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Publicidade comparativa
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Nathalia Mazzonetto
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Tomo Direito Comercial, Edição 1, Julho de 2018
A publicidade consiste na prática da promoção/divulgação de determinados produtos e serviços destinada ao incentivo do seu consumo. Trata-se, portanto, de atividade-meio lícita e informativa, destinada a consolidar e promover marcas e seus anunciantes, prevista expressamente no texto constitucional, no art. 220,1 que, dentre outros, estabelece a possibilidade de restrições legais na promoção comercial de determinados produtos e serviços, em virtude dos possíveis malefícios decorrentes de seu uso.
Além da Constituição Federal, outros textos legais e normativos regulam a publicidade, merecendo especial destaque o Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, III e IV, 36, 37 e 38 da Lei 8.078/1990); a Lei da Propriedade Industrial (art. 195, I e II da Lei 9.279/1996); e o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (“CBARP”). Este último disciplina os parâmetros e limites a serem observados pelos anúncios publicitários, ocupando-se, igualmente, de regular a responsabilidade pela observância das normas de conduta ali estabelecidas, atribuídas ao anunciante e a sua agência, bem como ao veículo de circulação, e as penalidades decorrentes de eventuais irregularidades e infrações sancionadas. Trata, ainda, em seu bojo, das diversas modalidades de publicidade, regulando, de modo inédito, no ordenamento pátrio, a publicidade comparativa.
A publicidade comparativa, por sua vez, apresenta-se como uma das espécies do gênero publicidade, que se assenta no confronto de produtos e serviços do anunciante e da concorrência, com vistas a destacar o objeto anunciado e suas particularidades junto ao público-alvo. Não é de se afastar, também, na publicidade comparativa o paralelo em relação à linha de produtos do próprio anunciante e até mesmo um uma comparação mais ampla, a considerar todo um determinado mercado.
A publicidade comparativa, segundo o CBARP, deve ter por finalidade o esclarecimento e a informação (verdadeira), senão a própria defesa do consumidor. Neste contexto, não pode caracterizar prática de concorrência desleal; violação a direitos de terceiros, no que estão compreendidos os direitos da personalidade e de propriedade intelectual; tampouco caracterizar prática denegritória da concorrência e dar causa à confusão indevida entre os objetos de comparação e agentes, tampouco à associação e aproveitamento parasitário.
A comparação pode se basear nos seguintes aspectos ilustrativos: desenvolvimento e performance; preço; área de cobertura e oferta, com vistas a facilitar o acesso; qualidade; etc., resultando, de um modo geral, no destaque das vantagens dos produtos e serviços do anunciante frente aos de terceiros.
Sob o viés concorrencial, a prática comparativa na publicidade é bastante elogiada já que representa estímulo à concorrência e ao seu dinamismo, favorecendo a competitividade, a inovação, o acesso – a preços competitivos –, mitigando o controle e monopólio do mercado. Não bastasse, a publicidade comparativa, quando adequada e regular, é, indubitavelmente, benéfica ao consumidor, já que proporciona maior esclarecimento e informação, habilitando-o para fazer melhores escolhas a atender seus interesses na aquisição de produtos e contratação de serviços.
1. Conceito
A publicidade comparativa é a técnica de promoção de produtos e serviços que se vale da comparação entre o objeto anunciado e o(s) da concorrência, ou ainda, do próprio anunciante.2 Conforme preceitua o CBARP, o objetivo da comparação na publicidade é permitir o maior esclarecimento e acesso à informação, sendo que é admitida e considerada regular, desde que: (a) tenha por princípio básico a objetividade na comparação, posto que dados subjetivos, de fundo psicológico ou emocional, não constituem uma base válida de comparação perante o consumidor; e (b) a comparação empreendida seja passível de comprovação e tenha por objeto a comparação de bens/serviços correspondentes, levando-se em conta, igualmente, padrões e parâmetros de comparação equivalentes, sob pena de prejudicar a objetividade e legitimidade do paralelo empreendido. No caso de comparação entre produtos cujo preço atribuído não seja de igual nível, informação neste sentido deve ser indicada pelo anúncio (art. 32).
É desautorizada e tida como irregular a comparação que dê causa à confusão entre produtos e marcas concorrentes, implique concorrência desleal, denegrimento da imagem ou marca de terceiros, sendo que seu uso há que se justificar.
Em termos gerais, portanto, a publicidade comparativa importa no apelo persuasivo que se vale da comparação para a promoção de bens e serviços. É certo que por se tratar de prática de convencimento do público a que se endereça não se limita a informar ou esclarecer, mediante o uso de análise comparativa, o que é natural da noção de publicidade, porém o confronto deve observar determinados limites e afastar o descrédito de terceiros, ainda que prestigiando e destacando a supremacia de quem anuncia. Logo, verifica-se, pela publicidade comparativa, a dissuasão com o paralelo, observados determinados limites e afastado o descrédito do concorrente, seus produtos e serviços.3
2. Regulamentação da publicidade comparativa
Conforme já antecipado, a publicidade em geral vem regulada na Constituição Federal, no art. 220, que prevê limitações para determinadas categorias de bens e serviços, haja vista os potenciais riscos a que se pode submeter o público-alvo.
De igual modo, o Código de Defesa do Consumidor, além de resguardar alguns direitos básicos do consumidor, no que se incluem a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como os eventuais riscos que podem apresentam e a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, dedica seção específica à publicidade, que, dentre outros, determina o seguinte: (a) a imperatividade de imediata e fácil identificação da publicidade pelo consumidor como tal (art. 36, CDC), o que também compreende a manutenção de dados e informações que subsidiam a mensagem publicitária por parte do anunciante; e (b) a vedação de publicidade enganosa ou abusiva, na forma do que prescrevem os parágrafos do art. 37, do CDC,4 atribuindo ao anunciante o ônus da prova da veracidade e da correção da informação ou comunicação publicitária, na forma do art. 38, do CDC.
A modalidade comparativa de publicidade não encontra previsão expressa na Lei, porém, como já destacado, é objeto de tratativa pelo CBARP, no art. 32.
