Contratos eletrônicos são assim denominados porque sua celebração depende da existência de um sistema informático, ou da intercomunicação entre sistemas informáticos. A validação da manifestação da vontade segue critérios similares aos contratos celebrados fora desse ambiente. O Brasil instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), com o objetivo de organizar o reconhecimento dos documentos produzidos eletronicamente; dessa forma, a assinatura efetivada por meio de chaves privadas e reconhecida por chaves públicas tem validade perante terceiros. A assinatura eletrônica por meio do ICP-Brasil não é requisito de validade dos contratos eletrônicos.

1. Conceito


Contratos eletrônicos são aqueles em que sua celebração depende da existência de um sistema informático, ou da intercomunicação entre sistemas informáticos. No primeiro caso, quando a interação se dá entre o usuário e o sistema informático, a manifestação da vontade é estática, pois não extrapola os limites daquele sistema. Antes do advento da Internet, a manifestação de vontade era puramente estática, sendo concebida na interação da pessoa com o computador e ali permanecendo. A partir do uso comercial da Internet, a manifestação da vontade ocorre com a intercomunicação de sistemas informáticos, por meio da troca eletrônica de dados.

A definição contida no art. 60, § 1º, da Lei 9.472/1997 (Lei Geral de Telecomunicações) ajuda a compreender melhor a interatividade sob o aspecto eletrônico. Define-se telecomunicação como a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza. Assim, uma informação contida num sistema informático é transmitida, por meio de telecomunicação, a outro sistema informático. 

Essas informações transmitidas por sistemas de telecomunicação podem ter as mais variadas características. O que importa para os contratos eletrônicos, evidentemente, são os comandos emitidos pelo usuário do terminal informático e recebidos por outro sistema informático, para efeitos de celebração de um contrato que permitirá a venda de um produto, a prestação de um serviço, ou ainda, a licença de uso de um programa de computador. 


2. Formação dos contratos eletrônicos


A validade dos contratos eletrônicos foi, por um bom tempo, discutida pela doutrina, no sentido que a ausência de assinatura autografa não representaria, necessariamente, uma impossibilidade de vinculação aos termos do contrato. Com o uso de recursos eletrônicos é possível classificar a manifestação da vontade em três níveis: interpessoal, intersistêmica e interativa.

Na primeira hipótese, a contratação se dá por meio da comunicação entre partes, sendo que os comandos são emitidos pelos usuários dos sistemas informáticos interligados. É o caso, por exemplo, da comunicação via e-mail, de serviços de mensagens instantâneas, web-conferência, dentre outros. Nesse ambiente, “as duas manifestações volitivas essenciais ao preenchimento dos requisitos de existência da relação jurídica ocorrem, cada um ao seu turno, no momento em que seus autores transmitem a mensagem eletrônica. O contrato que dela se origina é similar (i) ao contrato por correspondência, deste se distinguindo pelo fato de não ser adotado o suporte físico papel, mas o suporte informático; (ii) ao contrato verbal à distância, ou por telefone, deste também se distinguindo pelo meio adotado para veicular a manifestação de vontade”.1 Nestes casos, em uma única comunicação, não é comum o usuário ter conhecimento imediato das condições da contratação, mas poderá perfeitamente manifestar seu acordo em relação a eventuais termos e condições pré-existentes.

A comunicação interpessoal pode ser considerada como firmada entre presentes ou entre ausentes.2 Não é possível considerar que, numa mensagem enviada por e-mail, o destinatário tenha tido conhecimento automático e imediato do seu envio para caracterizar a simultaneidade da vinculação, cabendo, pois, uma análise caso a caso. Por outro lado, em comunicação de mensagem instantânea ou web-conferência, a semelhança com o sistema telefônico é inequívoca, de forma que pode ser considerada entre presentes.

Na comunicação intersistêmica, os sistemas informáticos intercomunicam-se através de comandos automáticos, independentemente da interferência do usuário. Em outras palavras, o comando emissor é feito mediante pré-programação, sendo acionado a cada vez que uma determinada informação lhe é transmitida.

