão entre a licitude e a ilicitude das ações, bem como a realização da conduta antes ou depois da concretização do fato jurídico tributário. Contudo, a evasão está sempre relacionada à ilicitude, ao ato volitivo do agente (sujeito passivo) em ocultar a ocorrência do evento tributário ou, ainda, em contrariar as expressas disposições do ordenamento jurídico.

2. Evasão fiscal na doutrina estrangeira

Inúmeros são os ordenamentos jurídicos que estabelecem contornos precisos para o tema da evasão na seara tributária.

Como assevera Paulo Ayres Barreto,7 em preciosa obra acerca dos contornos do planejamento tributário, “a doutrina italiana alude às figuras da (i) economia de imposto (risparmio d’imposta); (ii) elisão (elusione); e (iii) evasão (evasione). A elisão tributária ocuparia um espaço intermediário entre a economia de imposto e a evasão fiscal”.

Para Francesco Tesauro, “l’elusione è uma forma di ‘risparmio’ che è conforme alla letera, ma non alla ratio delle norme tributarie: si há elusione quando il contribuente, per conseguire um determinato risultato, ricorre all’uso impróprio – vale a dire all’abuso – delle forme giuridiche”.8  

No mesmo esteio, tem-se os ensinamentos de Piero Vilani, para quem a contraposição elisão/evasão não se amolda ao “corolário clássico licitude-ilicitude dos comportamentos considerados”,9 o que leva o autor a perquirir sobre os instrumentos de combate à elisão fiscal.

Na Alemanha, a evasão fiscal está relacionada ao ato criminoso, com a intenção deliberada de sonegação fiscal.10 

No Reino Unido, o conceito de evasão está relacionado à questão de aplicação de penalidades. Os primeiros precedentes referentes à evasão fiscal remontam o ano de 1842.11 Em consonância com as lições de Hermes Marcelo Huck12  “o sistema vigente de penalidades ganhou sua conformação atual a partir de 1960, quando a lei britânica passou a considerar possíveis de punição os seguintes atos, tipificados como de evasão fiscal: (i) deixar de declarar rendimentos ao Fisco, na forma prescrita em lei, (ii) apresentar declarações de rendimentos incorretas, por fraude ou negligência, (iii) apresentar contabilidade incorreta por fraude ou negligência, além de outras hipóteses esparsas pela legislação tributária do Reino Unido”.

Em Portugal, segundo os ensinamentos de José Casalta Nabais, 

“tanto os indivíduos como as empresas podem, designadamente, verter a sua acção económica em actos jurídicos e actos não jurídicos de acordo com a sua autonomia privada, guiando-se mesmo por critérios de evitação dos impostos (tax avoidance) ou de aforro fiscal, desde que, por uma tal via, não se violem as leis fiscais, nem abusem da (liberdade de) configuração jurídica dos factos tributários, provocando evasão fiscal ou fuga aos impostos através de puras manobras ou disfarces jurídicos da realidade económica (tax evasion)”.13  

Observa-se que a doutrina estrangeira também se pauta nos critérios da ilicitude para a caracterização da evasão fiscal. Todas as vezes que se está diante de condutas que visam a omitir, do fisco, informações que levem ao conhecimento da ocorrência do fato jurídico tributário, ou, ainda, se busca evitar o recolhimento de tributos que devidos aos cofres públicos, caracteriza-se a evasão fiscal.