Além dos textos normativos antes referidos, trazem condições e limites à publicidade os seguintes outros documentos normativos: (a) Código Civil, art. 18, que prescreve que, “sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial”; (b) a Lei 9.279/1996 (LPI), art. 195, I e II, que dispõem, respectivamente, que “comete crime de concorrência desleal quem: publica, por qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim de obter vantagem”; e “presta ou divulga, acerca de concorrente, falsa informação, com o fim de obter vantagem”. Também importam restrições à publicidade as previsões dos arts. 132, IV, e 195, III, do mesmo diploma legal, que autoriza “a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo” e veda o “emprego de meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem”, tida a própria publicidade como possível ardil/meio fraudulento, respectivamente; e (c) a Lei 12.529/2011 (“Lei do CADE”), art. 36, § 3º, IV, que prescreve que caracteriza infração da ordem econômica a criação de “dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços”, conduta que pode abarcar a própria comunicação publicitária.
No âmbito internacional, merece destaque a Resolução do Mercosul (GMC) 126/1996, que disciplina, expressamente, no seu Anexo, a publicidade comparativa, nos seguintes termos:
“III) A publicidade comparativa será permitida sempre que sejam respeitados os seguintes princípios e limites:
a) que não seja enganosa;
b) seu principal objetivo seja o esclarecimento da informação ao consumidor;
c) tenha por princípio básico a objetividade na comparação e não dados subjetivos, de caráter psicológico ou emocional;
d) a comparação seja passível de comprovação;
e) não se configure como concorrência desleal, desprestigiando a imagem de produtos, serviços ou marcas de outras empresas;
f) não estabeleça confusão entre os produtos, serviços ou marcas de outras empresas.
IV) Não será permitida a publicidade comparativa quando seu objetivo seja a declaração geral e indiscriminada da superioridade de um produto ou serviço sobre outro (...)”. (grifos nossos)
Vale a referência, também, à Diretiva Europeia 2006/114/CE, antiga Diretiva 1997/55/CE, que versa sobre publicidade enganosa e comparativa, coibindo suas manifestações irregulares por, dentre outros, possivelmente conduzir a “distorções de concorrência no mercado interno e, do mesmo modo, afetar a situação econômica dos consumidores e negociantes, tanto quanto a livre circulação das mercadorias e a livre prestação de serviços” para além das fronteiras.
De acordo com a referida Diretiva, publicidade comparativa é a “publicidade que identifica, explícita ou implicitamente, um concorrente ou os bens ou serviços oferecidos por um concorrente” (art. 2º). Neste sentido, será permitida a publicidade comparativa se estiverem reunidas as seguintes condições prescritas no art. 4º, do mesmo diploma normativo: (a) não ser enganosa, na forma do quanto prescrevem as normativas que disciplinam as práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno; (b) comparar bens ou serviços que respondem às mesmas necessidades ou têm os mesmos fins; (c) comparar objetivamente uma ou mais características essenciais, pertinentes, comprováveis e representativas desses bens e serviços, entre as quais se pode incluir o preço; (d) não desacreditar ou depreciar marcas, designações comerciais, outros sinais distintivos, bens, serviços, atividades ou situação de um concorrente; (e) referir-se, em todos os casos de produtos com denominação de origem, a produtos com a mesma denominação; (f) não tirar partido indevido do renome de uma marca, designação comercial ou outro sinal distintivo de um concorrente ou da denominação de origem de produtos concorrentes; (g) não apresentar um bem ou serviço como sendo imitação ou reprodução de um bem ou serviço cuja marca ou designação comercial seja protegida; e (h) não gerar confusão no mercado entre negociantes, entre o anunciante e um concorrente ou entre as marcas, designações comerciais, outros sinais distintivos, bens ou serviços do anunciante e do concorrente.
Por último, não é de se desconsiderar, ainda, as Práticas de Publicidade e Comunicação Comercial consolidadas em instrumento de autorregulamentação que, há cerca de setenta anos, vêm sendo difundidas pela Câmara de Comércio Internacional (CCI) e constituem premissas de referência do CBARP e do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária brasileiro (o CONAR).5 Ao tratar das comparações publicitárias, estabelece o Código da CCI que a comparação não deve induzir em erro e deve observar os princípios da leal concorrência. Adicionalmente, segundo a normativa, os elementos de comparação devem basear-se em fatos comprováveis e indicados com honestidade.
Ressalta-se que o Código da CCI também se ocupou expressamente da denegrição de terceiros e das respectivas práticas e atividades comerciais e industriais, tanto quanto dos produtos de terceiros, coibindo a comunicação comercial que adote tal caráter de desprestígio e, igualmente, que busque colocar tais entes e bens em condições que conduzam ao ridículo ou suscitem o desprezo.
3. Modalidades de publicidade comparativa
A classificação das modalidades de comparação na publicidade não é uniforme na doutrina brasileira.6 Diversos são os aspectos considerados a fim de tentar tipificar as hipóteses possíveis desta prática. Em termos gerais, destacam-se as seguintes espécies: (i) explícita ou direta, consistente no confronto expresso e nominado da concorrência, mediante indicação do produto/serviço comparado; da marca ou signos distintivos do concorrente ou, ainda, de sua nomeação explícita. A comparação explícita ou direta se opõe àquela (ii) implícita ou indireta, que é inequívoca, porém, permitindo a sua identificação pelo consumidor. A publicidade indireta compreende, ainda, a publicidade genérica ou superlativa, que, a nosso ver, não constitui verdadeiramente hipótese de publicidade comparativa, a menos que o confronto seja empreendido, e comprovado, em relação a todos os existentes em mercado da categoria, do contrário, cuida-se de simples invocação de superioridade, que, também é conhecida como publicidade superlativa e de tom excludente (ex. a mais completa de todas; a melhor solução do mercado; a única; etc.).7
No mais, os anúncios comparativos se circunscrevem àqueles tidos como admissíveis (lícitos) e aqueles que são reprováveis e condenados pelas diversas normas que regulam a atividade publicitária e de comunicação, ou, ainda, que sobre ela operam efeitos. Não se trata de verdadeiras modalidades, mas sim de práticas regulares ou não. Neste contexto, incluem-se as hipóteses de publicidade comparativa parasitária e/ou denegritória, que importa na associação ou tentativa de “pegar carona” no prestígio e sucesso alheios indevidamente e, também, que visa a propagar o descrédito da concorrência; e, ainda, a publicidade comparativa enganosa/falsa, que se funda em inverdades e induz o público a engano, desmerecendo a concorrência e com isso o anunciante alça vantagem, destaque indevidamente. Em contraposição a estas práticas rechaçadas pelo ordenamento jurídico pátrio, apresenta-se a publicidade comparativa isenta, que, segundo a doutrina, teria por finalidade meramente a informação (em tese), sem interesse na venda de um produto ou serviço em prol de outro. O escopo não seria outro senão a transmissão de conhecimento ao público destinatário da mensagem,8 o que – há que se considerar – é altamente questionável e uma prática, em realidade, bastante distante, se se cogitar do propósito persuasivo e ínsito à mensagem publicitária, como antecipado.