Assim funciona, principalmente, a comunicação denominada de intercâmbio eletrônico de dados (o que antigamente era conhecido como Electronic Data Interchange – EDI, migrando-se atualmente para a chamada Internet das Coisas ou IOT Internet of Things). Por esse método, interligam-se computadores de centros de estoques, centros de fornecedores, centros de gerenciamento, dentre outros, através dos quais a solicitação de uma determinada mercadoria ou serviço ocorre com a verificação automática de sua diminuição em estoque. Assim são tratadas as informações evitando-se acúmulo de papeis e a interferência de terceiros. 

Por evidente, não se pode considerar que são os próprios computadores que determinam os termos e condições contratuais em cada ordem de compra ou serviço. É necessário haver um contrato, celebrado previamente, que estabeleça as regras a serem aplicáveis no relacionamento entre partes, inclusive no que se refere aos diversos contratos que serão firmados sem a interferência do usuário do sistema. Ademais, é este contrato que determinará o momento da manifestação da vontade das partes e suas consequências no que diz respeito ao vínculo jurídico formado em cada solicitação. 

Por fim, na comunicação interativa, ocorre uma espécie de meio termo entre as duas hipóteses acima. A manifestação da vontade é enviada por uma pessoa, por meio da transmissão eletrônica de dados, sendo que um sistema informático recebe a comunicação e envia automaticamente uma resposta. Constitui, pois, o resultado de uma relação de comunicação estabelecida entre uma pessoa e um servidor de aplicação.

Esta é, de fato, a forma mais utilizada para efetivar as contratações eletrônicas, estando os programas de computador previamente programado para exibir catálogos, ofertar produtos, serviços, recolher informações, possibilitando ao usuário escolher os itens de compra, preencher os formulários indicados e declarar sua aceitação, autorizando o débito no cartão de crédito ou em sua conta corrente bancária.

Para Marisa Rossi,

“o ato jurídico de formalização dessa oferta, portanto, se consumaria no momento em que, concluídas as funções de programação (inclusão e caracterização dos itens oferecidos à venda, indicação de seus preços e das opções de pagamento, etc.), o sistema aplicativo seja instalado em um website e aberto ao acesso público. Este seria o momento em que o ofertante estaria manifestando sua vontade. O adquirente dos produtos ou serviços eletronicamente ofertados, por seu turno, estaria expressando sua vontade quando, após acessar o sistema aplicativo e com ele interagir (...), preencher o campo eletrônico que solicita a indicação de sua plena aceitação aos termos e condições de fornecimento constantes da oferta. Pode-se dizer que é nesse instante que o contrato de adesão é efetivamente celebrado”.3  


3. Considerações pré-contratuais


Ainda que a manifestação da vontade ocorra por meio de transmissão de dados, o contrato eletrônico formaliza uma relação jurídica como qualquer outra de natureza contratual, de modo que os aspectos que envolvem as questões pré-contratuais são igualmente aplicáveis à espécie. Nas relações massificadas, que por sua natureza envolvem a relação de consumo, há vários aspectos que devem ser considerados e seguidos pelo ofertante do produto ou serviço.4 

Assim, os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos utilizados para oferta de produtos ou serviços devem disponibilizar, em local de destaque e de fácil visualização: (a) o nome empresarial e número de inscrição do fornecedor, quando houver, no CPF ou CNPJ; (b) o endereço físico e eletrônico, e demais informações necessárias para sua localização e contato; (c) as características essenciais do produto ou do serviço, incluídos os riscos à saúde e à segurança dos consumidores; (d) a discriminação, no preço, de quaisquer despesas adicionais ou acessórias, tais como as de entrega ou seguros; (e) as condições integrais da oferta, incluídas modalidades de pagamento, disponibilidade, forma e prazo da execução do serviço ou da entrega ou disponibilização do produto; e (f) informações claras e ostensivas a respeito de quaisquer restrições à fruição da oferta.

