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Recuperação extrajudicial
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Daniel Carnio Costa
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Tomo Direito Comercial, Edição 1, Julho de 2018
A recuperação extrajudicial é ferramenta alternativa e prévia à recuperação judicial, que permite a negociação direta e extrajudicial da devedora com seus credores e cujo acordo pode ser submetido à homologação judicial. Este é o tema deste verbete.
1. Conceito
O sistema legal de insolvência empresarial criado pela Lei 11.101/2005 trouxe, basicamente, três ferramentas jurídicas que podem ser utilizadas para o enfrentamento da crise da empresa: a falência, a recuperação judicial e a recuperação extrajudicial.
A falência consiste na ferramenta a ser utilizada para retirar do mercado uma empresa que se tornou inviável, liquidando-se seus ativos para pagamento aos credores e também para reinserção desses mesmos ativos em outras atividades produtivas.
A recuperação judicial é a ferramenta a ser utilizada pela empresa viável, que passa por crise circunstancial, para superação de suas dificuldades, com manutenção dos benefícios sociais e econômicos que decorrem da atividade empresarial saudável (geração de empregos, recolhimento de tributos, circulação de bens, produtos e riquezas).
Dentro desse mesmo cenário – da empresa viável que enfrenta dificuldades circunstanciais e superáveis – o legislador inovou em 2005 ao prever um mecanismo de auxílio às empresas em crise com características extrajudiciais e de mercado.
Segundo Fábio Ulhoa Coelho:
“até a entrada em vigor da nova Lei de Falências, o direito brasileiro não estimulava soluções de mercado para a recuperação das empresas em estado crítico. Isto porque sancionava como ato de falência qualquer iniciativa do devedor no sentido de reunir seus credores para uma renegociação global das dívidas(...). Com a nova lei, muda-se substancialmente o quadro. Ao prever e disciplinar o procedimento da recuperação extrajudicial, ela cria as condições para a atuação da lógica do mercado na superação de crises nas empresas em crise”.1
Conforme Ricardo Negrão, a recuperação extrajudicial é:
“a modalidade de ação integrante do sistema legal destinado ao saneamento de empresas regulares, que tem por objetivo constituir título executivo a partir da sentença homologatória de acordo, individual ou por classes de credores, firmado pelo autor com seus credores”.2
Trata-se, portanto, de ferramenta alternativa e prévia à recuperação judicial, que permite a negociação direta e extrajudicial da devedora com seus credores e cujo acordo pode ser submetido à homologação judicial. A grande vantagem do instituto consiste no fato de que, preenchidos os requisitos legais, o acordo aceito pela maioria dos credores de uma determinada categoria ou classe (3/5) vinculará a todos os credores pertencentes à mesma categoria ou classe.
A recuperação extrajudicial está regulada pelos arts. 161 a 167 da Lei 11.101/2005.
2. Legitimidade ativa - requisitos subjetivos
Conforme dispõe o art. 161 da Lei 11.101/2005, o devedor que pretender se utilizar da recuperação extrajudicial deve preencher os seguintes requisitos:
(i) exercer atividade empresarial por mais de dois anos, de forma regular;
(ii) não ser falido ou, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes;
(iii) não ter recuperação judicial em curso, nem ter obtido recuperação judicial ou homologação de plano de recuperação judicial há menos de dois anos; e
(iv) não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes estipulados por lei.
3. Créditos sujeitos e não sujeitos à recuperação extrajudicial
Estão sujeitos aos efeitos da recuperação extrajudicial os seguintes créditos:
(i) créditos com garantia real;
(ii) créditos com privilégio especial;
(iii) créditos com privilégio geral;
(iv) créditos quirografários; e
(v) créditos subordinados.
Os credores titulares dos créditos acima elencados deverão sujeitar-se, independentemente de suas vontades, ao acordo firmado pelo devedor com 3/5 dos demais credores pertencentes à mesma categoria ou classe. Assim, se a empresa devedora propuser um plano aos credores com garantia real e esse plano for aceito por 3/5 dos credores dessa classe, os demais credores com garantia real dissidentes também se sujeitarão aos termos do plano homologado judicialmente.