4. Premissas da publicidade comparativa regular
Conforme se destacou anteriormente, a publicidade comparativa não foi objeto de tratativa legal no Brasil. Porém, considerando que o país adotou o sistema misto de controle da publicidade, assim como a grande maioria dos países, a fiscalização e coibição de eventuais abusos e irregularidades se dá de modo conjugado pela iniciativa privada e pelo Poder Público. Neste contexto, o CONAR, que constitui uma organização não-governamental, fundada em 1980,9 cujas atividades centrais são “zelar pela comunicação social, sob todas as formas e funcionar como órgão judicante nos litígios éticos que tenham por objeto a indústria da propaganda ou questões a ela relativas”, conforme o art. 5º, do seu Estatuto Social, e o CBARP, que são as diretrizes orientadoras das atividades e medidas empreendidas pelo CONAR, ditam condutas e o que é tido como regular ou irregular em matéria de publicidade comparativa. De fato, o CBARP é, conforme preceitua o seu art. 16, fonte do direito e tem orientado inclusive decisões judiciais acerca da matéria.10
Em assim sendo, são premissas da publicidade comparativa regular que: (i) os objetos de comparação integrem categorias correspondentes, ou, ainda, constituam ativos de natureza assemelhada, atendendo a necessidades e fins equivalentes. Para tanto é desnecessária a identidade de produtos ou serviços, porém é importante afinidade de modo a permitir a aplicação, para efeitos de paralelo, de parâmetros comuns; (ii) se funde em critérios e análises objetivos, passíveis de comprovação ou demonstração. Juízos de valor subjetivos e próprios não servem a amparar a objetividade que o CBARP aponta como requisito típico dessa modalidade de publicidade; e (iii) recaia sobre os elementos essenciais dos produtos ou serviços, ou seja, o confronto deve levar em conta as particularidades que impactarão na escolha do público-alvo.
De outro lado, conduzem à irregularidade do anúncio comparativo as seguintes práticas: (i) a promoção de mensagem que importe apresentação não-verdadeira do produto ou serviço oferecido ou que induza o consumidor em erro; (ii) a confusão ou associação indevida entre produtos e marcas concorrentes, que, dentre outros, implique na exploração de imagem corporativa ou prestígio de terceiros; (iii) a veiculação de mensagem que importe no denegrimento da imagem do produto ou da marca alheios; e (iv) uso de qualquer outro ardil-sucedâneo que caracterize concorrência desleal, que é repreendida especialmente pelo art. 195, III, da LPI, objeto de breves comentários em detalhes a seguir.
5. Publicidade comparativa e lesão à concorrência e a direitos de terceiros
Superada a discussão um tanto quanto acadêmica atinente à admissibilidade ou não da publicidade comparativa que, a despeito da ausência de disciplina em Lei, é uma praxe no atual cenário publicitário brasileiro, há que se ressaltar que, como regra, a comparação nos apelos publicitários raramente é informativa e esclarecedora, conforme preceitua o CBARP, tampouco isenta. Busca, na grande parte das vezes, a aposição, lado a lado, de marcas que competem pelo mercado-consumidor e de agentes que, de algum modo, objetivam galgar alguma vantagem ou destaque, seja pelo descrédito do concorrente, seja pela aproximação para fins de aproveitamento, em alguma medida, da reputação e/ou do posicionamento positivo do produto ou serviço alheio.
Casos há, portanto, em que se está diante de publicidade comparativa imprópria, ou seja, que se apresenta sob tal viés, porém, na prática, não importa qualquer comparação efetiva entre produtos e serviços, mas sim hipótese de ataque ou denegrimento ao concorrente e a sua marca ou, ainda, tentativa de parasitar no sucesso e/ou renome alheio, em clara e indevida usurpação do investimento e de esforços do terceiro, como já se teve a oportunidade de salientar em estudo anterior sobre o tema.11
Pois bem, ao configurar um ardil ou, ainda, nos termos da Lei, “um meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem”, a publicidade comparativa constitui claro ato de concorrência desleal, tipificado como ilícito penal pelo art. 195, III, da Lei 9.279/1996.12 Irregular, neste caso, será o anúncio.
Também será irregular, independentemente do confronto, a publicidade que falsear informações (tornando-as públicas), acerca do concorrente ou em detrimento deste, independentemente do meio de veiculação, com o propósito de obter vantagem, na forma do art. 195, I e II, da LPI.
Por último e em decorrência da exclusividade que assegura o direito marcário, na forma do art. 129, caput, da LPI, é restrito ao seu titular o uso de determinada marca no território nacional. O art. 132, IV, da mesma lei, impõe, contudo, limitações ao titular de marca, merecendo destaque a previsão que assim dispõe:
“Art. 132 O titular da marca não poderá:
(...)
IV – impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo”.
Do acima resulta que, não obstante a admissibilidade da comparação na publicidade, presentes o uso comercial e o dano para o conteúdo distintivo do signo marcário, é autorizado ao titular da marca impedir sua citação ou referência na campanha, de modo a afastar, igualmente, a prática de concorrência desleal.13 A reforçar essa previsão, remete-se ao comando do art. 18, do Código Civil, que pode ser combinado com o teor do art. 52 do mesmo diploma legal, para abarcar também as pessoas jurídicas.