Por sua vez, os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos utilizados para ofertas de compras coletivas ou modalidades análogas de contratação deverão conter, ainda, (a) as quantidade mínima de consumidores para a efetivação do contrato; (b) o prazo para utilização da oferta pelo consumidor; e (c) a identificação do fornecedor responsável pelo sítio eletrônico e do fornecedor do produto ou serviço ofertado.

Para garantir o atendimento facilitado ao consumidor no comércio eletrônico,  o fornecedor deverá (a) apresentar sumário do contrato antes da contratação, com as informações necessárias ao pleno exercício do direito de escolha do consumidor, enfatizadas as cláusulas que limitem direitos; (b) fornecer ferramentas eficazes ao consumidor para identificação e correção imediata de erros ocorridos nas etapas anteriores à finalização da contratação; (c) confirmar imediatamente o recebimento da aceitação da oferta; (d) disponibilizar o contrato ao consumidor em meio que permita sua conservação e reprodução, imediatamente após a contratação; (e) manter serviço adequado e eficaz de atendimento em meio eletrônico, que possibilite ao consumidor a resolução de demandas referentes a informação, dúvida, reclamação, suspensão ou cancelamento do contrato; (f) confirmar imediatamente o recebimento das demandas do consumidor referidas no inciso, pelo mesmo meio empregado pelo consumidor; e (g)  utilizar mecanismos de segurança eficazes para pagamento e para tratamento de dados do consumidor.

É obrigação do fornecedor informar, de forma clara e ostensiva, os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor, que pode formalizá-lo pela mesma ferramenta utilizada para a contratação, sem prejuízo de outros meios disponibilizados. O exercício do direito de arrependimento implica a rescisão dos contratos acessórios, sem qualquer ônus para o consumidor.


4. A lei de regência dos contratos eletrônicos


Não existe na doutrina consenso no que se refere à conceituação de um contrato internacional, até porque, pela ausência de definição legal, a questão vem sendo resolvida através da observância de casos práticos. No dizer de Luiz Olavo Baptista, “é preciso pelo menos procurar identificar os traços básicos que fazem com que um contrato seja considerado internacional, mas tendo-se presente que há certos casos especiais que fogem às regras deduzidas. Ambas, regras e exceções, servirão como orientação geral e balizamento na qualificação dos contratos que possam envolver mais de uma ordem jurídica”.5

O envolvimento de mais de uma ordem jurídica é, sem dúvida, fator preponderante na caracterização da internacionalidade do contrato. Difícil, entretanto, é detectar a existência desse envolvimento. Para tanto, deve o contrato conter algum elemento, que tenha certa importância, estranho à ordem jurídica interna, constituindo indício da possibilidade de aplicação de mais de uma lei nacional.

Esses elementos estranhos ao ordenamento jurídico, a título de exemplo, podem estar no domicílio estrangeiro de uma das partes, na nacionalidade distinta, na moeda escolhida, no lugar da celebração ou da execução do contrato, dentre vários outros. Para efeito dos contratos eletrônicos, a estraneidade pode se dar a partir do local onde o website é hospedado, de onde ofertante informa estar seu domicílio, dentre outros aspectos.

A identificação desse elemento serve, pois, de instrumento de auxílio para verificar-se qual o ordenamento jurídico aplicável, problema esse que deve resolvido para fins de manter a segurança das relações jurídicas. Porém, é inegável que somente a casuística determinará o conteúdo internacional de um contrato. E, por diversas oportunidades, será em função da lex fori (lei do foro) que o juiz decidirá se a relação jurídica formada merece o qualificativo de internacional.


4.1. Lex loci celebracionis


O art. 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/1942) estabelece, em seu caput, que a lei aplicável à relação jurídica obrigacional será a do país em que foi constituída. Vislumbra-se a obediência à regra acima no caso dos contratos entre presentes, visto que a declaração de ambas as partes da aceitação dos termos contratuais se dá conforme consignado no instrumento vinculativo representando o local onde se encontram naquele momento.

Por outro lado, podem as partes não celebrar o contrato de forma simultânea, de modo que, para o caso da vinculação se dar entre ausentes, o § 2º do mesmo art. 9º estabelece que a obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente.

