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Princípio da preservação da empresa
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Daniel Bushatsky
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Tomo Direito Comercial, Edição 1, Julho de 2018
Tema sempre importante no âmbito do direito societário, com reflexo lógico em outros ramos do direito, é o princípio da preservação da empresa.1 Os sócios de uma sociedade empresária, ao constituí-la, não pretendem, naturalmente, dissolvê-la. Pelo contrário, visam à preservação de sua atividade econômica, a consecução do objeto social e, por óbvio, o lucro.
Entretanto, durante o percurso da sociedade empresária inúmeras ocorrências são possíveis, tais como crises econômicas, financeiras, contábeis e políticas, inclusive interna corporis. A solução destas crises nem sempre é fácil, mas a legislação, doutrina e jurisprudência têm prestigiado o princípio da preservação da empresa, com o objetivo de manter as atividades econômicas. É a partir da consecução do objeto social que é possível, inclusive em nossa opinião, irradiar a sua função social (criação de empregos, pagamento de impostos, criação de know how etc.). Não se concebe o contrário, que os sócios constituam sociedade empresária, primeiro para atingir a função social e depois a manutenção da atividade econômica.
Assim, após breves, mas importantes considerações sobre a diferença entre princípios e regras, se trará nossa visão sobre o princípio da preservação da empresa.
Deve-se sempre ter em mente que a pluralidade de interesses dos acionistas, no fim e em tese, deve sempre visar ao interesse da sociedade empresária, já que, como lembra Marcus Elidius Michelli de Almeida:2 “[o]s interesses antagônicos dos contratantes são, no contrato plurilateral, coordenados pelo escopo comum. Há, portanto, uma coordenação do antagonismo”.
Por fim, não se pode estudar o princípio deste verbete sem deixar de lembrar que o fim maior é desenvolvimento da sociedade empresária.
1. Conceito
O princípio da preservação da empresa protege o núcleo da atividade econômica e, portanto, da fonte produtora de serviços ou mercadorias, da sociedade empresária, refletindo diretamente em seu objeto social e direcionando-a, sempre, na busca do lucro.
2. Breve diferenciação entre princípio e regra
As normas jurídicas são divididas em duas espécies para melhor interpretá-las: princípios e regras.
Os princípios3 são definidos por Sundfeld4 como as “ideias centrais de um sistema, ao qual dão sentido lógico, harmonioso, racional, permitindo a compreensão de seu modo de organizar-se”.
Por sua vez, nos dizeres de Luiz Antonio Rizzatto Nunes,5 regra6 é “um comando, um imperativo dirigido aos seus destinatários (pessoas físicas, pessoas jurídicas e demais entes), responsável por permitir, proibir, constranger e/ou disciplinar certos modos de ação ou comportamento presentes na vida humana em relação”.
De maneira estruturada, Ávila7 conceitua regra e princípios nos seguintes termos:
“As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte e nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos”.
Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação demandam uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.
Dessa sorte, os princípios são normas caracterizadas pela alta carga de valor, sejam eles positivados ou não, e as regras pela positivação de comportamentos incentivados ou proibidos pelo Direito.
Daí a afirmação de Dworkin de que os princípios, ao contrário das regras, possuem uma dimensão de peso (dimension of weight), demonstrável na hipótese de colisão entre os princípios, caso em que o princípio com peso relativo maior se sobrepõe ao outro, sem que este perca sua validade,8 existindo um critério classificatório.
Sendo assim, o princípio da preservação da empresa é uma das bases do estudo do direito empresarial, em especial do societário, não sendo imperativo (regra), pelo contrário, trazendo alta carga de valor na análise da norma (seja outro princípio, seja uma regra), guiando à correta interpretação da manutenção da fonte produtiva.
3. Princípio da preservação da empresa
O princípio da preservação da empresa é de suma importância no estudo do direito societário. Considerando que os sócios devem convergir os seus interesses em prol da sociedade – pessoa jurídica, com personalidade própria9 - o intuito deve ser sempre o de guiá-la para o seu crescimento orgânico, tentando vencer qualquer barreira, competitiva ou não.
Nesse passo, o entendimento da jurisprudência10 é que a partir do caso concreto, a sociedade deve sempre ser posta em primeiro lugar, preservando-se as atividades empresárias e econômicas,11 bem como a sua função social.