6. A publicidade comparativa na jurisprudência atual do CONAR e na jurisprudência estatal
Como dito, a publicidade comparativa é hoje uma realidade e, cada vez mais, tem sido empregada como uma importante ferramenta de consolidação de marcas e anunciantes, o que tem levado também a maiores discussões sobre o tema e apreciação da questão pelo próprio Judiciário, que tem sido provocado a se pronunciar sobre eventuais irregularidades. Neste contexto, merecem destaque algumas decisões que se debruçaram sobre o assunto, seja no âmbito privado, seja em demandas judiciais, senão confira:
6.1. Breve amostra da jurisprudência atual do CONAR
6.1.1. Caso 1) “Multiuso Azulim - Limpa Mais” (Representação 240/15)
A Reckitt Benckiser Brasil, fabricante do limpador Veja, se considerou vítima de propaganda comparativa irregular em ações de merchandising veiculadas no Programa do Ratinho, do SBT, para a promoção do produto Azulim.
Segundo a denunciante, as várias manifestações de superioridade presentes nas peças publicitárias (“a melhor opção de limpeza” e “mais eficiente”, por exemplo) seriam desprovidas de comprovação, ao arrepio do CBARP e da LPI. Nos anúncios, a embalagem de Veja seria mostrada, ainda que com a marca encoberta, havendo menção velada a ela. Criticou-se, igualmente, a forma pela qual a demonstração de uso comparado dos produtos é mostrada.
Em sua defesa, a anunciante sustentou que a embalagem do produto concorrente mostrada é genérica, negou denegrimento a produto concorrente e defendeu a demonstração de uso. Quanto às expressões de superioridade, considerou-as isentas de irregularidade.
Recomendou-se, neste caso, a sustação definitiva, por unanimidade, das ações da representada, por restarem reconhecidos, em linhas gerais, os argumentos da denúncia.
6.1.2. Caso 2) “Cabo Telecom - 4X A Melhor Internet Do Brasil” (Representação 110/16)
A Claro imputou à concorrente Cabo Telecom a prática de publicidade comparativa irregular em campanha em mídia impressa e digital. Segundo a representante, as afirmações de superioridade presentes nas peças publicitárias seriam destituídas de comprovação, em contrariedade ao quanto determina o CBARP.
Em sua defesa, a Cabo Telecom citou pesquisa da Anatel que a posicionou em primeiro lugar na Avaliação Geral de Qualidade Percebida no serviço de internet no Estado do Rio Grande do Norte e no país.
Ao analisar o caso, o relator pontuou não considerar possível declarar uma prestadora de serviço ser a melhor do país a partir de resultado de pesquisa realizada em apenas um Estado da Federação. Não obstante, se destacou, no caso que o apelo se baseou em pesquisa de percepção de consumidores e não de teor técnico de desempenho. Em vista disso e partindo da premissa de que, na forma anunciada, a mensagem induziria à equivocada compreensão de que o anunciante ofereceria o melhor desempenho técnico – velocidade, estabilidade etc. –, o que, contudo, não seria objeto da pesquisa.
Em assim sendo, ponderando que a objetividade é elemento indispensável da propaganda comparativa ética, o CONAR recomendou a alteração da campanha.
6.1.3. Caso 3) “Ariel Power Liquid - 2 X mais poder de limpeza que o sabão em pó” (Representação 207/15)
A Unilever recorreu ao CONAR contra campanha em ponto de venda, mídia impressa e digital, ação de merchandising em TV e embalagem de apresentação de Ariel, da P&G, postulando a sustação de seu apelo publicitário central, sob o fundamento de denegrimento da concorrência, em especial o segmento de sabões em pó, e de que a mensagem impugnada faria uso de alegações de superioridade sem qualquer comprovação.
A P&G rebateu as acusações, dando informações sobre a tecnologia empregada no produto e seu melhor desempenho, defendendo os claims dos anúncios questionados com base em testes apresentados e nos dizeres e esclarecimentos constantes da mensagem.
Ao apreciar o caso, o CONAR recomendou: (a) a alteração da imagem que reproduz pilhas de roupas lavadas, acompanhada do apelo “2 vezes mais poder de limpeza que o sabão em pó”, justificando-a em hipótese de denegrimento ao segmento de sabões em pó e que não seriam respeitados os preceitos recomendados pelo CBARP para publicidade comparativa; e (b) a alteração do anúncio a fim de que incorpore, em todo e qualquer meio, a fonte que sustenta suas mensagens, esclarecendo-se com precisão a comparação empreendida e comprovando-a. Advertiu-se, igualmente, a concorrente de que no caso em questão inexistiria verdadeira comparação, já que ausentes são os esclarecimentos ao consumidor, sendo visível, in casu, muito mais um ataque direto a toda uma categoria. No mais, determinou o arquivamento de outros pedidos.
6.2. Jurisprudência estatal
6.2.1. Caso 1) STJ, Recurso Especial 1.481.124/SC
Em edição jornalística nos idos de 2008, o anunciante teria veiculado que seria líder na preferência dos leitores da localidade de veiculação, fazendo expressa menção ao nome dos jornais concorrentes, bem como aos respectivos percentuais que cada um deles teria obtido como resultado da pesquisa realizada e que seriam substancialmente inferiores os seus. Publicou, em síntese, que:
“O Folha do Oeste apareceu como o jornal local mais lido nas casas ou residências, com 25,14% das indicações. Com menos da metade, ou seja, 10,23% o Gazeta Catarinense. O terceiro jornal mais lembrado foi o Jornal Regional, com 3,49%. O Diário do Iguaçu soma 2,17% e o Jornal Imagem está com 0,12%. Outros jornais somam 6,38%.
Os que não leem nenhum jornal somam 52,47%. Para o Diretor do Folha do Oeste, Miguel Angelo Gobbi, o índice de leitores da região surpreende, já que a média nacional de leitura de jornais é de 5%. Para ele, a colocação do Folha do Oeste confirma a participação efetiva do veículo na comunidade e o retorno que oferece ao anunciante, já que lidera largamente quando comparado aos seus concorrentes. A pesquisa tem as mesmas margens de erro apontadas na pesquisa eleitoral e é uma das poucas pesquisas oficiais e com registro em cartório que é divulgada. O Folha Oeste é também o único veículo da região que possui auditoria do IVC (Instituto Verificador de Circulação), o que mais uma vez credita ao veículo a veracidade das informações”.