O primeiro desafio, em ambas as hipóteses, é identificar o país onde o vínculo contratual se constituiu. Atualmente, com a existência de contratos eletrônicos celebrados pela troca eletrônica de dados, o fato da manifestação da vontade eventualmente considerada “entre presentes” não significa que as partes tenham efetuado a celebração em um mesmo país (como já se verificava com a existência da comunicação via telefone). Por outro lado, no contrato entre ausentes, há dois campos nebulosos que sempre demandam um exercício de verificação para encontrar a definição correta: identificar o proponente e, em seguida, seu local de residência.

A identificação do proponente se dá através da definição da parte que estabelece as condições essenciais do contrato para oferta do produto. Para Maristela Basso,6 só haverá alteração na figura do proponente se, na contraproposta efetuada, houver alteração dos elementos essenciais, os quais normalmente centram-se no objeto e preço.

No ambiente eletrônico, os contratos, em sua grande maioria, são celebrados por adesão, o que não deixa dúvidas em considerar a figura do ofertante dos produtos e serviços como proponente dos termos e condições contratuais, apesar de sempre estar sujeito a uma análise casuística. No que se refere à identificação da “residência” do proponente, é possível considerar esse termo como o estabelecimento de moradia definitiva, mas também como também uma ideia momentânea de localização. Esse último critério revela uma maior adequação à mobilidade negocial, vez que comumente os contratos são firmados fora do âmbito residencial dos contratantes.

Para Érica Brandini Barbagalo,7 para reger a proposta referente aos contratos eletrônicos, aplica-se a lei do local onde o proponente exerce suas atividades principais, independentemente onde estiverem armazenadas as mensagens constantes de seu website, devendo, contudo, informar suficientemente ao oblato a definição deste local. Por outro lado, se o ofertante dirige sua proposta a um mercado determinado, ainda que ali não esteja residindo geograficamente, este abre mão da prerrogativa de submeter-se à sua legislação de origem, pois demonstra a intenção de estabelecer-se em referido mercado e ali entabular negociações. Logo, conclui-se, a regra é mais benéfica ao oblato, pois se considera que o ofertante localiza-se virtualmente em seu território.

Nesse sentido, uma vez que o ambiente virtual é acessado de forma indistinta, o ofertante deve criar mecanismos eficientes, que não deixem margem a dúvidas quanto ao mercado que se dirige. Tais mecanismos podem constituir desde avisos em destaque, até, mais recomendável, bloqueio de cadastro ou de solicitação aos países aos quais sua oferta não estaria disponível.

Se assim não o faz, fica evidente a oferta a todos os lugares onde a Internet é acessada, de forma que não pode se recusar, conforme a lei local do oblato, a vender o produto ou prestar o serviço ofertado virtualmente.


4.1.1. Contratos entre presentes


Com o advento da telefonia e, principalmente das comunicações eletrônicas, o conceito de comunicação entre presentes passou a ter uma nova caracterização. Assim, não somente o estar presente fisicamente pode ser condição para a contratação entre presentes, mas também a simultaneidade dessa comunicação, ainda que as partes estejam a quilômetros de distância.

Conforme visto acima, a contratação intersistêmica, onde existe uma pré-programação dos comandos de aceitação das propostas sem a interferência, naquele momento, da ação humana, é de se considerar a necessidade de existência de um contrato prévio em que se definam as regras aplicáveis a cada nova contratação. Não há dúvida que, sob o ponto de vista de simultaneidade, a comunicação intersistêmica encerraria uma contratação entre presentes. Logo, a definição do local de constituição da obrigação deverá ser analisada sob o prisma do contrato efetuado entre as partes, anteriormente à sistematização das comunicações, visto que impossível sua definição sem a interferência humana na comunicação. Caso inexista contrato anterior ou que este, ainda que existente, nada disponha a respeito (possibilidade quase inexistente, considerando a alta complexidade desse tipo de relação jurídica), o local de constituição da obrigação deve ser analisado à luz das regras comuns de direito, para fins de definição da lei aplicável.

