• Responsabilidade de administradores em sociedades anônimas

  • Uinie Caminha

  • Tomo Direito Comercial, Edição 1, Julho de 2018

Os administradores sujeitam-se, além das normas de responsabilidade civil gerais previstas no Código Civil, às normas especificas aplicáveis em decorrência da função que exercem. No caso das sociedades por ações, essas regras estão dispostas na Lei 6.404/1976, entre os artigos 153 e 160. Essa seção, dedicada aos deveres e responsabilidades dos administradores – incluindo-se aí diretores e conselheiros, discorre sobre deveres específicos atinentes às funções de administração de companhia: diligência, lealdade, dever de informar. 

Trata ainda das possibilidades em que o administrador responde pessoalmente perante a companhia, acionistas e terceiros por prejuízos causados. Bem como sobre a ação de responsabilidade em face dos administradores em cada um dos casos.

Além dessas disposições, a Lei 7.913/1989, que trata da ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários, prevê a legitimidade do Ministério Público para propor ação de responsabilidade dos administradores nos casos de prejuízos a investidores e ao mercado coletivamente.


1. Administração de sociedades anônimas e relação agente/principal

A sociedade anônima é um dos mais eficientes instrumentos de captação e mobilização de recursos já criados. Todavia, e por isso mesmo, os acionistas nem sempre têm influência na gestão dos negócios e do patrimônio que aportam ao capital social. Mesmo quando titulares de ações que lhes conferem direito a voto, os investidores, na maioria das vezes, veem seu patrimônio ser administrado por outras pessoas – os administradores, diretores e conselheiros da sociedade.

Nas palavras de Oscar Barreto Filho,1 em sentido formal, a administração da sociedade compreende o “conjunto de órgãos instituídos para a consecução do objeto social; em sentido material, é o conjunto das funções necessárias ao desempenho, pela sociedade anônima, de sua peculiar atividade empresarial”.

Os administradores são, assim, aqueles que manifestam a vontade da sociedade anônima, não como representantes, mas como a própria sociedade:

“A relação jurídica entre a sociedade e seus administradores é orgânica, e não contratual, em razão de o administrador não ser um simples mandatário, mas um órgão de representação da sociedade. Em outras palavras e conforme dispõe a teoria orgânica, a sociedade não é representada pelo administrador e sim por meio dele manifesta sua vontade”.2 

Existe uma separação entre propriedade e gestão, o que pode ocasionar problemas de conflito de interesses (agente x principal).3 Em outras palavras, o administrador pode não agir no melhor interesse da companhia (e, portanto, dos acionistas) e sim em seu próprio interesse individual. Pode preferir auferir vantagens pessoais indevidas em razão da posição que ocupa e especialmente das informações a que tem acesso, ao invés de dirigir sua gestão para o melhor interesse do ente coletivo.

Além dos problemas ligados ao conflito de interesses, podem ocorrer outros decorrentes de negligência ou mesmo de ações dolosas ou omissões dos administradores, quando deixam de observar os deveres que lhes são impostos pela Lei. 

Existem diferentes formas de se abordar o problema da relação entre os administradores e a companhia e seus acionistas, ou seja, de compatibilizar os interesses dos proprietários, com aqueles dos que gerem essa propriedade. Tanto pode-se pensar em medidas de incentivo a priori (como participação nos resultados ou opções de compra de ações), como medidas a posteriori, ligadas à responsabilidade e sanções em caso de descumprimento dos deveres legais dos administradores de companhias.4 

A responsabilidade dos administradores por danos decorrentes de atos de sua gestão tem fundamento na responsabilidade civil geral, mas possui nuances próprias, decorrentes na relação especial existente ente administradores e ente administrado; entre propriedade e gestão.  Assim, essa responsabilidade finda por justificar o exercício do poder sobre propriedade alheia. Essa possibilidade legitima a própria administração.


