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Créditos extraconcursais
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Marcelo Barbosa Sacramone
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Tomo Direito Comercial, Edição 1, Julho de 2018
Os créditos extraconcursais são os créditos contraídos pela Massa Falida durante o procedimento concursal, seja como encargos aos seus próprios agentes para o desenvolvimento do processo, seja por obrigações contraídas perante terceiros, ou ainda os créditos contraídos pelo devedor durante o procedimento de recuperação judicial e que veio a se convolar em falência. Com exceção dos créditos contraídos durante a recuperação judicial, são créditos constituídos em razão da arrecadação, liquidação dos ativos da Massa Falida e pagamento dos credores. Este é o tema deste verbete.
1. Conceito
Os créditos extraconcursais são os créditos contraídos pela Massa Falida durante o procedimento concursal, seja como encargos aos seus próprios agentes para o desenvolvimento do processo, seja por obrigações contraídas perante terceiros, ou ainda os créditos contraídos pelo devedor durante o procedimento de recuperação judicial e que veio a se convolar em falência. Com exceção dos créditos contraídos durante a recuperação judicial, são créditos constituídos em razão da arrecadação, liquidação dos ativos da Massa Falida e pagamento dos credores.
Os créditos extraconcursais são satisfeitos com o produto da liquidação dos ativos da Massa Falida com prioridade em relação aos créditos concursais, já existentes por ocasião da decretação da falência ou do pedido de recuperação judicial convolada em falência.
Não significa, entretanto, que os créditos extraconcursais serão os primeiros a serem satisfeitos. Os créditos das restituições deverão ser satisfeitos prioritariamente (art. 149 da LREF), assim como os créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos três meses anteriores à decretação da falência até o limite de cinco salários mínimos por trabalhador (art. 151 da LREF). Apenas após a satisfação de ambos os créditos é que os credores extraconcursais deverão ser satisfeitos.
Na hipótese de os ativos da Massa serem insuficientes para a satisfação integral de todos os créditos, o pagamento deverá respeitar a ordem do art. 84 da LREF, haja vista que o próprio caput do dispositivo determina o pagamento conforme a ordem a seguir prevista. Na insuficiência de ativos, a classe posterior somente poderá ser satisfeita, com o pagamento proporcional ao crédito de todos os credores, após a satisfação da classe anterior.
Os créditos concursais não se submetem ao procedimento de verificação de crédito. Não é necessário que haja a habilitação do credor no processo, pois são créditos que se originam a partir desse e cujo controle já deve estar expresso nos autos.
2. Remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares
No Decreto revogado, em seu art. 124, estabelecia-se a prioridade dos credores trabalhistas em detrimento dos encargos e dívidas da Massa. O art. 186 do Código Tributário Nacional, por seu turno, também garantia a preferência dos créditos tributários às obrigações da Massa Falida.
Ambas as normas acarretavam, assim, a impossibilidade de satisfação dos encargos e dívidas da massa, dentre esses a remuneração do síndico, antes da satisfação dos débitos trabalhistas e fiscais. De modo a assegurar a remuneração pelas funções exercidas pelo síndico, o Superior Tribunal de Justiça tinha consolidado o posicionamento de que a remuneração do síndico seria considerada como crédito trabalhista para efeitos de pagamento.
A Lei 11.101/2005, ao revogar o Decreto Lei 7.661/1945, além de estabelecer a prioridade dos créditos extraconcursais sobre os concursais, para efeitos de pagamento, assegurou o tratamento prioritário ao administrador judicial e auxiliares, bem como aos créditos relativos aos serviços prestados pelos trabalhadores durante o procedimento falimentar.
O Administrador Judicial será nomeado pelo Juízo Falimentar para o exercício das funções, basicamente, de verificação de créditos, arrecadação, liquidação dos ativos e pagamento dos credores (art. 22 da LREF). Para o desempenho dessas funções, determinou a Lei que a remuneração do administrador judicial deve refletir o valor de mercado para o desempenho de funções correlatas, desde que não extrapole o limite de 5% do valor total do ativo da Massa Falida.
Essa remuneração do administrador judicial, entretanto, deverá ter reservado o montante de 40% apenas para pagamento após a aprovação de suas contas e do relatório final da falência (art. 24, § 2º, da LREF). De modo a se garantir que os demais credores não precisem aguardar até o fim do processo para receberem seus créditos, mas não se prejudique a possibilidade de o administrador judicial receber sua remuneração com prioridade, esses valores deverão ser reservados para o pagamento posteriormente, ainda que se pague com precedência os demais credores conforme a ordem de pagamento.
Caso não consiga desempenhar pessoalmente a função, seja em razão a complexidade de determinada atuação, seja diante da necessidade de conhecimentos específicos sobre determinada atividade, o administrador judicial poderá requerer ao juiz a contratação de auxiliares (art. 22, I, h, da LREF). A remuneração desses auxiliares será fixada judicialmente em razão da complexidade do trabalho e dos valores praticados no mercado e será satisfeita com prioridade pela Massa Falida, na mesma classe dos créditos decorrentes da remuneração do administrador judicial.
3. Créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência
Os créditos trabalhistas ou acidentários decorrentes de prestação de trabalho à Massa Falida também integrarão a primeira classe dos credores extraconcursais. Na hipótese de não existir ativos para a satisfação da integralidade de todos os credores dessa classe, o produto da liquidação dos bens deverá ser rateado proporcionalmente ao valor do crédito entre todos esses.
Ingressam nessa classe, contudo, apenas os credores cuja prestação laboral ou o acidente de trabalho tenham ocorrido após a decretação da falência. Se a sentença condenatória foi após a decretação, mas o trabalho ou o acidente tiverem ocorrido antes da decretação, o crédito trabalhista é considerado concursal e não extraconcursal, pois o crédito, ainda que não reconhecido, era existente antes da quebra.
4. Quantias fornecidas à massa pelos credores
Após a decretação da falência, os credores poderão fornecer recursos financeiros à Massa Falida para que o procedimento possa se desenvolver regularmente, como para o exercício de atos de arrecadação ou liquidação, na hipótese de a Massa Falida não possuir qualquer recurso para arcar com as despesas imprescindíveis a tanto.
Esses recursos entregues à Massa Falida para o desenvolvimento do procedimento serão considerados créditos extraconcursais e deverão ser satisfeitos assim que satisfeitos a remuneração do administrador judicial e dos trabalhadores que desempenharam suas funções após a decretação da falência.
5. Despesas com arrecadação, administração, realização do ativo e distribuição do seu produto, bem como custas do processo de falência
No Decreto Lei 7.661/1945, em seu art. 125, II, estabelecia-se que seriam extraconcursais e integrantes da mesma classe de credores as quantias fornecidas à massa pelos credores ou pelo síndico.
Na Lei 11.101/2005, a antiga classe foi bipartida. Os créditos fornecidos pelos credores serão satisfeitos com prioridade. Em classe imediatamente seguinte dos credores extraconcursais, por seu turno, continuou a ser tratado o administrador judicial que satisfaz determinadas despesas para a realização de suas funções com os seus próprios recursos e que pretende o ressarcimento perante a Massa Falida.
Diante da falta de recursos da Massa Falida ou da urgência de realização de determinados atos de arrecadação, administração, realização do ativo, pagamento dos credores ou custas do próprio processo falimentar, o administrador judicial poderá arcar com essas despesas com os próprios recursos financeiros. Desde que essas despesas sejam deferidas pelo Juiz Falimentar, o administrador judicial se torna credor extraconcursal da Massa Falida pelo referido valor a ser ressarcido.
6. Custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida tenha sido vencida
As custas sucumbenciais em que incorre a Massa Falida por ter sido vencida em processos judiciais serão considerados como créditos extraconcusais.
7. Obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial e obrigações contraídas após a decretação da falência
Os créditos decorrentes do fornecimento de bens ou de serviços durante a recuperação judicial são considerados como créditos extraconcursais.
Na recuperação judicial, ao contrário da falência, não há interrupção da atividade do empresário devedor. Esse, através do plano de recuperação judicial, procura se reestruturar e negociar a satisfação dos créditos existentes até o momento da distribuição do pedido de recuperação judicial com os seus credores. Durante o procedimento da recuperação, desta forma, continua o empresário a desenvolver sua atividade econômica, com a produção e circulação de produtos e serviços ao mercado.
Diante da crise econômica que o motivou a ingressar com a recuperação judicial, natural que os seus fornecedores e consumidores deixassem de contratar com o recuperando se tiverem receio de que esse empresário em crise poderia não ter condições de cumprir suas obrigações e de que não serão satisfeitos por ocasião de eventual falência.
A prioridade no tratamento conferido aos credores que continuarem a contratar com o empresário durante sua recuperação judicial é assegurada pela legislação de modo a se incentivar que não haja a interrupção do fornecimento de mercadorias ou serviços justamente no período em que o empresário devedor mais o necessita. Independentemente de qualquer garantia, assim, os credores que tiverem contratado com o empresário recuperando durante a recuperação judicial serão considerados, pelo montante contratado no período, credores extraconcursais e serão satisfeitos com prioridade aos demais credores.
As obrigações contraídas pela Massa Falida por meio do administrador judicial durante o procedimento falimentar, assim como os tributos relativos a fatos geradores posteriores à decretação da falência, serão considerados também como créditos extraconcursais e receberão tratamento prioritário em relação a todos os outros créditos concursais.
Em ambas as hipóteses, seja de obrigações contraídas após a recuperação judicial, seja de obrigações contraídas após a decretação da falência, determinou a lei que fosse respeitada a classificação dos créditos do art. 83 da LREF. Dentre esses créditos posteriores à recuperação judicial ou a decretação de falência, assim, impõe-se sua divisão e classificação em subclasses conforme a natureza da respectiva obrigação. Deverão ser satisfeitos, nesses termos, os credores extraconcursais trabalhistas, após os credores extraconcursais com garantias reais, os credores tributários, e, assim, sucessivamente.
Notas
Referências
Citação
SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Créditos extraconcursais. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Comercial. Fábio Ulhoa Coelho, Marcus Elidius Michelli de Almeida (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/241/edicao-1/creditos-extraconcursais
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