Já para os contratos interativos, ainda que as ordens advindas do proponente sejam todas automatizadas e pré-programadas, seja no que se refere à oferta do produto, seja no que se refere à resposta de retorno quanto ao reconhecimento da aceitação pelo oblato, este, por sua vez, analisa as condições ofertadas e emite sua aceitação. Assim, apesar da comunicação humana se dar de forma unilateral, é possível considerar que o negócio jurídico se forma nesse momento e que, portanto, de sua análise decorre a identificação do local da constituição da obrigação.

Dessa forma, para os websites interativos que direcionem suas atividades a uma localidade em especial, pode-se considerar sua residência lógica nesta localidade e aplicar essa legislação para reger as transações decorrentes da interação com referido website. Como se configura neste caso a contratação entre presentes, o local da proposta coincide com o da celebração do contrato, de forma que aí se toma por base a lei aplicável à relação jurídica firmada entre as partes.


4.1.2. Contratos entre ausentes


Nos contratos eletrônicos celebrados por meio da transmissão eletrônica de dados, a possibilidade de contratação entre ausentes se dá, via de regra, na comunicação interpessoal. Através da troca de mensagens eletrônicas sem a garantia de ocorrer a comunicação simultânea, deve-se identificar a figura do proponente, bem como o local de sua residência.

Não se aplicam, nesse caso, os mesmos critérios apontados na comunicação interativa. Apesar da contratação se dar por meio da transmissão de dados, o âmbito da comercialização do produto ou serviço não é virtual. Vale a definição quanto ao efetivo local onde se encontra o proponente no momento da contratação, tal como nos contratos fora do ambiente eletrônico.

Para tanto, é preciso identificar o momento da aceitação da proposta, a qual indicará o lugar onde se encontra o proponente (neste caso, pouco importando se se trata de contrato eletrônico ou não). Algumas teorias co-existem no que se refere à definição do momento. São elas: (a) teoria da informação ou conhecimento – o contrato se forma no momento em que a aceitação chega ao conhecimento do proponente e no lugar em que então este se encontra; (b) teoria da declaração – o contrato se forma no momento e no lugar em que o oblato declara aceitar a oferta; (c) teoria da expedição ou emissão – o contrato se forma no momento e lugar em que a aceitação é enviada ao proponente; e (d) teoria da recepção – o contrato se forma no lugar em que a aceitação é recebida pelo proponente. O Código Civil (art. 428) estabeleceu um critério misto de verificação da aceitação da proposta entre ausentes. Considera-se aceita: no caso de proposta com prazo determinado, a partir da expedição da aceitação (teoria da expedição); ou, no caso de não haver um prazo fixado, chegar a resposta afirmativa ao proponente dentro de um período de tempo razoável (teoria da recepção).

Assim sendo, uma vez determinado o momento da expedição da aceitação no caso de proposta com prazo determinado, ou no momento da recepção pelo proponente da aceitação, nos casos de prazo não fixado em período razoável, ter-se-á determinado o momento da formação do vínculo contratual. Como consequência, verifica-se o local da residência do proponente para fins de identificação da lei aplicável nos contratos entre ausentes.


4.1.3. Locus regit actum 


O § 1º do art. 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro estabelece que, destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato. Trata-se de elemento que diz respeito à forma e não ao conteúdo contratual, valendo principalmente para transações envolvendo bens imóveis (escrituras) ou sucessão (testamento), dentre outros aspectos.

Para fins dos contratos eletrônicos, cada legislação aplicável deve ser respeitada com relação à formalização da contratação, o que requer especial atenção com relação às normas envolvendo assinatura eletrônica.

Vale mencionar que a UNCITRAL editou a Lei Modelo sobre assinaturas eletrônicas, de 2001,8 com o objetivo de permitir e facilitar a utilização de assinaturas eletrônicas por meio do estabelecimento de critérios de confiabilidade técnica para a equivalência entre assinaturas eletrônicas e assinaturas autógrafas.


