A sociedade de economia mista está compreendida dentro da chamada empresa estatal ou governamental. Tal designativo genérico abrange todas as entidades, civis ou comerciais, de que o Estado tenha o controle acionário, abrangendo a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras empresas que não tenham essa natureza e às quais a Constituição se refere, em inúmeros dispositivos. Por estarem compreendidos dentro desta concepção ampla, será necessário traçar os traços comuns entre empresas públicas e sociedades de economia mista, como também suas principias distinções.

Importa frisar é que empresas públicas e sociedades de economia mistas foram criadas para auxiliar a atuação do Estado, razão pela qual no exercício deste mister buscam interesses que transcendem aqueles meramente privados. Políticas públicas nas quais preponderam a ordem técnica ou a ordem social, ou, ambas, justificam a ingerência do Estado no campo econômico, valendo-se ao assim atuar de instrumentos, que se revestem de sistemas de governança mais próximos do regime privado, nos quais o regime de direito público mescla-se com o regime de direito privado.

O Estado como partícipe do desenvolvimento econômico e social conjuga esforços para otimizar o ambiente de negócios, com atuação em empreendimentos de maior relevância socioeconômica estimulando o mercado, intervindo no domínio econômico. Ao desempenhar tais atividades pode eleger como forma de atuação as empresas estatais e no caso ora tratado, a sociedade de economia mista.


1. Das empresas estatais

A sociedade de economia mista está compreendida dentro da expressão empresa estatal ou governamental. Tal designativo, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro1 abrange todas as entidades civis comerciais, de que o Estado tenha o controle acionário, incluindo a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras empresas que não tenham essa natureza e às quais a Constituição faz referência, em vários dispositivos, como categoria à parte (arts. 37, XVII, 71, II, 165, § 5º, II, 173, § 1º).

No entender de Vitor Rhein Schirato2 empresas estatais designam um gênero, que se subdivide em quatro espécies: as empresas públicas, sociedades de economia mista, as empresas controladas por essas duas e as demais empresas que são controladas pelo Estado, mas que não tem sua criação autorizada por lei prévia. 

Inserida a sociedade de economia mista dentre as empresas estatais, cabe analisa-la individualmente, para extrair suas características peculiares.


2. Fundamento constitucional e demais referências legais

Vários estatutos jurídicos disciplinam ou se referem às sociedades de economia mistas.

Inicialmente, cumpre buscar sua previsão constitucional, para posteriormente, mencionar as demais normas infraconstitucionais que tratam deste tema.

A Constituição Federal ao estabelecer regras a serem observadas pela Administração Pública diz, em seu art. 37, XIX , que somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação; (Redação dada pela Emenda Constitucional 19, de 1998).

O art. 173 do Texto Constitucional, quando se dedica à ordem econômica e financeira preceitua que ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. Estabelece em seu § 1º que a lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, (Redação dada pela Emenda Constitucional 19, de 1998), dispondo sobre:

“I – a sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

II – a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

III – licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

IV – constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

V – os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

§ 2º As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado”.

O Decreto-lei 200/1967 já incluía a sociedade de economia mista na esfera da administração pública indireta estando a sua configuração disposta no art. 5º, III, ostentando personalidade jurídica de direito privado, como adiante será demonstrado.

A Lei 13.303/2016 foi editada com o objetivo de dispor sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios com vistas a suprir a exigência mencionada no § 1º do art. 173 da Constituição. Tal lei tem abrangência ampla e abarcou não somente as entidades que exercem atividade econômica como também as prestadoras de serviço. Seu objetivo foi impor às empresas estatais a adoção de práticas de governança e controles proporcionais à relevância, à materialidade e aos riscos do negócio. O objetivo da nova lei foi gerar maior segurança jurídica e aumentar a atuação de órgãos de controle. 

O decreto 8945 de 27 de dezembro de 2016 regulamentou no âmbito da União, a Lei no 13.303, de 30 de junho de 2016, acima mencionada.