Diante de tal comunicação, concorrente que se sentiu prejudicado ajuizou ação de indenização por danos morais sob o fundamento de que a divulgação do resultado da mencionada pesquisa – cuja veracidade deixou claro não questionar –, além de mencionar sem autorização para tanto, seu nome fantasia (Jornal Regional), teria tido propósito depreciativo, configurando, assim hipótese de concorrência desleal art. 195, V, da Lei 9.279/1996) e de indevida publicidade comparativa. Fundamentaram a insurgência da concorrência os seguintes dispositivos legais: Código Civil, arts. 17, 18, 52, 186, 187 e 927; e LPI, 195, V.
Para afastar a alegada violação aos arts. 17, 18 e 52, do CC, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) consignou que:
“(...) não se pode afirmar que as publicações questionadas, de caráter meramente informativo, poderiam ser enquadradas na categoria de propaganda comercial. Por outro lado, a desconstituir a hipótese de prática de concorrência desleal, pronunciou-se o STJ no sentido de que a divulgação objetiva do resultado de pesquisa de opinião, ainda que movida pela intenção de tornar pública a apurada predileção dos leitores de determinada municipalidade pelo próprio veículo de comunicação jornalística divulgador frente aos seus concorrentes diretos, não constitui, nem de longe, a hipótese de concorrência desleal de que trata o art. 195, V, da Lei 9.279/1996” (grifos nossos).
Da mesma forma, ponderou o julgado que:
“(...) mesmo que fosse possível afirmar, a partir de enorme esforço interpretativo, que a divulgação do resultado da pesquisa comparativa objeto de toda a presente controvérsia possui contornos publicitários e não informativos, a situação em exame, ainda assim, serviria de exemplo perfeito daquilo que a doutrina e jurisprudência têm entendido como publicidade comparativa admissível” (grifos nossos).
Dando sequência, o decisum foi preciso ao destacar que:
“Propaganda comparativa é forma de publicidade que identifica explícita ou implicitamente concorrente de produtos ou serviços afins, consagrando-se, em verdade, como uma ferramenta utilizada para influenciar a decisão do público consumidor.
Embora não tenhamos, no ordenamento jurídico brasileiro, legislação expressa que vede ou autorize, de modo expresso, a realização dessa espécie publicitária, o tema sofre inegável influência das normas protetivas do direito do consumidor e da propriedade industrial.
Desse modo, pode-se afirmar que somente se afigura ilegal e, portanto, proibida a publicidade comparativa que tenha por finalidade induzir o consumidor a erro, tanto pela confusão entre as marcas ou empresas comparadas quanto pela tentativa de depreciação de marca concorrente, o que pode se dar a partir da divulgação de informações falsas a respeito desta ou até mesmo da falta de objetividade na comparação realizada, tudo com o propósito de desviar indevidamente a clientela alheia” (grifos nossos).
Diante do acima, considerou-se, no caso em tela, lícita a prática do anunciante, afastando qualquer dever de reparar o concorrente. Nestes termos, a ementa do decidido:
“RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. PESSOA JURÍDICA. DIREITO À IMAGEM. MATÉRIA JORNALÍSTICA. DIVULGAÇÃO DE PESQUISA DE OPINIÃO PÚBLICA. PREDILEÇÃO DOS LEITORES POR JORNAIS LOCAIS. MENÇÃO EXPRESSA AO NOME FANTASIA DOS JORNAIS CONCORRENTES E DOS RESULTADOS POR ELES OBTIDOS NA PESQUISA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO PRÉVIA. PRESCINDIBILIDADE NO CASO. ARTS. 17, 18 E 52 DO CÓDIGO CIVIL. CONCORRÊNCIA DESLEAL. ART. 195, INCISO III, DA LEI Nº 9.279/1996. NÃO OCORRÊNCIA. PUBLICIDADE COMPARATIVA. POSSIBILIDADE. SITUAÇÃO FÁTICA DE NATUREZA DISTINTA. LICITUDE DO ATO. INEXISTÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR.
1. Ação indenizatória, por danos morais, movida por editora jornalística em desfavor de concorrente que promoveu a divulgação de pesquisa de opinião indicativa da preferência da comunidade local pela leitura desse mesmo impresso, com menção expressa e não autorizada de seu nome e respectivo desempenho apurado na citada pesquisa.
2. Recurso especial que veicula a pretensão de que seja reconhecida a configuração de danos morais indenizáveis decorrentes do uso não autorizado do nome da autora em notícia veiculada por sua concorrente, sob o fundamento de que tal proceder consistiria em ofensa aos seus direitos de personalidade, concorrência desleal e proibida espécie de publicidade comparativa.
3. O direito ao nome é parte integrante dos direitos de personalidade tanto das pessoas físicas quanto das pessoas jurídicas, constituindo o motivo pelo qual o nome (empresarial ou fantasia) de pessoa jurídica não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público nem tampouco utilizado por terceiro, sem sua autorização prévia, em propaganda comercial.
4. A inexistência de norma expressa vedando a modalidade comparativa de publicidade revela sua aceitação pelo ordenamento jurídico brasileiro, mas não isenta o responsável por sua utilização de observar as regras atinentes à proteção dos direitos do consumidor e da propriedade intelectual.
5. Consoante a jurisprudência desta Corte, a publicidade comparativa, apesar de ser de utilização aceita, encontra limites na vedação à propaganda (i) enganosa ou abusiva; (ii) que denigra a imagem ou gere confusão entre os produtos ou serviços comparados, acarretando degenerescência ou desvio de clientela; (iii) que configure hipótese de concorrência desleal e (iv) que peque pela subjetividade e/ou falsidade das informações. 6. Na hipótese vertente, a divulgação objetiva do resultado de pesquisa de opinião, ainda que movida pela intenção de tornar público a apurada predileção dos leitores de determinada municipalidade pelo próprio veículo de comunicação jornalística divulgador frente aos seus concorrentes diretos, não constituiu hipótese de concorrência desleal de que trata o art. 195 da Lei nº 9.279/1996 e, pela forma como foi promovida em concreto, além de não ter ofendido nenhum direito de personalidade da pessoa jurídica recorrente, também não assumiu natureza de propaganda comercial, pelo que não há falar em dano moral indenizável.
7. Recurso especial não provido”. (REsp 1.481.124/SC, 3ª Turma, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 13.04.2015.)