2. Deveres e responsabilidades dos administradores

Dominantemente, diz-se que os deveres próprios dos administradores decorrem da relação organicista que guardam com a sociedade. Nessa condição pode-se afirmar que seus poderem são indelegáveis e invariáveis. Além disso, pode-se descrever relações fiduciárias próprias da administração de sociedades, as quais também justificam e legitimam tais deveres e as responsabilidades delas decorrentes. De fato, a relação dos administradores com as sociedades e/ou seus acionistas baseiam-se, como as demais relações fiduciárias, no binômio poder sobre patrimônio alheio/confiança.5 

A lei 6.404/1976 traz os deveres e responsabilidades dos administradores em capítulos vizinhos, a demonstrar que os conceitos andam umbilicalmente unidos. São conceitos relevantes não só para os acionistas ou a companhia, mas para o mercado e para a sociedade em geral. Com efeito, “as normas sobre a responsabilidade dos administradores são imperativas, porque estabelecidas no interesse geral, e por isso não podem ser afastadas ou mitigadas pelo estatuto social”.6 

Note-se que tais normas se aplicam indistintamente a diretores e conselheiros, e, ainda, por força do artigo 160, impõem-se igualmente aos membros de quaisquer órgãos, criados pelo estatuto, com funções técnicas ou destinados a aconselhar os administradores.


2.1. Deveres

A Lei das Sociedades por Ações estabelece, entre seus artigos 153 a 157, os deveres inerentes à posição de administrador. Note-se que tais deveres se aplicam tanto a diretores quanto a conselheiros, que devem observar, no exercício de suas funções, os deveres de diligência (art. 153); vinculação aos fins sociais (art. 154); lealdade (art. 155); convergência de interesses (art. 156) e fornecimento adequado de informação (art. 157). Tais deveres decorrem da finalidade das atribuições dos administradores por sua natureza fiduciária e organicista, sendo um “direito função”.7 

Apesar de haver algumas prescrições específicas, como adiante se verá, tais deveres são enunciados de maneira abstrata, de modo a servirem como parâmetros para toda a atuação dos administradores da companhia. Com efeito, 

“O legislador pátrio, palmilhando a mesma rota trilhada pelas mais modernas leis societárias, em vez de procurar inutilmente restringir a atuação e o poder decisório dos administradores, por meio de preceitos rígidos e específicos para cada um dos múltiplos acontecimentos da vida negocial – no que certamente teria fracassado e contribuído para gerar maiores ineficiências por meio de um sistema inflexível –, corretamente optou, de um lado, por preservar a liberdade de atuação dos administradores, conferindo-lhes atribuições e poderes privativos e (consequentemente) indelegáveis (LSA, arts. 138, § 1º, 139 e 144), e, de outro lado, resolveu pautar o comportamento dos administradores por padrões de conduta gerais e abstratos, verdadeiras cláusulas-gerais a serem contrastadas com sua atuação específica em cada caso concreto (LSA, arts. 153 a 157)”.8 

Com relação ao dever de diligência, o art. 153 determina que o administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios. 

Na opinião de Modesto Carvalhosa,9 o dever de diligência conforme descrito na Lei foi uma transposição da figura romana do vir probus, do bonus pater famílias apesar dessa figura, comum ao contrato de mandato, não se coadunar com a teoria organicista das sociedades. Entende ainda o autor que, “ao negligenciar ou agir com imprudência ou imperícia, o administrador assume o risco do seu ato, sendo irrelevante, nesses casos, o caráter culposo ou doloso da sua conduta”.10  

Tal diligência, conforme determina o art. 154 (finalidade das atribuições e desvio de poder), deve conduzir os atos de administração ao interesse da companhia na realização de seu objeto, além de observar o bem público e a função social da empresa. Assim, a Lei determina a vinculação dos atos do administrador aos fins sociais. Diferentemente do que ocorre com o “artigo precedente [art. 153], que prescreve uma linha subjetiva de comportamento que deve ser observada pelo administrador, o artigo ora estudado estabelece os elementos de conduta objetiva que irão nortear sua atividade profissional”.11 

No § 1º do art. 154, há a prescrição de que, ainda que seja eleito por grupo ou classe de acionistas, o administrador não tem, por esse motivo, mitigados seus deveres perante à companhia ou os demais acionistas. Não pode, portanto, agir em desacordo com seus deveres gerais, mesmo que defendendo os interesses do grupo que o elegeu.