A Lei 8.666/1993 ao disciplinar as licitações e contratos com a Administração Pública, também faz referência à sociedade de economia mista, mas não traz nenhuma definição ou conceito desta entidade. Na verdade, estabelece algumas regras próprias a ela aplicáveis (art. 24, XXIII, § 1º), que, posteriormente foram repetidas ou pormenorizadas na Lei 13.303/2016.

A Lei das Sociedades Anônimas 6.404/1976 dedica um capítulo às sociedades em comento, sobre elas dispondo em seus arts. 235 a 240, demonstrando que tal entidade deve ser constituída sob a forma de sociedade anônima, estando disciplinada em dispositivo legal que normalmente é voltado para as empresas privadas.

“Art. 235. As sociedades anônimas de economia mista estão sujeitas a esta Lei, sem prejuízo das disposições especiais de lei federal.

§ 1º As companhias abertas de economia mista estão também sujeitas às normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários.

§ 2º As companhias de que participarem, majoritária ou minoritariamente, as sociedades de economia mista, estão sujeitas ao disposto nesta Lei, sem as exceções previstas neste Capítulo”.


3. Sociedade de economia mista: conceito

Conhecidos os diversos dispositivos legais que disciplinam tal entidade cabe buscar alguns conceitos extraídos da doutrina, para decifrar os elementos e características das sociedades de economia mista.

Segundo Lúcia Valle Figueiredo3 as sociedades de economia mista, diferentemente das empresas públicas, congregam capitais públicos e privados e sua criação também deve ser autorizada por lei, tratando-se de cometimento estatal para prestação de serviços públicos ou para intervenção no domínio econômico dentro do confinamento constitucional, revestindo-se de forma de sociedade anônima, mas submissa, em boa parte, em vista do disposto no art. 37 do texto constitucional, ao regime jurídico administrativo.

Celso Antônio Bandeira de Mello4 conceitua sociedade de economia mista como a pessoa jurídica, cuja criação é autorizada por lei, como um instrumento de ação do Estado, dotada de personalidade de Direito Privado, mas submetida a certas regras especiais, decorrentes desta sua natureza auxiliar da atuação governamental, constituída sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertencem em sua maioria à União ou entidade de sua Administração indireta, sobre remanescente acionário de propriedade particular.

No entender de José Cretella Júnior,5 não é tarefa fácil definir a sociedade de economia mista, salientando que alguns autores divergem em sua conceituação, mas, segundo um conceito amplo, universal, aplicável à maioria dos sistemas jurídicos, tal entidade é uma sociedade anônima em que o Estado ou outra coletividade pública é acionista ou obrigacionsita. Salienta o autor que a terminologia empregada em outros países, apesar de não ser uniforme, designa uma noção que não é jurídica, mas que significa apenas a reunião do capital público e privado voltado à exploração de um empreendimento econômico.

Vitor Rhein Schirato6 após alocar tal entidade como espécie de empresa estatal formula o conceito que atribui a tais empresas: são “aquelas, direta ou indiretamente controladas pelo Estado e executam alguma atividade que o Direito haja atribuído ao Poder Público, com personalidade jurídica de direito privado”.

O Decreto-lei 200/1967 define sociedade de economia mista em seu art. 5º, III como a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta (Redação dada pelo Decreto-Lei 900/1969).

De acordo com a Lei 13.303/2016, em seu art. 4º, a sociedade de economia mista é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com criação autorizada por lei, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios ou a entidade da administração indireta. A ambas se aplicam a Lei das Sociedades Anônimas, e quando forem do tipo aberta, sujeitam-se às normas emitidas pela Comissão de Valores Mobiliários.

Em face dos conceitos acima esposados, é possível extrair seus principais elementos e traços característicos.


4. Características principais

As sociedades de economia mista e as empresas públicas são dotadas de características comuns, sendo poucos os traços que as apartam. Elas andam de mãos dadas tendo por escopo satisfazer os interesses estatais.

A seguir serão enumerados os traços comuns, para a seguir declinar suas características peculiares e com isto delinear um panorama geral de seus atributos.