Há diversos interesses e bens jurídicos a serem defendidos através da manutenção da atividade da empresa (sócios, consumidores, comunidade, fisco, etc.), e que devem ser preservados.
Desta forma, acredita-se que é a preservação da atividade econômica o maior motor para que ocorra a manutenção da empresa e que, aí sim, seja possível alcançar a sua função social. É por isso que, em nossa opinião, é a preservação da empresa que deve ser sempre posta em primeiro lugar.
E, Comparato12 explica a empresa no sentido econômico:13
“É portanto empresa no sentido do Código Civil, toda organização de trabalho e de capital tendo como fim a produção de bens ou serviços para troca.
A doutrina econômica da empresa faz parte da dinâmica da economia, pois o fenômeno da produção se desenvolve necessariamente no tempo e é, sobretudo em relação à variação no tempo, do resultado útil do empresário (risco da empresa), que o trabalho organizado do empresário assume relevo econômico. O risco da empresa – risco técnico inerente à possibilidade de cobrir os custos do trabalho (salários) e dos capitais (juros) empregados, com os resultados dos bens ou serviços produzidos para a troca – faz com que o empresário se reserve um trabalho de organização e de criação para determinar de acordo com adequadas previsões o modo de atuação da produção e distribuição dos bens.
Mas, aos bens ou serviços fornecidos pelo empresário ao mercado, são incorporados não somente o trabalho de execução e os capitais empregados, mas também o trabalho organizado e criado pelo empresário.”
Rubens Requião,14 por sua vez, define a empresa como:
“é essa organização dos fatores da produção exercida, posta a funcionar, pelo empresário. Desaparecendo o exercício da atividade organizada do empresário, desaparece, ipso facto, a empresa. Daí por que o conceito de empresa se firma na ideia de que é ela o exercício de atividade produtiva. E do exercício de uma atividade mão se tem senão uma ideia abstrata”.
E, partindo da diferença entre empresário, empresa e estabelecimento, Fábio Ulhôa Coelho15 conceitua o princípio da preservação da empresa:
“O princípio da preservação da empresa, o que se tem em mira é a proteção da atividade econômica, como objeto de direito cuja existência e desenvolvimento interessam não somente ao empresário, ou aos sócios da sociedade empresária, mas a um conjunto bem maior de sujeitos. Na locação identificadora do princípio, “empresa” é o conceito de sentido técnico bem específico e preciso. Não se confunde nem com o seu titular (“empresário”) nem com o lugar em que explorada (“estabelecimento empresarial”), O que se busca preservar, na aplicação do princípio da preservação da empresa, é, portanto, a atividade, o empreendimento. E complementa: “O princípio da preservação da empresa é legal, geral e implícito”.
Nessa lógica, em nosso ver, o princípio da preservação da empresa define-se por proteger o núcleo da atividade econômica e, portanto, da fonte produtora de serviços ou mercadorias, da sociedade empresária, sendo refletido no objeto social e direcionando-a, sempre, na busca do lucro.
Vale ressaltar que é reflexo direto do princípio da preservação da empresa a essencialidade da lealdade dos sócios e administradores,16 a observância à boa-fé objetiva, tudo visando à manutenção da atividade pretendida.
Por fim, é interessante notar que a desconsideração da autonomia patrimonial da pessoa jurídica de uma sociedade (desconsideração da personalidade jurídica), medida extrema, que quebra a autonomia patrimonial, mas visa a manter a atividade econômica desenvolvida, também é vertente desse princípio. Isso porque buscam, no patrimônio do sócio, valores para a satisfação dos credores e, quiçá, mantém-se a empresa.
4. Conclusões
O princípio da preservação da empresa visa a proteger a consecução da atividade econômica, direcionando a sociedade empresária na busca do lucro. A partir do desenvolvimento da empresa é possível, em nosso ver, irradiar a função social da sociedade, com manutenção de empregos, recolhimento de impostos, criação de know how etc.
Com o objetivo de fortalecer o instituto, nítida é a tendência da doutrina e da jurisprudência de utilizar o princípio da preservação da empresa na interpretação de normas (regras e outros princípios) com o objetivo de manter/salvar a fonte produtora.
E, é o princípio da preservação da empresa que deve guiar o comportamento dos sócios e administradores à frente da sociedade empresária, respeitando a boa-fé objetiva, traduzida pela lealdade entre as partes.