Não estão sujeitos à recuperação extrajudicial os créditos trabalhistas, assim como aqueles que também não se sujeitam à recuperação judicial.
Nesse sentido, pode-se afirmar que não estão sujeitos à recuperação extrajudicial os seguintes créditos:
(i) créditos trabalhistas;
(ii) créditos tributários;
(iii) créditos garantidos fiduciariamente (cessão e alienação fiduciária em garantia);
(iv) créditos decorrentes arrendamento mercantil;
(v) créditos decorrentes de contrato de compra e venda com reserva de domínio;
(vi) créditos decorrentes de contrato de compra e venda ou de compromisso de compra e venda de imóveis com cláusula de irretratabilidade ou irrevogabilidade; e
(vii) créditos decorrentes de contratos de adiantamento de contrato de câmbio – ACC.
Vale destacar, todavia, que os credores titulares de créditos não sujeitos à recuperação extrajudicial não podem ser obrigados por lei a se vincular ao acordo proposto pelo devedor. Entretanto, será sempre possível a adesão voluntária de qualquer credor (mesmo aqueles que não estão sujeitos aos efeitos da recuperação extrajudicial) aos termos do plano proposto pelo devedor. Isso porque, os créditos são considerados direitos disponíveis e que podem ser livremente renegociados por consenso dos próprios contratantes.
4. Conteúdo do plano de recuperação extrajudicial - limitações legais
Em regra, no âmbito da recuperação extrajudicial, credores e devedores podem negociar livremente os termos do acordo que será submetido à homologação judicial.
Entretanto, a lei traz algumas limitações de ordem pública e que devem ser observadas pelos interessados, sob pena de não serem homologadas pelo juiz.
Nesse sentido, o art. 161, § 2º, da Lei 11.101/2005 proíbe que o plano estabeleça pagamento antecipado de dívidas, bem como estabeleça tratamento desfavorável aos credores não sujeitos ao plano.
O plano de recuperação extrajudicial pode prever a alteração de valores e forma de pagamento dos credores signatários com efeitos antecipados. Isso significa que o plano pode estabelecer pagamentos a credores mesmo antes da sua homologação judicial. Todavia, o cumprimento antecipado do plano fica condicionado à homologação judicial, de modo que os credores voltam a ter o direito de exigir os seus créditos nas condições originais, deduzidos os valores já efetivamente pagos, caso o plano não seja homologado pelo juiz.3
Se houver previsão de venda de bens objeto de garantia real, a supressão ou substituição da garantia somente poderá ser feita se houver a expressa concordância do credor detentor da garantia, nos termos do art. 163, § 5º, da Lei 11.101/2005.
Por fim, se o plano estabelecer a venda de Unidades Produtivas Isoladas (UPI) ou de filiais, é obrigatória a observação dos procedimentos de venda estabelecidos no art. 142 da Lei 11.101/2005. Nesse sentido, a venda deverá ser feita por leilão, proposta ou pregão.
5. Homologação do plano - quórum legal de aprovação
O plano de recuperação extrajudicial poderá ser apresentado ao juiz para homologação com a anuência de todos os credores a ele sujeitos, conforme prevê o art. 162 da Lei 11.101/2005.
Entretanto, também é possível que o plano seja homologado judicialmente, desde que exista a anuência de credores que representem mais de 3/5 dos créditos sujeitos ao plano. Nesse caso, todos os credores, mesmo os dissidentes, ficarão sujeitos aos efeitos do plano. Isso é o que dispõe o art. 163, caput, da Lei 11.101/2005.
Depois da distribuição do pedido, os credores não poderão desistir da adesão ao plano, salvo com a anuência expressa dos demais signatários, conforme dispõe o art. 161, § 5º, da Lei 11.101/2005.