4.2. Autonomia da vontade e ordem pública


Apesar da divergência doutrinária quanto à possibilidade de utilização desse critério nos contratos solucionados no âmbito do Poder Judiciário, a autonomia da vontade afasta uma série de questões complexas na identificação da lei aplicável, como vimos no caso da lex loci celebracionis, pois não dependerá da verificação se o contrato foi entre ausentes ou entre presentes, da mesma forma não sendo relevante a identificação do proponente e de sua residência. A autonomia da vontade, em muito, possibilita uma menor complexidade na relação jurídica.

Entretanto, ainda que aceitável o princípio, é evidente a existência de limites ao poder de escolha das partes (ou, de certa forma, de imposição nos contratos por adesão). Trata-se do respeito à ordem pública. Seja no critério da lex loci celebracionis, seja no da autonomia da vontade, a aplicação de lei estrangeira segue uma série de restrições previstas no art. 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Segundo o texto legal, as leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

Se por um lado, na lex loci celebracionis, a manutenção da ordem pública evita a aplicação de lei estrangeira que resulte em violação ao direito indisponível de uma das partes, na autonomia da vontade seu papel é de evitar a ocorrência de fraude à lei quando as partes decidem afastar a aplicação de norma cogente à sua relação jurídica.

Na contratação eletrônica, há várias questões que esbarram na discussão sobre eventual violação de ordem pública. A que mais chama a atenção, sem dúvida, é o Código de Defesa do Consumidor, que em seu art. 1º prescreve que suas normas são de ordem pública com fundamento nos arts. 5º, XXXII e 170, V da Constituição Federal.

Ora, a identificação da relação jurídica como de consumo é determinante no sentido de que deve ser aplicada esta lei brasileira em eventual conflito internacional. Diante do cenário constitucional brasileiro, e diante da expressa menção no texto legal de que se trata de norma de ordem pública, não é possível avaliar a hipótese de seu afastamento nos contratos eletrônicos, salvo se alguma especificidade do caso concreto descaracterizar a relação de consumo.


5. Assinatura eletrônica (ICP-Brasil)


Com o objetivo de garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras, o Brasil instituiu, por meio da Medida Provisória 2.200-2/2001, a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil.

A ICP-Brasil é composta por um Comitê Gestor (autoridade gestora de políticas) e pela seguinte cadeia de autoridades certificadoras: Autoridade Certificadora Raiz (AC Raiz); Autoridades Certificadoras (AC); e Autoridades de Registro (AR).

O Comitê Gestor da ICP-Brasil tem por competência (art. 4º): (a) adotar as medidas necessárias e coordenar a implantação e o funcionamento da ICP-Brasil; (b)  estabelecer a política, os critérios e as normas técnicas para o credenciamento das AC, das AR e dos demais prestadores de serviço de suporte à ICP-Brasil, em todos os níveis da cadeia de certificação; (c) estabelecer a política de certificação e as regras operacionais da AC Raiz; (d) homologar, auditar e fiscalizar a AC Raiz e os seus prestadores de serviço; (e) estabelecer diretrizes e normas técnicas para a formulação de políticas de certificados e regras operacionais das AC e das AR e definir níveis da cadeia de certificação; (f) aprovar políticas de certificados, práticas de certificação e regras operacionais, credenciar e autorizar o funcionamento das AC e das AR, bem como autorizar a AC Raiz a emitir o correspondente certificado; (g) identificar e avaliar as políticas de ICP externas, negociar e aprovar acordos de certificação bilateral, de certificação cruzada, regras de interoperabilidade e outras formas de cooperação internacional, certificar, quando for o caso, sua compatibilidade com a ICP-Brasil, observado o disposto em tratados, acordos ou atos internacionais; e (h)  atualizar, ajustar e revisar os procedimentos e as práticas estabelecidas para a ICP-Brasil, garantir sua compatibilidade e promover a atualização tecnológica do sistema e a sua conformidade com as políticas de segurança.