3. Evasão fiscal no projeto BEPS

A OCDE,14 demonstrando notória preocupação com o crescimento dos planejamentos tributários que conduzem à elisão e à evasão fiscal, deu início à um projeto para combater a erosão da base tributária denominado “BEPS”, cuja sigla em inglês significa “Action Plan on Base Erosion and Profit Shifts), cuja tradução para o português é “Plano de Ação sobre Erosão da Base e Transferência de Resultados”. O denominado “BEPS” fulcrou-se, segundo a OCDE, em três bases principais: (i) coerência nas leis nacionais que afetam atividades internacionais; (ii) identificação de substância nos negócios realizados de acordo com os padrões internacionalmente consagrados; (iii) a identificação de transparência e segurança jurídica. Em 2015 foram publicados os planos de ação do BEPS, os quais estão intrinsecamente relacionados com a questão da evasão e elisão tributárias. São eles: (i) Plano de Ação 1: endereçando os desafios tributários da economia digital (addressing the tax challenges of the digital economy); (ii) Plano de Ação 2: neutralizando os efeitos de arranjos tributários híbridos (neutralising the effects of hybrid mismatch arrangements); (iii) Plano de Ação 3: desenhando legislações CFC efetivas (designing effective controlled foreign company (cfc) rules); (iv) Plano de Ação 4: limitando a erosão da base por meio de juros e outros pagamentos financeiros (limiting base erosion involving interest deductions and other financial payments); (v) Plano de Ação 5: neutralizando práticas fiscais danosas de maneira mais efetiva, tomando em conta transparência e substância (countering harmful tax practices more effectively, taking into account transparency and substance); (vi) Plano de Ação 6: prevenindo o reconhecimento de benefícios de tratados em circunstâncias impróprias (preventing the granting of treaty benefits inappropriate circumstances); (vii) Plano de Ação 7: prevenindo a evitação artificial da condição de estabelecimento permanente (preventing the artificial avoidance of permanent establishment status); (viii) Plano de Ação 8-10: alinhando os resultados das regras de preços de transferência com a criação de valor (aligning transfer pricing outcomes with value creation); (ix) Plano de Ação 11: medindo e monitorando a erosão da base tributável e o deslocamento de lucros (measuring and monitoring beps); (x) Plano de Ação 12: regras de declaração obrigatória (mandatory disclosure rules); (xi) Plano de Ação 13: documentação de preços de transferência e declaração país a país (transfer pricing documentation and country-by-country reporting); (xii) Plano de Ação 14: tornando mecanismos de solução de disputas mais efetivos (making dispute resolution mechanisms more effective); e 

(xiii) Plano de Ação 15: desenvolvendo um instrumento multilateral para modificar tratados bilateriais (developing a multilateral instrument to modify bilateral tax treaties).
Como bem assevera Paulo Ayres Barreto15 “a maioria dos planos de ação diz respeito a cláusulas antielisivas específicas,16 provisões legislativas específicas por meio das quais se coíbe de forma eficaz a elisão tributária relativa a determinado aspecto específico de um tributo. Nesse contexto inserem-se, por exemplo, os planos de ação sobre preços de transferência (8-10 e 13), sobre regras CFC (3), desarranjos híbridos (2), pagamento de juros (4), etc. Embora o Projeto afirme os princípios gerais em que se baseia (substância, coerência e transparência), não é possível identificar uma linha consistente do que seria “abuso” para fins do Projeto”.
O projeto BEPS evidencia a preocupação mundial com a evasão fiscal e as formas de coibir sua utilização e expansão. E uma das fórmulas propostas no referido projeto consiste na prestação de informações sobre os planejamentos fiscais, cujas implicações podem conduzir a identificação da elisão fiscal, mas também culminar com a evasão.

4. O cenário brasileiro, as influências do BEPS e a tentativa de instituição da necessidade de prestação de informações acerca dos planejamentos tributários

Em virtude do grande alcance da publicação das ações do BEPS, no Brasil, foi editada a Medida Provisória 685/2015, a qual pretendeu instituir a Declaração de Planejamento Tributário (DPLAT), a qual foi posteriormente renomeada para Declaração de Informações de Operações Relevantes – DIOR. Nada obstante, a referida Medida Provisória, nos artigos que diziam respeito ao tema, não foi convertida em lei, não se verificando, até fevereiro de 2017, a instituição de norma de análogo jaez, visando ao controle dos planejamentos tributários. Note-se que a exposição de motivos da citada Medida Provisória fazia expressa menção ao BEPS, em seus itens 4, 5 e 6: “4. a segunda medida proposta estabelece a necessidade de revelação de estratégias de planejamento tributário, que visa aumentar a segurança jurídica no ambiente de negócios do país e gerar economia de recursos públicos em litígios desnecessários e demorados. (...) 5. assim, no âmbito do BEPS, há recomendações relacionadas com a elaboração de tais regras quanto a operações, arranjos ou estruturas agressivos ou abusivos. 6. o principal objetivo dessa medida é instruir a administração tributária com informação tempestiva a respeito de planejamento tributário (...) a medida estimula postura mais cautelosa por parte dos jurisdicionados antes de fazer uso de planejamentos tributários agressivos”. Entende-se, na qualificação de estruturas agressivas ou abusivas, a busca da qualificação da evasão fiscal pelo sujeito passivo da obrigação tributária. No entanto, atualmente, não há, no ordenamento jurídico brasileiro, norma que possa determinar a apresentação de informações explícitas pelos contribuintes acerca dos planejamentos realizados. Assim, mantem-se que os limites da evasão fiscal, da perspectiva legal tributária, estariam delimitados pelos arts. 116 e 149, VII, ambos do Código Tributário Nacional.