De maneira mais específica, é vedado ao administrador, nos termos do § 2º do art. 154: praticar ato de liberalidade à custa da companhia; tomar por empréstimo recursos ou bens da companhia, ou usar, em proveito próprio, de sociedade em que tenha interesse, ou de terceiros, os seus bens, serviços ou crédito, sem prévia autorização da assembleia-geral ou do conselho de administração; e receber de terceiros, sem autorização estatutária ou da assembleia-geral, qualquer modalidade de vantagem pessoal, direta ou indireta, em razão do exercício de seu cargo (o que, caso ocorra, dará direito à companhia a quaisquer vantagens percebidas nesses termos).

O conselho de administração ou a diretoria podem autorizar a prática de atos gratuitos razoáveis em benefício dos empregados ou da comunidade de que participe a empresa, tendo em vista suas responsabilidades sociais (§ 4º).

O art. 155 trata do dever de lealdade ao dispor que o administrador deve servir com lealdade à companhia e manter reserva sobre os seus negócios. A esse dever vincula-se a proibição da obtenção de vantagens pessoais em razão das funções que exerce, inclusive aquelas decorrentes de utilização de informação privilegiada.

De acordo com Spinelli,12 o dever de lealdade é o que distingue a relação fiduciária (como é o caso da administração de sociedades anônimas) das demais relações, sendo por isso de extrema importância a análise desse dever. Todavia, não há definição legal do que seja o dever de lealdade, optando a Lei por trazer condutas que apontam para seu não cumprimento. Assim, o dever de lealdade incluiria não somente a hierarquização dos interesses social sobre os individuais dos administradores e abstenção de condutas vedadas por lei, mas, de maneira mais ampla, “gira em torno da ideia de informação como propriedade da sociedade”.13 Encontra-se, como “elemento comum em quaisquer comportamentos coibidos pelo dever de lealdade, a utilização de informações da companhia em benefício pessoal do administrador (ou de alguém a ele vinculado.)”.14 

Por efeito desse dever, é expressamente vedado ao administrador usar, em benefício próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo para a companhia, as oportunidades comerciais de que tenha conhecimento em razão do exercício de seu cargo (art. 155, I); omitir-se no exercício ou proteção de direitos da companhia ou, visando à obtenção de vantagens, para si ou para outrem, deixar de aproveitar oportunidades de negócio de interesse da companhia (art. 155, II); e adquirir, para revender com lucro, bem ou direito que sabe necessário à companhia, ou que esta tencione adquirir (art. 155, III).

Os quatro parágrafos do artigo 155 tratam do sigilo sobre informações estratégicas da companhia, e do dever do administrador de zelar para que seus subordinados ou quaisquer pessoas com as quais tenha relação não divulguem essas informações; bem como a vedação de utilização de informações não divulgadas ao mercado para obtenção de vantagens para si ou para outrem no mercado de valores mobiliários (insider trading).

O artigo 156 trata do conflito de interesse15 entre os administradores e a companhia. Sendo um dos problemas decorrentes da própria estrutura das sociedades por ações (separação entre propriedade e gestão), o combate ao conflito de interesses é matéria bastante discutida na atualidade. Assim, o artigo 156 determina que:

“é vedado ao administrador intervir em qualquer operação social em que tiver interesse conflitante com o da companhia, bem como na deliberação que a respeito tomarem os demais administradores, cumprindo-lhe cientificá-los do seu impedimento e fazer consignar, em ata de reunião do conselho de administração ou da diretoria, a natureza e extensão do seu interesse.”.

Mesmo no caso de o administrador agir em interesse próprio, sem que haja interesse conflitante com a companhia, somente poderá contratar com a companhias em condições de equitativas de mercado, e, caso haja infração a essa norma, será obrigado a transferir para a companhia as vantagens que por ventura tenha auferido. 

Por fim, o dever de informar (art. 157) tem por escopo trazer à evidência os valores mobiliários de emissão da companhia que administra e daquelas pertencentes ao mesmo grupo, que o administrador possua, assim como atos ou fatos relevantes que possam influenciar de maneira preponderante os negócios da companhia. 