Não serão considerados na apuração do quórum legal de aprovação os créditos não incluídos no plano, os quais, obviamente, não poderão ter suas condições ou valor originais alterados.4
Também não serão computados na apuração do quórum legal de aprovação do plano:5
(i) os créditos detidos pelo cônjuge e parentes do devedor, do sócio controlador, de membros do conselho consultivo, fiscal ou semelhantes da sociedade devedora;
(ii) os créditos detidos pela sociedade em que as pessoas descritas acima exerçam a função de controlador ou sejam membros do conselho consultivo, fiscal ou semelhante;
(iii) os créditos detidos pelos sócios do devedor; e
(iv) os créditos detidos pelas sociedades coligadas, controladoras, controladas, ou as que tenham sócio ou acionista com participação superior a 10% do capital da devedora, previstos no art. 43 da Lei 11.101/2005.
6. Efeitos da recuperação extrajudicial
Segundo dispõe o art. 161, § 4º, da Lei 11.101/2005, o pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial não acarretará suspensão de direitos, ações ou execuções, nem a impossibilidade de pedido de decretação de falência pelos credores não sujeitos ao plano de recuperação extrajudicial.
Nesse sentido, como seria mesmo evidente, os credores que não estão sujeitos ao plano (seja porque excluídos por lei, seja porque não incluídos pelo devedor) não sofrem qualquer interferência da recuperação extrajudicial. Assim, ainda que o devedor tenha solicitado a homologação de plano em recuperação extrajudiciais, esses credores poderão continuar a perseguir a realização de seus créditos livremente. Não haverá suspensão de ações ou execuções. Não haverá suspensão de prazos prescricionais ou qualquer tipo de moratória. Poderão esses credores, inclusive, requerer a falência da devedora em caso de impontualidade injustificada, prática de atos de falência ou execução frustrada.
É curioso observar, todavia, que a lei não trata do efeito suspensivo aplicável aos credores sujeitos ao plano, como o fez ao regular os efeitos da recuperação judicial no art. 6º da Lei 11.101/2005.
Não obstante, a doutrina e a jurisprudência vêm afirmando que a interpretação a contrario sensu da disposição do art. 161 leva necessariamente à conclusão de que os credores sujeitos à recuperação extrajudicial terão suspensas as suas ações e execuções desde o ajuizamento do pedido feito pelo devedor e até a homologação definitiva do plano, quando haverá a novação das dívidas.
Segundo Manoel Justino Bezerra Filho:
“contrario sensu, e até por uma questão de lógica nos negócios, aqueles credores que estão sujeitos ao plano terão suspensas suas ações e execuções em andamento, não podendo também requerer a falência do devedor pelos créditos constantes do plano de recuperação extrajudicial”.6
É importante destacar que todos os credores sujeitos à recuperação extrajudicial terão suas ações e execuções individuais suspensas, inclusive os dissidentes.
O plano de recuperação extrajudicial aprovado por credores que representem mais de 3/5 de todos os créditos de cada espécie por ela abrangida deverá ser homologado judicialmente e, a partir de então, se transformará em título executivo judicial, nos termos do art. 161, § 6º, da Lei 11.101/2005.
A partir da homologação judicial do plano, seus efeitos já poderão ser operados independentemente do julgamento de eventual recurso. Segundo dispõe o art. 165 da Lei 11.101/2005, o plano de recuperação extrajudicial produz efeitos após sua homologação judicial, ressalvada a possibilidade (já comentada acima)7 de cumprimento de cláusulas antes mesmo da homologação e que ficarão sujeitas à confirmação.
Nesse sentido, pode-se afirmar que se pode admitir a execução provisória de plano homologado, cuja decisão homologatória ainda esteja pendente de recurso.
7. Procedimento
A empresa devedora apresentará o pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial através de petição que deverá ser acompanhada do plano subscrito por todos os credores sujeitos (art. 162) ou por credores titulares de mais de 3/5 dos créditos sujeitos ao plano (art. 163).