4.1. Características comuns


4.1.1. Criação e extinção

As sociedades de economia mista e as empresas públicas somente poderão ser criadas se houver autorização dada por “lei específica”. Celso Antônio Bandeira de Mello7 ao comentar essa exigência observa que o Poder Legislativo não poderá conferir autorização genérica ao Executivo para instituir tais pessoas. Impõe-se que a lei especifique a entidade que pretende gerar, seu escopo e quais as atribuições que lhe serão conferidas.

Por igual razão, a criação de subsidiárias ou a participação em capital de empresas privadas também exigirá a autorização legislativa, expedida caso a caso.

Tal exigência consta do art. 5º, II e III, do Decreto-lei 200/1967, e, com relação à sociedade de economia mista, foi reproduzida no art. 236 da Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/1976). A Constituição Federal também dispõe sobre a necessidade de lei para a criação destas entidades. Assim, o art. 37, XIX exige a edição de lei específica para a criação de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia e fundação. Também o inciso XX do mesmo dispositivo constitucional impõe a autorização legislativa para a criação de subsidiárias dessas entidades, bem como para sua participação em empresas privadas.8 

Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirma que a exigência de autorização legislativa se incorporou ao conceito de sociedade de economia mista, entendendo a doutrina e jurisprudência que tal entidade não existirá se não for respaldada por lei autorizativa de sua criação, configurando, neste caso uma empresa estatal sob controle acionário do Estado (conferir acórdãos do STF: RDA 143/118 e 145/170 e do TRF: RDA 157/222).

Cumpre consignar que o art. 235, § 2º da Lei 6404/1976 já consagrava tal interpretação ao dispor que as companhias de que participarem, majoritária ou minoritariamente, as sociedades de economia mista, estão sujeitas ao disposto nesta Lei, sem as exceções previstas neste Capítulo. 

O dispositivo acima aludido quer significar que as sociedades de que participarem majoritariamente as sociedades de economia mista, não podem ser juridicamente definidas como sociedades de economia mista. Em outras palavras: as sociedades submetidas a controle de sociedades de economia mista e que possuam remanescentes acionários em mãos de particulares não devem ser qualificadas juridicamente como sociedades de economia mista, mas apenas como sociedades controladas pelo Poder Público, de modo a que não sejam consideradas como integrantes da Administração Indireta.

No que diz respeito à sua extinção, a Emenda Constitucional 32/2000 alterou o art. 61, § 1º, alínea e, exigindo lei de iniciativa do Presidente da República para a criação e extinção de ministérios e órgãos da administração pública. Se a exigência é feita para órgãos, que não são dotados de personalidade jurídica, com maior razão ela se aplica aos entes da administração indireta, que são pessoas, dotadas de personalidade jurídica própria, distintas da pessoa jurídica que a criou.

Como tais entidades tem sua criação autorizada por lei, a elas não se aplica a Lei de Falências (Lei 11.101/2005). Sua exclusão da lei falimentar, prevista no art. 2º do aludido texto legal, que rege a insolvência daqueles que exercem atividade de empresa, pode ser vista como inconstitucional, especialmente quando forem exploradoras de atividade econômica pois seria uma prerrogativa não aplicável às demais empresas privadas.


4.1.2. Personalidade jurídica de direito privado 

A sociedade de economia mista bem como a empresa estatal são dotadas de personalidade de direito privado. Todavia, como são instrumentos de ação do Estado e são constituídas com dinheiro público são submetidas a regras especiais que derrogam parcialmente o direito comum.

Tais entidades foram concebidas como instrumentos vocacionados a auxiliar o Estado desempenhar atividades de natureza comercial e industrial. Assim, a elas se aplicam as regras de direito privado, a não ser que haja regra expressa de direito público. 

As disposições contidas no art. 173 da Constituição e seus parágrafos deixam claro que tais entidades têm personalidade de direito privado, mas o regime jurídico a elas aplicável é híbrido, conjugando regras próprias do direito privado, como, por exemplo sua sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários (incluído pela Emenda Constitucional 19/ 1998), previsto no § 1º, II. 