Assim, em eventual conflito entre sócio e administradores, deve prevalecer o entendimento que melhor se coadune com o interesse da sociedade empresária.
Notas
1 Logicamente o princípio da preservação da empresa também se aplica os empresários individuais. empresários individuais, mas o foco deste verbete é a sociedade empresária. Confira-se: “[o]utra distinção fácil é a de que empresa pode ser o exercício da atividade individual, de pessoal natural. É a empresa individual, contrapondo-se à empresa coletiva, que é exercida pela sociedade empresária. A empresa não pressupõe, como se vê, necessariamente, uma sociedade empresária. Além disso, pode haver sociedade empresária sem empresa. Duas pessoas, por exemplo, juntam seus cabedais, formam o contrato social, e o registram na Junta Comercial. Eis aí a sociedade, e, enquanto estiver inativa, a empresa não surge”. Ver: REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial, p. 87.
2 ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli de. Direito processual empresarial: estudo em homenagem ao professor Manoel Queiroz Pereira Calças, p. 544.
3 AINDA, Lotufo ensina: “[p]rincípios, a nosso ver, são ideias matrizes e motrizes do sistema, do ordenamento, porque são pontos de partida e de movimentação dos mesmos, dão origem e ensejam a interpretação das normas.” (LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni. Teoria geral dos contratos, p. 9.)
4 SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e contrato administrativo, p. 18.
5 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Manual de introdução ao direito, p. 172.
6 Traz-se a definição de norma jurídica (parece que a autora fala em norma no sentido que se está dando à regra) para Diniz: “A norma jurídica é imperativa porque prescreve as condutas devidas e os comportamentos proibidos e, por outro lado, é autorizante, uma vez que permite ao lesado pela sua violação exigir seu cumprimento, a reparação do dano causado ou ainda a reposição das coisas ao estado anterior. Por conseguinte, a norma jurídica se define, como ensina Goffredo Talles Jr., ‘imperativo-autorizante’. Conceito este que é, realmente, essencial, pois constitui a síntese dos elementos necessários que fixam a essência da norma jurídica. Esta, sem qualquer um destes elementos e idênticos, afigura-se incompreensível. Deveras uma norma jurídica que careça do autorizamento será uma norma moral, e sem a nota da imperatividade, apenas uma lei física”. (DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito, p. 406.)
7 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 129.
8 DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously, p. 26.
9 Rubens Requião, complementa explicando os efeitos da personalização: “[a]dquirindo personalidade jurídica, diversas consequências úteis ocorrem à sociedade comercial. Entre elas podemos catalogar as mais expressivas no seguinte elenco: 1ª) Considerar-se a sociedade uma pessoa, isto é, um sujeito “capaz de direito e obrigações”. Pode estar em juízo por si, contrata e se obriga. “A sociedade adquire sujeitos, assume obrigações e procede judicialmente, por meio de administradores com poderes especiais, ou, não os havendo, por intermédio de qualquer administrador”.9 É o dispositivo do art. 1022 do Código Civil, estabelecendo a legitimidade contratual, a responsabilidade patrimonial e a legitimidade processual da sociedade personificada. 2ª) Tendo a sociedade, como pessoa jurídica, individualidade própria, os sócios que a constituírem com ela não se confundem, não adquirindo por isso a qualidade de comerciantes. (Na reforma da lei das sociedades comerciais, verificada em 1966, na França, nas sociedades em nome do coletivo, todos os sócios adquirem a qualidade de comerciantes). 3ª) A sociedade com personalidade adquire ampla autonomia patrimonial. O patrimônio é seu, e esse patrimônio, seja qual for o tipo da sociedade, responde ilimitadamente pelo seu passivo. 4ª) A sociedade tem a possibilidade de modificar a sua estrutura, quer jurídica, com a modificação do contrato adotando outro tipo de sociedade, quer econômica, com a retirada ou ingresso de novos sócios, ou simples substituição de pessoas, pela cessão ou transferência de parte do capital”. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial, pp. 453-454.
