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Direito à recuperação juidicial
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Gustavo Saad Diniz
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Tomo Direito Comercial, Edição 1, Julho de 2018
Como consequência da função social da empresa, consolidou-se o princípio da preservação da empresa (art. 47 da LREF). A concretização de tal princípio se dá com o reconhecimento do direito à recuperação judicial para empresários e sociedades empresárias que preencham os requisitos do art. 48 da LREF.
1. A percepção da função social da empresa
A atividade empresarial está inserida na ordem econômica brasileira e fica sujeita aos princípios previstos expressamente na Constituição Federal. Entre eles, está a função social da propriedade (art. 170, III, CF). Sendo a atividade empresarial uma organização de fatores produtivos: além da tecnologia e do trabalho, há também a apreensão do capital e da natureza para o desempenho dos fins da empresa. Assim sendo, a propriedade exercida pelo empresário e pela sociedade empresária também é condicionada à função social prevista no texto constitucional.
É a partir do silogismo que surgem discussões sobre a função social da empresa, considerada sob o ponto de vista de atividade produtiva. Sem desconsiderar as variações doutrinárias sobre o tema, é preciso compreender que a organização empresarial afeta diversos níveis de interesses, a depender da dimensão do negócio. Em razão disso, a função social da empresa se identificará com o comportamento de busca da lucratividade, além da atuação feita para colaborar e para cumprir os preceitos da ordem econômica.1
2. Princípio da preservação da empresa
O rompimento do direito privado com visões individualistas também permitiu compreender que a atividade empresarial, por ser organização que afeta diversos interesses, quer-se perene, estável e contínua. Portanto, a legislação e a evolução da jurisprudência2 passaram a levar em consideração verdadeiramente um princípio da preservação da empresa.
Especialmente em relação ao processo de falência e de concordata, ainda regido pelo Decreto-Lei 7.661/1945, a jurisprudência criou contenções para pedidos abusivos e que utilizavam o processo falimentar em substituição de um processo de execução convencional, sob fundamento da preservação da unidade produtiva (STJ – REsp 8.277 –, rel. Min. Savio de Figueiredo Teixeira). Em outro grupo de julgados, o STJ entendia que o princípio da preservação da empresa estava implícito no Decreto-Lei 7.661/1945 (STJ, AgRg 1.022.464/SP, 4ª Turma, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, publicado emDJe 29/.06/.2009).
Posteriormente, com a aprovação da Lei 11.101/2005 (LREF), consolidou-se a preservação da empresa, enquanto princípio que orienta a aplicação da lei, conforme art. 47: “A [a] recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.
3. Regras da recuperação da empresa
Para dar cumprimento ao princípio da preservação da empresa, o empresário e a sociedade empresária que entram em crise econômico-financeira adquirem o direito à recuperação, que pode se dar nas modalidades judicial (art. 47 e seguintes da LREF) e extrajudicial (arts. 161 e seguintes da LREF).
O direito à recuperação judicial atende a pressuposto material de serem empresários e sociedades empresárias. Essa foi a opção do legislador brasileiro, que restringiu às atividades empresariais a concessão do benefício recuperacional. Ficam excluídas associações, fundações e cooperativas, além dos casos expressamente afastados pelo art. 2º da LREF (I - empresa pública e sociedade de economia mista; II - instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores).
Há controvérsia, ainda, em relação ao produtor rural, cuja inscrição como empresário é facultativa (art. 971 do CC). Se ele pretende utilizar a recuperação judicial como técnica de superação da crise, deve optar pelo regime jurídico do direito de empresa. Sendo pessoa jurídica, admite-se a prova dos dois anos de atividade por meio da Declaração de Informações Econômico-fiscais da Pessoa Jurídica – DIPJ que tenha sido entregue tempestivamente (art. 48, § 2º, da LREF). Todavia, se o produtor rural é pessoa física e faz pedido de recuperação judicial em interregno inferior aos 2 anos do caput do art. 48, pode-se ressalvar a intepretação literal do dispositivo. Com efeito, a ausência de registro não torna o produtor um empresário irregular ou não o retira da condição de empresário. Isso porque o registro é facultativo e somente atributivo de eficácia para fins obrigacionais, permitindo concluir que o produtor rural já preenche a condição prévia da atividade – que deve ser exercida por dois anos – e independe do pedido de inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis para o pedido de recuperação.
O pressuposto formal consiste no preenchimento dos requisitos do art. 48 da LREF. Pode usar esse benefício da recuperação judicial o empresário e a sociedade empresária que, no momento do pedido, exerçam regularmente suas atividades há mais de 2 anos e que atendam aos seguintes requisitos, cumulativamente: I - não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; II - não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; III - não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo; IV - não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei (STJ, REsp 1193115/MT, rel. Min. Sidnei Benetti, publicado no DJe em 03/12/2013).
Notas
1 COMPARATO, Fábio Konder. Estado, empresa e função social, . Revista dos Tribunais, nº 732, pp. 732-738. FRANCO, Vera Helena Mello. A função social da empresa. Revista do Advogado, nº 96..
2 Basta fazer um percurso histórico da jurisprudência de dissolução parcial de sociedade para chegar à constatação.
Referências
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
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CEREZETTI, Sheila Christina Neder. A recuperação judicial de sociedade por ações. São Paulo: Malheiros Editores, 2012.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresarial. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. Volumes 2 e 3.
COMPARATO, Fábio Konder. Estado, empresa e função social. Revista dos Tribunais, nº 732, ano 85, . São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.
DINIZ, Gustavo Saad. Grupos societários: da formação à falência. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
FRANCO, Vera Helena Mello. A função social da empresa. Revista do Advogado, nº 96, ano XXCIII, . São Paulo: , 2008.
FRAZÃO, Ana. Função social da empresa: repercussões sobre a responsabilidade civil de controladores e administradores de S/As. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.
SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio aA. de Moraes. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
SPINELLI, Luis Felipe; TELLECHEA, Rodrigo; SCALZILLI, João Pedro. Recuperação extrajudicial de empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2013.
TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de; ABRÃO, Carlos Henrique. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial. São Paulo: Atlas, 2011. Volume 3.
Citação
DINIZ, Gustavo Saad. Direito à recuperação juidicial. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Comercial. Fábio Ulhoa Coelho, Marcus Elidius Michelli de Almeida (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/221/edicao-1/direito-a-recuperacao-juidicial
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