Já o § 1º, III, do art. 173 estabelece que o estatuto jurídico destas pessoas, previsto em lei deverá dispor sobre a licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; (Incluído pela Emenda Constitucional 19, de 1998), o que demonstra claramente seu viés público, pois como salientado, tais entidades foram criadas como instrumentos auxiliares das atividades estatais.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro ressalta que a derrogação parcial do direito comum em grande parte se dá pela própria Constituição, mas também por leis ordinárias e complementares, quer de caráter genérico, aplicável a todas as entidades, quer de caráter específico, como é a lei criadora da entidade.9 

Merece destaque a recente Lei de Responsabilidade das Estatais – LRE, 13.303/2016, editada para atender ao comando previsto no art. 173, § 1º, cujo conteúdo dispõe sobre regras que acabam derrogando o direito privado, especialmente no que diz respeito ao seu controle.

O art. 1º da aludida Lei prescreve que seus dispositivos abrangem a empresa pública, a sociedade de economia mista e suas subsidiárias, alcançando toda e qualquer empresa pública e sociedade de economia mista da União dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que explore atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou a prestação de serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou seja, de prestação de serviços públicos.

A norma infraconstitucional foi além da determinação constitucional, que previa estatuto jurídico próprio para as entidades que explorassem atividade econômica, mas acabou incluindo as prestadoras de serviços públicos, bem como as atividades exercidas sob monopólio estatal. É por isso que alguns designam tal Lei como a “Lei da Petrobrás”.


4.1.3. Atividades que realizam

 A empresa pública bem como a sociedade de economia mista pode desempenhar atividade econômica, o que poderá se dar a título de intervenção do Estado no domínio econômico (quando forem submetidas à regra do art. 173 da Constituição) e também serviço público, assumido pelo Estado, quando se sujeitarão às disposições contidas no art. 175.

Estes sujeitos, auxiliares do Estado poderão realizar dois tipos distintos de atividade.

Poderão explorar atividade econômica, que em princípio é cometida às empresas privadas e apenas suplementarmente, por razões de grande relevância poderão ser protagonizadas pelo Estado (art.173 da Constituição Federal).

As empresas públicas e as sociedades de economia mista poderão ainda prestar serviços públicos ou coordenar a execução de obras públicas, atividades que pertencem à esfera peculiar do Estado.

Celso Antônio Bandeira de Mello ao identificar estes dois tipos de atividades que poderão ser cometidas a essas entidades afirma que dois são os tipos de sociedade de economia mista: exploradoras de atividade econômica e prestadoras de serviços públicos ou coordenadoras de obras públicas e demais atividades públicas, justificando, desta feita, a distinção de seus regimes jurídicos. O mesmo se dá com as empresas públicas.

Maria Sylvia Zanella de Pietro, ressalta que a Constituição de 1988 evidencia a distinção do regime jurídico aplicável entre esses dois tipos de empresas.

O art. 173 determina que, ressalvados os casos previstos na Constituição “a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”.

Merece menção ainda o disposto no § 1º do art. 173, com a redação dada pela Emenda Constitucional 19/1998 determinando que a lei estabelecerá o estatuto da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços. 

Da leitura dos dispositivos constitucionais acima mencionados cabe concluir que a Constituição estabelece o regime jurídico de direito privado quando tais entidades exercerem atividade econômica, reservada preferencialmente ao particular, como estabelece o caput do dispositivo aludido. Assim, infere-se ainda, que o Texto Constitucional ao submeter tais empresas ao regime jurídico de direito privado, as derrogações desse regime somente serão admitidas quando decorrerem implícita ou explicitamente.