Além disso, a petição deverá fazer a exposição da situação patrimonial do devedor e estar acompanhada das demonstrações contábeis relativa ao último exercício social e as levantadas especialmente para instruir o pedido na forma do art. 51, II, da Lei 11.101/2005.
Tendo em vista que a homologação do plano gera a novação das dívidas a ele sujeitas, a petição também deve estar acompanhada de documentos que comprovem os poderes dos subscritores para novar ou transigir.
Por fim, a petição deve ser acompanhada da relação nominal de credores com a indicação completa de endereços, natureza, classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente.8
Recebido o pedido de homologação do plano extrajudicial, o juiz determinará a publicação de edital no Diário Oficial e em jornal de grande circulação nacional ou das localidades da sede e das filiais do devedor, convocando todos os credores do devedor para apresentação de impugnação ao plano.9
Deverá a devedora comprovar, ainda, o envio de carta para cada um dos credores sujeitos ao plano e domiciliados no Brasil, com informação sobre o prazo de impugnação e as condições do plano.
Os credores terão o prazo de 30 dias para apresentar impugnação ao plano.
Entretanto, as matérias objeto de impugnação são limitadas pelo art. 164, § 3º, da Lei 11.101/2005.
Nesse sentido, os credores somente podem alegar:
(i) o não preenchimento do percentual mínimo de 3/5 dos créditos;
(ii) a prática de atos de falência previstos no art. 94, III, da Lei 11.101/2005 ou a prática de fraude contra credores; ou
(iii) o descumprimento de qualquer outra exigência legal.
Nota-se, portanto, que não será objeto de impugnação o mérito do plano. Vale dizer, a discordância do credor com os termos do plano é irrelevante, na medida em que sua homologação pressupõe o atingimento do quórum legal, vinculando também a minoria dissidente.
Poderá haver discussão, todavia, sobre o valor ou natureza do crédito incluído no plano. Isso porque tais questões poderão interferir no cálculo do quórum legal de aprovação.
Se for apresentada impugnação, o devedor poderá se manifestar sobre ela no prazo de 5 dias.
Na sequência, os autos vão conclusos ao juiz para decisão sobre as impugnações e sobre a homologação judicial do plano.
O plano não será homologado se houve prova de simulação de créditos ou vício de representação dos credores que subscreveram o plano.
Se o plano não for homologado, o processo é extinto sem resolução do mérito e a devedora poderá, cumpridas as formalidades legais, apresentar novo plano de recuperação extrajudicial.
O processo de recuperação extrajudicial é sempre julgado por sentença, que homologa o plano ou rejeita o plano e extingue o processo sem resolução do mérito.
O recurso cabível contra a sentença que homologa ou rejeita o plano será sempre a apelação, nos termos do art. 164, § 7º, da Lei 11.101/2005.
Notas
1 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à lei de falências e de recuperação de empresas, pp.525-526.
2 NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa, p. 237.
3 Art. 165, §§ 1º e 2º, da Lei 11.101/2005.
4 Art. 163, § 2º, da Lei 11.101/2005.
5 Art. 163, § 3º, da Lei 11.101/2005.
6 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falências/Lei 11.101/05 comentada artigo por artigo, p. 336.
7 Vide item “4. Conteúdo do plano de recuperação extrajudicial - limitações legais”, retro.
8 Art. 163, §6º, I, II e III da Lei 11.101/2005.
9 Art. 164, caput, da Lei 11.101/2005.
Referências
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à lei de falências e de recuperação de empresas. 11 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falências/Lei 11.101/05 comentada artigo por artigo. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. Volume 3.
Citação
COSTA, Daniel Carnio. Recuperação extrajudicial. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Comercial. Fábio Ulhoa Coelho, Marcus Elidius Michelli de Almeida (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/212/edicao-1/recuperacao-extrajudicial
Edições
Tomo Direito Comercial, Edição 1,
Julho de 2018
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