10 Confiram-se algumas decisões no âmbito societário que prestigiam o princípio da preservação da empresa:
(a) “Civil. Execução - Penhora sobre faturamento - Possibilidade - Percentual que harmoniza os princípios da preservação da empresa e a efetividade da execução - Nomeação do credor como administrador - Não recomendável consoante decisão pretérita e jurisprudência do C. STJ e da Câmara”. (realce nosso). TJSP, Agravo de Instrumento 20910915520148260000 SP 2091091-55.2014.8.26.0000, , 19ª Câmara de Direito Privado. Agravante: IMF Alimentos Ltda ME. Agravada: Majicplast Embalagens Ltda. Relator: Sebastião Junqueira, j. 18.08.2014, p. 22.08.2014.
(b) “Comercial. Dissolução. Sociedade composta por dois únicos sócios. Quebra indiscutível da affectio societatis. Inicial que formula pedido de dissolução total. Aplicação do princípio da preservação da empresa”. (grifo nosso). TJSP, Apelação: 01343823820118260100 SP 0134382-38.2011.8.26.0100, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Apelantes: Sebastião Carlos Fernandes de Souza, Compra e Venda de Imóveis Souza e Fernandes Ltda e Outro. Apelados: Os mesmos. rel. Des. Araldo Telles, j. 14.04.2014, p. 15.04.2014.
(c) “Comercial. Ação de Dissolução Parcial de Sociedade Limitada. Participação de todos os sócios. Exclusão do Sócio Majoritário. Princípio da Preservação da Empresa. Em circunstâncias excepcionais, é possível a exclusão do sócio majoritário a pedido de minoritário, a fim de prestigiar o princípio da preservação da empresa”. (realce nosso). STJ, REsp 1.121.530/RN, 2009/0020322-8, 4ª Turma. Recorrente: Marinaldo de Almeida Lima; Eduardo José de Farias. Recorrido: Os mesmos. rel. Ministro Marco Buzzi, j. 13.09.2011, DJe 26.04.2012.
(d) “Recurso Especial. Relação de consumo. Cumprimento de sentença. Atos de constrição. Fornecedor em recuperação judicial. Competência. Juízo da recuperação. Proteção do consumidor e Preservação da Empresa. Princípios não absolutos. Ponderação. Manutenção da empresa. Tutela de interesses múltiplos. Prevalência. Interpretação sistemático-teleológica da Lei 11.101/2005. 1. A controvérsia dos autos consiste em definir a competência para realizar atos de constrição destinados ao cumprimento de sentença proferida por magistrado do juizado especial cível, em favor de consumidor, quando o fornecedor já obteve o deferimento da recuperação na vara empresarial. 2. O compromisso do Estado de promover o equilíbrio das relações consumeristas não é uma garantia absoluta, estando a sua realização sujeita à ponderação, na hipótese, quanto aos múltiplos interesses protegidos pelo princípio da preservação da empresa. 3. A Segunda Seção já realizou a interpretação sistemático-teleológica da Lei 11.101/2005, admitindo a prevalência do princípio da preservação da empresa em detrimento de interesses exclusivos de determinadas classes de credores, tendo atestado que, após o deferimento da recuperação judicial, prevalece a competência do Juízo desta para decidir sobre todas as medidas de constrição e de venda de bens integrantes do patrimônio da recuperanda. Precedentes. 4. Viola o juízo atrativo da recuperação a ordem de penhora on line decretada pelo julgador titular do juizado especial, pois a inserção da proteção do consumidor como direito fundamental não é capaz de blindá-lo dos efeitos do processo de reestruturação financeira do fornecedor. Precedente. 5. Recurso especial provido para reconhecer a competência do juízo da 7ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Rio de Janeiro” (realce nosso). (STJ, REsp 1.598.130/RJ, 3ª Turma, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 07.03.2017, DJe 14.03.2017).
11 O art. 47 da Lei de Recuperação Judicial e Falência é claro no sentido de preservação da empresa e de sua função social. Confira-se: “Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.