Por outro lado, quando a sociedade de economia mista desempenhar serviço público, aplica-se o art. 175 da Constituição, segundo o qual incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Assim, quando a empresa estatal desempenhar serviço público ela atuará como concessionária de serviço público, submetendo-se à norma do art. 175, especialmente no que diz respeito aos deveres perante os usuários, à política tarifária, à obrigação de manter o serviço adequado, bem como a todos os princípios que regem a prestação de serviços públicos, como continuidade, isonomia, mutabilidade, dentre outros. Na hipótese ora ventilada, quando a empresa estatal for criada para prestar serviço público delegado por outro ente estatal, ela tem a natureza de concessionária de serviço público e rege-se pela Lei de Concessões (Lei 8.987/1995). Como exemplo, cite-se os serviços de energia elétrica de competência da União (art. 21, XII, b, da Constituição), delegados a empresas estatais sob o controle acionário dos Estados, o serviço de saneamento básico delegado por alguns Municípios à SABESP, que é sociedade de economia mista do Estado de São Paulo.

Vitor Rhein Schirato ressalta que as sociedades de economia mista por manterem compromisso com seus investidores privados, buscam a obtenção de resultado financeiro, tendo seu escopo restrito à exploração de atividades econômicas, sejam elas qualificadas como serviços públicos ou não.10 


4.1.4. Vinculação aos fins definidos na lei instituidora

Também é um traço comum que marca a empresa pública e as sociedades de economia mista, aplicável a todas as entidades da Administração Indireta e que se refere ao princípio da especialização e ao próprio princípio da legalidade. Assim, se a entidade foi criada para um dado fim, destacando-se um patrimônio para a consecução deste objetivo, tal patrimônio não poderá ser utilizado para objetivo diverso.

Frise-se, ainda, que, sobre o assunto, há norma expressa com relação à sociedade de economia mista, prevista no art. 237 da Lei de Sociedade por Ações: “a companhia de economia mista somente poderá explorar os empreendimentos ou exercer atividades previstas na lei que autorizou sua constituição”.


4.1.5. Derrogação parcial do direito comum 

Como visto, não obstante tais pessoas jurídicas se utilizem de institutos de direito privado, há uma derrogação parcial do direito comum, o que se dá pela própria Constituição, como também por leis ordinárias e complementares, quer de caráter genérico, aplicável a todas entidades, quer de caráter específico, como é a lei que cria a entidade.11 

Como adverte José dos Santos Carvalho Filho, o fato de terem personalidade jurídica de direito privado, não as equipara com as pessoas oriundas da iniciativa privada. O regime jurídico a elas aplicável tem natureza híbrida, pois recebem o influxo de normas de direito privado em alguns setores de atuação e normas de direito público em outras.12 

Merece destaque uma decorrência da submissão destas entidades a algumas imposições do regime jurídico de direito público: submetem-se a controle externo e interno.

Tem-se, desta feita, que tais entidades se submetem ao controle estatal, interno, exercido pelo Poder Executivo e externo, pelo Poder Legislativo, com o auxílio do Tribunal de Contas (arts. 49, X, 70 e 71).

Com vistas a enfatizar tal controle a Lei 13.303/2016 foi redundante ao estabelecer em seu art. 85 que os órgãos de controle externo e interno das 3 (três) esferas de governo fiscalizarão as empresas públicas e as sociedades de economia mista a elas relacionadas, inclusive aquelas domiciliadas no exterior, quanto à legitimidade, à economicidade e a eficácia da aplicação de seus recursos, sob o ponto de vista contábil, financeiro, operacional e patrimonial.

Como se vê, o controle é bem amplo.

No exercício dessa função fiscalizatória, os agentes de controle interno e externo têm direito de acesso irrestrito a documentos e a informações, que devem sempre estar disponíveis e acessíveis, mesmo que sejam classificados como sigilosos (art. 85, § 1º). 

O art. 87 da Lei 13.303/2016 já referida estabelece que o controle das despesas decorrentes dos contratos e demais instrumentos por ela regidos será feito pelos órgãos do sistema de controle interno e pelo tribunal de contas competente, na forma da legislação pertinente, ficando as empresas públicas e as sociedades de economia mista responsáveis pela demonstração da legalidade e da regularidade da despesa e da execução, nos termos da Constituição.

O Controle externo é exercido pelo Poder Legislativo com auxílio do Tribunal de Contas, abrangendo o julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores da Administração Direta e Indireta. 