Esse dever se aplica especificamente aos administradores de companhias abertas, e inclui a faculdade de acionistas que representem cinco por cento ou mais do capital social na assembleia geral ordinária de solicitar outras informações: o número dos valores mobiliários de emissão da companhia ou de sociedades controladas, ou do mesmo grupo, que tiver adquirido ou alienado, diretamente ou através de outras pessoas, no exercício anterior; as opções de compra de ações que tiver contratado ou exercido no exercício anterior; os benefícios ou vantagens, indiretas ou complementares, que tenha recebido ou esteja recebendo da companhia e de sociedades coligadas, controladas ou do mesmo grupo; as condições dos contratos de trabalho que tenham sido firmados pela companhia com os diretores e empregados de alto nível; quaisquer atos ou fatos relevantes nas atividades da companhia.


2.2. Responsabilidades    

A regra geral, inscrita no art. 158 da Lei 6.404/1976, é a de que o administrador não é pessoalmente responsável pelos atos que pratica no exercício regular de sua gestão, que são considerados como atos da sociedade e, portanto, a ela imputáveis.

Responde pessoalmente, todavia, em dois casos: quando agir dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; ou ainda quando agir em violação da lei e do estatuto social. A disposição do artigo 158 é de ordem pública, ou seja, não pode ser modificada pelo estatuto ou pela assembleia, vez que tem como destinatária da tutela toda a sociedade e não apenas a companhia ou seus acionistas.

Assim, nos termos da Lei, 

“A responsabilidade pessoal dos administradores das sociedades anônimas, no curso da existência social, pode ser apreciada sob dois pontos de vista: 1o no desempenho de sua gestão; e 2o, no cumprimento das obrigações que a lei e o contrato social ou os estatutos lhes impõem. O fim dessa responsabilidade, de ordem pública e, portanto, não modificável pelo pacto, é prevenir e obstar a consequência, de atos ilícitos e reparar aos prejudicados os danos causados, mantendo as garantias que a lei e os estatutos sociais prometem às sociedades, aos acionistas e a terceiros”.16 

Majoritariamente, entende-se que a responsabilidade dos administradores é subjetiva, e depende, sempre, da comprovação de culpa ou dolo. Na verdade, seria o caso de se aplicar ao caso dos administradores de sociedade anônima a regra geral de responsabilidade civil por prejuízos derivados de ilícitos prevista no Código Civil.

Os parágrafos do art. 158 preveem ainda a possibilidade de responsabilidade em caso de atos não diretamente praticado pelo administrador. Apesar de não serem responsáveis pelos ilícitos de outros administradores em regra, podem responder no caso de conivência, negligência em descobri-los ou ainda, em tomando conhecimento deles, deixe de agir para impedir sua prática. Nesse caso, para eximir-se da responsabilidade, o administrador deve fazer consignar em ata sua divergência com a medida ou deliberação ou comunicar imediatamente à assembleia geral (§ 1º).

Ademais, o § 2º prevê a responsabilidade solidária dos administradores no caso de descumprimento dos deveres impostos na Lei, porém, nas companhias abertas, essa responsabilidade ficará restrita aos administradores que, por disposição do estatuto, tenham atribuição específica de dar cumprimento àquele dever (§ 3º).

Dispõe ainda a Lei (§ 4º), que, tendo conhecimento do não cumprimento dos deveres legais pelo seu predecessor, ou ainda pelo administrador que devesse fazê-lo, o administrador deve comunicar o fato à assembleia geral, sob pena de tornar-se solidariamente responsável com o infrator.

Por fim, o § 5º determina que responderá solidariamente com o administrador quem, com o fim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a prática de ato com violação da lei ou do estatuto.

Apesar de inicialmente parecer que, nos casos previstos nos parágrafos no artigo 158 poder-se-ia falar em responsabilidade por atos de outros administradores, afastando-se assim a figura da culpa, tal entendimento seria superficial, na medida em que, na verdade, o ato ou omissão pelo qual o administrador responde é próprio, ou seja, deixar de comunicar, falhar em descobrir, anuir, mesmo de tacitamente. Nesse sentido:

“Mas não se está, ainda, na linha da responsabilidade sem culpa, os administradores responderão, ainda assim, por culpa própria e individual.