6.2.2. Caso 2) STJ, Recurso Especial 1.377.911/SP
Na linha da discussão antes apresentada, o teor deste outro julgado da Corte Superior acerca do tema da publicidade comparativa. Aqui a discussão envolveu a veiculação de filme publicitário para a divulgação do produto NESVITA, de Nestlé, no qual as marcas DANONE e ACTIVIA, de Dairy Partners America Brasil Ltda., teriam sido, conforme defendido, indevidamente utilizadas quando comparadas com a indicada por Nestlé. Foi, então, alegada violação marcária e requereu-se a abstenção da veiculação da campanha publicitária.
Invocando menção constante do art. 60, do Decreto 2181/1997, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) e a Resolução 126/1996 do Mercosul, antes referida, a decisão em questão destacou a admissibilidade da publicidade comparativa, acenando para seus possíveis limites, ou seja, que atenda ao princípio da veracidade das informações, seja objetiva e não abusiva.
Neste particular, pontuou o STJ que “para que a propaganda comparativa viole o direito marcário do concorrente, as marcas devem ser passíveis de confusão ou a referência da marca deve estar cumulada com o ato depreciativo da imagem de seu produto/serviço, acarretando a degenerescência e o consequente desvio de clientela”. Nestes termos, para o referido Tribunal “a propaganda comparativa ilegal é aquela que induz em erro o consumidor, causando confusão entre as marcas, ocorrendo de maneira a depreciar a marca do concorrente, com o consequente desvio de sua clientela, prestando informações falsas e não objetivas”. Daí que, como se pontuou, “entender de modo diverso é impedir a livre iniciativa e a livre concorrência (arts. 1º, IV, 170, caput e IV, da Constituição da República), ensejando restrição desmedida à atividade econômica e publicitária”.
Na apreciação do caso concreto, o STJ se posicionou, por maioria, no sentido de que teriam sido prestados esclarecimentos objetivos sem qualquer denegrição da marca da concorrência, pelo que não se verificaria infração ao registro marcário ou concorrência desleal.14 Há, contudo, voto vencido da lavra do Ministro Raul Araújo no sentido de reconhecer irregularidade no caso em apreço, decorrente do uso explícito e não autorizado de marca alheia registrada, em publicidade comparativa, o que ofenderia a legislação vigente, dando causa ao acolhimento do pedido de abstenção da veiculação da campanha impugnada, aplicando, ainda, o dever de reparação.
6.2.3. Caso 3) TJRJ, Apelação Cível 0108671-66.2010.8.19.0001
Trata-se de demanda envolvendo Procter & Gamble do Brasil S/A e The Gillette Company, de um lado, e, de outro, Microlite S/A, em que se discutiu o uso da marca do concorrente em campanha publicitária.
No caso, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) ponderou que “a simples menção à marca registrada de propriedade de outrem não enseja, por si só, qualquer violação ao direito deste, exceto se, ao mencionar a marca alheia, o anunciante a imita em seus produtos ou serviços ou, de qualquer forma, induz em confusão os destinatários da mensagem (art. 189, I, Lei 9.279/1996); ou se a publicidade comparativa denegrir a marca daquele (arts. 130, III e 131, Lei 9.279/1996)”.
Ao decidir, o tribunal fluminense entendeu que no caso em estudo inexistiria ofensa ou ataque aos produtos comercializados pela concorrente, mas simples comparação quanto à durabilidade e menção da anunciante de que vende pode preço inferior. Deste modo, afastou a ocorrência de exploração mentirosa ou enganosa do nome da marca ao sugerir a comparação dos preços, pontuando que “a propaganda é clara, objetiva e tem o condão de beneficiar o consumidor, que poderá adquirir o produto assemelhado e com o mesmo fim por preço inferior”, portanto, não mereceria prosperar o apelo.15
6.2.4. Caso 4) TJSP, Apelação Cível 1003806-46.2014.8.26.0451
Cuida-se de recurso tirado contra sentença que julgou procedente os pedidos deduzidos em ação cominatória promovida por titular da marca “Bidim”, para assinalar produtos geotêxteis, fundada em alegação de concorrência desleal decorrente de publicidade comparativa encabeçada por empresa concorrente, que teria equiparado nominalmente a qualidade de seus produtos à dos desenvolvidos pela titular da demanda, à míngua de dados objetivos indicativos da correspondência difundida, de modo a aproveitar-se indevidamente da imagem e prestígio alheios.
A decisão em referência reconheceu que a publicidade veiculada pela concorrente de fato acabava por desbordar os parâmetros ditados pela regulamentação infralegal pertinente à espécie, ofendendo alguns dos requisitos negativos para a admissibilidade da publicidade comparativa, a saber: art. 32, “b”, “c” e “g”, do CBARP. Neste sentido, reproduz-se, a seguir, o teor do apelo publicitário da concorrente: “[a] manta geotêxtil NTCGeo possui as mesmas características da manta geotêxtil da marca Bidim. O NTCGeo possui a mesma qualidade do geotêxtil da marca Bidim e o de outras empresas do ramo”.
Ao apreciar o caso, o tribunal paulista entendeu que, no caso em comento, “o problema que se detecta reside na falta de objetividade das assertivas em torno da propalada equivalência da qualidade dos produtos das partes, fruto em última análise de simples avaliação subjetiva da ré quanto às virtudes do produto por si desenvolvido, sendo tais afirmações ademais insuscetíveis de comprovação ou de constatação pelo público consumidor”, o que contraria as diretrizes contidas nas alíneas “b” e “c” do art. 32 do CBARP.
Reconhecendo que, na hipótese, inexistiu comparação efetiva, o Tribunal pontuou que a estratégia da concorrente foi de “adquirir credibilidade, e assim seduzir o público alvo, se valendo da reputação e do conceito da marca concorrente, de titularidade da autora, mediante o artifício da equiparação qualitativa”. Em outras palavras, o que se verificou, in casu, foi, em última análise, “transferência da credibilidade da marca concorrente”, o que resultou, portanto, no não provimento do apelo da concorrente que restou, no caso, vencida.16
Da breve e ilustrativa coletânea acima, tem-se que a publicidade comparativa já é aceita, basicamente, de modo unânime no país. Isto, contudo, não afasta possíveis irregularidades e sanções delas decorrentes, que hão de ser aferidas, caso a caso, observados os limites de sua permissão, tal como objeto de tratativa em tópico próprio acima. Ainda assim, o crivo do que pode ou não é bastante variável, como apontado.