As licitações, contratos e despesas são submetidos ao controle do Tribunal de Contas, que compreende, ainda, a apreciação, para fins de registro, da legalidade dos atos de pessoal, a qualquer título, como a apreciação dos atos de concessão de aposentadoria, reforma ou pensão.

Já o controle interno na esfera federal está disciplinado basicamente pelo Decreto-Lei 200/1967, que usa a expressão supervisão ministerial, sendo exercida pelos Ministérios sobre os órgãos da Administração Direta e Indireta enquadrados na sua área de competência. Este controle visa garantir a observância da legalidade e o cumprimento das finalidades que justificaram a criação dessas entidades


4.2. Características peculiares


4.2.1. Forma de organização

 A sociedade de economia mista somente será estruturada como sociedade anônima, de acordo com o disposto no art. 5º do Decreto-Lei 200/1967. Para deixar claro que tal forma de organização se impõe para as outras unidades da federação, e não somente à União, o art. 235 da Lei das Sociedades Anônimas deixa assentado que as sociedades anônimas de economia mista serão por ela regidas.

A empresa pública, por outro lado, poderá ser constituída por qualquer das formas admitidas em direito, podendo adotar a estrutura de sociedade civil ou comercial, sendo-lhe facultado adotar, inclusive, a forma de sociedade unipessoal.

Estruturando-se sob a forma de uma sociedade anônima, as sociedades de economia mista, por força dos arts. 239 e 240 da Lei 6404/1976 terão, obrigatoriamente, conselho de administração e, em funcionamento permanente o conselho fiscal.


4.2.2. Composição do capital 

A sociedade de economia mista é constituída com capital público e privado, detendo a esfera governamental o poder de controle. Já as empresas públicas são constituídas por recursos integralmente provenientes de pessoas de direito público ou de entidades de suas Administrações indireta,

Como ressalta Maria Sylvia Zanella Di Pietro, não basta a participação majoritária do Poder Público na entidade para qualifica-la como sociedade de economia mista, sendo necessário que haja a participação na gestão da empresa e o propósito de torna-la um instrumento de ação do Estado, manifestada por meio da lei instituidora e assegurada pela derrogação do Direito comum, sob pena de sem isso haver tão somente empresa estatal mas não sociedade de economia mista.13 Na verdade, tal assertiva relaciona-se com a exata compreensão que se deve ter de acionista controlador.

Tal conceito, por sua vez, é extraído do art. 116 da Lei 6.404/1976, Lei das Sociedades Anônimas:

“Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que:

a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e

b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.

Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender”.

Da leitura do art. acima reproduzido, verifica-se que o conceito de acionista controlador não está diretamente ligado àquele que é titular da maioria do capital votante. É preciso exercer efetivamente o controle, impondo a vontade aos atos sociais dirigindo, efetivamente a companhia.14 

O conceito atual de acionista controlador não tem uma relação lógica à pessoa, física ou jurídica, que detém a maioria das ações com direito a voto. Impõe-se identificar em uma sociedade quem de fato exerce o poder de controle, seja uma pessoa ou grupo de pessoas. Ocorre que, na prática, há vários tipos de controle, não apenas o majoritário, que se dá devido à propriedade da maioria absoluta das ações com direito a voto. Pode haver um controle compartilhado, em que o poder é exercido por diversas pessoas em grupo constituído e vinculados em acordo de acionistas. Pode, ainda, existir a figura do controle minoritário, na hipótese de haver dispersão das ações no mercado, em que um acionista ou grupo de acionistas, mesmo com menos da metade do capital votante exerça de fato o poder de controle. E mais, mesmo em uma estrutura societária com um sócio majoritário, pode não ser ele quem de fato exerça o poder de controle, pois ele deve ser efetivo.

A importância em caracterizar o acionista controlador como quem tem efetivamente o poder de controle na sociedade está relacionada às implicações disso nos rumos dos negócios. Envolve mais que uma simples questão de direito, ao contrário, torna-se uma questão de fato, no sentido de identificar quem realmente, e de modo permanente, tem poderes para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos demais órgãos. Assim, o acionista controlador deixa de ser visto como apenas mais um dentre todos os acionistas e passa a ser visto como se um próprio órgão da sociedade, integrante da estrutura, com objetivos, direitos e deveres. Torna-se evidente a separação entre acionista minoritário e acionista controlador.15 

O controle das sociedades de economia mista é exercido pelo Estado.