O administrador a quem competia a prática de ato específico responderá por ter deixado de praticá-lo. O administrador que não tinha atribuição direta para a prática do ato responderá por falta de dever de diligência ao não verificar o descumprimento do dever pelo outro administrador a não ter agido de forma a evitar a ocorrência do prejuízo”.17 

Posição minoritária distinta tem Modesto Carvalhosa,18 advogando pela responsabilidade objetiva do administrador: 

“Na configuração da responsabilidade dos administradores, leva-se em conta a sua situação de poder sobre a companhia. Daí advém o perfil da responsabilidade do administrador. E somente na análise comparativa da performance do administrador com situações afins pode-se verificar os efeitos no tocante aos interesses da companhia”. 

Complementa o autor que “não se trata da simples adoção da teoria do risco, mas da “caracterização da responsabilidade civil não mais ostentando o dado moral como seu principal fundamento”.19 

Com relação à hipótese do inciso II do artigo 158, Carvalhosa20 sustenta que se trata de responsabilidade objetiva. Justifica essa posição por se tratar de descumprimento de preceito legal ou estatutário, não cabendo, assim, aferição de culpa.

Ainda no caso de utilização de informação privilegiada (insider trading), Carvalhosa entende pela responsabilidade objetiva do agente, que ainda se estenderia aos controladores e terceiros que se beneficiassem com as informações obtidas. O autor entende que “[d]ispensa-se, no caso de insider trading, a configuração de intenção. A fraude é objetiva.21 

Ressalte-se que a responsabilidade de que trata a Lei 6.404/1976 restringe-se à espera civil, tendo as esferas administrativa e penal sistemas próprios. 


3. Ação de responsabilidade em face dos administradores

No art. 159, a Lei 6.404/1976 prevê a ação de responsabilidade civil em face de administradores, atribuindo à companhia, mediante deliberação da assembleia-geral, a competência para promovê-la, afim de reaver os prejuízos causados ao seu patrimônio. Entretanto, existe ainda a possibilidade de ação interposta individualmente por acionistas ou terceiros diretamente prejudicados pelo administrador. Além dessas, há a previsão de uma terceira ação em face de administradores, prevista na Lei 7.913/1989, que é a ação civil pública, de competência do Ministério Público.

Pode-se, portanto, apontar três tipos de ação com relação à legitimidade para sua propositura: a ação social, a individual e ação civil pública. Segundo Lamy Filho e Bulhões Pedreira, a “ação para haver do administrador a reparação do dano que causou ao patrimônio da companhia é dita social, porque pertence à sociedade; a que cabe ao acionista para haver indenização causada diretamente a seu patrimônio, é individual”.22 

O § 2º do art. 159 determina que o administrador contra o qual deva ser proposta ação ficará impedido e deverá ser substituído na mesma assembleia que deliberar a propositura da ação. No caso de, mesmo sendo deliberada, a companhia não propor a ação no prazo de três meses, qualquer acionista poderá fazê-lo (§ 3º), e, mesmo no caso de ausência de deliberação nesse sentido, acionistas representando cinco por cento ou mais do capital social poderão interpor a ação de responsabilidade. 

De acordo com o § 5º, os resultados da ação promovida por acionista deferem-se à companhia, mas esta deverá indenizá-lo, até o limite daqueles resultados, de todas as despesas em que tiver incorrido, inclusive correção monetária e juros dos dispêndios realizados.

Já com relação à ação civil pública, a Lei 7.913/1989 prevê que, sem prejuízo da ação de indenização do prejudicado, o Ministério Público, de ofício ou por solicitação da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, adotará as medidas judiciais necessárias para evitar prejuízos ou obter ressarcimento de danos causados aos titulares de valores mobiliários e aos investidores do mercado.

Prevê ainda a Lei, em lista não exaustiva, as seguintes hipóteses para a propositura da ação: operação fraudulenta, prática não equitativa, manipulação de preços ou criação de condições artificiais de procura, oferta ou preço de valores mobiliários; compra ou venda de valores mobiliários, por parte dos administradores e acionistas controladores de companhia aberta, utilizando-se de informação relevante, ainda não divulgada para conhecimento do mercado ou a mesma operação realizada por quem a detenha em razão de sua profissão ou função, ou por quem quer que a tenha obtido por intermédio dessas pessoas; omissão de informação relevante por parte de quem estava obrigado a divulgá-la, bem como sua prestação de forma incompleta, falsa ou tendenciosa.