A cadeia de emissão de um certificado digital funciona da seguinte forma: A AC Raiz9 tem competência para emitir, expedir, distribuir, revogar e gerenciar os certificados das AC de nível imediatamente subsequente ao seu, gerenciar a lista de certificados emitidos, revogados e vencidos, e executar atividades de fiscalização e auditoria das AC e das AR e dos prestadores de serviço habilitados na ICP, em conformidade com as diretrizes e normas técnicas estabelecidas pelo Comitê Gestor da ICP-Brasil, e exercer outras atribuições que lhe forem cometidas pela autoridade gestora de políticas. Por sua vez, as AC, entidades credenciadas a emitir certificados digitais vinculando pares de chaves criptográficas ao respectivo titular, têm competência para emitir, expedir, distribuir, revogar e gerenciar os certificados, bem como colocar à disposição dos usuários listas de certificados revogados e outras informações pertinentes e manter registro de suas operações. O par de chaves criptográficas será gerado sempre pelo próprio titular e sua chave privada de assinatura será de seu exclusivo controle, uso e conhecimento. Por fim, compete às AR, entidades operacionalmente vinculadas a uma determinada AC, identificar e cadastrar usuários na presença destes, encaminhar solicitações de certificados às AC e manter registros de suas operações.

As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 219 do Código Civil.10 Por outro lado, não se obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.

Fica patente que a existência da assinatura eletrônica não é requisito essencial quanto à formalidade do contrato eletrônico. Serve apenas como auxílio na verificação da presunção de sua veracidade. Vale ressaltar que se o contrato eletrônico dependesse de forma essencial, seriam criadas barreiras quase que intransponíveis à diversificação tecnológica, além de emperrar o processo de evolução dos sistemas de certificação, pois, apesar de haver uma intercomunicação, os sistemas e linguagens são muito diferentes entre si.


Notas

1 ROSSI, Mariza Delapieve. Aspectos legais do comércio eletrônico: contratos de adesão. Anais do 19º seminário nacional de propriedade intelectual da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual, p. 105.

2 Art. 428, I, do Código Civil.

3 ROSSI, Mariza Delapieve. Aspectos legais do comércio eletrônico: contratos de adesão. Anais do 19º seminário nacional de propriedade intelectual da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual, p. 105.

4 Conforme Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1994) e sua Regulamentação para Contratos Eletrônicos (Decreto 7.962/2013).

5 BAPTISTA, Luiz Olavo. Dos contratos internacionais: uma visão teórica e prática, p. 10. 

6 BASSO, Maristela. Contratos internacionais do comércio: negociação, conclusão, prática, p. 71.

7 BARBAGALO, Erica Brandini. Contratos eletrônicos: contratos formados por meio de redes de computadores: peculiaridades jurídicas da formação do vínculo, p. 72. 

8 Disponível em: <http://www.uncitral.org/uncitral/en/uncitral_texts/electronic_commerce/2001Model_ status.html>. Acesso em: 10.04.2017.

9 O art. 13 da MP 2200-2/2001 estabeleceu o ITI (Instituto Nacional de Tecnologia da Informação) como a Autoridade Certificadora Raiz da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira.

10 As declarações constantes de documentos assinados presumem-se verdadeiras em relação aos signatários.


Referências

BAPTISTA, Luiz Olavo. Dos contratos internacionais: uma visão teórica e prática. São Paulo: Saraiva, 1994.

BARBAGALO, Erica Brandini. Contratos eletrônicos: contratos formados por meio de redes de computadores: peculiaridades jurídicas da formação do vínculo. São Paulo: Saraiva, 2001.

BASSO, Maristela. Contratos internacionais do comércio: negociação, conclusão, prática. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.

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ROSSI, Mariza Delapieve. Aspectos legais do comércio eletrônico: contratos de adesão. Anais do 19º seminário nacional de propriedade intelectual da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual. São Paulo, 1999.


Citação

BRANCHER, Paulo Marcos Rodrigues. Contrato eletrônico. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Comercial. Fábio Ulhoa Coelho, Marcus Elidius Michelli de Almeida (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/259/edicao-1/contrato-eletronico

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Tomo Direito Comercial, Edição 1, Julho de 2018