4.2.3. Foro processual

 As sociedades de economia mista têm suas ações processadas e julgadas pela Justiça Estadual, já que a Constituição silenciou sobre elas no art. 109, I. Oportuno enfatizar que o Supremo Tribunal Federal chegou, in1clusive a sedimentar tal posição na Súmula 517, somente admitindo o deslocamento para a Justiça Federal quando a União intervir como assistente ou opoente. O mesmo se dá quando a União for sucessora de sociedade de economia mista. São exceções pois a regra é que os litígios deverão ser deduzidos na Justiça Estadual. A Súmula 556 do Supremo Tribunal Federal também deixou assentado que é competente a Justiça comum para julgar as causas em que é parte sociedade de economia mista.


4.2.4. Patrimônio

Houve muita polêmica doutrinária a respeito da natureza dos bens que compõe o patrimônio das sociedades de economia mista. O Código Civil vigente veio deixar mais claro tal assunto dispondo em seu art. 98 que são públicos os bens pertencentes a pessoas jurídicas de direito público e particulares todos os demais, seja qual for a pessoa a que pertencerem. Isto quer dizer que se ditas entidades tem personalidade jurídica de direito privado, seu patrimônio deve ser caracterizado como privado.

Para as sociedades de economia mista que prestam serviços públicos é possível classificar os bens afetados ao serviço que sejam classificados como bens privados com destinação especial.16 


4.2.5. Regime de pessoal

 O pessoal das sociedades de economia mista submete-se ao regime trabalhista comum, cujos princípios e normas estão delineados na Consolidação das Leis do Trabalho, daí se inferindo que o vínculo jurídico existente entre os empregados e tais entidades tem natureza contratual.

Embora não seja um entendimento unânime, concordamos com o posicionamento externado por José dos Santos Carvalho Filho,17 no sentido de que o ingresso desses empregados se dá mediante prévia aprovação em concurso público, de acordo com o disposto no art. 37, II, da Constituição Federal, cabendo aduzir que tal exigência não resulta em direitos especiais aos empregados, como, por exemplo, a estabilidade estatutária. O Supremo Tribunal Federal, todavia, já decidiu no sentido de que apesar de inaplicável o regime funcional, os empregados concursados têm o direito de exigir a motivação em eventuais atos de demissão, requisito que não é exigido nas rescisões contratuais em geral.18 


Notas

1 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 550.

2 SCHIRATO, Vitor Rhein. As empresas estatais no direito administrativo atual, p.46.

3 FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de direito administrativo, p.125. 

4 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, p. 195.

5 CRETELLA JUNIOR, José. Tratado de direito administrativo, teoria do direito administrativo, p.  93.

6 SCHIRATO, Vitor Rhein. As empresas estatais no direito administrativo atual, p.46.

7 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, p. 209.

8 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, pp. 553-554.

9 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 556.

10 SCHIRATO, Vitor Rhein. As empresas estatais no direito administrativo atual, p.53.

11 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 556.

12 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de direito administrativo, p. 526.

13 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 560.

14 FINKELSTEIN, Maria Eugênia. Manual de direito empresarial, pp. 146-147.

15 Consultar: <http://www.portaldoinvestidor.gov.br/menu/Menu_Investidor/acionistas/acionista_controlador.html.>. Acesso em: 10.04.2017.

16 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de direito administrativo, p. 540.

17 Idem, pp. 541-542.

18 STF, RE 589.998, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 20.03.2013.

Referências

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

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Citação

MOCCIA, Maria Herminia Penteado Pacheco e Silva. Sociedade de economia mista. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Comercial. Fábio Ulhoa Coelho, Marcus Elidius Michelli de Almeida (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/227/edicao-1/sociedade-de-economia-mista

Edições

Tomo Direito Comercial, Edição 1, Julho de 2018

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