Muito se discute sobre a regra do § 6º do art. 159 que, para muitos, introduziu a “Business Judgment Rule” norte-americana em nosso ordenamento jurídico. Com efeito, determina tal dispositivo: “o juiz poderá reconhecer a exclusão da responsabilidade do administrador, se convencido de que este agiu de boa-fé e visando ao interesse da companhia”.

A teoria, de origem jurisprudencial americana, explica que o administrador não será responsabilizado por prejuízos causados, se seus atos de gestão não forem praticados de má-fé e, em seu entendimento, atendessem ao interesse social. Apela a teoria para o caráter especulativo do ambiente empresarial, no qual decisões aparentemente corretas podem ter consequências não previstas ou adversas a depender de variáveis de mercado.

“Corretamente entendido, o art. 159, § 6.o, consagra verdadeira business judgment rule à brasileira. A similitude guardada com a business judgment rule reside sobretudo na ratio comum: tutelar as decisões empresariais tomadas de forma honesta e bem-intencionada, ainda que venham a se mostrar prejudiciais ou equivocadas a posteriori, pelas razões identificadas à exaustão pela doutrina e jurisprudência norte-americanas.”23 

Se, por um lado, a responsabilidade dos administradores é ponto fundamental para o equilíbrio dos problemas de agência, por outro, seria razoável atribuir responsabilidade por decisões sujeitas aos riscos da atividade empresarial? 

“A responsabilidade dos administradores por erros ou más decisões não teria por efeito inibir a assunção de risco empresarial, via de regra benéfica aos acionistas e ao funcionamento do sistema capitalista como um todo? Seria possível atrair os melhores talentos para a administração das companhias, responsabilizando-os pelos erros cometidos, quando os acertos se revertem preponderantemente em benefício alheio?”24 

Nas palavras de Modesto Carvalhosa,25 a regra do § 6º do artigo 159 faculta ao juiz o julgamento por equidade. Com efeito, a aplicação do dispositivo deveria ter como pressupostos a “boa-fé do administrador e a convicção de que agiu no interesse da companhia. O primeiro exclui evidentemente o dolo e o segundo, negligência e a imprudência, já que, nesses casos, impossível seria pensar-se em conduta visando ao interesse da companhia.” O autor completa afirmando que o critério da equidade se aplicaria somente aos casos de administração ordinária da companhia, não cabendo nos casos de fraude à lei.


Notas

BARRETO FILHO, Oscar. A estrutura administrativa das sociedades anônimas. Conferência proferida no curso de extensão universitária sobre a nova lei das sociedades anônimas na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em 30 de abril de 1977.

GATAZ, Luciana de Godoy Penteado. A responsabilidade civil dos administradores de companhias abertas não financeiras e o seguro D&O. Revista de direito bancário e do mercado de capitais, v. 74, pp. 53-70.

JENSEN, Michael C. Self-interest, altruism, incentives, and agency theory. Journal of applied corporate finance, nº 2, pp. 40-45.

CAMINHA, Uinie. Eficiência alocativa das normas de direito societário em relação ao acionista minoritário. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro, v. 116, pp. 194-9.

Luis Felipe Spinelli, explicitando a natureza fiduciária das relações entre administradores e sociedade, explica que, dentre as características dessas relações, destacam-se “a posição de poder conferida por uma das partes sobre o interesse patrimonial de outrem e a confiança depositada sobre o fiduciário (ampla natureza ética da posição de fiduciário em relação ao fiduciante)”. (SPINELLI, Luis Felipe. Conflito de interesses na administração da sociedade anônima, p. 46).

CAMPOS, Luiz Antônio de Sampaio. Direito das companhias, p. 1203.

BULGARELLI, Waldirio. Regime jurídico de proteção às minorias nas S/A.

ADAMEK, Marcelo Vieira Von. Responsabilidade civil dos administradores de S/A e ações correlatas, p. 113.

CARVALHOSA, Modesto; LATORRACA, Nilton. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, p. 230.