Notas

1 DORIA, Sampaio. Elisão e evasão fiscal, p. 46.

2 Cf. SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária, p. 99.

3 Cf. HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e elisão – rotas nacionais e internacionais do planejamento tributário, p. 45.

4 Cf. PEREIRA, César Guimarães. Elisão tributária e função administrativa, p. 213.

5 ULHÔA CANTO, Gilberto. Elisão e evasão. Caderno de pesquisas tributárias. Elisão e evasão fiscal, p. 110.

6 MARIZ DE OLIVEIRA, Ricardo. Elisão e evasão. Caderno de pesquisas tributárias. Elisão e evasão fiscal, p. 191.

7 BARRETO, Paulo Ayres. Planejamento tributário – limites normativos, p. 115.

8 TESAURO, Francesco. Compendio di diritto tributário, p. 135.

9 VILLANI, Piero. Elisão fiscal no direito tributário italiano e brasileiro – análise comparatística. Caderno de pesquisas tributárias. Elisão e evasão fiscal, p. 584.

10 PÖLLATH, Reinhard. Tax Avoidance, tax evasion (Germany), in tax avoidance, tax evasion: a survey of the treatment of tax avoidance and tax evasion in the main industrialised countries of the world, p. 143

11 JONES, L.E.T. Tax Avoidance, tax evasion (United Kingdom), in tax avoidance, tax evasion: a survey of the treatment of tax avoidance and tax evasion in the main industrialised countries of the world, p. 125.

12 HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e elisão – rotas nacionais e internacionais do planejamento tributário, p. 200.

13 NABAIS, José Casalta. Direito fiscal, p. 131.

14 OECD. Adressing base erosion and profit shifting. Disponível em:   . Acesso em: 12 de fevereiro de 2017.

15 BARRETO, Paulo Ayres. Planejamento tributário – limites normativos, p. 132.

16 Ver item 8.8.

Referências

BARRETO, Paulo Ayres. Planejamento tributário – limites normativos. São Paulo: Noeses, 2016.

DORIA, Sampaio. Elisão e evasão fiscal. São Paulo: Lael, 1971.

HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e elisão – rotas nacionais e internacionais do planejamento tributário. São Paulo: Saraiva, 1997.

JONES, L.E.T. Tax Avoidance, tax evasion (United Kingdom), in tax avoidance, tax evasion: a survey of the treatment of tax avoidance and tax evasion in the main industrialised countries of the world. 2. ed. London: International Bar Association; Sweet and Maxwell, 1987.

MARIZ DE OLIVEIRA, Ricardo. Elisão e evasão. Caderno de pesquisas tributárias. Elisão e evasão fiscal. Ives Gandra Martins (coord.). São Paulo: Resenha Tributária, 1988. Vol. XIII.

NABAIS, José Casalta. Direito fiscal. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2006.

OECD. Adressing base erosion and profit shifting. Disponível em:   . Acesso em: 12 de fevereiro de 2017.

PEREIRA, César Guimarães. Elisão tributária e função administrativa. São Paulo: Dialética, 2001.

PÖLLATH, Reinhard. Tax Avoidance, tax evasion (Germany), in tax avoidance, tax evasion: a survey of the treatment of tax avoidance and tax evasion in the main industrialised countries of the world. 2. ed. London: International Bar Association: Sweet and Maxwell, 1987.

TESAURO, Francesco. Compendio di diritto tributario. Milão: UTET, 2002. 

VILLANI, Piero. Elisão fiscal no direito tributário italiano e brasileiro – análise comparatística. Caderno de pesquisas tributárias. Elisão e evasão fiscal. Ives Gandra Martins (coord.). Trad. Brandão Machado.  São Paulo: Resenha Tributária, 1988. Volume XIII.

ULHÔA CANTO, Gilberto. Elisão e evasão. Caderno de pesquisas tributárias. Elisão e evasão fiscal. Ives Gandra Martins (coord.). São Paulo: Resenha Tributária, 1988. Volume XIII.

Citação

GONÇALVES, Carla de Lourdes. Evasão fiscal. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Tributário. Paulo de Barros Carvalho, Maria Leonor Leite Vieira, Robson Maia Lins (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/269/edicao-1/evasao-fiscal

Edições

Tomo Direito Tributário, Edição 1, Maio de 2019