7. Um caso de estudo para discussão
Na linha do acima, ilustra-se abaixo campanha bastante recente que, mais uma vez, instaura a temática e certamente dividirá opiniões sobre sua regularidade ou não, senão confira:
Cuida-se de anúncio da GOL Linhas Aéreas, veiculado em setembro de 2016, e que faz referência direta à maior concorrente da empresa anunciante (a LATAM, sem nomear), o que se apreende das cores exploradas na mensagem. Há, na peça, ainda, remissão a duas “formas de voar”. Na primeira, com as cores da LATAM, há o seguinte apelo: “Você pode voar assim”. E, logo ao lado ou abaixo, a depender da configuração, letras e números correspondentes à localização de um assento, porém espremidos. Baseado em critérios da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), o anúncio afirma que a GOL possui a maior oferta de assentos na categoria A do mercado. E sob a hashtag #GOLMAISCONFORTO, garante que oferece o melhor espaço entre assentos das companhias aéreas brasileiras.
A publicidade em questão, há que se admitir, é prestigiada pela exploração do criativo, mas certamente dará muito motivo para discussão, inexistindo, a este respeito, decisão definitiva do CONAR, a quem o caso foi submetido para aferir regularidade ou não.
Notas
1 “Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
§ 3º Compete à lei federal:
I - regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;
II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.
§ 4º A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso. (...)” (grifos nossos).
2 Precisa definição de publicidade comparativa pode ser destacada da Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho da Comunidade Europeia de 06/10/1997, DC 97/55 CE, objeto de modificação posterior, que assim se referia à dita prática: “qualsiasi pubblicità che identifica in modo esplicito o implícito un concorrente o beni o servizi offerti da un concorrente”.
3 Neste sentido, precisas as lições da doutrina italiana ao tratar do tênue limite entre publicidade comparativa e denegrimento do concorrente: “(...) il riferimento peggiorativo al concorrente che la comparazione inevitabilmente comporta non equivale in modo necessario ad una illecita denigrazione” (ROSSI, Giuseppe. La pubblicità dannosa – Concorrenza sleale. Diritto a non essere ingannati. Diritti dela personalità. Quaderni di giurisprudenza commerciale, v. 2, p. 279).
4 “Art. 37. (...) § 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.
§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço” (grifos nossos).
5 Conferir: <https://iccwbo.org/publication/practicas-de-publicidade-e-comunicacao-comercial/>. Acesso em 30.03.2017.
6 Lélio Denicoli Schmidt arrola as seguintes modalidades de comparação: falsa vs. verídica; implícita vs. explícita; parasitária; genérica; e comparação isenta (SCHMIDT, Lélio Denicoli. A publicidade comparativa à luz da Lei da Propriedade Industrial. Revista da ABPI, nº 52, pp. 3-17).
Marco Antonio Marcondes Pereira defende que a publicidade comparativa se assenta em dois elementos básicos, a saber: a referência a terceiro concorrente ou a seus bens e a comparação com o fim de se tornar assemelhado ou superior. Partindo desta ótica, classifica a publicidade em função da/do: (i) forma de identificação da concorrência; (ii) objeto de comparação; e (iii) finalidade da comparação. Destaca, ainda, que a publicidade pode ser explícita ou implícita, a depender da identificação do concorrente e/ou do objeto comparado. Analisando sob as suas diversas óticas (a do consumidor, a da concorrência e a do direito autoral), o autor em comento destaca as seguintes hipóteses de publicidade: enganosa, abusiva, denegritória, a que causa confusão e, por último, a publicidade violadora de direitos autorais. Como bem destaca, contudo, Marco Antonio Marcondes Pereira, “[a]s modalidades utilizadas não se apresentam necessariamente estanques. São modalidades passíveis de combinação ou intercâmbio (...). A possibilidade de estratégias é muito grande e retrata a genialidade do profissional de publicidade” (PEREIRA, Marco Antonio Marcondes. Publicidade comparativa, pp. 130-135, notadamente, p. 133).
7 Neste sentido: DIAS, Lucia Ancona Lopez de Magalhães. Publicidade e direito, p. 267; SCHMIDT, Lélio Denícoli. A publicidade comparativa à luz da Lei da Propriedade Industrial. Revista da ABPI, nº 52, p. 13.
8 SCHMIDT, Lélio Denícoli. Op. cit., pp. 3-17.
9 O CONAR é formado, atualmente, por cerca de 180 conselheiros, entre efetivos e suplentes, recrutados entre profissionais de publicidade de todas as áreas e representantes da sociedade civil. Não participam do Conselho pessoas investidas em cargos públicos por nomeação ou eleições, bem como candidatos a cargo eletivo em qualquer nível. Todos trabalham para o CONAR em regime voluntário. Conferir <http://www.conar.org.br/>. Acesso em 29.03.2017.
10 “Art. 16. Embora concebido essencialmente como instrumento de autodisciplina da atividade publicitária, este Código é também destinado ao uso das autoridades e Tribunais como documento de referência e fonte subsidiária no contexto da legislação da propaganda e de outras leis, decretos, portarias, normas ou instruções que direta ou indiretamente afetem ou sejam afetadas pelo anúncio”.
11 MAZZONETTO, Nathalia. A publicidade comparativa e a prática de concorrência desleal por meio do denegrimento de marca e da imagem do concorrente, Revista da ABPI, nº 99, pp. 3-20.
12 Como bem destaca a doutrina, neste cenário, “o que caracteriza a irregularidade da prática concorrencial é o meio utilizado e não as motivações, ou os objetivos do empresário – sempre iguais aos da concorrência leal, isto é, a conquista de clientela. De fato, ao promover publicidade comparativa, o empresário possui sempre o objetivo de conquistar fatias dos consumidores de um ou mais concorrentes, especialmente os mencionados no anúncio. Possui este objetivo, tanto na hipótese de comparação lícita, como na desleal. O que distingue uma de outra situação é a veiculação de informações falsas em detrimento do concorrente, em prejuízo da imagem dele junto aos consumidores. Ou seja, a inidoneidade do meio empregado é o fato decisivo para que a publicidade comparativa deixe de ser lícita, para os fins da disciplina jurídica da concorrência” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa, pp. 436-437).