12 COMPARATO, Fábio Konder. Perfis da empresa. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro, pp. 110-111.
13 Complementando a visão: “[o] fenômeno econômico da empresa foi particularmente estudado pela ciência econômica no sistema da economia liberal, que teve no século XIX – o século da revolução industrial – o seu apogeu, e que marcou a definitiva passagem da fase da economia artesanal para a fase das grandes concentrações de capital e de trabalho, modernos (grandes indústrias, grandes comerciantes, grandes organizações bancárias etc.). Mas a empresa é a célula fundamental de qualquer tipo de economia organizada. Diferente somente é, no ordenamento. No sistema da economia liberal, a iniciativa privada na empresa está sujeita somente às leis naturais do mercado enquanto o Estado se reservava essencialmente a função de garantir a ordem na concorrência (que, diante das dimensões assumidas pelas crises econômicas na moderna produção em massa, acabou por terminar, na realidade, em desordem). Onde, como a Rússia, o desmoronamento da economia capitalista privada levou à instauração de uma economia capitalista coletivizada, a empresa tornou-se parte da organização monopolista da produção por parte do Estado e, como tal opera, sobre bases e planos políticos mais ou menos mastodônticos, impostos pelo Estado, árbitro do mercado. Na maior parte dos países, também daqueles supostos liberais, nos quais a superação da economia do século passado levou à instauração de uma economia controlada, qualquer que seja o sistema, a empresa ficou com regra confiada à iniciativa privada, mas sobre a base dos planos individuais coordenados pelo Estado no interesse coletivo. Por estes princípios é particularmente influenciado o nosso sistema econômico corporativo, segundo a ‘Carta Del Lavoro’, que considera a empresa privada como ‘o instrumento mais eficaz e mais útil no interesse da nação’ (Dich. VII). Somente ‘quando falte ou seja insuficiente a iniciativa privada, ou quando estejam em jogo interesses políticos do Estado’, a empresa privada é substituída pela empresa pública com a gestão direta do Estado (Dich. IX.). Não é verdade, portanto, que no regime da economia corporativa do empresário privado, este se transforme em um funcionário público na máquina econômica burocrática do Estado, sem o próprio risco. Também em regime de economia corporativa a empresa privada goza de uma esfera própria de autonomia e o empresário desenvolve sua iniciativa com o próprio risco, o que implica um trabalho criativo e organizado, baseado no ‘lucro’ que é a sua específica remuneração. Somente, a aplicação do princípio do risco e do proveito não fica mais entregue ao jogo mecânico das leis econômicas em função das condições de concorrência e de monopólio, no qual opere a empresa, mas, vem moderada politicamente pelo Estado, de acordo com os fins superiores do interesse nacional. Em relação a estes fins há novas formas ou ao menos novas posições sobre a organização do trabalho na empresa, considerando-se os empregados na empresa como colaboradores do empresário a serviço de um interesse comum”. (COMPARATO, Fábio Konder. Perfis da empresa. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro, pp. 111-112.)
14 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial, p. 86.
15 COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de direito comercial: direito de empresa, p. 79.
16 IV Jornada de Direito Civil - Enunciado 392: Nas hipóteses do art. 1.077 do Código Civil, cabe aos sócios delimitar seus contornos para compatibilizá-los com os princípios da preservação e da função social da empresa, aplicando-se, supletiva (art. 1.053, parágrafo único) ou analogicamente (art. 4º da LICC), o art. 137, § 3º, da Lei das Sociedades por Ações, para permitir a reconsideração da deliberação que autorizou a retirada do sócio dissidente.
Referências
ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli de. Direito processual empresarial: estudo em homenagem ao professor Manoel Queiroz Pereira Calças. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 13. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2012.
COELHO, Fabio Ulhôa. Curso de direito empresarial: direito de empresa. São Paulo: Saraiva, 2014.
COMPARATO, Fábio Konder. Perfis da empresa. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro. São Paulo: Malheiros Editores, ano XXXV.
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. 6. tir. Cambridge: Harward University Press, 1978.
LOTUFO, Renan; Nanni, Giovanni. Teoria geral dos contratos. São Paulo: Atlas, 2012.
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Manual de introdução ao direito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 30. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. Volume 1.
SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e contrato administrativo. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995.
Outras fontes:
IV Jornada de Direito Civil. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/jornadas-cej/IV%20Jornada%20volume%20I.pdf>. Acesso em 20.03.2017.
Citação
BUSHATSKY, Daniel Bushatsky. Princípio da preservação da empresa. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Comercial. Fábio Ulhoa Coelho, Marcus Elidius Michelli de Almeida (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/220/edicao-1/principio-da-preservacao-da-empresa
Edições
Tomo Direito Comercial, Edição 1,
Julho de 2018
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