10 Idem, p. 231.

11 Idem, p. 234.

12 SPINELLI, Luis Felipe. Conflito de interesses na administração da sociedade anônima, p. 97.

13 Idem, p. 100.

14 Idem, p. 103.

15 Para Spinelli, existem duas acepções do termo conflito de interesses. A primeira, ampla, que considera que “há uma permanente tensão de interesses entre o administrador e a companhia, pelo simples fato de existir a relação entre ambos os sujeitos: tendo em vista que um é fiduciário do outro, deve aquele sempre colocar em primeiro lugar os interesses do fiduciante” (SPINELLI, Luis Felipe. Conflito de interesses na administração da sociedade anônima, p. 133). Em sentido mais restrito, ocorre conflito de interesses quando o gestor, de posse de informações do ente coletivo, utiliza sua posição e, tendo interesse particular que influencia de modo determinante algum ato decisório (de competência individual dele ou colegiada – mas do qual ele participa), acaba por auferir vantagem (de modo culposo ou doloso – nos termos do art. 158, I e II, da Lei 6.404/1976 -, sendo este último mais raro) em detrimento da companhia.” (idem., p. 137).

16 MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro, pp. 75-6.

17 CAMPOS, Luiz Antônio de Sampaio. Direito das companhias, pp. 1219-1220.

18 CARVALHOSA, Modesto; LATORRACA, Nilton. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, p. 311.

19 Idem, p 312.

20 Idem, p. 317.

21 Idem, p. 256.

22 LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luis Bulhões (org.). A lei das S.A., p. 407.

23 PARGENDLER, Mariana. Responsabilidade civil dos administradores e business judgment rule no direito brasileiro. Revista dos Tribunais, v. 953, p. 56.

24 Idem, pp. 52.

25 CARVALHOSA, Modesto; LATORRACA, Nilton. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, p. 351.

Referências

ADAMEK, Marcelo Vieira Von. Responsabilidade civil dos administradores de S/A e ações correlatas. São Paulo: Saraiva, 2010.

BARRETO FILHO, Oscar. A estrutura administrativa das sociedades anônimas. Conferência proferida no curso de extensão universitária sobre a nova lei das sociedades anônimas na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em 30 de abril de 1977. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/download/66833/69443>. Acesso em: 27.06.2017.

BULGARELLI, Waldirio. Regime jurídico de proteção às minorias nas S/A. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.

CAMINHA, Uinie. Eficiência alocativa das normas de direito societário em relação ao acionista minoritário. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro, v. 116. São Paulo: Malheiros Editores, 1999.

CAMPOS, Luiz Antônio de Sampaio. Direito das Companhias. Alfredo Lamy Filho; José Luis Bulhões Pedreira (coords). Rio de Janeiro: Forense, 2017.

CARVALHOSA, Modesto; LATORRACA, Nilton. Comentários à lei de sociedades anônimas. São Paulo: Saraiva, 1997. Volume 3.

CORREA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989. 

GATAZ, Luciana de Godoy Penteado. A responsabilidade civil dos administradores de companhias abertas não financeiras e o seguro D&O. Revista de Direito bancário e do mercado de capitais, v. 74. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

GERREIRO, José Alexandre Tavares. Responsabilidade dos Administradores de Sociedades Anônimas. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. n.º 42, São Paulo: Malheiros, 1981.

JENSEN, Michael C. Self-interest, Altruism, Incentives, and Agency Theory. Journal of Applied Corporate Finance, nº 2. Cambridge: Harvard University Press, 1998.

LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luis Bulhões (org.). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

__________________. A Lei das S.A. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. Volume II.

MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. 6. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1959. Volume IV.

PARGENDLER, Mariana. Responsabilidade civil dos administradores e business judgment rule no direito brasileiro. Revista dos Tribunais, v. 953, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. 

SPINELLI, Luis Felipe. Conflito de interesses na administração da sociedade anônima. São Paulo: Malheiros Editores, 2012.


Citação

CAMINHA, Uinie. Responsabilidade de administradores em sociedades anônimas. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Comercial. Fábio Ulhoa Coelho, Marcus Elidius Michelli de Almeida (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/217/edicao-1/responsabilidade-de-administradores-em-sociedades-anonimas

Edições

Tomo Direito Comercial, Edição 1, Julho de 2018

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