13 Pela defesa da limitação de citação da marca em discurso alheio, independentemente da configuração da prática de ato de concorrência desleal: “[o]bsta a publicidade comparativa, ainda que feita com elementos verdadeiros. De fato, ao estipular em que condições o titular da marca não poderá impedir a citação desta por terceiros, a lei estabeleceu, a contrário senso e de modo residual, em quais situações esta faculdade poderá ser exercida. Assim, caso a citação da marca se dê em publicação que possua conotação comercial ou traga prejuízo para o caráter distintivo da marca, o proprietário desta poderá a tanto se opor” (GUSMÃO, José Roberto D’Affonseca, Anais do XIX Seminário Nacional da Propriedade Intelectual, pp. 71-75).
14 “RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC NÃO VERIFICADA. DIREITO MARCÁRIO E DO CONSUMIDOR. PROPAGANDA PUBLICITÁRIA COMPARATIVA ENTRE PRODUTOS. ESCLARECIMENTO OBJETIVO DO CONSUMIDOR. POSSIBILIDADE.
1. A propaganda comparativa é forma de publicidade que identifica explícita ou implicitamente concorrente de produtos ou serviços afins, consagrando-se, em verdade, como um instrumento de decisão do público consumidor.
2. Embora não haja lei vedando ou autorizando expressamente a publicidade comparativa, o tema sofre influência das legislações consumerista e de propriedade industrial, tanto no âmbito marcário quanto concorrencial.
3. A publicidade comparativa não é vedada pelo Código de Defesa do Consumidor, desde que obedeça ao princípio da veracidade das informações, seja objetiva e não abusiva.
4. Para que viole o direito marcário do concorrente, as marcas devem ser passíveis de confusão ou a referência da marca deve estar cumulada com ato depreciativo da imagem de seu produto/serviço, acarretando a degenerescência e o consequente desvio de clientela.
5. Conforme ressaltado em outros julgados desta Corte, a finalidade da proteção ao uso das marcas - garantida pelo disposto no art. 5º, XXIX, da Constituição da República e regulamentada pelo art. 129 da LPI - é dupla: por um lado, protegê-las contra usurpação, proveito econômico parasitário e o desvio desleal de clientela alheia e, por outro, evitar que o consumidor seja confundido quanto à procedência do produto (art. 4º, VI, do CDC). (REsp 1.105.422/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, publicado no DJe em 18/05/2011 e REsp 1320842/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, publicado no DJe em 01/07/2013).
6. Propaganda comparativa ilegal é aquela que induz em erro o consumidor, causando confusão entre as marcas, ocorrendo de maneira a depreciar a marca do concorrente, com o consequente desvio de sua clientela, prestando informações falsas e não objetivas.
7. Na espécie, consoante realçado pelo acórdão recorrido, as marcas comparadas não guardam nenhuma semelhança, não sendo passíveis de confusão entre os consumidores. Ademais, foram prestados esclarecimentos objetivos sem denegrir a marca da concorrente, pelo que não se verifica infração ao registro marcário ou concorrência desleal.
8. Recurso especial não provido” (REsp 1.377.911/SP, 4ª Turma, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 19.12.2014).
15 “Apelação Cível. Direito Marcário e Concorrência Desleal. Publicidade Comparativa. Julgamento Antecipado da lide. Ausência de nulidade. Desistência expressa da prova pericial requerida. Propaganda que observa os limites legais. Comparação desprovida da finalidade de denegrir ou atribuir caráter pejorativo à marca concorrente, tampouco confundir o consumidor. Informação apenas acerca de situação fática reputada relevante pela anunciante em seu favor. Conduta que não se amolda às hipóteses de crime tipificadas na Lei de Propriedade Industrial. Falsidade do conteúdo não comprovada. Desprovimento do recurso” (TJRJ, Apel. Cív. 0108671-66.2010.8.19.0001, 11ª Câmara Cível, rel. Des. José Carlos de Figueiredo, DJe 23.10.2013).
16 “Propriedade industrial. Concorrência desleal. Publicidade comparativa. Possibilidade em tese, com reconhecimento, todavia de abuso no caso concreto. Ré que, à míngua de quaisquer dados técnicos objetivos, veicula propaganda pela qual equipara nominalmente o seu próprio produto ao da marca de titularidade da autora, como forma de afirmação da qualidade do primeiro. Tentativa, nesses termos, de aproveitamento da imagem e prestígio alheios. Hipótese expressamente referida no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária como exemplo de propaganda comparativa indevida (art. 32,“g”). Concorrência desleal efetivamente caracterizada. Honorários sucumbenciais, por outro lado, moderadamente arbitrados em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais). Pretensão à redução do montante. Descabimento. Sentença de procedência confirmada. Apelação da ré não provida” (TJSP, Apel. Cív. 1003806-46.2014.8.26.0451, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, rel. Des. Fábio Tabosa, DJe 03.10.2016).
Referências
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 17. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. Volume I.
DIAS, Lucia Ancona Lopez de Magalhães. Publicidade e direito. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
GUSMÃO, José Roberto D’Affonseca. Anais do XIX seminário nacional da propriedade intelectual. Painel 6. São Paulo: ABPI, 1999.
MAZZONETTO, Nathalia. A publicidade comparativa e a prática de concorrência desleal por meio do denegrimento de marca e da imagem do concorrente, Revista da ABPI, nº 99, 2009. Disponível em <http://www.mommalaw.com/cms/wp-content/uploads/2015/10/1.-Artigo-ABPI.pdf>. Acesso em 29.03.2017.
PEREIRA, Marco Antonio Marcondes. Publicidade comparativa. São Paulo: Atlas, 2014.
ROSSI, Giuseppe. La pubblicità dannosa – concorrenza sleale, “diritto a non essere ingannati”. Quaderni di giurisprudenza commerciale. Diritti dela personalità, v. 218. Milano: Giuffrè, 2000.
SCHMIDT, Lélio Denicoli. A publicidade comparativa à luz da Lei da Propriedade Industrial. Revista da ABPI, nº 52, 2001.
Citação
MAZZONETTO, Nathalia. Publicidade comparativa. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Comercial. Fábio Ulhoa Coelho, Marcus Elidius Michelli de Almeida (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/228/edicao-1/publicidade-comparativa
Edições
Tomo Direito Comercial, Edição 1,
Julho de 2018
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